Ilustração: Daniel Araujo
Acaba de sair pela editora Paulinas meu livro Drácula, da
coleção Clássicos do Mundo. Nele, conto a história do conde que inspirou
legiões de escritores, cineastas e desenhistas, a partir da obra de Bram Stoker.
A história é ambientada na São Paulo contemporânea e também,
claro, na Transilvânia.
Escrever essa obra foi uma licença poética. Pois a editora
me deu total liberdade de contar (ou recontar) a história de Drácula, e o destino me incumbiu de falar de Drácula
entre nós, longe da Londres vitoriana palco da obra do irlandês Bram Stoker. O
que foi desafiador, mas ao mesmo tempo prazeroso e, por que não dizer, mágico.
Pois a história do vampiro, depois da obra matriz de Stoker, foi recontada
inúmeras (na verdade incontáveis) vezes por muitos artistas. Como disse José
Arrabal no prefácio, foi “ao longo do tempo replicado em diversas novelas de
outros autores, em programas de rádio, no cinema mudo e falado, em séries
televisivas, letras de música, revistas em quadrinhos, videogames, também em
criações da publicidade, obras de designers e demais artistas plásticos”.
Assim, me senti à vontade em dialogar com essa história extraordinária, que resultou em bem cuidada edição da irmã Maria Goretti de Oliveira, da Paulinas, e sua equipe, com ilustrações de Daniel Araujo.
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Um dia, altas horas, eu estava escrevendo uma passagem do livro e, de repente, do nada, uma mariposa entrou pela janela do escritório e veio direto em mim, no meu pescoço. É um fato de que não esqueço. Obviamente, tomei um susto enorme, estapeei o inseto e nem me lembro se o matei ou não.
Um dia, altas horas, eu estava escrevendo uma passagem do livro e, de repente, do nada, uma mariposa entrou pela janela do escritório e veio direto em mim, no meu pescoço. É um fato de que não esqueço. Obviamente, tomei um susto enorme, estapeei o inseto e nem me lembro se o matei ou não.
Quando se escreve um livro, às vezes acontece de as coisas
se materializarem. A ficção se confunde com a realidade? Terei sonhado com
aquela mariposa?
Garcia Márquez é um escritor em cujas obras se veem
borboletas que não se sabe se existem ou não existem, mas que evidentemente
existem, em alguma dimensão.
O cineasta Luis Buñuel é outro em cuja obra está esse
enigmático limiar entre a realidade e a imaginação, palavra que o espanhol
gostava de usar – embora em Buñuel a imaginação estivesse mais vinculada a uma concepção psíquica do que mística ou mágica, esta uma especialidade de García
Marquez.
Voltando ao Drácula, como escrevi no texto para a quarta capa
do livro, “contar a história desse ser assustador e fascinante, situando-o na
cidade de São Paulo de nossa época, no início do século XXI, e interagindo com
personagens comuns como todos nós, imaginá-lo entre nós, foi uma experiência ao
mesmo tempo desafiadora e gratificante”.
Drácula é um clássico, e o personagem já faz parte do
imaginário de todos nós. Ele não morreu nem ao final do livro matriz de Bram
Stoker, nem no impressionante (embora demasiado hollywoodiano, e portanto
adocicado) filme de Francis Ford Coppola, nem no expressionista Nosferatu (1922),
filme do alemão F.W. Murnau, nem em qualquer obra.
Em uma das muitas abordagens sobre o tema obra clássica, o escritor
argentino Jorge Luis Borges escreveu: “Clássico não é um livro que possui
necessariamente tais ou tais méritos. É um livro que as gerações dos homens,
motivadas por razões diversas, leem com prévio fervor e misteriosa lealdade”.
Bram Stoker criou um livro clássico e um personagem mítico. Drácula é imortal. Por isso, com a licença de seu criador, me permiti, como disse acima, a licença poética de contar a passagem de Drácula pela metrópole de São Paulo, onde ele pode muito bem ter passado alguns dias de sua eternidade.