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sexta-feira, 13 de abril de 2012

Anencefalia: mais uma vez, STF decide contra o obscurantismo


Não tive tempo de postar antes sobre a histórica votação do STF que, nesta quinta-feira, 12, por 8 votos a 2, literalmente tirou o aborto (vamos descartar o eufemismo) do Código Penal em casos de anencefalia. Votaram a favor da tese vencedora e contra o obscurantismo medieval, tese defendida desde o início pelo relator Marco Aurélio de Mello, os ministros Rosa Maria Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Cézar Peluso e Ricardo Lewandowski foram os votos vencidos. Dias Toffoli não votou, por ter atuado no caso como advogado-geral da União.

Esse julgamento é o terceiro de capital importância do STF nos últimos quatro anos a confirmar auspiciosamente um mandamento básico da Constituição de 1988: aquele segundo o qual o Brasil é um Estado laico. O primeiro foi o de maio de 2008, quando a “Suprema Corte” aprovou as pesquisas com células-tronco embrionárias no país. O segundo foi o reconhecimento, por 10 votos a zero, da união homoafetiva, exatos três anos depois, em maio de 2011.

Dos votos que pude acompanhar, tirando o do relator, achei muito bom o do ministro Luiz Fux. Ele ressaltou algo elementar, embora as mentes mais retrógradas (por ignorância ou má-fé) insistam em condenar: descriminalizar a "interrupção terapêutica de gravidez" (um eufemismo) em casos de anencefalia não quer dizer que a mulher que quiser ter um filho sem cérebro não possa tê-lo. Mas não se pode levar às barras do tribunal aquela que quiser optar por não ter, que não quiser passar por esse “terrível sofrimento”.

Luiz Fux disse algo forte em seu voto: os que condenam a opção legítima de uma mulher não querer ter um filho (natimorto) anencéfalo geralmente são pessoas cujos filhos e netos são bonitos e saudáveis. Esse foi um dos pontos altos de todo o julgamento. “A questão deve ser tratada como política de assistência social”, disse Luiz Fux, e não como uma questão penal.

É preciso reconhecer que, nos julgamentos em que tem sido chamado a resolver questões que contrapõe Estado laico versus moral religiosa, o Supremo tem dado respostas cabais a favor de uma sociedade menos estúpida e menos obscurantista.

Na questão do aborto propriamente dito, a batalha vai ser muito, mas muito mais difícil.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Voto de Marco Aurélio é contundente: "Gestação de anencéfalo assemelha-se à tortura"

 
Foto: Elza Fiúza/ABr
O ministro relator, ao fundo, à esquerda

Eu ia esperar o fim do julgamento do Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 para postar aqui. Mas o voto do relator, Marco Aurélio de Mello – a favor da descriminalização da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia – merece um post à parte, pois é brilhante. Na verdade, reflete o que se espera da mais alta corte do país, cujo dever é zelar pela constitucionalidade das leis de um país laico. E, afinal, como ele próprio lembrou: “Não cogitamos sequer de aborto [no julgamento] mas de interrupção terapêutica de gravidez”.

O voto do relator é cabal. “O Estado brasileiro é laico”. Mais do que cabal, é contundente em algumas passagens. Por exemplo, quando diz: “O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido”.

Afirmou ainda: "Hoje é consensual no Brasil e no mundo que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro não tem vida", disse.

Pode-se criticar ou falar o que quiser de Marco Aurélio, mas seu voto e relatório (eruditos como sempre) são históricos, e vamos esperar que o STF, ao final, acabe com a hipocrisia que ronda o tema desde 2004, quando o caso chegou ao tribunal. O ministro lembrou a grande Simone de Beauvoir (autora do monumental O Segundo Sexo, considerado a bíblia do feminismo) em sua argüição: “Simone de Beauvoir já exclamava ser o mais escandaloso dos escândalos aquele a que nos habituamos”.

Leia algumas passagens do voto de Marco Aurélio (o link com a íntegra de seu voto está abaixo neste post):

“A garantia do Estado laico obsta que dogmas de fé determinem o conteúdo de atos estatais. Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada.”

“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”

“Não cabe impor às mulheres o sentimento de meras ‘incubadoras’ ou, pior, ‘caixões ambulantes’, na expressão de Débora Diniz. Simone de Beauvoir já exclamava ser o mais escandaloso dos escândalos aquele a que nos habituamos. Sem dúvida. Mostra-se inadmissível fechar os olhos e o coração ao que vivenciado diuturnamente por essas mulheres, seus companheiros e suas famílias.”

“Atuar com sapiência e justiça, calcados na Constituição da República e desprovidos de qualquer dogma ou paradigma moral e religioso, obriga-nos a garantir, sim, o direito da mulher de manifestar-se livremente, sem o temor de tornar-se ré em eventual ação por crime de aborto.”

“Franquear a decisão à mulher é medida necessária ante o texto da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, ratificada pelo Estado brasileiro em 27 de novembro de 1995, cujo artigo 4º inclui como direitos humanos das mulheres o direito à integridade física, mental e moral, à liberdade, à dignidade e a não ser submetida a tortura. Define como violência qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.”

“Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro.”

Após o resultado (esperemos que majoritariamente seguindo o voto do relator), postarei outro texto no blog.

Leia a íntegra do voto de Marco Aurélio de Mello neste link: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 - Distrito Federal