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sábado, 21 de janeiro de 2017

Teori Zavascki e o moralismo da esquerda brasileira


Nelson Jr./STF
As discussões, teses, análises e interpretações em torno da morte do ministro do STF, relator da Lava Jato no Supremo, vão continuar por muito tempo. No caso, a teoria da conspiração se justifica (e faço questão de dizer isso porque eu não sou adepto de teorias da conspiração, mas o caso Teori é muito estranho).  É bastante difundida a idéia de que coincidências não existem, seja sob a ótica espírita, seja sob a de analistas políticos racionalistas de credibilidade, para citar apenas duas vertentes.

O propósito deste post é só registrar meu espanto pela postura moralista, machista (e portanto injustificável) de setores da esquerda brasileira que usam como argumento contra Zavascki a "informação" de que ele estaria na companhia de uma (traduzindo) garota de programa no avião que caiu. São usados eufemismos, mas a tradução (maldosa) é de que ele estaria no avião na companhia de uma prostituta.

Quem difunde essa "informação" como argumento precisa refletir sobre seu papel, que não é, neste caso, digno de ser chamado de esquerdista. Quem difunde essa "informação" é direitista, mesmo sem saber. Roland Barthes afirmou que a opressão do homem pelo homem não se extinguiu com governos de esquerda (Rússia, Cuba etc.) porque a opressão está na linguagem, e não no sistema político.

Discuta-se o papel de Teori Zavascki enquanto relator da Lava Jato politicamente, suas relações com o empresário dono do avião etc. Ele tinha relações suspeitas com empresários? Que se investigue. Mas ninguém tem nada a ver com sua vida pessoal.

Quem se considera de esquerda e julga Teori Zavascki por supostamente estar na companhia de mulheres moralmente "suspeitas" no avião está fazendo o jogo da TV Globo. Mas, muito pior do que isso, reproduz uma visão moralista, machista e imbecil que assola o país.

Afinal, o que os esquerdistas têm contra as prostitutas?

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Votação histórica do STF começa a desmontar golpe de Cunha e seus aliados


"Ele [Eduardo Cunha] disse:
‘aqui vai ser secreto porque eu quero’.
A democracia não funciona assim.”
(ministro Luís Roberto Barroso)


Já escrevi aqui no blog sobre o espírito "iluminista” do ministro do STF Luís Roberto Barroso e de minha admiração pelo magistrado, esse sim, dotado dos requisitos teoricamente necessários a formar os quadros do Supremo: “notável saber jurídico e reputação ilibada”. É um homem realmente daqueles que fazem a diferença em uma República.


Fotos: Divulgação/STF
Barroso abriu a divergência com voto histórico

Tive a sorte e o privilégio, por dever de ofício, de acompanhar a votação histórica de hoje, e pude ouvir o voto de Barroso ao abrir divergência em relação ao “voto Pôncio Pilatos” dado pelo relator Luiz Fachin. O tribunal desempatou o jogo a favor da República, para continuar usando a metáfora do post de ontem. Entre outras decisões, o Supremo definiu que a votação para a formação da comissão especial processante do impeachment contra Dilma Rousseff deve ser aberta. Isso desmonta a manobra espúria de Eduardo Cunha, que conseguira fazer seus asseclas aprovarem a comissão especial por votação secreta. 

“A primeira das razões (para rejeitar o voto secreto) é que a Constituição prevê algumas hipóteses de votação secreta, e não prevê para formação de comissão especial para processar o impeachment”, disse Barroso ao votar e abrir divergência de Fachin. “A Lei 1079/1950 tampouco prevê. Alguém poderia imaginar que o regimento (da Câmara) pudesse prever a votação secreta. Mas no regimento interno, nenhuma das previsões prevê votação secreta”, afirmou ainda.

Mais do que isso, ele acrescentou: “O voto secreto foi instituído por uma deliberação discricionária do presidente da Câmara. Ele disse: ‘aqui vai ser secreto porque eu quero’. A democracia não funciona assim”.

Barroso é normalmente brilhante, claro e tecnicamente indefensável, e assim proferiu seu voto hoje.

Marco Antonio Ferreira fez o seguinte comentário no post anterior, no qual eu avaliava que o jogo estava empatado (não apenas em relação ao Judiciário) entre forças golpistas e o estado de direito: “Ontem tive raiva do Fachin, hoje me dá pena. Acachapante sua derrota. Imagina ficar só, com Toffoli e Mendes?”

De fato. Mas ontem e hoje (17), após o voto de Fachin, havia quem temesse (eu entre essas pessoas) que o golpe desse mais um passo importante no Supremo. E por pouco não passou, já que bastaria um único voto para que a corte tivesse referendado o voto secreto e absurdo que Cunha tentou impor. Mas não passou, e não passarão. Pessoas como Dias Toffoli não passarão.

