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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A batalha da saúde


Agência Brasil
Está sendo travada uma batalha explícita entre o governo federal, de um lado, e, de outro, a classe médica e as operadoras de mercado dos chamados planos de saúde. Tanto médicos como operadoras acham que saúde é um direito de classe. As operadoras se acostumaram a descumprir compromissos com a saúde das pessoas que pagam por seus serviços como se fosse natural descumprir contratos.

O episódio mais recente, a notícia mais fresca, é que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) suspendeu nesta terça-feira (20) 212 planos de saúde de 21 operadoras. As empresas ficam proibidas de vender novos planos até resolverem os problemas pendentes de atendimento aos clientes atuais. Em bom português: ficam proibidas de fazer novos contratos por não cumprirem os contratos firmados anteriormente.

Estamos num país onde uma desempregada que furta um pacote de manteiga pena em presídios deletérios enquanto empresas com belos logotipos e milhões para investir em propaganda dão calote no consumidor e acham que tudo deve ficar por isso mesmo.

A batalha de que falei no primeiro parágrafo não passa apenas pela atuação do Ministério da Saúde contra essa verdadeira máfia que se instalou no país, que se vale da saúde e da doença para construir impérios do lucro inadmissíveis numa sociedade digna.

A batalha passa também pelo programa Mais Médicos, uma solução social contra a qual uma corporação, a dos profissionais médicos, formados, por exemplo, na USP, uma instituição do Estado, se insurge em nome de interesses privados.

A batalha passa ainda pelo veto da presidente Dilma a pontos da chamada Lei do Ato Médico. O Projeto de Lei 7703/06, aprovado no Congresso, teve dispositivos vetados pela presidente porque, em resumo, dava aos médicos a exclusividade de procedimentos que ameaçavam até mesmo os protocolos do SUS. No limite, daqui a pouco vai ficar proibido enfermeiros e enfermeiras darem injeção e tirarem a pressão das pessoas, ou um chinês ou japonês administrar acupuntura sem uma receita médica.

Segundo a justificativa de Dilma, os dispositivos vetados do Ato Médico ameaçam “programas de prevenção e controle à malária, tuberculose, hanseníase e doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros. Assim, a sanção do texto poderia comprometer as políticas públicas da área de saúde, além de introduzir elevado risco de judicialização da matéria". Foi o que disse a presidente na mensagem enviada ao Congresso.

A batalha do direito das pessoas por um sistema de saúde decente, diante da categoria dos médicos, mesquinha e ignorante, e dos planos de saúde, sedentas insaciáveis do lucro fácil, vai continuar.

PS (às 12:09): ontem à noite o Congresso Nacional votou os vetos da presidente Dilma. Entre eles, os da Lei do Ato Médico, cujos vetos deputados e senadores mantiveram. Ainda bem que a vitória no COngresso veio, nesse caso.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Tempo de se sentir aidética


Fotos: Elza Fiúza/ABr


Por Camila Claro*

Os fatos desta narrativa aconteceram comigo no início de 2012, portanto trata-se de uma história real, mas decantada pela memória. Sou filha de médica e, conscientizada precocemente sobre as necessidades do sistema de saúde, mantenho desde os 18 anos o hábito de doar sangue. Já fiz doações para diversos hospitais, algumas destinadas a pacientes específicos, mas na maioria das vezes com o intuito de abastecer os estoques das instituições, além de ter convencido amigos a participar do processo. Quando mais jovem, até lamentava que meu tipo sanguíneo fosse A positivo, o mais comum entre os brasileiros, portanto o menos necessário. Achava ser uma dessas ironias do destino o fato da única pessoa que conhecia do tipo O negativo (o chamado “doador universal”) ter repulsa à visão de sangue.

Familiarizada com o procedimento dos hemonúcleos, eu sabia que algum tempo depois das doações receberia em casa uma carteirinha confirmando a sorologia negativa para sífilis, hepatite B e C, HIV, HTLV, doença de chagas, etc. Ela chegava em um envelope pequeno, branco, com o logotipo do hospital. Daquela vez, porém, chegou um envelope grande, em papel pardo, com a inscrição “Confidencial” e meu nome, sem nenhum sinal do remetente. Dentro dele, uma carta solicitando que eu telefonasse para o hemonúcleo e marcasse um horário para receber orientações médicas. O texto esclarecia que as informações não seriam divulgadas por telefone, nem antes da data agendada, nem a outra pessoa que não o próprio doador.

