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sexta-feira, 19 de junho de 2015

Drácula em São Paulo


Ilustração: Daniel Araujo
Acaba de sair pela editora Paulinas meu livro Drácula, da coleção Clássicos do Mundo. Nele, conto a história do conde que inspirou legiões de escritores, cineastas e desenhistas, a partir da obra de Bram Stoker.

A história é ambientada na São Paulo contemporânea e também, claro, na Transilvânia. 

Escrever essa obra foi uma licença poética. Pois a editora me deu total liberdade de contar (ou recontar) a história de Drácula, e o destino me incumbiu de falar de Drácula entre nós, longe da Londres vitoriana palco da obra do irlandês Bram Stoker. O que foi desafiador, mas ao mesmo tempo prazeroso e, por que não dizer, mágico. Pois a história do vampiro, depois da obra matriz de Stoker, foi recontada inúmeras (na verdade incontáveis) vezes por muitos artistas. Como disse José Arrabal no prefácio, foi “ao longo do tempo replicado em diversas novelas de outros autores, em programas de rádio, no cinema mudo e falado, em séries televisivas, letras de música, revistas em quadrinhos, videogames, também em criações da publicidade, obras de designers e demais artistas plásticos”.

Assim, me senti à vontade em dialogar com essa história extraordinária, que resultou em bem cuidada edição da irmã Maria Goretti de Oliveira, da Paulinas, e sua equipe, com ilustrações de Daniel Araujo.

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Um dia, altas horas, eu estava escrevendo uma passagem do livro e, de repente, do nada, uma mariposa entrou pela janela do escritório e veio direto em mim, no meu pescoço. É um fato de que não esqueço. Obviamente, tomei um susto enorme, estapeei o inseto e nem me lembro se o matei ou não.

Quando se escreve um livro, às vezes acontece de as coisas se materializarem. A ficção se confunde com a realidade? Terei sonhado com aquela mariposa?

Garcia Márquez é um escritor em cujas obras se veem borboletas que não se sabe se existem ou não existem, mas que evidentemente existem, em alguma dimensão.

O cineasta Luis Buñuel é outro em cuja obra está esse enigmático limiar entre a realidade e a imaginação, palavra que o espanhol gostava de usar – embora em Buñuel a imaginação estivesse mais vinculada a uma concepção psíquica do que mística ou mágica, esta uma especialidade de García Marquez.

Voltando ao Drácula, como escrevi no texto para a quarta capa do livro, “contar a história desse ser assustador e fascinante, situando-o na cidade de São Paulo de nossa época, no início do século XXI, e interagindo com personagens comuns como todos nós, imaginá-lo entre nós, foi uma experiência ao mesmo tempo desafiadora e gratificante”.

Drácula é um clássico, e o personagem já faz parte do imaginário de todos nós. Ele não morreu nem ao final do livro matriz de Bram Stoker, nem no impressionante (embora demasiado hollywoodiano, e portanto adocicado) filme de Francis Ford Coppola, nem no expressionista Nosferatu (1922), filme do alemão F.W. Murnau, nem em qualquer obra. 

Em uma das muitas abordagens sobre o tema obra clássica, o escritor argentino Jorge Luis Borges escreveu: “Clássico não é um livro que possui necessariamente tais ou tais méritos. É um livro que as gerações dos homens, motivadas por razões diversas, leem com prévio fervor e misteriosa lealdade”.

Bram Stoker criou um livro clássico e um personagem mítico. Drácula é imortal. Por isso, com a licença de seu criador, me permiti, como disse acima, a licença poética de contar a passagem de Drácula pela metrópole de São Paulo, onde ele pode muito bem ter passado alguns dias de sua eternidade.

Serviço:

Drácula – Eduardo Maretti – Editora Paulinas: http://www.paulinas.org.br/loja/dracula

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Os vampiros de Jarmusch


Reprodução


Only Lovers Left Alive é o título do mais recente filme do cineasta norte-americano Jim Jarmusch. Diretor de filmes como Dead Man, Noite sobre a Terra, Estranhos no Paraíso, Daunbailó, Flores Partidas, Ghost Dog e outros, ele deu recentemente uma entrevista publicada no site IndieWire em que fala sobre seu filme, um "filme de vampiro". 

São vários os diretores mais cultuados que dedicaram um filme a essa criatura que se alimenta da energia ou sangue e cujo maior sofrimento é a imortalidade. F. W. Murnau (Nosferatu, 1922), Werner Herzog (Nosferatu - O Vampiro da Noite, 1979), Roman Polanski (A Dança dos Vampiros, 1967), Francis Ford Copolla (Drácula de Bram Stoker, 1992) são alguns deles. 

De maneira que me causa expectativas assistir ao novo filme de Jarmusch, que ainda não vi e, ao que parece, deve chegar ao Brasil em outubro. Não há cineasta contemporâneo que fale melhor do tédio da civilização contemporânea do que Jarmusch. Por isso, ele focar sua lente no vampiro, essa figura mitológica, deve ser, como diria minha avó Emiliana, unir "a fome com a vontade de comer". No filme, há um casal de vampiros cultos que estão há séculos juntos, cujos nomes são significativos: Adam e Eve, interpretados respectivamente por Tom Hiddleston e Tilda Swinton.