Cabe ainda mencionar outro magistrado digno, e além disso discreto, do Supremo, o presidente Ricardo Lewandowski, um homem avesso a holofotes como deveriam ser todos os juízes. Seu voto “de Minerva” que deu a vitória à tese do voto aberto como inerente ao processo na comissão processante está também na história, logo após o voto longo, empolado, arrogante e reacionário do “decano” Celso de Mello.


Discreto e avesso a holofotes, Lewandowski desempatou

Destaco ainda o voto do ministro Marco Aurélio, que costuma ser sempre contundente. Ele ironizou, dizendo que o voto secreto é na verdade um “voto misterioso”. "Há de prevalecer sempre o interesse público, e este direciona à publicidade e transparência (...) Nada justifica a existência, no caso, do voto secreto. A votação tem que ser aberta”, justificou o ministro.

Vamos lembrar os votos: se manifestaram pela legalidade, pela democracia e pela República os seguintes seis ministros: Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

A Toffoli, o limbo da história
Votaram a favor do voto secreto, com Eduardo Cunha e suas manobras, os ministros Luiz Fachin, Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello, aos quais está reservado um lugar bem localizado no limbo da história. O final do voto de Gilmar Mendes, que chegou ao cúmulo de citar um artigo “do senador José Serra”, terminou de maneira emblemática: ele se dirigiu ao presidente Lewandowski, e disse: “Vou pedir licença, porque tenho que viajar”. Lewandowski respondeu: "Boa viagem". Esse episódio já parecia o prenúncio de que o raivoso Mendes já sabia de antemão ser voto vencido.

Para finalizar, vê-se pela reação inconformada de comentaristas da reação (com o perdão do pleonasmo) que a decisão do Supremo contrariou interesses notórios de gente que não tem vergonha de ter um homem como Eduardo Cunha como veículo de aspirações sinistras e obscuras. “STF deu a Dilma o que ela pediu”, disse, por exemplo, o jornalista Josias de Souza.

Mas a ele e a outros, e a todos os aliados confessos ou não de Eduardo Cunha, dedico o dito de Machado de Assis e toda sua ironia: “ao vencedor, as batatas”.

Jogo entre forças golpistas e estado de direito está empatado





A semana que a deputada Maria do Rosário previu que não seria "para covardes" vai chegando ao fim com um empate entre as forças golpistas e aquelas que defendem o estado democrático de direito. Mas um empate preocupante.

O ato político promovido na Faculdade de Direito nesta quarta-feira por inúmeros intelectuais, professores, estudantes, cidadãos e jornalistas contra o golpe; as derrotas de Eduardo Cunha no Conselho de Ética e ao ver Rodrigo Janot pedir, finalmente, seu afastamento no STF; e a manifestação que levou certamente mais de 100 mil pessoas às ruas de São Paulo hoje são os pontos a favor das forças democráticas.

Mas o julgamento do STF do rito do impeachment nesse agitado dia 16 não começou como se previa, o que tem um peso suficiente para empatar o jogo. Não se pode sequer chamar de neutro o voto do relator Luiz Fachin.

Fachin negou pedidos fundamentais da ação do PCdoB, a saber: a necessidade de defesa prévia do presidente da República, mas principalmente a vedação ao voto secreto para a formação da comissão especial "avulsa", que Cunha impôs com seu tacão na semana passada. O julgamento será retomado nesta quinta-feira (17).

Diz-se que Fachin sucumbiu à pressão midiática e preferiu não se "intrometer" na competência do Legislativo, mas isso foi nada mais, nada menos, do que referendar as posições de Cunha, pelo menos momentaneamente. O que equivale a chancelar o achincalhe e a desfaçatez cínica do homem que faz o que quer com a República sem que, até agora, ninguém possa contra ele.

Na Faculdade de Direito, no ato dos professores (veja falas de Marilena Chaui e Luiz Carlos Bresser Pereira), André Singer me disse sobre o que espera do julgamento do STF: “Minha expectativa é de que haja uma sinalização clara de que a sociedade brasileira pode contar com o STF para barrar manobras no Legislativo que ferem a constituição”.

Ontem, Dalmo Dallari afirmou em conversa comigo: “O processo do impeachment está chegando ao fim. Apesar das tentativas claramente político-eleitorais de levar adiante, ele está se esvaziando”. Hoje, no ato da Faculdade de Direito, ele disse: "Tenho absoluta tranquilidade em afirmar que nenhuma proposta de impeachment tem fundamento jurídico”.

Claro, não se esperava (Dallari também não) que o Supremo entrasse no mérito, na questão do impeachment, mas tampouco que o voto do relator, que havia suspendido o processo na Câmara, fosse tão ao estilo de Pôncio Pilatos como foi.

