Ainda não é desta vez que vou escrever um post da série Favoritos
do Cinema sobre Roman Polanski, embora este seja um dos cineastas mais
abordados neste blog, porque, afinal, é não apenas um grande diretor como
também uma persona cuja trajetória é em si mesma o roteiro de um grande e
misterioso filme.
Não, este post é apenas para falar de um filme que revi dias
atrás e que, como havia assistido há muitos anos, provavelmente em
circunstâncias desfavoráveis (já que ele se apagara de minha memória), não me
lembrava de nada.
Polanski e Sharon Tate em A Dança dos Vampiros (1967) |
Trata-se de A Dança dos Vampiros, uma das muitas versões
disponíveis no cinema sobre a mitológica criatura cujo maior sofrimento é não poder
morrer e que, saindo do túmulo durante a noite, suga a vida das pessoas que
encontra pela caminho.
O escritor irlandês Bram Stoker, com o clássico Drácula, foi quem deu forma ao vampiro eternizado nas telas de cinema nos três mais badalados filmes sobre o personagem que se basearam no livro de Stoker, e tirando os antigos e inesquecíveis filmes meio trash, meio cult, mas sem dúvida clássicos, interpretados por Bela Lugosi, deliciosos de ver, mas que mereceriam um post à parte.
Com “três mais badalados” me refiro a Nosferatu (de F.W.
Murnau, 1922), com Max Schreck no papel do bebedor de sangue; Nosferatu - O
Vampiro da Noite (de Werner Herzog, 1979), com a extraordinária interpretação
de Klaus Kinski; e Drácula de Bram Stoker (de Francis Ford Coppola, 1992), a
grande e caríssima produção de um diretor que dispensa comentários, cuja
grandiosidade faz do intérprete do vampiro, Gary Oldman, o menos brilhante dos
três atores, na minha opinião. Em A Dança dos Vampiros, Polanski faz um vampiro quase insignificante, que tem menos importância do que os outros personagens e do que os outros vampiros. Por quê?
O filme de Murnau,
forjado no clima expressionista alemão que vicejava na Alemanha pós-Primeira
Guerra que prenunciava com suas sombras o terrível porvir nazista, é
naturalmente pessimista, e trágico; o de Herzog, igualmente erótico e
pessimista (um arquétipo alemão?), entretanto substitui a tragédia pela ironia,
que Klaus Kinski incorpora como um mestre; e o filme de Coppola, que privilegia
a visão hollywoodiana (emblematizada pelo idiota beijo final do vampiro moribundo e a amada – a espetacular
Wynona Rider), mas que tem soluções gráficas e de roteiro que só Coppola
poderia fazer, como a sequência inicial, que dá ao filme uma carga histórica
que os outros não têm: Coppola interpreta o Drácula de Bram Stoker como uma
tragédia shakespeariana que atravessa os séculos, incorpora o ódio ao
catolicismo medieval e admite o espiritismo, na medida em que deixa claro que a
paixão do vampiro (Gary Oldman) pela amada (Wynona Rider) começara séculos antes.
No filme de Polanksi, de 1967 (feito portanto 45 anos depois
do de Murnau e antes que os de Herzog e Coppola 12 e 25 anos, respectivamente),
as referências à matriz (Bram Stoker) se diluem. Murnau, Herzog e Coppola seguiram
de maneira mais ou menos fiel (mas sempre fiel) o roteiro traçado pelo escritor.
Em Polanski, o roteiro é bem diverso. No entanto, é o que melhor preserva as origens nas quais todos beberam, qual seja, a cultura romena e
do leste europeu, seus mitos e folclores, o figurino e o cenário a caracterizar o enredo.
Não tenho elementos para dizer quais foram as locações das
filmagens de A Dança dos Vampiros, mas de fato ele filma a atmosfera meio
fabulosa (na acepção do termo) de um povo camponês, não industrial, e suas crendices.
Polanski filmou a cultura anterior àquela que os outros
ignoraram em seus filmes. O vampiro de Murnau é o alemão das sombras
expressionistas. O de Herzog é também o alemão, de outra época, pós-Segunda Guerra. O de Coppola,
embora incorpore até mesmo a questão da reencarnação, é norte-americano.
O de Polanski não. Ele admite a cultura originária, a romena.
E, apesar disso, incorpora também algo que lembra (embora não
explicitamente) a época do ácido lisérgico e o espírito dos anos 1960.
O próprio Polanski interpreta o segundo principal personagem do filme, o assistente
do professor Abronsius. E dá a ele um caráter cômico, irônico, mas nunca
trágico.
E dá ainda, sem querer, um caráter profético e macabro ao
filme. A heroína, que no fim se transforma em vampira, é interpretada pela
belíssima Sharon Tate, então esposa de Polanski, que foi brutalmente assassinada
em 1969 por um louco chamado Charles Manson, líder de uma seita satânica,
condenado à prisão perpétua, que continua até hoje preso na Penitenciária
Estadual de Corcoran, na Califórnia.
A título de curiosidade, Polanski dirigiu também um dos maiores clássicos do
terror, O Bebê de Rosemary, de 1968, um ano antes do crime que vitimou Sharon
Tate, filme que conta a história de um jovem casal (interpretado por Mia Farrow
e John Cassavetes) que se muda para um prédio habitado por estranhas pessoas
que vão se revelando adoradoras do demônio. A jovem (Mia Farrow) é drogada,
concebida e dá à luz uma criança: o filho das trevas.
Detalhe: o filme teve como locação o edifício Dakota, onde
moraram Judy Garland e Boris Karloff. O Dakota foi cenário da ficção O Bebê de
Rosemary e do real assassinato de John Lennon, que morava ali em um apartamento
com Yoko Ono. Lennon foi assassinado por Mark David Chapman em 8 de dezembro de
1980 em frente ao edifício Dakota.