Estava eu zapeando quando parei em um filme que passava na televisão. Palavras ao Vento (direção de Douglas Sirk, 1956). Um melodrama hollywoodiano desinteressante, mas que traz em seu elenco o ator Robert Stack. Um ator medíocre, mas que minha mãe adorava, sobretudo por seu papel na antiga série Os Intocáveis, em que interpretava o agente Eliot Ness. Se fosse viva, dona Leila ficaria brava comigo por chamar de medíocre o galã Stack/Ness, mas, infelizmente, essa bronca ela não vai me dar.
Seja como for, o acaso (“o senhor de todas as coisas” – Buñuel) me levou a ver um trecho do filme e aqui estou para falar de atores. Grandes atores não são uma espécie muito comum, apesar dos zilhões de filmes que existem no mundo e de muitas vezes as pessoas confundirem beleza e glamour com arte dramática. O que é ser um grande ator?
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Brando, grande dos grandes |
Um grande ator é uma criatura que deixa de existir para dar lugar a um outro espírito, como um médium. Nesse sentido (e a subjetividade é inevitável ao se elencar nomes de qualquer gênero de arte), para mim, o grande dos grandes é Marlon Brando (1924-2004). Esse ator monstruoso que interpretou Don Vito Corleone em O Poderoso Chefão (Coppola, 1972), Emiliano Zapata em Viva Zapata! (Elia Kazan, 1952), Terry Malloy em Sindicato dos Ladrões (Elia Kazan, 1954), Walter E. Kurtz em Apocalypse Now (Coppola, 1979), entre tantos outros. Há uma sequência em O Poderoso Chefão que é impossível ver sem se emocionar: quando Don Corleone fica sabendo da morte de seu primogênito Sonny e em seguida dá as ordens para o dono da funerária fazer o “serviço” para que a mãe não veja o corpo do filho “massacrado”. A emoção aqui não se dá por artifícios de cena, por influência musical, por melodramatização de roteiro, mas unicamente pela interpretação de Brando.
Truman Capote, no belíssimo ensaio "O duque em seu domínio" (no livro Ensaios), descreve Brando, a quem conheceu ao fazer com ele uma entrevista em 1956, e fala da “facilidade de camaleão com que Brando adquiria as cores cruéis e duras do personagem, com que soberba, como uma salamandra sinuosa, ele se vestia com o papel, como sua persona evaporava”. Conta também Capote que Elia Kazan disse: – Marlon é simplesmente o melhor ator do mundo.
Bem, quem sou eu para discordar de Elia Kazan?
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Hackman, durão e genial |
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Hopkins, mestre |
Esse é um filme paradigmático de uma grande atuação, porque Hopkins opera no personagem uma transformação que vai da brutalidade à doçura, da contemplação à explosão assassina, e essas nuances ele expressa em sua face como se fossem, cada uma, a face mesma da brutalidade, da doçura, da contemplação e da selvageria. É uma das maiores atuações que já vi.
Quem viu Quando Explode a Vingança (Sergio Leone, 1971) sabe por que outro que deve figurar em uma lista dessas é Rod Steiger (1925-2002). No papel do bandido Juan Miranda, contracenando com o ótimo James Coburn (que faz o terrorista John H. Mallory), ele emociona com o simples talento de interpretar.
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Rod Steiger como bandido Juan Miranda |
A responsabilidade do diretor certamente tem muito a ver com o fato de um ator conseguir uma grande interpretação. Isso é mais ou menos óbvio, pois os grandes se procuram. Não é mero acaso, por exemplo, que Elia Kazan e Marlon Brando trabalhavam juntos; ou que Coppola tenha procurado Brando, Al Pacino, James Caan, Robert Duvall (só esses quatro fazem parte da constelação impressionante de O Poderoso Chefão), ou Gene Hackman e outros. Essa simbiose entre grandes diretores e grandes atores é natural, como é em qualquer profissão.
O que é interessante é quando um ator que se tem como medíocre um dia tenha atuação que faz você pensar: "nossa, mas esse cara é bom pra cacete!" E você fica com uma sensação de que é um ignorante que nunca entendeu, nem intuitivamente, do que seja uma interpretação. É o caso de John Travolta, que, como ator, sempre foi um ótimo dançarino. Mas aí você assiste a Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1995) e fica admirado, e pensa: “meu deus, mas o John Travolta é muito bom!” Nesse caso, penso eu, trata-se apenas de um milagre de que um grande diretor como Tarantino é capaz. De fato, Travolta estraçalha nesse filme. Mas cite outro!
Acontece também o contrário. Atores que parecem enormemente talentosos e de repente decaem para um limbo de mediocridade inexplicável. Esse é o caso de Johnny Depp. Quem viu Dead Man (Jim Jarmusch,1994) e Antes do Anoitecer (Julian Schnabel, 2000), no qual Depp interpreta magistralmente dois papéis, um policial e um travesti, e hoje vê a lista de lixo industrial-cultural a que Depp se submete para rechear sua conta bancária fica espantado.
Cabe lembrar que nem sempre um grande ator é uma estrela, e já escrevi sobre isso aqui, a propósito de Vincent D’Onofrio.
Mas, enfim, esse post para por aqui. O assunto vai longe. Voltarei para continuar a falar do tema e de outros atores (e também de atrizes, claro), alguns dos quais já citados de passagem neste post, e outros não.
Leia também:
Vincent D'Onofrio: um grande ator nem sempre é um superstar
Gandes atores (2): Henry Fonda
Gandes atores (3): Paulo José: Macunaíma, Quincas Berro D'Água e O Palhaço