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Pier Paolo Pasolini (1922-1975) é um mestre da geração que teve Buñuel, Godard, Glauber Rocha, Bertolucci, Truffaut, Fellini, Bergman e tantos outros.
Como acontece com Buñuel, é difícil citar apenas um filme de Pasolini para colocá-lo na série Favoritos do cinema, que às vezes publico aqui no blog, que são postagens sobre determinados filmes, e não diretores. Pasolini está entre as exceções.
Não dá para começar a falar do diretor italiano sem citar pelo menos cinco filmes:
- Accattone (1961)
- Mamma Roma (1962)
- Il vangelo secondo Matteo (1964)
- Uccellacci e uccellini (em português, Gaviões e passarinhos, 1966)
- Salò o le 120 giornate di Sodoma (em português, Salò ou os 120 dias de Sodoma, 1975).
Não vou discorrer sobre os filmes citados porque senão passaria a noite escrevendo. Mas qualquer busca no Google fornece informações. Salò, por exemplo, é um filme diante do qual uma pessoa estética e politicamente sensível não passa incólume. A beleza (a arte intrínseca ao filme) e a perversidade (o fascismo) se fundem nessa obra-prima. Costumo dizer sobre Salò que eu não veria de novo, mas foi essencial ter visto.
O Evangelho segundo Mateus mostra um Cristo assertivo e belo, viril e transgressivo, dando uma conotação subversiva (no sentido mais profundo) à passagem de Mateus do Novo Testamento: “Não penseis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer paz, mas espada” (Mat 10, 34).
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Vittorio Cataldi, em Accattone |
Todos os filmes acima (entre outros) são belíssimos, no sentido clássico do termo, mas também enquanto linguagem fundadora, inquietante e transgressora, que os anais da história registram como sendo o neorrealismo italiano. Se há esse conceito, Pasolini é seu espírito.
Para contextualizar: Pasolini nasceu em Bolonha (5 de março de 1922) e morreu em Óstia (periferia de Roma, em 2 de novembro de 1975), assassinado aos 53 anos em circunstâncias até hoje não suficientemente esclarecidas. A Itália de Pasolini, é bom lembrar, era um país conturbado, onde as disputas políticas eram permeadas por conflitos armados. Era a época das Brigadas Vermelhas, organização guerrilheira urbana marxista-leninista (e simpática ao maoísmo) que, entre outras ações, sequestrou e executou Aldo Moro, então ex-primeiro-ministro e presidente do partido direitista da todo poderosa Democracia Cristã Italiana.
Sendo erudito, Pasolini conseguiu evitar que o academicismo matasse sua arte. Pelo contrário. Era um artista genial: uniu o clássico (arte) ao contemporâneo (cinema) com desenvoltura. Cristão e comunista, viveu uma relação intensa “de amor e ódio”, como se diz, com duas instituições: a Igreja Católica e o Partido Comunista Italiano, o lendário PCI, que foi pensado, entre outros, por Antonio Gramsci (1891-1937). Pasolini brigou com o PCI e com a igreja, mas não brigou com o marxismo e nem com a arte.
Além do caráter político/estético dos filmes de Pasolini, estes tinham outra virtude: não eram simplesmente “filmes-cabeça”, (apenas) experimentalistas e chatos como A chinesa de Godard, um dos símbolos da chatice no cinema (adoro Godard, devo ressalvar e ressaltar, mas esse é outro post).
Depois que eu postar esta humilde impressão, com certeza lembrarei de outras coisas que poderia ter dito sobre Pasolini, mas não disse.
Por exemplo, me ocorre neste instante o magnífico diálogo entre o grande e velho ator Totó e o jovem Ninetto Davoli em Uccellacci e uccellini, uma alegoria na qual um velho e um jovem (pai e filho?) discutem filosofia (marxista) durante uma viagem a pé, interpelados o tempo todo por um corvo intrometido. Para quem gosta de gossips, consta que Pasolini, que era homossexual, adotou Davoli como seu ator e jovem amante. O mesmo Nineto Davoli trabalhou com Pasolini, entre outros filmes, em Decameron (1971), o primeiro (e melhor) da Trilogia, que se completa com Os contos de Canterbury (1972) e As mil e uma noites (1974).
Però, è finito. Arrivederci. Eu estava devendo um post ao mestre Pasolini. Espero que ele aceite isto como uma medíocre tentativa.
Leia também, da seção Favoritos do cinema:
Quando explode a vingança (Sergio Leone)
Era uma Vez no Oeste (Sergio Leone)
Fargo (irmãos Coen)
Os Incompreendidos, de François Truffaut
*Publicado originalmente às 02:13 de 14 de dezembro de 2012