A consulta foi agendada para uma data dali a três semanas, portanto mais de um mês distante da última doação. Hoje esse prazo me parece compreensível, uma tentativa de cobrir qualquer janela imunológica, mas para quem recebe o envelope pardo e fica sem saber, nem vagamente, qual o problema detectado nos exames, trata-se de uma espera bastante longa, na qual sobra tempo para conjecturar hipóteses. Por exemplo:

– Será que fui picada por um inseto transmissor de doenças como dengue e Chagas?

Instrumentos da manicure eram esterilizados?
– Será que as agulhas do acupunturista eram esterilizadas? E os instrumentos do dentista e da manicure?

– Posso ter sido contaminada durante uma relação sexual?

– Meu parceiro pode estar contaminado? Será que ele usa drogas injetáveis ou me traiu?

– E se eu estiver grávida e tiver contaminado o bebê?

A maioria das hipóteses anteriores não chegava a me assustar, mas certamente teriam preocupado uma pessoa mais paranoica ou hipocondríaca. Eu estava certa de não ter me exposto a nenhuma das situações tradicionais de contágio, contudo o fato de conhecer casos bizarros relacionados na literatura médica contribuía para a sensação de insegurança. Em um desses casos, uma mulher atendida no Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, foi identificada como portadora do HIV depois de ter sido mordida pelo filho portador, que estava em crise convulsiva e havia antes mordido a própria língua. Teria eu entrado em contato com o sangue de alguém em alguma situação estranha da qual já nem me lembrava?

Tudo que eu podia fazer era me questionar e argumentar seguindo um raciocínio lógico. As palavras eram como pedaços de terra firme através dos quais eu caminhava por um pântano silencioso, no qual as conexões permanecem submersas. Era como avaliar a melhor trilha em um terreno recoberto de estatísticas. Por exemplo, calcula-se que a chance de aquisição do HIV em uma relação anal passiva única com parceiro infectado é de 1 a 2%, o que matematicamente significa que poderíamos ter dezenas de relações sexuais desse tipo sem proteção nem contágio. Mas quem se arriscaria? Ou melhor, quem poderia manter a tranquilidade se tivesse se arriscado?

Enfim chegou o dia da consulta com a médica do hemonúcleo. Sentada na sala de espera, percebi que as pessoas ali presentes não eram simples doadoras. O clima descontraído que eu normalmente encontrava no local fora substituído por uma nítida tensão. As pessoas olhavam o relógio, mexiam-se ansiosamente nas cadeiras e faziam perguntas em voz baixa à recepcionista. Resolvi tirar da mochila meu envelope “confidencial” e deixá-lo a vista em uma tentativa de romper o isolamento envergonhado que se instalara entre os presentes. Deu certo. Uma mulher puxou papo e disse ter recebido a mesma mensagem. Ela falou que “se garantia”, mas não podia garantir o marido. Aquelas semanas de espera entre a recepção da carta e a consulta pareciam ter criado uma crise em seu casamento.

Entrei no consultório e fui informada que o resultado dos meus testes ELISA 1 e 2 (do inglês “Enzyme-Linked Immuno Sorbent Assay”), ambos usados no diagnóstico da infecção por HIV, fora “indeterminado”. Em um momento assim percebemos como são poderosas as palavras. Eu queria ouvir “negativo”, havia me preparado para ouvir “positivo”, mas o que significaria aquele “indeterminado”? Na prática significava que meu sangue doado anteriormente seria descartado e eu deveria repetir o exame. Não havia elementos suficientes para confirmar ou descartar a infecção por HIV. Depois de tanta espera, eu continuaria sem qualquer informação objetiva, e o pior, teria que aguardar mais algumas semanas até obter o novo resultado.

Essa é a metodologia adotada pelo banco de sangue, mas é claro que, tendo plano de saúde e mãe médica, eu não ficaria esperando de mãos atadas. Fui a outro hospital e a um laboratório independente no mesmo dia e retirei outras duas amostras de sangue para exames com resultados mais rápidos. Felizmente foram ambos negativos. O mesmo não aconteceu com a amostra colhida no hemonúcleo, que novamente apontou um resultado “indeterminado”.

A “indeterminação” não me preocupou desta vez, a não ser por um motivo: fiquei cadastrada como persona non grata nos hemocentros do Brasil inteiro, que atuam segundo um sistema unificado e descentralizado, o SUS. Isto significa que estou impedida de realizar doações até obter, através dos exames realizados no próprio hemonúcleo, um resultado determinando a sorologia negativa para HIV. Enquanto isso, o governo gasta milhões de reais em campanhas e material publicitário para incentivar doações e descarta voluntários com tatuagem e homossexuais assumidos.