Sobre o porquê de ter escolhido o tema vampiros para seu novo filme, disse Jarmusch: “Há centenas de filmes de vampiros, mas nosso filme não é um filme de terror. É um tipo diferente de filme de vampiro. Há muitos filmes diferentes de vampiro que não são de terror”.

Ou seja, não espere do vampiro de Jarmusch algo místico, mas uma criatura poética e entediada que, como um dead man, vagueia pelas sombras da civilização ocidental.

Na entrevista, no início de abril de 2014, Jarmusch falou do filme Only Lovers Left Alive e outros temas, como música, cinema contemporâneo, seu status de cineasta underground e sua opinião sobre o cinema atual. "O cinema precisa ser reduzido à sua poesia essencial”, disse o diretor.

Falou na entrevista sobre o fato de que fazer cinema, na sua opinião, é uma atividade cada vez mais difícil. A saída, disse, pode ser o esquema de orçamentos baratos como o do cinema que vem sendo feito na Grécia na atualidade, ou o que já foi realizado no Irã. “Cinema é uma forma tão bonita, mas está ficando muito difícil – é muito diferente do que era há cinco anos – financiar filmes. Não sei o que dizer sobre isso, a não ser que continuo fazendo.”

“Sempre achei as coisas mais interessantes do lado de fora do mainstream. Ao longo da história, sempre houve uma cultura dominante e uma cultura marginal, e as coisas mais inovadoras estão às margens. Nem sempre, mas na maioria das vezes. Estou definitivamente em algum lugar nas margens. Eu não me vejo no mainstream”, afirmou Jarmusch.

Tilda Swinton e Tom Hiddleston, vampiros de Jarmusch
Sobre o chamado cinema independente: “depende de como você define cinema independente. Ele se tornou uma espécie de ferramenta de marketing, especialmente na América, então eu realmente não sei o que significa. As coisas mudaram, e a crise econômica mundial, e as novas maneiras como os filmes são distribuídos, mudaram a forma como eles podem ser financiados. Eu não sei qual é o futuro, mas sei que a nova onda de filmes gregos usando pequenos orçamentos, isso é realmente o futuro, e talvez o melhor caminho. Se você olhar para a história de qualquer forma de arte, digamos o rock 'n ' roll , por exemplo (...) estávamos cansados ​​deste grande rock 'n ' roll de estádio, de gravadora, o rock 'n ' roll comercial que foi impingido, de uma forma convencional. Portanto, é muito importante que, a partir , talvez, de The Stooges, ou Sex Pistols ou Ramones... a idéia é reduzir ao essencial”.

Ainda sobre cultura dominante x underground: “Estou muito mais interessado em ver o cinema de um diretor grego que fez um  filme com 200 mil dólares do que ver O Grande Gatsby, de Baz Luhrmann. (...) na Grécia, Romênia, há anos no Irã, há esses belos jardins do novo cinema que vem de lugares sobre os quais você pensaria: ‘Como é que eles podem fazer filmes em lugares onde a crise é tão grave?’ Mas isso está acontecendo. Eu não sou um profeta, mas apoio as pessoas encontrarem sua própria maneira de se expressar”.

Na entrevista, Jarmusch também fala da relação entre música e cinema. Perguntado sobre o que vem antes quando concebe um filme (a imagem ou o som), responde: “Nenhum dos dois. O que geralmente vem em primeiro lugar são alguns personagens e alguns lugares (...) A imagem e o som são a mesma coisa para mim no sentido de criar uma atmosfera”. Se você viu Estranhos no Paraíso (tradução incorreta do original Stranger than Paradise, 1984) e lembra do diálogo da música de John Lurie com as cenas do filme entenderá como a música é intrínseca aos filmes de Jarmusch. O que acontece também, de forma marcante, no filme Dead Man (1995), no qual a história de Johnny Depp como William Blake é como que narrada pela guitarra de Neil Young.

A entrevista de Jarmusch ao IndieWire na íntegra, em inglês, está aqui: Jim Jarmusch on the Future of Independent Film: 'Cinema needs to be reduced to its essential poetry'

Leia também:



quarta-feira, 17 de julho de 2013

O vampiro do Polanski


Ainda não é desta vez que vou escrever um post da série Favoritos do Cinema sobre Roman Polanski, embora este seja um dos cineastas mais abordados neste blog, porque, afinal, é não apenas um grande diretor como também uma persona cuja trajetória é em si mesma o roteiro de um grande e misterioso filme.

Não, este post é apenas para falar de um filme que revi dias atrás e que, como havia assistido há muitos anos, provavelmente em circunstâncias desfavoráveis (já que ele se apagara de minha memória), não me lembrava de nada.


