As declarações da atriz e deputada estadual Myrian Rios (PDT-RJ) não merecem a relevância que recebem. Não que as “ideias” manifestadas pela ex-esposa de Roberto Carlos não sejam condenáveis. São, e foram rebatidas categoricamente em nota oficial da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), que você pode ler aqui.
Mas esses soluços de reação me fazem lembrar a célebre frase de Regina Duarte, outrora “namoradinha do Brasil”, quando disse “eu tenho muito medo”, em 2002. São manifestações naturais quando transformações históricas e irrevogáveis estão em curso. Muitos setores não entenderam ainda o que significa estar em 2011, o primeiro ano da segunda década do século XXI, e simplesmente reagem. Reagem em vão.
(Parênteses: note-se que a deputada católica extremamente praticante é do partido, o PDT, de ninguém menos do que o deputado federal Brizola Neto. Precisa dizer mais alguma coisa? Precisa, e provavelmente por isso a deputada Myrian Rios logo veio a público pedir desculpas pelas ideias temerárias que andou defendendo em discurso na Assembleia Legislativa fluminense).
O fato é que os passos rumo a uma nação laica, com cada vez menos preconceitos e discriminação, estão sendo dados, e não só em retórica, luta ou discurso, mas juridicamente também. Jurisprudências vão se consolidando de maneira cabal, o que mostra o caráter inexorável da evolução.
Exemplos recentes mas já clássicos:
- O reconhecimento, por 10 votos a zero, pelo Supremo Tribunal Federal, da união homoafetiva, no início de maio (leia aqui).
- a decisão do juiz Fernando Henrique Pinto, da 2ª Vara da Família e das Sucessões de Jacareí (SP), autorizando esta semana que o casal gay Sérgio Kauffman e Luiz André Moresi realizasse um casamento civil (esta decisão já foi influência do entendimento do STF sobre união homoafetiva).
- o Estado laico também foi contemplado em maio de 2008, quando o STF considerou constitucionais as pesquisas com células-tronco embrionárias no país, uma decisão que derrotou as inclinações mais obscurantistas da sociedade, representadas no próprio Supremo, e deu aval para que a Ciência possa se desenvolver no país.
E outras decisões virão.
É certo que, como vimos na estratégia sórdida da campanha eleitoral tucana em 2010; nas agressões homofóbicas persistentes; ou na repressão covarde da polícia paulista à Marcha da Maconha em São Paulo, não se pode baixar a guarda. Mas, até neste caso, em julgamento neste junho de 2011, o STF deu um basta à intolerância, declarando liberadas as manifestações desse tipo, em nome da liberdade de manifestação e expressão.
Não se pode baixar a guarda, tampouco, no combate ao famigerado AI-5 digital, uma sombra que paira sobre as liberdades introduzidas pela internet na vida das pessoas e na própria forma de fazer política, combate urgente a ser travado nas instâncias de luta adequadas (das redes sociais ao Congresso Nacional).
Apesar de tudo, ao contrário dos soluços reacionários, as lutas é que não têm sido vãs, e as vitórias delas decorrentes são notórias, como vimos. Outras Reginas Duartes e Myrian Rios, outros Bolsonaros e quetais continuarão esperneando e vociferando. Mas, como escreveu Pablo Milanes em Canción por La Unidad de Latino América, interpretada lindamente por Chico Buarque e Milton Nascimento:
“A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue”