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sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Favoritos do cinema (13): Invictus, de Clint Eastwood




Cena do cinema: Morgan Freeman e Matt Damon em Invictus


Cena real: Mandela entrega o troféu a Pienaar em 1995 no Ellis Park


Luis Buñuel disse que um filme não deveria apelar para a emoção. Para ele, isso era um recurso vulgar. Ninguém é perfeito, e o mestre Buñuel estava errado.

Não consigo assistir a Invictus, de Clint Eastwood, sem me emocionar, e não vejo razão para que a emoção provocada por uma obra de arte deva ser condenada por motivos meramente estéticos, com o perdão do advérbio.

O filme conta a história da Copa do Mundo de rúgbi realizada na África do Sul em 1995, já governada por Nelson Mandela. Copiando um texto explicativo da ESPN: "Em 1995, a Copa do Mundo de rugby desempenhou um papel importantíssimo na história da África do Sul. Nelson Mandela, recém-eleito presidente, apostou suas fichas no esporte e na conquista do Mundial para tentar unificar o país separado pelo apartheid. Abraçados pelo líder da nação, os Springboks (a seleção sul-africana) conseguiram unir negros e brancos, mesmo que momentaneamente, ao vencerem justamente a Nova Zelândia na grande final".

Invictus, título de um poema do inglês William Ernest Henley (1849–1903), é um sensível e delicado libelo antirracista. A sensibilidade e a delicadeza são, de resto, duas qualidades permanentes na obra do grande diretor Clint Eastwood, o que é paradoxal, já que ele é membro da Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.

Eu diria que o republicano Eastwood desmente suas posições políticas com seus filmes em que fala da alma humana como poucos, como na sua obra-prima Os Imperdoáveis, sobre o qual já escrevi (leia aqui).

Ao unir esporte e política, Invictus mostra um Mandela tolerante e agregador. Ele deixa seus seguidores furiosos, por exemplo, ao apoiar o time de rúgbi, que era historicamente identificado com os brancos, e por isso odiado pelos negros – mas suas motivações se mostram acertadas e, liderados pelo capitão François Pienaar (Matt Damon), os Springboks arrancam forças para conseguir o que parecia impossível: vencer o temível time do All Blacks, apelido da seleção da Nova Zelândia.

Mandela também enraivece o chefe (negro) de sua segurança ao incorporar ao "time" que vai protegê-lo de possíveis atentados os membros (brancos) da segurança de antigos chefes de Estado identificados com o apartheid. Tudo justificado pelo perdão. O que pode soar glamoroso ou falso. Mas qual o problema de um filme divulgar a paz? Eastwood, o defensor de armas, diretor de um filme que fala de paz e de poesia.

Invictus tem inúmeras cenas e sequências que emocionam. Como a sequência em que François Pienaar (Damon) e os companheiros de seleção visitam o presídio em que Mandela ficou preso por 27 anos. Então, o poema Invictus (que Mandela/Freeman lhe dera de presente num papel) passa pela mente do atleta e capitão, enquanto sua imaginação também lhe traz a imagem de Mandela (Morgan Freeman), prisioneiro, quebrando pedras.

"Eu sou o mestre do meu destino
Eu sou o capitão da minha alma",

diz o poema.

Ótima a sequência em que os seguranças branco e negro de Mandela, pouco a pouco, vão quebrando o gelo da inimizade racial se unindo em torno do time do país, no estádio Ellis Park, em Joanesburgo, em que decide e vence o título mundial contra os neozelandeses.

Mais tarde, François Pienaar contou, em entrevista à BBC, a cena em que Mandela lhe entrega o troféu: “quando subi ao pódio o sr. Mandela esticou a mão e me disse: ‘Obrigado, François, pelo que você fez por este país', eu queria saltar e dar-lhe um abraço, mas eu disse para ele: 'não, senhor, obrigado pelo que você fez para este país'”. 

A cena e o diálogo são reproduzidos literalmente no filme.

A música de Invictus, que mistura temas ocidentais e africanos, também ajuda a emocionar. O filme é belíssimo. E, sobre Morgan Freeman e Matt Damon, o que dizer? Eles dispensam apresentações.

***

Leia também, da série Favoritos do cinema

domingo, 30 de abril de 2017

Chappie e a consciência humana num pendrive




Chappie (2015), dirigido por Neill Blomkamp, é um filme interessante. Filme com não poucos erros, mas, como ficção científica, vale a pena ver. Discute coisas aparentemente antagônicas, como alma e inteligência artificial. Tem sequências tocantes que remetem a Freud. Discute a morte.  

Também discute a imortalidade, mas não mais como a imortalidade perseguida por Drácula, o vampiro que precisa de sangue para se manter "vivo", e sim a imortalidade que pode ser armazenada em um pendrive. A consciência pode ser transferida de um corpo biológico para um robô.

Não vou discorrer sobre o filme, pois seria interminável. Mas a ideia de você transferir a consciência humana para um ser bio-robótico é fantástica, embora assustadora. É aparentemente impossível, hoje. Mas, como diria Carlos Drummond, "segunda-feira ninguém sabe o que será".

O filme é de 2015. Então, ele não estará "em breve nos cinemas", como diz o trailer acima, pois já foi exibido nos cinemas há dois anos. 

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Deus e o acaso, segundo Luis Buñuel



"Em casa": Reprodução do livro Meu Último Suspiro (Ed. Nova Fronteira)

Pelo mergulho profundo na psicologia, na filosofia, na teologia, com sua abordagem que estilhaça o senso comum, com sua ironia devastadora e seu cinema que causou perplexidade e escândalo, o espanhol Luis Buñuel (1900-1983) é um cineasta impossível de ser definido por parâmetros convencionais da crítica de cinema. Ele é diretor de filmes como L'Âge d'Or (1930), Los Olvidados (1950), Viridiana (1961), Simão no Deserto (1965), A Bela da Tarde (1967), La Voie Lactée (1969), Tristana (1970), O Discreto Charme da Burguesia (1972), Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977). Todos esses são obras-primas, fora outros. Tenho uma série neste blog, "Favoritos do cinema", em que falo de filmes que me são caros, mas Buñuel fica fora, porque teria de falar de cada um de seus filmes em particular.

