Mostrar mensagens com a etiqueta portagens. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta portagens. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Muralhas em Lisboa: o mercado que resolva

A propósito deste post de Zèd sobre a política de transportes para Lisboa, venho expor a minha oposição à proposta de pôr portagens nos acessos à cidade, como medida para reduzir o número de automóveis. Como bem identificou Zèd, um dos problemas centrais da falta de eficácia dos transportes públicos relaciona-se com a descontinuidade das linhas e das ligações entre os vários tipos de transporte, e a falta de racionalidade na gestão dos recursos disponíveis. No entanto, considera que a plataforma existente representa uma alternativa mais do que suficiente para que as pessoas deixem de vez o carro particular. Daí que se legitime uma medida de choque - as portagens – como meio de desencorajar uso do automóvel. Sobre isto tenho várias considerações a fazer:
1. Ver o uso do automóvel somente à escala da cidade é um erro. À semelhança do que acontece com outros trajectos, como a ligação ferroviária entre as duas bandas do Tejo, o automóvel não deixa de ser usado por completo. Passa é a fazer somente parte do percurso (normalmente, da residência até à estação de comboio). Mas os carros têm de ficar em algum lado!
2. Para além da descontinuidade das linhas, verifica-se que a maior parte das estações e nódulos de intercepção entre as várias redes não têm parques de estacionamento em condições para albergar o conjunto enorme de veículos que não deveriam entrar na cidade.
3. A cidade não é só invadida durante o dia. À noite é um espaço de lazer ao qual acorrem imensas pessoas da periferia. Dado que não é economicamente viável manter a mesma oferta de transportes que existe durante o dia, como é se resolveria esta situação? Deixaria de haver portagens em horário pós-laboral? Parece-me que esta medida seria no mínimo imoral: quem quisesse ir trabalhar de carro teria de pagar, quem quisesse ir divertir-se à noite não pagaria.
4. Contudo, o argumento que mais me surpreende, para legitimar a medida, assenta no mercado. Num comentário ao post o Hugo justifica a ineficácia do serviço público “porque o mercado não se desenvolveu, dado que não há procura que o justifique; no dia em que as pessoas não tiverem a mesma facilidade para levar o carro p o interior da cidade de Lisboa, essas soluções aparecerão”. Esta afirmação não está muito longe da retórica neo-liberal cujo meio para solucionar qualquer problema passa por impor a liberalização do mercado. Aqui a ideia é outra, o mercado dará os seus frutos ao se impor uma portagem. Com a agravante de que o Estado sairia duplamente beneficiado, não teria que encontrar alternativas, pois o mercado arranjá-las-ia, ao mesmo tempo, que engordaria os bolsos ao tributar a entrada na cidade. Não estamos muito longe do modelo da cidade-estado da época medieval.
5. Entendo que as portagens poderão fazer sentido, não enquanto medida choque, mas num cenário em que o Estado e a CML tiverem proporcionado as condições necessárias para as pessoas prescindirem dos automóveis. Porque se isso não acontecer estou convencido de que a maior parte dos utentes não deixará de utilizá-lo. Veja-se o que sucede com o tráfego da Ponte 25 de Abril, apesar do aumento das portagens, do parqueamento pago em todos os passeios da cidade e do aumento dos combustíveis (o que encareceu em muito os custos), grande parte das pessoas ainda considera que é mais rentável utilizar o carro. Não serão todas irracionais, pois não?