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quarta-feira, 17 de julho de 2013

O vampiro do Polanski


Ainda não é desta vez que vou escrever um post da série Favoritos do Cinema sobre Roman Polanski, embora este seja um dos cineastas mais abordados neste blog, porque, afinal, é não apenas um grande diretor como também uma persona cuja trajetória é em si mesma o roteiro de um grande e misterioso filme.

Não, este post é apenas para falar de um filme que revi dias atrás e que, como havia assistido há muitos anos, provavelmente em circunstâncias desfavoráveis (já que ele se apagara de minha memória), não me lembrava de nada.


Polanski e Sharon Tate em A Dança dos Vampiros (1967)

Trata-se de A Dança dos Vampiros, uma das muitas versões disponíveis no cinema sobre a mitológica criatura cujo maior sofrimento é não poder morrer e que, saindo do túmulo durante a noite, suga a vida das pessoas que encontra pela caminho.

O escritor irlandês Bram Stoker, com o clássico Drácula, foi quem deu forma ao vampiro eternizado nas telas de cinema nos três mais badalados filmes sobre o personagem que se basearam no livro de Stoker, e tirando os antigos e inesquecíveis filmes meio trash, meio cult, mas sem dúvida clássicos, interpretados por Bela Lugosi, deliciosos de ver, mas que mereceriam um post à parte.

Com “três mais badalados” me refiro a Nosferatu (de F.W. Murnau, 1922), com Max Schreck no papel do bebedor de sangue; Nosferatu - O Vampiro da Noite (de Werner Herzog, 1979), com a extraordinária interpretação de Klaus Kinski; e Drácula de Bram Stoker (de Francis Ford Coppola, 1992), a grande e caríssima produção de um diretor que dispensa comentários, cuja grandiosidade faz do intérprete do vampiro, Gary Oldman, o menos brilhante dos três atores, na minha opinião. Em A Dança dos Vampiros, Polanski faz um vampiro quase insignificante, que tem menos importância do que os outros personagens e do que os outros vampiros. Por quê?

O filme de Murnau, forjado no clima expressionista alemão que vicejava na Alemanha pós-Primeira Guerra que prenunciava com suas sombras o terrível porvir nazista, é naturalmente pessimista, e trágico; o de Herzog, igualmente erótico e pessimista (um arquétipo alemão?), entretanto substitui a tragédia pela ironia, que Klaus Kinski incorpora como um mestre; e o filme de Coppola, que privilegia a visão hollywoodiana (emblematizada pelo idiota beijo final do vampiro moribundo e a amada – a espetacular Wynona Rider), mas que tem soluções gráficas e de roteiro que só Coppola poderia fazer, como a sequência inicial, que dá ao filme uma carga histórica que os outros não têm: Coppola interpreta o Drácula de Bram Stoker como uma tragédia shakespeariana que atravessa os séculos, incorpora o ódio ao catolicismo medieval e admite o espiritismo, na medida em que deixa claro que a paixão do vampiro (Gary Oldman) pela amada (Wynona Rider) começara séculos antes.

No filme de Polanksi, de 1967 (feito portanto 45 anos depois do de Murnau e antes que os de Herzog e Coppola 12 e 25 anos, respectivamente), as referências à matriz (Bram Stoker) se diluem. Murnau, Herzog e Coppola seguiram de maneira mais ou menos fiel (mas sempre fiel) o roteiro traçado pelo escritor. Em Polanski, o roteiro é bem diverso. No entanto, é o que melhor preserva as origens nas quais todos beberam, qual seja, a cultura romena e do leste europeu, seus mitos e folclores, o figurino e o cenário a caracterizar o enredo.

Não tenho elementos para dizer quais foram as locações das filmagens de A Dança dos Vampiros, mas de fato ele filma a atmosfera meio fabulosa (na acepção do termo) de um povo camponês, não industrial, e suas crendices.

Polanski filmou a cultura anterior àquela que os outros ignoraram em seus filmes. O vampiro de Murnau é o alemão das sombras expressionistas. O de Herzog é também o alemão, de outra época, pós-Segunda Guerra. O de Coppola, embora incorpore até mesmo a questão da reencarnação, é norte-americano.

O de Polanski não. Ele admite a cultura originária, a romena. E, apesar disso, incorpora também algo que lembra (embora não explicitamente) a época do ácido lisérgico e o espírito dos anos 1960.

O próprio Polanski interpreta o segundo principal personagem do filme, o assistente do professor Abronsius. E dá a ele um caráter cômico, irônico, mas nunca trágico.

E dá ainda, sem querer, um caráter profético e macabro ao filme. A heroína, que no fim se transforma em vampira, é interpretada pela belíssima Sharon Tate, então esposa de Polanski, que foi brutalmente assassinada em 1969 por um louco chamado Charles Manson, líder de uma seita satânica, condenado à prisão perpétua, que continua até hoje preso na Penitenciária Estadual de Corcoran, na Califórnia.

A título de curiosidade, Polanski dirigiu também um dos maiores clássicos do terror, O Bebê de Rosemary, de 1968, um ano antes do crime que vitimou Sharon Tate, filme que conta a história de um jovem casal (interpretado por Mia Farrow e John Cassavetes) que se muda para um prédio habitado por estranhas pessoas que vão se revelando adoradoras do demônio. A jovem (Mia Farrow) é drogada, concebida e dá à luz uma criança: o filho das trevas.

Detalhe: o filme teve como locação o edifício Dakota, onde moraram Judy Garland e Boris Karloff. O Dakota foi cenário da ficção O Bebê de Rosemary e do real assassinato de John Lennon, que morava ali em um apartamento com Yoko Ono. Lennon foi assassinado por Mark David Chapman em 8 de dezembro de 1980 em frente ao edifício Dakota.