Buñuel foi companheiro de surrealismo do maravilhoso poeta Federico García Lorca (assassinado pelo fascismo franquista espanhol em 1936) e do pintor Salvador Dali. Claro que Buñuel transcende o rótulo de surrealista e é inclassificável, assim como Lorca. Já Dali assumiu o surrealismo como modelo de arte e fonte de lucro.

Mas Buñuel está sempre presente na minha mente. Como hoje, por exemplo, durante agradabilíssima tertúlia com amigos queridos, em que falamos de fé e razão, ciência e espírito.

No livro Meu Último Suspiro (publicado em Paris em 1982 e no Brasil pela Nova Fronteira), Buñuel, que se professava ateu convicto, fala de Deus e do acaso. Não vou comentar. Reproduzo o que ele diz:


Sobre o acaso:

"O acaso é o grande senhor de todas as coisas. A necessidade só vem depois (...) Se entre meus filmes tenho uma ternura particular por O Fantasma da Liberdade, é talvez porque ele aborda esse tema inabordável. O roteiro ideal, com o qual sonhei muitas vezes, procederia de um ponto de partida anódino, banal. Por exemplo: um mendigo atravessa a rua. Vê uma mão que se estende por uma janela aberta de um carro de luxo e joga no chão a metade de um charuto. O mendigo para bruscamente para pegar o charuto. Outro carro o atropela e o mata.

"A partir desse acidente pode ser feita uma série infinita de perguntas. Por que o mendigo e o charuto se encontraram? Que fazia o mendigo àquela hora na rua? Por que o homem que fumava o charuto o jogou fora naquele momento? Cada resposta dada a essas perguntas gerará outras perguntas cada vez mais numerosas. Nós nos encontraremos diante de encruzilhadas cada vez mais complexas, levando a outras encruzilhadas, a labirintos fantásticos, onde teremos que escolher nosso caminho. Assim, seguindo causas aparentes que na realidade são apenas uma série, uma profusão ilimitada de acasos, poderíamos remontar cada vez mais longe no tempo, vertiginosamente, sem uma interrupção, através da história, através de todas as civilizações, até os protozoários originais.

"Claro está que é possível tomar o roteiro pelo outro sentido, e ver que o fato de jogar o charuto pela janela de um carro, provocando a morte de um mendigo, pode mudar totalmente o curso da história e conduzir ao fim do mundo."

***

"Ateu graças a Deus"

"Ao aproximar-se meu último suspiro, muitas vezes imagino uma última brincadeira. Convoco aqueles de meus amigos que são ateus convictos como eu. Tristes, eles se distribuem em torno de minha cama. Chega então um padre que mandei chamar. Para grande escândalo de meus amigos, confesso-me, peço a absolvição para todos os meus pecados, e recebo a extrema-unção. Após o que, viro-me de lado e morro."

sexta-feira, 7 de abril de 2017

A versão idiota de Hollywood sobre a ciência e a ficção científica



Independence Day: exemplo de filme que ninguém deveria ver

Ler um livro sério sobre os temas ciência e astrofísica não quer dizer que você não possa dar risada, se o autor é capaz de tirar umas linhas para usar a ironia e o bom humor. Como eu  gosto de cinema, de ficção científica e também de ciência e astrofísica (lógico que como um pobre e leigo mortal), me diverti com uma passagem do livro Morte no Buraco Negro, de Neil deGrasse Tyson.

É o trecho de um capítulo em que o autor comenta filmes hollywoodianos de ficção científica, no qual discorre sobre abordagens falhas, absurdas ou simplesmente idiotas de alguns desses filmes, sob a ótica da ciência ou mesmo da lógica. Afinal, alguma lógica deve basear a ficção científica ou as suposições de vida alienígena inteligente.

Gosto muito de filmes de ficção científica, como a obra-prima 2001: uma Odisseia no Espaço (Kubrick, 1968), Blade Runner (Ridley Scott, 1882) e Interestelar (Christopher Nolan - 2014). E mesmo de filmes menos "sérios", digamos assim, como Guerra nas Estrelas (George Lucas, 1977) e De Volta Para o Futuro (Robert Zemeckis, 1985), sem os quais, reconheçamos, a vida seria um pouco menos legal.

Mas não tive o desprazer de ver Independence Day (Roland Emmerich, 1996). É sobre esse filme o comentário abaixo do livro de Neil deGrasse Tyson:

"E não me façam falar do sucesso de bilheteria do verão de 1996, Independence Day. Não acho nada particularmente ofensivo em alienígenas malvados. Não haveria indústria cinematográfica de ficção científica sem eles. Os alienígenas de Independence Day eram definitivamente maus. Pareciam um cruzamento genético entre uma caravela-portuguesa, um tubarão-martelo e um ser humano. Embora concebidos mais criativamente do que a maioria dos alienígenas de Hollywood, seus discos voadores eram equipados com cadeiras de espaldar alto e descanso para os braços.  

Alegro-me que, no final, os humanos vencem. Conquistamos os alienígenas de Independence Day fazendo um computador laptop Macintosh introduzir um vírus de software na nave mãe (que é por acaso um quinto da massa da lua) para desarmar seu campo protetor. Não sei quanto a você, mas eu tenho dificuldade em fazer upload de arquivo para outros computadores dentro de meu próprio computador, especialmente quando os sistemas operacionais são diferentes. Há apenas uma única solução. Todo o sistema de defesa da nave mãe alienígena devia ser alimentado pela mesma versão do sistema de software da Apple Computer usada pelo laptop que introduziu o vírus.

Obrigado por me ouvirem. Eu tinha que desabafar."

Aqui entre nós: muito bom esse desabafo.

Leia também:

As maravilhas do cosmos: de Giordano Bruno ao buraco negro! – segundo a astrofísica

As maravilhas do cosmos, segundo a astrofísica (parte 2)

Interestelar: ficção inteligente, apesar de Hollywood

Um pouco mais sobre Interestelar


sábado, 25 de fevereiro de 2017

Vamos ver cinema? – uma pequena lista de grandes filmes


Antigamente a gente indicava filmes e as pessoas podiam ir à videolocadora e alugar, levar pra casa e assistir. Hoje, essa era romântica acabou, junto com as videolocadoras. Seja como for, seja no Netflix, na TV a cabo, baixando na internet ou por outra forma, qualquer um desses filmes listados abaixo deve agradar a amantes do cinema que gostam de aproveitar feriados para poder fazer coisas mais úteis do que não fazer nada, como ver um grande filme.

