Cena do cinema: Morgan Freeman e Matt Damon em Invictus |
Cena real: Mandela entrega o troféu a Pienaar em 1995 no Ellis Park |
Luis Buñuel disse que um filme não deveria apelar para a
emoção. Para ele, isso era um recurso vulgar. Ninguém é perfeito, e o mestre
Buñuel estava errado.
Não consigo assistir a Invictus, de Clint Eastwood, sem me emocionar, e não vejo razão para que a emoção provocada por uma obra de arte deva ser condenada por motivos meramente estéticos, com o perdão do advérbio.
O filme conta a história da Copa do Mundo de rúgbi realizada
na África do Sul em 1995, já governada por Nelson Mandela. Copiando um texto
explicativo da ESPN: "Em 1995, a Copa do Mundo de rugby desempenhou um
papel importantíssimo na história da África do Sul. Nelson Mandela,
recém-eleito presidente, apostou suas fichas no esporte e na conquista do
Mundial para tentar unificar o país separado pelo apartheid. Abraçados pelo
líder da nação, os Springboks (a seleção sul-africana) conseguiram unir negros
e brancos, mesmo que momentaneamente, ao vencerem justamente a Nova Zelândia na
grande final".
Invictus, título de um poema do inglês William Ernest Henley
(1849–1903), é um sensível e delicado libelo antirracista. A sensibilidade e a
delicadeza são, de resto, duas qualidades permanentes na obra do grande diretor
Clint Eastwood, o que é paradoxal, já que ele é membro da Associação Nacional
de Rifles (NRA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.
Eu diria que o republicano Eastwood desmente suas posições
políticas com seus filmes em que fala da alma humana como poucos, como na sua
obra-prima Os Imperdoáveis, sobre o qual já escrevi (leia aqui).
Ao unir esporte e política, Invictus mostra um Mandela
tolerante e agregador. Ele deixa seus seguidores furiosos, por exemplo, ao
apoiar o time de rúgbi, que era historicamente identificado com os brancos, e por
isso odiado pelos negros – mas suas motivações se mostram acertadas e,
liderados pelo capitão François Pienaar (Matt Damon), os Springboks arrancam
forças para conseguir o que parecia impossível: vencer o temível time do All
Blacks, apelido da seleção da Nova Zelândia.
Mandela também enraivece o chefe (negro) de sua segurança ao
incorporar ao "time" que vai protegê-lo de possíveis atentados os membros
(brancos) da segurança de antigos chefes de Estado identificados com o
apartheid. Tudo justificado pelo perdão. O que pode soar glamoroso ou falso.
Mas qual o problema de um filme divulgar a paz? Eastwood, o defensor de armas, diretor de um filme que fala de paz e de poesia.
Invictus tem inúmeras cenas e sequências que emocionam. Como
a sequência em que François Pienaar (Damon) e os companheiros de seleção
visitam o presídio em que Mandela ficou preso por 27 anos. Então, o poema Invictus (que Mandela/Freeman lhe dera de presente num papel) passa pela mente do atleta e capitão, enquanto sua imaginação também lhe
traz a imagem de Mandela (Morgan Freeman), prisioneiro, quebrando pedras.
"Eu sou o mestre do meu destino
Eu sou o capitão da minha alma",
diz o poema.
Ótima a sequência em que os seguranças branco e negro de
Mandela, pouco a pouco, vão quebrando o gelo da inimizade racial se unindo em
torno do time do país, no estádio Ellis Park, em Joanesburgo, em que decide e
vence o título mundial contra os neozelandeses.
Mais tarde, François Pienaar contou, em entrevista à BBC, a cena em que Mandela
lhe entrega o troféu: “quando subi ao pódio o sr. Mandela esticou a mão e me
disse: ‘Obrigado, François, pelo que você fez por este país', eu queria saltar
e dar-lhe um abraço, mas eu disse para ele: 'não, senhor, obrigado pelo que
você fez para este país'”.
A cena e o diálogo são reproduzidos literalmente no filme.
A música de Invictus, que mistura temas ocidentais e
africanos, também ajuda a emocionar. O filme é belíssimo. E, sobre Morgan
Freeman e Matt Damon, o que dizer? Eles dispensam apresentações.
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