Polanski e Sharon Tate em A Dança dos Vampiros (1967)

Trata-se de A Dança dos Vampiros, uma das muitas versões disponíveis no cinema sobre a mitológica criatura cujo maior sofrimento é não poder morrer e que, saindo do túmulo durante a noite, suga a vida das pessoas que encontra pela caminho.

O escritor irlandês Bram Stoker, com o clássico Drácula, foi quem deu forma ao vampiro eternizado nas telas de cinema nos três mais badalados filmes sobre o personagem que se basearam no livro de Stoker, e tirando os antigos e inesquecíveis filmes meio trash, meio cult, mas sem dúvida clássicos, interpretados por Bela Lugosi, deliciosos de ver, mas que mereceriam um post à parte.

Com “três mais badalados” me refiro a Nosferatu (de F.W. Murnau, 1922), com Max Schreck no papel do bebedor de sangue; Nosferatu - O Vampiro da Noite (de Werner Herzog, 1979), com a extraordinária interpretação de Klaus Kinski; e Drácula de Bram Stoker (de Francis Ford Coppola, 1992), a grande e caríssima produção de um diretor que dispensa comentários, cuja grandiosidade faz do intérprete do vampiro, Gary Oldman, o menos brilhante dos três atores, na minha opinião. Em A Dança dos Vampiros, Polanski faz um vampiro quase insignificante, que tem menos importância do que os outros personagens e do que os outros vampiros. Por quê?

O filme de Murnau, forjado no clima expressionista alemão que vicejava na Alemanha pós-Primeira Guerra que prenunciava com suas sombras o terrível porvir nazista, é naturalmente pessimista, e trágico; o de Herzog, igualmente erótico e pessimista (um arquétipo alemão?), entretanto substitui a tragédia pela ironia, que Klaus Kinski incorpora como um mestre; e o filme de Coppola, que privilegia a visão hollywoodiana (emblematizada pelo idiota beijo final do vampiro moribundo e a amada – a espetacular Wynona Rider), mas que tem soluções gráficas e de roteiro que só Coppola poderia fazer, como a sequência inicial, que dá ao filme uma carga histórica que os outros não têm: Coppola interpreta o Drácula de Bram Stoker como uma tragédia shakespeariana que atravessa os séculos, incorpora o ódio ao catolicismo medieval e admite o espiritismo, na medida em que deixa claro que a paixão do vampiro (Gary Oldman) pela amada (Wynona Rider) começara séculos antes.

No filme de Polanksi, de 1967 (feito portanto 45 anos depois do de Murnau e antes que os de Herzog e Coppola 12 e 25 anos, respectivamente), as referências à matriz (Bram Stoker) se diluem. Murnau, Herzog e Coppola seguiram de maneira mais ou menos fiel (mas sempre fiel) o roteiro traçado pelo escritor. Em Polanski, o roteiro é bem diverso. No entanto, é o que melhor preserva as origens nas quais todos beberam, qual seja, a cultura romena e do leste europeu, seus mitos e folclores, o figurino e o cenário a caracterizar o enredo.

Não tenho elementos para dizer quais foram as locações das filmagens de A Dança dos Vampiros, mas de fato ele filma a atmosfera meio fabulosa (na acepção do termo) de um povo camponês, não industrial, e suas crendices.

Polanski filmou a cultura anterior àquela que os outros ignoraram em seus filmes. O vampiro de Murnau é o alemão das sombras expressionistas. O de Herzog é também o alemão, de outra época, pós-Segunda Guerra. O de Coppola, embora incorpore até mesmo a questão da reencarnação, é norte-americano.

O de Polanski não. Ele admite a cultura originária, a romena. E, apesar disso, incorpora também algo que lembra (embora não explicitamente) a época do ácido lisérgico e o espírito dos anos 1960.

O próprio Polanski interpreta o segundo principal personagem do filme, o assistente do professor Abronsius. E dá a ele um caráter cômico, irônico, mas nunca trágico.

E dá ainda, sem querer, um caráter profético e macabro ao filme. A heroína, que no fim se transforma em vampira, é interpretada pela belíssima Sharon Tate, então esposa de Polanski, que foi brutalmente assassinada em 1969 por um louco chamado Charles Manson, líder de uma seita satânica, condenado à prisão perpétua, que continua até hoje preso na Penitenciária Estadual de Corcoran, na Califórnia.

A título de curiosidade, Polanski dirigiu também um dos maiores clássicos do terror, O Bebê de Rosemary, de 1968, um ano antes do crime que vitimou Sharon Tate, filme que conta a história de um jovem casal (interpretado por Mia Farrow e John Cassavetes) que se muda para um prédio habitado por estranhas pessoas que vão se revelando adoradoras do demônio. A jovem (Mia Farrow) é drogada, concebida e dá à luz uma criança: o filho das trevas.

Detalhe: o filme teve como locação o edifício Dakota, onde moraram Judy Garland e Boris Karloff. O Dakota foi cenário da ficção O Bebê de Rosemary e do real assassinato de John Lennon, que morava ali em um apartamento com Yoko Ono. Lennon foi assassinado por Mark David Chapman em 8 de dezembro de 1980 em frente ao edifício Dakota.