Os Imperdoáveis  (Dir. Clint Eastwood - 1992).

Morgan Freeman e Clint Eastwood 
Os Imperdoáveis é um dos grandes filmes que já vi, e que vale a pena ver, se a alma não é pequena, ou seja, mesmo se você acha que o western é uma coisa imperialista, norte-americana e desprezível, e que a arte deve ser instrumento de luta política. A arte não tem nada a ver com luta política. A arte transcende isso. Um pouco mais sobre essa obra-prima de Clint Eastwood aqui: Os Imperdoáveis .


Era uma vez no Oeste (Dir. Sergio Leone - 1968) - O maior western de todos os tempos. Épico, antológico e genial. O texto publicado no blog é de Nicolau Soares e está no link: Era uma vez no Oeste.



Os outros (dir. Alejandro Amenábar - 2001). No gênero "terror", uma obra-prima. Atuação magistral de Nicole Kidman. Mas o termo "terror" não define este filme, que é mais próximo de uma abordagem que eu considero espírita, comparável a O Sexto Sentido (direção de M. Night Shyamalan – 1999). A resenha de Os Outros está aqui: Os outros, um filme espírita.






Interestelar (dir. de Christopher Nolan - 2014).


Matt Damon em Interestelar: interpretação magnífica
Algumas pessoas têm críticas que me parecem muito acadêmicas sobre este filme que, particularmente, me fascina. Tem que desculpar  alguns hollywoodianismos, como já escrevi. Para quem gosta de ficção científica, é uma maravilha. Para quem gosta de ciência, também. O filme discute questões ligadas à Física com uma abordagem possível, para a linguagem do cinema, dada a complexidade de algumas delas, como a Teoria da Relatividade e outras. Escrevi sobre o filme dois posts, que você pode ler a partir deste: Uma resenha sobre Interestelar.


Melancolia (dir. Lars von Trier - 2011).


Kirsten Dunst como Justine, no belíssimo Melancolia
Um contraponto à ficção científica Interestelar, o filme existencialista Melancolia, do diretor de Dogville Dançando no Escuro, é inquietante e belo. Quem conhece o cinema da Lars von Trier não deve se surpreender com nada. Melancolia ("Melancholia", no original) é uma obra-prima riquíssima em imagens e metáforas do diretor, dinamarquês como Sören Kierkegaard.


James Coburn e Rod Steiger
Quando explode a vingança, de Sergio Leone. Já escrevi sobre este filme  aqui. Não tem como não gostar, se você gosta de western. É uma epifania.


The Ghost Writer (Dir. Roman Polanski)

The Ghost Writer, de Roman Polanski (2010). Ewan McGregor interpreta um ghost writer que acaba trabalhando para o primeiro-ministro britânico. Um thriller típico de Polanski. 

Kim Cattrall e Ewan McGregor
O thriller de Polanski, não ganhou o Urso de Ouro em Berlim à toa. De fato, é um Polanski em grande forma. O diretor do antológico O Bebê de Rosemary continua com seu estilo peculiar de fazer filmes. Quando você começa a se entediar achando que o filme virou clichê, ele destrói o clichê. Como Coppola, Polanski usa bem a máquina de Hollywood.



Vincent Gallo, em Tetro
Tetro (dir. de Francis Ford Coppola – 2009). É em parte ambientado em Buenos Aires, com destaque para o bairro La Boca. Tetro (Vincent Gallo – na foto) é um homem solitário e enigmático que vive com sua companheira na capital argentina. Ele recebe a visita de seu irmão mais novo, Bennie (Alden Ehrenreich), em busca do contato perdido. Com esse filme, Coppola mostra que ainda existe arte no cinema. Imperdível. Se quiser saber mais sobre Tetro, clique aqui.

Um homem bom (Good, no original em inglês – direção: Vicente Amorim - 2008). O texto que publiquei no blog, Um homem tolo, foi escrito pelo companheiro Felipe Cabañas da Silva. Pode parecer um trocadilho infame, mas esse é talvez o mais delicado filme sobre o holocausto, muito valorizado pela atuação magistral de Viggo Mortensen como John Halder, um professor de literatura na Alemanha dos anos 30 que, devido a sua tese sobre a eutanásia, atrai a atenção do governo nazista. Halder/Mortensen  se deixa envolver. A violência é psicológica, sem a híperdramatização fácil dos filmes do gênero. Uma curiosidade: o diretor do filme, Vicente Amorim, é filho do ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.

Sobre o mesmo tema holocausto, outro filme que vale a pena é O Menino do Pijama Listrado (dir. Mark Herman – 2008), uma impactante história de amizade entre dois meninos de sete ou oito anos, um judeu e um alemão.


Frances McDormand
Fargo, um clássico dos irmãos Coen (1996). Em termos de thriller policial, é um dos meus filmes preferidos. A direção de atores de Ethan e Joel Cohen já vale a pena. Frances McDormand (à direita) como a policial provinciana de Dakota do Norte é uma interpretação magistral, assim como de todo o elenco. Com o perdão do trocadilho, crítica violenta à cultura da violência dos Estados Unidos. Escrevi sobre Fargo neste link.




Os Incompreendidos de François Truffaut, é um filme que sempre vamos assistir com emoção.


A delicadeza com que o cineasta francês trata do tema da difícil adolescência de um menino rejeitado pelos pais – que odeia a escola, que descobre que a mãe tem um amante e, diante de tantas dificuldades, foge de casa – é muito diferente da proposta de permanente manifesto do cinema de seu contemporâneo, colega de Nouvelle Vague e amigo, depois inimigo, Jean-Luc Godard. 




É difícil citar apenas um filme de Pasolini para colocá-lo na série Favoritos do cinema. Não dá para começar a falar do diretor italiano sem citar pelo menos cinco filmes:

Accattone (1961)
Mamma Roma (1962)
Il vangelo secondo Matteo (1964)
Uccellacci e uccellini (em português, Gaviões e passarinhos, 1966)
Salò o le 120 giornate di Sodoma (em português, Salò ou os 120 dias de Sodoma, 1975).

Mais sobre esse grande cineasta neste link .



sábado, 14 de janeiro de 2017

Um pouco mais sobre Interestelar



Cooper (Matthew McConaughey) com dra Brand (Anne Hathaway )

Depois de rever Interestelar, confesso ser necessário escrever um segundo post sobre este belo filme, que é um dos que hoje eu colocaria entre os dez de uma lista de DVDs que levaria a uma ilha deserta (onde tivesse como reproduzir, é claro), para fugir da solidão.

