Mostrando postagens com marcador Luis Buñuel. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Luis Buñuel. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Favoritos do cinema (13): Invictus, de Clint Eastwood




Cena do cinema: Morgan Freeman e Matt Damon em Invictus


Cena real: Mandela entrega o troféu a Pienaar em 1995 no Ellis Park


Luis Buñuel disse que um filme não deveria apelar para a emoção. Para ele, isso era um recurso vulgar. Ninguém é perfeito, e o mestre Buñuel estava errado.

Não consigo assistir a Invictus, de Clint Eastwood, sem me emocionar, e não vejo razão para que a emoção provocada por uma obra de arte deva ser condenada por motivos meramente estéticos, com o perdão do advérbio.

O filme conta a história da Copa do Mundo de rúgbi realizada na África do Sul em 1995, já governada por Nelson Mandela. Copiando um texto explicativo da ESPN: "Em 1995, a Copa do Mundo de rugby desempenhou um papel importantíssimo na história da África do Sul. Nelson Mandela, recém-eleito presidente, apostou suas fichas no esporte e na conquista do Mundial para tentar unificar o país separado pelo apartheid. Abraçados pelo líder da nação, os Springboks (a seleção sul-africana) conseguiram unir negros e brancos, mesmo que momentaneamente, ao vencerem justamente a Nova Zelândia na grande final".

Invictus, título de um poema do inglês William Ernest Henley (1849–1903), é um sensível e delicado libelo antirracista. A sensibilidade e a delicadeza são, de resto, duas qualidades permanentes na obra do grande diretor Clint Eastwood, o que é paradoxal, já que ele é membro da Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.

Eu diria que o republicano Eastwood desmente suas posições políticas com seus filmes em que fala da alma humana como poucos, como na sua obra-prima Os Imperdoáveis, sobre o qual já escrevi (leia aqui).

Ao unir esporte e política, Invictus mostra um Mandela tolerante e agregador. Ele deixa seus seguidores furiosos, por exemplo, ao apoiar o time de rúgbi, que era historicamente identificado com os brancos, e por isso odiado pelos negros – mas suas motivações se mostram acertadas e, liderados pelo capitão François Pienaar (Matt Damon), os Springboks arrancam forças para conseguir o que parecia impossível: vencer o temível time do All Blacks, apelido da seleção da Nova Zelândia.

Mandela também enraivece o chefe (negro) de sua segurança ao incorporar ao "time" que vai protegê-lo de possíveis atentados os membros (brancos) da segurança de antigos chefes de Estado identificados com o apartheid. Tudo justificado pelo perdão. O que pode soar glamoroso ou falso. Mas qual o problema de um filme divulgar a paz? Eastwood, o defensor de armas, diretor de um filme que fala de paz e de poesia.

Invictus tem inúmeras cenas e sequências que emocionam. Como a sequência em que François Pienaar (Damon) e os companheiros de seleção visitam o presídio em que Mandela ficou preso por 27 anos. Então, o poema Invictus (que Mandela/Freeman lhe dera de presente num papel) passa pela mente do atleta e capitão, enquanto sua imaginação também lhe traz a imagem de Mandela (Morgan Freeman), prisioneiro, quebrando pedras.

"Eu sou o mestre do meu destino
Eu sou o capitão da minha alma",

diz o poema.

Ótima a sequência em que os seguranças branco e negro de Mandela, pouco a pouco, vão quebrando o gelo da inimizade racial se unindo em torno do time do país, no estádio Ellis Park, em Joanesburgo, em que decide e vence o título mundial contra os neozelandeses.

Mais tarde, François Pienaar contou, em entrevista à BBC, a cena em que Mandela lhe entrega o troféu: “quando subi ao pódio o sr. Mandela esticou a mão e me disse: ‘Obrigado, François, pelo que você fez por este país', eu queria saltar e dar-lhe um abraço, mas eu disse para ele: 'não, senhor, obrigado pelo que você fez para este país'”. 

A cena e o diálogo são reproduzidos literalmente no filme.