*Camila Claro é jornalista

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Exemplos do jeito tucano de governar São Paulo

A gestão tucana de Geraldo Alckmin, para quem é de São Paulo, é uma mazela cotidiana. Já para quem não é e nem mora no estado mais rico da federação, vão abaixo dois exemplos do que acontece por aqui.

O primeiro, pontual, um flagrante que diz respeito à rotina de quem vive e assiste a uma visível e triste deterioração dos serviços do metrô. O segundo, uma notícia sobre a política da saúde do governo do estado, a política escandalosa e perversa de usar verbas públicas para dar aos planos de saúde privados 25% dos leitos do SUS. Segundo promotor, modelo de saúde em SP não tem paralelo no país.

1) Metrô


Foto acima e informação a partir do twitter de @SerBrasileira na hora do rush desta quarta, 10: “cidadãos aguardam por trens que passam direto sem parada (2 ou 3) para estações seguintes, quando chega o trem vazio, tumulto, a espera chega a 30 minutos, com risco de sofrer acidentes”.

2) Saúde

MP entra com ação contra lei de Alckmin que vende 25% dos leitos do SUS

Por Cida de Oliveira
da Rede Brasil Atual


O Ministério Público de São Paulo protocolou na tarde desta terça-feira (9) ação civil pública que impede o governo estadual de qualquer ação com base na lei 1.131/2010 e no decreto 57.108/11, de 6 de julho de 2011, que a regulamenta. Ou seja, de entregar, entre outras coisas, 25% dos leitos de hospitais públicos estaduais gerenciados por organizações sociais (OS) para particulares e planos de saúde.

"A lei agride frontalmente inúmeras normas constitucionais. E se for implementada vai gerar uma situação aflitiva na saúde pública do Estado", explica Arthur Pinto Filho, um dos promotores que assinam a ação do MP. "Isso porque os dependentes do SUS perderão 25% dos leitos públicos dos hospitais estaduais de alta complexidade, que sabidamente já são insuficientes para o atendimento da demanda de nossa população".

Com a ação, o Ministério Público pede que sejam impedidos contratos de gestão, alterações ou aditamentos de contratos de gestão com organizações sociais; a suspensão dos efeitos concretos do decreto; e que seja fixada multa diária no valor de R$ 10 mil.

Segundo o promotor, esse modelo que Geraldo Alckmin deseja implantar no Estado de São Paulo não tem paralelo em nenhum outro da Federação, além de ser combatido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão encarregado das políticas públicas do setor.

A ação deverá ser apreciada ainda esta semana por um juiz designado pela Vara Pública.

A íntegra da matéria está aqui

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Aids, SUS e a saúde no Brasil

Uma notícia no portal Ig nesta segunda-feira conta um caso pessoal, mas que diz muito da excelência com que a Aids é tratada no Brasil, 30 anos depois que começou a aparecer e, entre nós, o jornal Notícias Populares a batizou com suas manchetes sujas de “peste gay”.

O caso é o de um japonês que, após descobrir que tinha aids, deixou seu país e rumou ao Brasil, para se tratar pelo Sistema Único de Saúde (SUS), assim como fazem pessoas de todas as partes do mundo. Atualmente, diz a matéria, 710 estrangeiros “recebem tratamento e acolhimento médico de graça contra o HIV” no Brasil, segundo dados do Programa Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde.

Entre os motivos de ter procurado o Brasil, além da gratuidade do tratamento, o japonês explica: "No Brasil, eu sei que não serei tratado por robôs". Tratamento de Aids nos Estados Unidos ou na França chega a custar US$ 2 mil por mês.

Notícias como essa são importantes para mostrar que, se o sistema de saúde no Brasil tem problemas, e tem muitos, por outro lado ele é muito mais aberto e acessível, além de humano, do que mostram as “reportagens” de campanhas eleitorais e matérias da imprensa que abordam casos específicos como se fossem o retrato fiel e, segundo elas, miserável, da saúde pública de todo o país.

Há muito o que fazer na área. Como, entre outras coisas, impedir que hospitais públicos sejam paulatinamente privatizados por políticas disfarçadas ou explícitas.

E há poucas coisas que deram tão certo no país – e, como se vê, no mundo – como o SUS, criado pela Constituição Federal de 1988, que concretizou o reconhecimento do direito de acesso universal à saúde para toda a população.