Também minha crítica ao diretor Chris Nolan foi talvez um pouco exagerada. Meu amigo Emerson Lopes esclareceu, via Facebook, que Nolan já declarou que Interestelar foi uma singela homenagem a 2001, de Kubrick. Humildade faz bem. É evidente que minha ranzinzice do primeiro post não tem a capacidade de diminuir o trabalho de Nolan como diretor do filme.

O fato é que Interestelar emociona.

O som como que primevo a perpassar o filme; o som metafísico quando aparece a nave Endurance; o som que marca o tempo no planeta de Miller, som de relógio que dá uma carga de dramaticidade extrema à cena (uma das mais espetaculares do filme) naquele planeta de água onde cada hora equivale a sete anos terrestres  e onde a gravidade é 130% a da terra.

A discussão sobre o tempo. A impossibilidade de mudar o passado.

O diálogo do astronauta Cooper (Matthew McConaughey) com a filha Murph (Mackenzie Foy): "Só estamos aqui como lembrança dos filhos... Quando você tem filhos, você se torna fantasma do futuro deles", diz ele à filha inconformada pela partida do pai para uma jornada talvez sem retorno.

A sequência da partida de Cooper, da fazenda para o espaço.

A sequência do relógio quando Murph entende o código binário.

Achados. Como Cooper, na varanda de sua fazenda com o sogro Donald (John Lithgow), em cena que depois se repete quase exatamente, mas num contexto em que seu interlocutor já não é humano, mas um robô.

O desespero para comunicar à filha Murph os dados quânticos em alguma região da quinta dimensão.

A busca humana por sua perpetuação diante de um cenário de morte em que a Terra está se extinguindo ("A humanidade nasceu na terra mas não está destinada a morrer aqui").

No post anterior eu critiquei o fato de o filme necessitar de um vilão. Mas até isso é justificável, já que uma pessoa na situação de dr. Mann (hibernando num tanque em um planeta onde a vida é impossível) facilmente enlouqueceria, mesmo sendo um genial cientista. Aliás, a interpretação de Matt Damon é magistral. Até mesmo dentro de um capacete sua expressividade é impressionante. "Máquinas não funcionam bem (numa missão a outro mundo) porque não se programa o medo da morte", diz ele a Cooper enquanto exploram o planeta gelado e morto.

As interpretações dos atores, até mesmo de Anne Hathaway como dra. Brand (mea culpa), que se não é nenhuma Meryl Streep, pelo menos tem uma atuação discreta. No post anterior creio que fui um pouco inclemente na minha crítica com a atriz.

Três atrizes interpretam a filha de Cooper e cientista Murph. Mackenzie Foy (na infância), Jessica Chastain (juventude e fase adulta) e Ellen Burstyn (na velhice). Três belas interpretações. Isso para não falar de Michael Caine como dr. Brand, pai da astronauta.

Os robôs TARS e CASE, que podem ser programados para ter senso de humor e graus de sinceridade, que parecem aranhas geométricas inteligentes e desempenham papel importante como personagens.

A fotografia deslumbrante do filme, combinada à música.

O conteúdo científico e a onipresente Teoria da Relatividade Geral, de Einstein, assim como outros conceitos, entre os quais do "buraco de minhoca", e elementos cósmicos como o buraco negro.Li alguns textos idiotas na "grande mídia" que procuravam defeitos científicos no filme. Todos textos rasos e estúpidos, escritos por gente que não conhece nada de ciência. (A má-fé e/ou ignorância da mídia não tem a ver apenas com a política.) 

Li também um tal crítico num blog falando mal do filme por sua "inconsistência tonal". Provavelmente um acadêmico mal humorado com problemas no fígado que quer aparecer em cima de algo infinitamente maior do que ele. Deve adorar Gritos e Susurros de Bergman.

***

Leia também: Interestelar: ficção inteligente, apesar de Hollywood

sábado, 3 de dezembro de 2016

Interestelar: ficção inteligente, apesar de Hollywood



Anne Hathaway: cenas espetaculares, atuação medíocre

Sou apaixonado por filmes de ficção científica. Infelizmente, são poucos os que se salvam. Dos que vi, 2001: Uma Odisseia no Espaço (direção de Stanley Kubrick de 1968 - baseado no livro de Arthur Clarke), é o melhor. Não à toa, já que Kubrick é um gênio que soube usar as benesses de Hollywood para fazer uma obra definitiva no cinema. Blade Runner (Ridley Scott - 1982) é outro. E podemos pôr um etcétera aí.

Mas quero falar, brevemente, do filme Interestelar (no original, Interstellar), de 2014, dirigido pelo obscuro Christopher Nolan, o tipo de diretor que não faz diferença, já que, se não fosse ele, outro faria a mesma coisa -- mais ou menos melhor ou pior.

Mas o filme, como resultado, é interessante e inteligente, descontando os hollywoodianismos (a tendência ao happy end, a necessidade do vilão, da luta física etc.).

Interestelar traz à ficção científica no cinema abordagens que a ciência dominante, a ciência canônica, não considerava comprováveis há apenas algumas décadas, como o buraco de minhoca, que em inglês é wormhole (este termo, na legenda do canal HBO, não é traduzido - o termo inglês worm significa mais "verme" do que "minhoca"). O buraco de minhoca continua sendo uma teoria contestada, mas já é considerada mais do que mera teoria. Outro conceito abordado pelo filme é o do buraco negro.

De fato emociona a maneira como o filme mostra o passado como uma dimensão irrecuperável, inclusive considerando Albert Einstein e sua Teoria da Relatividade. Não há na física a possibilidade de você mudar o passado. O filme Interestelar joga fora abordagens tolas como a do filme De Volta para o Futuro (filme fascinante, mas tolo, do ponto de vista da Física). 

Interestelar é um filme antropocêntrico, como a visão do cientista Marcelo Gleiser, por exemplo. Ou seja, incorpora a concepção de que o ser humano é a única entidade comprovadamente (mas comprovada pelo homem) inteligente do cosmos e está destinado a povoar o universo. É  uma tese hoje contestada. Há setores na Ciência que discordam de que o ser humano seja o único inteligente no cosmos. O problema é que não há provas de que não estamos sós. Mas há muitas indicações de que está prestes a ser comprovado que não, nós não somos os únicos: o ceticismo de Marcelo Gleiser está ultrapassado.