A música de Invictus, que mistura temas ocidentais e africanos, também ajuda a emocionar. O filme é belíssimo. E, sobre Morgan Freeman e Matt Damon, o que dizer? Eles dispensam apresentações.

***

Leia também, da série Favoritos do cinema

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Deus e o acaso, segundo Luis Buñuel



"Em casa": Reprodução do livro Meu Último Suspiro (Ed. Nova Fronteira)

Pelo mergulho profundo na psicologia, na filosofia, na teologia, com sua abordagem que estilhaça o senso comum, com sua ironia devastadora e seu cinema que causou perplexidade e escândalo, o espanhol Luis Buñuel (1900-1983) é um cineasta impossível de ser definido por parâmetros convencionais da crítica de cinema. Ele é diretor de filmes como L'Âge d'Or (1930), Los Olvidados (1950), Viridiana (1961), Simão no Deserto (1965), A Bela da Tarde (1967), La Voie Lactée (1969), Tristana (1970), O Discreto Charme da Burguesia (1972), Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977). Todos esses são obras-primas, fora outros. Tenho uma série neste blog, "Favoritos do cinema", em que falo de filmes que me são caros, mas Buñuel fica fora, porque teria de falar de cada um de seus filmes em particular.

Buñuel foi companheiro de surrealismo do maravilhoso poeta Federico García Lorca (assassinado pelo fascismo franquista espanhol em 1936) e do pintor Salvador Dali. Claro que Buñuel transcende o rótulo de surrealista e é inclassificável, assim como Lorca. Já Dali assumiu o surrealismo como modelo de arte e fonte de lucro.

Mas Buñuel está sempre presente na minha mente. Como hoje, por exemplo, durante agradabilíssima tertúlia com amigos queridos, em que falamos de fé e razão, ciência e espírito.

No livro Meu Último Suspiro (publicado em Paris em 1982 e no Brasil pela Nova Fronteira), Buñuel, que se professava ateu convicto, fala de Deus e do acaso. Não vou comentar. Reproduzo o que ele diz:


Sobre o acaso:

"O acaso é o grande senhor de todas as coisas. A necessidade só vem depois (...) Se entre meus filmes tenho uma ternura particular por O Fantasma da Liberdade, é talvez porque ele aborda esse tema inabordável. O roteiro ideal, com o qual sonhei muitas vezes, procederia de um ponto de partida anódino, banal. Por exemplo: um mendigo atravessa a rua. Vê uma mão que se estende por uma janela aberta de um carro de luxo e joga no chão a metade de um charuto. O mendigo para bruscamente para pegar o charuto. Outro carro o atropela e o mata.

"A partir desse acidente pode ser feita uma série infinita de perguntas. Por que o mendigo e o charuto se encontraram? Que fazia o mendigo àquela hora na rua? Por que o homem que fumava o charuto o jogou fora naquele momento? Cada resposta dada a essas perguntas gerará outras perguntas cada vez mais numerosas. Nós nos encontraremos diante de encruzilhadas cada vez mais complexas, levando a outras encruzilhadas, a labirintos fantásticos, onde teremos que escolher nosso caminho. Assim, seguindo causas aparentes que na realidade são apenas uma série, uma profusão ilimitada de acasos, poderíamos remontar cada vez mais longe no tempo, vertiginosamente, sem uma interrupção, através da história, através de todas as civilizações, até os protozoários originais.

"Claro está que é possível tomar o roteiro pelo outro sentido, e ver que o fato de jogar o charuto pela janela de um carro, provocando a morte de um mendigo, pode mudar totalmente o curso da história e conduzir ao fim do mundo."

***

"Ateu graças a Deus"

"Ao aproximar-se meu último suspiro, muitas vezes imagino uma última brincadeira. Convoco aqueles de meus amigos que são ateus convictos como eu. Tristes, eles se distribuem em torno de minha cama. Chega então um padre que mandei chamar. Para grande escândalo de meus amigos, confesso-me, peço a absolvição para todos os meus pecados, e recebo a extrema-unção. Após o que, viro-me de lado e morro."

