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domingo, 30 de dezembro de 2012

Melancolia, de Lars von Trier





Quem conhece o cinema da Lars von Trier não deve se surpreender com nada. Dogville (2003) e Dançando no escuro (2000), suas grandes obras, são dois dos filmes mais impressionantes e inquietantes produzidos de uma década para cá, ou pouco mais.

O mais recente filme dirigido pelo polêmico cineasta dinamarquês não é diferente. Melancolia (do original Melancholia, de 2011) é o nome de um planeta, fictício, claro, cuja rota pode levá-lo a se chocar com a Terra.

Nesse contexto apocalíptico, desenvolve-se o drama de uma família dividido em duas partes ("Justine" e "Claire", nomes das irmãs Justine [Kirsten Dunst] e Claire [Charlotte Gainsbourg]). Na primeira parte, acontece uma festa em grande estilo na qual se dá o casamento de Justine. Aos poucos, a jovem passa a revelar um temperamento instável, enquanto sua irmã Claire, já casada e com um filho, parece representar a irmã forte da família. Mas a aparentemente desajustada Justine é uma espécie de antena, cuja sensibilidade é maior do que das pessoas com quem convive; essa "mediunidade", digamos assim, ela não consegue comunicar aos seus pares.

Na segunda parte, “Claire”, o drama começa a assumir proporções que transcendem os próprios protagonistas, humanos que são, pois o que se avizinha é o próprio fim do mundo e as personagens oscilam emocionalmente nessa realidade assombrosa de acordo com os limites de cada um (imagine você numa realidade como a descrita no filme. Como você reagiria?). É impressionante a construção das personagens operada pelo diretor no desenvolvimento desse enredo.

O marido de Claire, John (Kiefer Sutherland), um estudioso leigo de astronomia, se encarrega de monitorar a trajetória do astro. O que ele tenta saber, em seus estudos diletantes do fenômeno da aproximação do planeta estranho na órbita terrestre, sua cunhada Justine sabe intuitivamente. Pode-se dizer que cada um dos três personagens centrais representa um perfil: Justine representa a intuição e o conhecimento a priori, espiritual; John representa a dúvida; e Claire, o medo.

Apesar da temática assustadora (o fim do mundo), Melancolia é menos pesado do que Dançando no escuro (Dancer in the dark, no original). A possibilidade da aniquilação coletiva, que o planeta Melancholia anuncia, torna o tema morte paradoxalmente mais fácil de aceitar do que é em Dançando no escuro. Porque o desaparecimento da espécie humana é passível de consolo, e a morte individual, permeada pela injustiça das leis, não é. Fazendo uma analogia ao contrário (como diria Estamira), essa sensação de que a morte inexorável de todos é mais aceitável do que a morte solitária (a minha, a sua, a dele) é uma forma de egoísmo; e também uma visão ao contrário da sentença de Glauber Rocha em Terra em transe: “o homem é mais difícil de governar do que a massa” (sentença que tem um caráter existencialista evidente).

Uma solução estética interessante do filme Melancolia, e que parece ter passado despercebida pelos críticos, é o nervosismo da câmera, presente em Glauber e Godard, por exemplo: a câmera não é fixa, parada. Ela como que incorpora a instabilidade existencial (dos personagens) e cósmica (da Terra). Isso é genial no filme. Assim como é interessante a solução das imagens quase congeladas, em câmara (muito) lenta no início do filme, como a tentar dizer aquilo que todos nós sabemos mas não temos como explicar: o tempo é relativo. No final das contas, na minha humilde opinião, o filme acaba sendo realmente inquietante, e se não fosse não seria Lars von Trier.

Fora todas essas divagações, há que se falar em imagens e metáforas, riquíssimas no filme de Lars von Trier. Por exemplo: a percepção, por Justine, de que a estrela Antares, a estrela vermelha da constelação de Escorpião, desapareceu, pois ela está atrás do planeta Melancolia. Em Dogville, a inteligência estética do diretor vai além das metáforas para se transformar em alegoria. Me parece que o nome do planeta, Melancolia, é também uma alegoria, embora o filme como um todo não seja uma alegoria como é Dogville, a obra máxima de Lars von Trier.

Seja como for, terminamos 2012 e o mundo não acabou. E ver o filme do diretor dinamarquês é muito oportuno, como sempre acontece com os filmes dele.


Abaixo, um trailer do filme (o vídeo do filme na íntegra, que tinha no Youtube e estava disponível abaixo, foi tirado do ar "devido à reivindicação de direitos autorais Zentropa Entertainment", motivo pelo qual o internauta terá de alugar ou comprar o DVD: mas valerá a pena):