Para finalizar, a produção de Interestelar resolveu muito mal o papel da astronauta dra. Brand, interpretada pela péssima Anne Hathaway, que mais parece uma coelhinha da Playboy do que uma cientista ou uma astronauta. Mesmo assim, ela protagoniza cenas espetaculares, como quando a missão da Nasa chega a um planeta estranho coberto por água, e os astronautas são surpreendidos por... Mas não vou contar.

Já o galã Matthew McConaughey, como o astronauta Cooper, foi uma aposta vencedora. Está muito bem no papel do comandante da missão destinada a encontrar um destino para a espécie humana para além de nossa galáxia. De resto, o desempenho de Jessica Chastain (no papel de Murph como filha adulta de Cooper) é muito superior ao da medíocre Anne Hathaway como a protagonista dra. Brand. No filme, o excelente Michael Caine faz o pai da dra. Brand.

Infelizmente, como é Hollywood, os pecados se sucedem. Por exemplo: o filme tem um elenco estelar, com o perdão do trocadilho. Além de Michael Caine, traz como coadjuvante Matt Damon, uma real estrela da nova geração de Hollywood (junto, por exemplo, com Leonardo DiCaprio). Um luxo, ter Matt Damon como coadjuvante. Só que, ao invés de aproveitar o personagem de Matt Damon, a produção-direção, na minha modesta opinião, desperdiça a chance. Porque Hollywood precisa de heróis e vilões, precisa do bem e do mal, e jogam fora o luxo de ter o ator em seu elenco.

Seja como for, Interestelar é um filme bastante interessante. Merece ser visto. Assista.

***

Leia mais: Um pouco mais sobre Interestelar

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

São Paulo em imagens – Viaduto Santa Ifigênia


O documentário abaixo, de Alexandre Maretti, em pouco menos de dez minutos, conta uma vasta história. Grande como a de um livro com seus personagens a compor a cena brasileira. História revelada em sucessão de quadros da cidade imensa, concentrada em um viaduto, mergulhada em amor e injustiça, em desigualdade, mas também em fraternidade e esperança.

Movimento. Som dialogando com as imagens. Meio Cinema Novo, meio expressionismo.

sábado, 8 de outubro de 2016

Grandes atores (5): Johnny Depp



No mesmo filme, dois personagens: soldado e travesti

Johnny Depp é um ator que enriquece qualquer filme. Ou melhor, é um ator que pode fazer com que um filme medíocre ganhe vida por sua simples presença. No filme Antes do Anoitecer (2000, direção de Julian Schnabel), que não é medíocre, mas é um hollywoodiano cheio de clichês, Depp dá uma mostra do que pode fazer com a arte dramática.

No filme, Javier Bardem interpreta o escritor cubano Reinaldo Arenas, que era gay e viveu agruras no regime comunista de Fidel Castro. Johnny Depp, neste filme, interpreta dois personagens completamente antagônicos: o travesti Bon Bon e um militar tipicamente sul-americano, o  tenente Victor.

Depp não é um ator do tipo que interpreta sempre a si mesmo, característica de vários atores listados entre os grandes, como é o caso de Robert De Niro. Essa característica não necessariamente desqualifica um ator, mas às vezes cansa. Depp não é desse tipo, ele é um camaleão.

O filme que para mim é seu auge é Dead Man (1995, direção de Jim Jarmusch). Não apenas por sua atuação magistral na obra, em que faz uma espécie de reencarnação do poeta William Blake (são várias as interpretações que se podem fazer desse filme, construído sob densa poética), mas pelo filme em si, na minha opinião o melhor de Jarmusch, com a excepcional trilha sonora de Neil Young que é parte intrínseca ao filme.

Em Dead Man, a transformação do personagem William Blake se processa no desenvolvimento da história.

O inocente e tímido caipira que atravessa os Estados Unidos em busca de emprego na distante cidade de Machine...




... se torna o temível e frio Dead Man...




Depp adora fantasia. Sua parceria com o desenhista e diretor Tim Burton é uma das mais bem-sucedidas do cinema contemporâneo. Sob a direção de Burton, Depp atuou em Edward Mãos de Tesoura (1990), A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, (1999), A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005) e Alice no País das Maravilhas, ou Tim Burton's Alice in Wonderland (2010).

Fora o western poético Dead Man, Depp atuou em inúmeros filmes de vários gêneros. No gênero máfia, por exemplo, fez Donnie Brasco (1997, direção de Mike Newell).

Embora não seja um gênero de filme que eu pare para assistir, na franquia Piratas do Caribe, como o capitão Jack Sparrow, Depp dá outro show de atuação, fazendo uma espécie de anti-herói cômico com trejeitos gay.

É um ator extremamente expressivo. Sua face muda de acordo com o personagem ou a cena. Para mim é uma pena que ele dedique tanto tempo a fazer os filmes de fantasia com Tim Burton ou Piratas. Poderia fazer coisas mais interessantes. Mas o ator parece que se apegou a esse gênero de cinema e a essa forma de ganhar dinheiro.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Hector Babenco (1946-2016), um diretor diferenciado


Reprodução/Wikipédia
São Paulo – O cineasta Hector Babenco morreu na noite de ontem (13), em São Paulo, de parada cardíaca, aos 70 anos. Ele era argentino (nascido em Mar del Plata) naturalizado brasileiro e radicado no Brasil há 50 anos.

O diretor tornou-se um dos principais diretores do cinema nacional. Dirigiu Pixote – a Lei do Mais Fraco (1982), O Beijo da Mulher Aranha (1985, indicado ao Oscar de Melhor Diretor), Carandiru (2003), Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia (1977), Ironweed (1987),  Brincando nos Campos do Senhor (1991) e Coração Iluminado (1998). O último longa de Babenco, Meu Amigo Hindu, foi lançado em 2015.

Eu não sou ufanista, do tipo que defende o cinema nacional por ser nacional, o que me parece uma miopia crítica. Pelo contrário, o cinema brasileiro muitas vezes me irrita, dadas a precariedade técnica de incontáveis filmes, a carga extremamente teatral das direções e interpretações, a exploração desmedida e ordinária do sexo, além do abuso de temas relacionados à violência.