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Pensamento para sexta-feira [58] – Luis Buñuel


"No mundo burguês existem muitas falsas revoltas." (Luis Buñuel)




Luis Buñuel (1900-1983) foi diretor de alguns dos mais inquietantes e impressionantes filmes do século XX: Los Olvidados (1950), Simão no Deserto (1965), Viridiana (1961), O Anjo Exterminador (1962), A Bela da Tarde (1967), A Via Láctea (1969), O Discreto Charme da Burguesia (1972), Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977), para citar algumas de suas grandes películas.

Buñuel era um dos surrealistas, mas, como o poeta Federico García Lorca, transcendeu essa escola e esse rótulo. A frase citada acima fala por si e é emblemática do gênio espanhol -- além de caber perfeitamente no Brasil de hoje, à esquerda e à direita.

Se você não assistiu a filmes desse inquieto e revolucionário diretor e gosta de cinema, não sabe o que está perdendo.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Contra o tédio, Woody Allen


Revi o lindo Manhattan (1979), de Woody Allen. Muitas coisas passam pela cabeça diante dessa obra-prima do cineasta norte-americano. Por exemplo, na era do politicamente correto que invade tudo, das mesas de bar ao futebol, dos sindicatos a roteiros de filmes, senti um prazer como um sentimento de desforra.

No início do filme, Isaac (Allen) conversa à mesa do bar com um cigarro na mão, dando gostosas baforadas. À mesa de um bar! Fiquei pensando no atual governador de São Paulo como presidente da República e numa manchete: “Medida Provisória proíbe filmes que incentivem o tabagismo”.

A trama vai se revelando, e você sabe que o personagem de Allen, ex-casado, tem caso com uma menina de 17 anos, Tracy, interpretada por Mariel Hemingway (neta do grande escritor). Não se trata de violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente. É sempre bom ressalvar! Paixões assim às vezes acontecem.

Isaac – um escritor frustrado que trabalha como roteirista de programa de TV – foi casado com Jill (Meryl Streep), que o trocou por uma mulher, se assumiu lésbica, e escreve um livro para "descascar" seu ex-marido publicamente. O amigo de Isaac, Yale (Michael Murphy), casado, se apaixona por Mary (Diane Keaton), uma mulher insegura e cheia de conflitos interiores, que depois tem um caso com Isaac, mas assume que quer mesmo ficar com Yale.

Bom, a idéia não é contar o filme (coisa mais aborrecida). Woody Allen é um corrosivo cronista e crítico do american way of life, da religiosidade judaica (que ele conhece de perto, pois é judeu) e católica, dos clichês sociais e fílmicos. A hipocrisia ele rebate com a ironia. A ignorância, com o humor cáustico e inteligente.

Já ouvi alguém criticar Woddy Allen por realizar tantos filmes, um por ano, em média. Mas, como cronista que de fato é, ele trabalha num ritmo coerente com esse gênero. Ainda bem.

Em Manhattan, o amor de Allen por Nova York se configura em uma fotografia exuberante, ressaltada pela escolha que fez por usar o preto & branco. No fim do filme, o personagem interpretado pelo diretor corre para encontrar seu amor talvez perdido. Nessa sequência, Isaac corre em primeiro plano, enquanto, ao fundo, tendo o personagem como pretexto, a câmera vai filmando a cidade. Não sei se essa é uma citação intencional de Luis Buñuel, que, em A Bela da Tarde (La belle de jour), usa a mesma solução para filmar Paris tendo no primeiro plano Catherine Deneuve, numa das mais belas cenas que já vi. Ambas as cenas são epifanias, não há outra palavra.

Woody Allen, que tem em Ingmar Bergman seu maior mestre (como ele mesmo já afirmou, inclusive numa cena de Manhattan), é um gênio que me remete à frase que li no blog The Useless Generation, de meu amigo Gheirart: “Vista-se de bombas ou procure as ferramentas da arte!”

Atualizado às 15h58 de 13/12/2009