Mas a competência de Babenco fazia dele um diretor diferenciado. Dois de seus principais filmes, Pixote e Lúcio Flávio, me marcaram justamente por tratar da violência com extrema lucidez. São cinema, e não teatro filmado. Abordam a violência sem exageros vulgares. Não vi Carandiru: na época (2003), como agora, estava cansado da estética da violência do cinema nacional e me parecia que Babeco tinha se rendido a um gênero de filme ("favela movie") que explorava a violência com objetivos comerciais então dominantes.

O cinema brasileiro perde um de seus expoentes.


sábado, 6 de fevereiro de 2016

O carnaval dos chatos – crônica para o Rei Momo



Imagem mostra arco-íris na zona nordeste
da cidade de São Paulo (Foto: Carmem Machado)


Várias e queridas pessoas do meu convívio adoram carnaval. Eu também adoro carnaval, mas por motivos diferentes.

Nesses quatro dias de liberdade, a cidade de São Paulo fica convidativa. Sem trânsito, pois milhões de pessoas estão ausentes, já que preferem a estrada, onde reencontram a neurose dos congestionamentos-monstro. Eu prefiro descansar.

Ou tomar uma cerveja no sossego da minha sala, ou na companhia de amigos agradáveis num barzinho agradável, pra colocar assuntos em dia, jogar conversa fora, contar causos.

Ou ver filmes. Sou dos que ainda alugam filmes, já que aqui no Butantã tem uma locadora, a SQP*, razoável, embora tenha perdido parte do acervo anos atrás num assalto. 

Mas também pode ser que chova o tempo todo. E que me desculpem os amigos que adoram carnaval no sentido ortodoxo (até porque a culpa não é minha, e sim da natureza), mas um carnavalzinho com chuva, como a que cai exatamente agora, à meia-noite em ponto no relógio do computador, na barra inferior à direita (agora já marca 00:01), é delicioso!

Cai uma chuva bela e torrencial (que está fazendo falta a São Paulo), e imagino que, se essa chuva estiver caindo no Sambódromo paulistano agora, os desfiles das escolas de samba (que têm de começar o carnaval exatamente quando a chuva começou no Butantã) não vão ser muito animados. A chuva tem o poder de estragar um desfile, seja de uma escola de samba, seja de um bloco rico, seja de um humilde bloco.

Eu sou do bloco mais humilde de todos, o Bloco dos Chatos, que comemora o carnaval sem carnaval. Viva o carnaval! 

Amanhã cedo vou tomar um café-com-leite e pão com manteiga sem nenhuma pressa.

*PS (no carnaval seguinte, de 2015): O que falei acima sobre a locadora SQP, no Butantã, não é mais verdade. Infelizmente, acuadas pelos novos tempos, a Regina e a Cida estão vendendo os DVDs e vão fechar a locadora. Tempos românticos, quando se alugavam filmes nas locadoras, que vão embora.

Publicado originalmente em 01/03/14 à 01:16



sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Cinemateca Popular Brasileira disponibiliza mais de 1.200 filmes via Youtube



Você já ouviu falar de Os Óculos do Vovô? É uma comédia de quatro minutos e 40 segundos, dirigida por Francisco Santos em 1913. É o filme de ficção brasileiro, preservado, mais antigo. Ou de Fragmentos da Vida, drama social de 1929 dirigido por José Medina? Ou de O Ébrio Vicente Celestino (de Jaurez Maisner, 1946), que obviamente tem como tema o velho cantor? (lembro até hoje da notícia da morte de Vicente Celestino -- estava no barbeiro, com meu pai, quando ouvi no rádio --, e depois chegar em casa e contar à minha avó Emiliana, que adorava o romântico com voz de tenor).


Legenda do drama social Fragmentos da Vida, de 1929

Esses são apenas três preciosidades entre os 1.235 filmes nacionais disponíveis na íntegra na Cinemateca Popular Brasileira, canal criado no Youtube e organizado pelo Armazém Memória.

Pode-se, por exemplo, assistir a vários filmes fundamentais de Nelson Pereira dos Santos, diretor fundador do Cinema Novo. Rio 40 Graus (1955), que incorporava as técnicas neorrealistas desenvolvidas na Itália, ou Vidas Secas (1963), baseado na obra de Graciliano Ramos e reconhecido como a obra-prima do cineasta, são alguns de seus muitos filmes “em cartaz” no canal da Cinemateca Popular Brasileira.

A obra-prima Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos

 A filmografia do revolucionário Glauber Rocha também está no acervo, com filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e muitos outros, entre os quais o mítico Di, ou Di-Glauber, concebido pela mente genial e inquieta de Glauber no dia da morte do artista plástico Di Cavalcanti, em 1976, que ficou proibido por décadas, em decorrência de ação judicial da família do artista, e só pôde ser conhecido pelo público pela internet, e mesmo assim foi visto por muito poucas pessoas. O filme ganhou o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes, em 1977, pouco antes de ser proibido. Glauber assim se defendeu das alegações da família de Di, que considerou que a obra desrespeitava o artista: "filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista-surrealista que se permite entre artistas renascentes".


Jardel Filho (primeiro plano), Glauce Rocha e José Lewgoy no histórico Terra em Transe

A riquíssima lista disponível na Cinemateca Popular Brasileira – que nada mais é do que a reunião e organização de filmes dispersos no Youtube – é dividida em diversas categorias, entre outras,  como “Longa Metragem por Gênero”, “Diretores e Diretoras”, “Literatura e Teatro no Cinema”, “Literatura e Teatro no Cinema” ou por ordem cronológica, pela qual podem ser acessados muitos filmes da história da filmografia nacional.  

A reunião do canal utiliza como fonte de pesquisa o Dicionário de Filmes Brasileiros, de Antônio Leão da Silva Neto (1908-2002), e os catálogos da Agência Nacional do Cinema (Ancine, 2002-2013).

A extensa coleção, que contempla o cinema brasileiro de todas as décadas dos séculos 20 e 21, permite fazer uma verdadeira viagem estética e histórica pela filmografia nacional.

Vamos então ao assunto. Se uma imagem vale mais que mil palavras, paremos de falar. Você pode assistir a um dos mais de 1.200 filmes a partir do link abaixo.

Boa viagem.

Acesse clicando no link:

Cinemateca Popular Brasileira

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Documentário Amy, de Asif Kapadia, desmonta a historinha contada por Mitch Winehouse



Gravação de Back to Black no estúdio: emocionante

O documentário Amy, do diretor britânico Asif Kapadia, vira a página da história contada pelo pai de Amy Winehouse, Mitch.

O filme mostra que o pai-biógrafo, que cuidava da carreira e da conta bancária da filha, era uma pessoa manipuladora, egoísta e que claramente usava Amy como escada para seus próprios interesses. O ex-marido de Amy, Blake Fielder-Civil, que a introduziu na heroína, é ainda pior. Cercada por gente como essa, seus problemas só aumentaram com o sucesso.

Sucesso que ela não fazia questão de alcançar e mesmo repelia. “Eu enlouqueceria”, disse ela antes de explodir e virar alvo da mídia, que em sua vida exerceu papel tão ou mais pernicioso do que Blake Fielder-Civil. Ao ver o documentário, fica esclarecido que a condescendência de Mitch com a agressiva perseguição da mídia e dos paparazzi a Amy foi um comportamento calculado ao escrever seu relato biográfico da filha. Ele não queria ficar mal com eles.  

A omissão dos pais diante dos problemas da filha desde sua infância é notória no filme. A própria mãe conta que Amy, ainda menina, pediu mais atitude dela, que pegasse "mais pesado". A menina nunca ouvia "não". A omissão da família diante da bulimia, por exemplo, é declarada pela mãe.

Havia pessoas sinceras e mais interessadas na saúde e bem-estar da estrela do que nos dividendos de sua arte, como Nick Shymansky, o primeiro empresário e amigo dela. O próprio depoimento do segurança, Andrew, parece demonstrar sincera dor. Mas no mundo em que Amy viveu, é preciso ser mais forte do que ela.

Amy não queria e não sabia lidar com a fama. “Se me deixarem em paz eu vou escrever músicas”, disse.

Um dos produtores diz no filme que Amy “era uma velha num corpo de jovem”.  É uma definição muito interessante. Toni Bennet declarou que Amy deveria ter sido encarada e tratada como uma Billie Holiday ou uma Ella Fitzgerald, porque “era tão grande” quanto elas.

Acho que o filme de Asif Kapadia dá exagerado destaque ao longo relacionamento com Blake. Nesse ponto poderia ter equilibrado mais, com um pouco menos de tempo dedicado aos aspectos da intimidade, e pelo menos um pouco mais de espaço à pura arte, como a cena emocionante da gravação de Back to Black com Mark Ronson.

Mas o fato importante é que Amy, de Kapadia, desmonta a historinha contada pelo mau caráter Mitch Winehouse. Não é por outra razão que a família ficou muito contrariada e afirmou que o filme é “enganador".

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Favoritos do cinema (10) – Paradise Now, a Palestina e a beleza misturada à dor





Revi esses dias um filme que é preciso mesmo ver, no meu caso rever. Paradise Now, dirigido pelo palestino Hany Abu-Assad (2005).

É a sensível história dos amigos de infância Khaled (Ali Suliman) e Said (interpretado por Kais Nashef). São mecânicos e trabalham em uma oficina em Nablus, cidade localizada na Cisjordânia, a cerca de 60 km de Jerusalém, com população estimada  de 200 mil habitantes.

Sob a ocupação israelense, eles cresceram com os traumas de viver numa “cidade que virou uma cadeia”, como resume a personagem Suha (protagonizada pela linda atriz Lubna Azabal), uma jovem cosmopolita, filha de família palestina tradicional, que nasceu na França e viveu no Marrocos, e que não resiste a voltar às origens e a certa altura exclama: “Não sei o que estou fazendo aqui”.

A trama das vidas de Said e Khaled subitamente sofre dramática e definitiva transformação: do cotidiano comum – até onde se pode, sem ser cínico, chamar de “comum” a vida em um território militarmente sitiado –, os dois rapazes são de repente alçados à condição de mártires palestinos, e convocados pelas lideranças a uma missão suicida em que terão que representar mais uma vez os papeis que lhe são reservados nessa terrível e interminável tragédia de dois povos. Na narrativa do filme, fica claro que eles fazem parte de uma lista, como soldados alistados à espera de serem recrutados ao teatro da guerra, em seu caso uma guerra desigual.

É impressionante a transformação operada pelo diretor nos personagens Said e Khaled, como mostram as fotos do primeiro, antes e depois de ser recrutado para a missão.

Said, o mesmo personagem, antes e depois...

Said é filho de um “colaborador”, ou seja, um palestino que se rendeu aos interesses israelenses, que entre nós chamamos “informantes”. Seu pai foi executado quando o jovem ativista era criança. Ao se dirigir ao líder que o recruta para a missão, Said justifica sua aceitação do destino, em uma fala marcante no filme:

Os crimes da ocupação são incontáveis. Mas o pior de tudo é explorar a debilidade das pessoas e convertê-las em colaboradores. Não só aniquilam a resistência, como também arruínam as famílias, sua dignidade e nosso povo. (Meu pai) era um homem bom, mas ficou frágil.”

Mas Paradise Now não propõe uma visão maniqueísta. A jovem Suha, com a experiência de ter vivido em outros contextos, por quem o jovem Said nutre uma paixão correspondida, mas impossível diante do destino histórico-fatalista que ele próprio se impõe, representa no filme a percepção de que a violência de um ataque suicida é não só inútil para a causa palestina como também a enfraquece ainda mais.

Dito assim, pode parecer que o filme de Hany Abu-Assad é baseado em um roteiro tolo e previsível. Mas não é assim. É um grande filme, que não ganhou por acaso vários prêmios, como o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, o Anjo Azul do Festival de Berlim e um da Anistia Internacional. Foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2006. E também não foi por acaso que a indicação ao Oscar provocou protestos em Israel, por "humanizar" os suicidas muçulmanos denominados no Ocidente de "homens-bomba".

Paradise Now tem muitas virtudes estéticas: a construção da trama mantém o suspense até o fim; apesar de ambientado em um cenário opressivo, o filme não se rende à violência barata a que nos acostumamos a assistir sob o rótulo de Hollywood, que um certo cinema brasileiro faz questão de reproduzir; a fotografia, com a cidade de Nablus, milenar e moderna, ao fundo, é exuberante e emocionante; a delicada construção dos personagens, as amizades, as relações familiares, as cores usadas pelas mulheres (a jovem Suha ou a mãe de Said, a impressionante atriz Hiam Abbass, nascida em 1960 em Nazareth, Israel, mesma cidade onde em 1961 nasceu o próprio diretor Abu-Assad). A beleza misturada à dor.


Kais Nashef (como Said) e Lubna Azabal (Suha)

Uma associação inevitável: será por acaso que a cena inicial de Paradise Now remeta inequivocamente à cena de Eva (Eszter Balint) chegando a Nova York no filme Stranger than Paradise, de Jim Jarmusch, de 1984? Paradise Now, Stranger than Paradise. Não creio nesse acaso. Paraíso, paradise. Palestina, Nova York.

Tudo isso para dizer que Paradise Now é um filme que precisa ser visto.



quinta-feira, 8 de maio de 2014

Os vampiros de Jarmusch


Reprodução


Only Lovers Left Alive é o título do mais recente filme do cineasta norte-americano Jim Jarmusch. Diretor de filmes como Dead Man, Noite sobre a Terra, Estranhos no Paraíso, Daunbailó, Flores Partidas, Ghost Dog e outros, ele deu recentemente uma entrevista publicada no site IndieWire em que fala sobre seu filme, um "filme de vampiro". 

São vários os diretores mais cultuados que dedicaram um filme a essa criatura que se alimenta da energia ou sangue e cujo maior sofrimento é a imortalidade. F. W. Murnau (Nosferatu, 1922), Werner Herzog (Nosferatu - O Vampiro da Noite, 1979), Roman Polanski (A Dança dos Vampiros, 1967), Francis Ford Copolla (Drácula de Bram Stoker, 1992) são alguns deles. 

De maneira que me causa expectativas assistir ao novo filme de Jarmusch, que ainda não vi e, ao que parece, deve chegar ao Brasil em outubro. Não há cineasta contemporâneo que fale melhor do tédio da civilização contemporânea do que Jarmusch. Por isso, ele focar sua lente no vampiro, essa figura mitológica, deve ser, como diria minha avó Emiliana, unir "a fome com a vontade de comer". No filme, há um casal de vampiros cultos que estão há séculos juntos, cujos nomes são significativos: Adam e Eve, interpretados respectivamente por Tom Hiddleston e Tilda Swinton.

Sobre o porquê de ter escolhido o tema vampiros para seu novo filme, disse Jarmusch: “Há centenas de filmes de vampiros, mas nosso filme não é um filme de terror. É um tipo diferente de filme de vampiro. Há muitos filmes diferentes de vampiro que não são de terror”.

Ou seja, não espere do vampiro de Jarmusch algo místico, mas uma criatura poética e entediada que, como um dead man, vagueia pelas sombras da civilização ocidental.

Na entrevista, no início de abril de 2014, Jarmusch falou do filme Only Lovers Left Alive e outros temas, como música, cinema contemporâneo, seu status de cineasta underground e sua opinião sobre o cinema atual. "O cinema precisa ser reduzido à sua poesia essencial”, disse o diretor.

Falou na entrevista sobre o fato de que fazer cinema, na sua opinião, é uma atividade cada vez mais difícil. A saída, disse, pode ser o esquema de orçamentos baratos como o do cinema que vem sendo feito na Grécia na atualidade, ou o que já foi realizado no Irã. “Cinema é uma forma tão bonita, mas está ficando muito difícil – é muito diferente do que era há cinco anos – financiar filmes. Não sei o que dizer sobre isso, a não ser que continuo fazendo.”

“Sempre achei as coisas mais interessantes do lado de fora do mainstream. Ao longo da história, sempre houve uma cultura dominante e uma cultura marginal, e as coisas mais inovadoras estão às margens. Nem sempre, mas na maioria das vezes. Estou definitivamente em algum lugar nas margens. Eu não me vejo no mainstream”, afirmou Jarmusch.

Tilda Swinton e Tom Hiddleston, vampiros de Jarmusch
Sobre o chamado cinema independente: “depende de como você define cinema independente. Ele se tornou uma espécie de ferramenta de marketing, especialmente na América, então eu realmente não sei o que significa. As coisas mudaram, e a crise econômica mundial, e as novas maneiras como os filmes são distribuídos, mudaram a forma como eles podem ser financiados. Eu não sei qual é o futuro, mas sei que a nova onda de filmes gregos usando pequenos orçamentos, isso é realmente o futuro, e talvez o melhor caminho. Se você olhar para a história de qualquer forma de arte, digamos o rock 'n ' roll , por exemplo (...) estávamos cansados ​​deste grande rock 'n ' roll de estádio, de gravadora, o rock 'n ' roll comercial que foi impingido, de uma forma convencional. Portanto, é muito importante que, a partir , talvez, de The Stooges, ou Sex Pistols ou Ramones... a idéia é reduzir ao essencial”.

Ainda sobre cultura dominante x underground: “Estou muito mais interessado em ver o cinema de um diretor grego que fez um  filme com 200 mil dólares do que ver O Grande Gatsby, de Baz Luhrmann. (...) na Grécia, Romênia, há anos no Irã, há esses belos jardins do novo cinema que vem de lugares sobre os quais você pensaria: ‘Como é que eles podem fazer filmes em lugares onde a crise é tão grave?’ Mas isso está acontecendo. Eu não sou um profeta, mas apoio as pessoas encontrarem sua própria maneira de se expressar”.

Na entrevista, Jarmusch também fala da relação entre música e cinema. Perguntado sobre o que vem antes quando concebe um filme (a imagem ou o som), responde: “Nenhum dos dois. O que geralmente vem em primeiro lugar são alguns personagens e alguns lugares (...) A imagem e o som são a mesma coisa para mim no sentido de criar uma atmosfera”. Se você viu Estranhos no Paraíso (tradução incorreta do original Stranger than Paradise, 1984) e lembra do diálogo da música de John Lurie com as cenas do filme entenderá como a música é intrínseca aos filmes de Jarmusch. O que acontece também, de forma marcante, no filme Dead Man (1995), no qual a história de Johnny Depp como William Blake é como que narrada pela guitarra de Neil Young.

A entrevista de Jarmusch ao IndieWire na íntegra, em inglês, está aqui: Jim Jarmusch on the Future of Independent Film: 'Cinema needs to be reduced to its essential poetry'

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