O jurista Fábio Konder Comparato, com quem também conversei no Largo São Francisco, me pareceu mais precavido ou cético do que Dallari. Seu tom e também as entrelinhas do que me disse era o de quem vê a situação muito complicada na Câmara. "Não há nenhum fundamento constitucional para o impeachment. [Mas] A presidente teria que ser julgada pelo Senado. A manobra está sendo feita a partir do presidente da Câmara. E no Senado – que pode suscitar o recurso ao Supremo –  a conversa é outra.”

Saindo do Direito, vamos para a visão mais apocalíptica da filósofa Marilena Chaui, que disse o seguinte no ato da Faculdade de Direito: "Se o golpe vier, teremos, por causa de toda a discussão em torno do terrorismo internacional, uma ditadura que nos fará imaginar que a de 1964 foi pão doce com bolacha”.

No mesmo ato, afirmou Luiz Carlos Bresser-Pereira: “Tenho dito que não vai haver impeachment porque a democracia está consolidada. O Brasil não é o Paraguai. É uma minoria que quer o impeachment, como os liberais que são democratas só quando lhes interessa.”

E Fernando Haddad, conciliador: “Independentemente da coloração partidária, há pessoas aqui que podem ser oposição ao governo, mas entendem que é o momento de defender as instituições que levamos tanto tempo para consolidar”.

Enfim, só podemos esperar.

Abaixo, as falas de Marilena Chaui e Luiz Carlos Bresser-Pereira no ato político da Faculdade de Direito - 16 de dezembro de 2015, publicadas por Artur Scavone.








quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

A decisão de Fachin de suspender processo de impeachment e a "judicialização da política"


 Carlos Humberto/STF 
O ministro Luiz Edson Fachin

Juristas de enorme competência e conhecimento do Direito e da filosofia do Direito – como Celso Antonio Bandeira de Mello, Pedro Serrano e Luiz Moreira, entre outros – têm ressaltado com argumentos cabais as possíveis e preocupantes consequências do que é conhecido como a judicialização da política, fenômeno que parece ter no julgamento do “mensalão” seu paradigma  no Brasil, embora o fenômeno seja bem anterior, na Europa. Trata-se do processo pelo qual a política vai sendo substituída pela atuação do Judiciário.

Apesar da ação do Judiciário (especialmente do Supremo Tribunal Federal) ser de certa maneira demonizada pelos setores progressistas no Brasil – e não sem razão, vide Sérgio Moro e mensalão –, a decisão do ministro Luiz Edson Fachin de suspender o processo de impeachment contra Dilma, armado num circo grotesco por Eduardo Cunha nesta terça-feira na Câmara, mostra que a chamada judicialização da política pode ser uma via de duas mãos, e não simplesmente a incorporação de uma prática perniciosa e destrutiva de valores progressistas. Não fosse assim, não haveria a intensa comemoração da decisão nas redes sociais.

Ainda se acredita na superação da atual onda obscurantista no país, e o poder moderador do Supremo pode ser um freio à desfaçatez com que um bando encastelado no Legislativo se apropria da política em benefício próprio. Esta é a esperança.

No texto "O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política", o professor Marcus Faro de Castro, do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília, resume bem o tema:

”(...) a judicialização da política contribui para o surgimento de um padrão de interação entre os Poderes (...), que não é necessariamente deletério da democracia. A ideia é, ao contrário, que democracia constitui um ‘requisito’ da expansão do poder judicial (Tate, 1995). Nesse sentido, a transformação da jurisdição constitucional em parte integrante do processo de formulação de políticas públicas deve ser vista como um desdobramento das democracias contemporâneas. A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou insatisfatórios.”

Aguardemos os próximos capítulos, com a esperança de que o STF exerça o papel de um poder moderador de fato (confirmando a decisão de Fachin), apesar de figuras como Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes. Na quarta-feira, 16, quando o Supremo deve decidir a questão suspensa nesta terça por Fachin, teremos uma resposta, ou pelo menos a primeira resposta.

sábado, 19 de setembro de 2015

O papel do Supremo Tribunal Federal




 "A guerra às drogas fracassou", disse Barroso em seu voto

Na falta de um Legislativo digno de uma República na acepção do termo e já que o Executivo não teve "vontade política" e atualmente não tem sequer força política para tomar medidas que apontem para a modernidade ou para o futuro, o Supremo Tribunal Federal em alguns momentos tem cumprido um papel essencial no Brasil.

Nesse sentido, o julgamento em que o Plenário do Supremo derrubou o financiamento privado de campanhas políticas por 8 a 3, depois de o julgamento da ADIn 4.650 ficar na gaveta de Gilmar Mendes por um ano e cinco meses, é histórico.

Embora ainda não esteja concluído, um outro julgamento tem tudo para entrar para os anais da história: o que está em andamento para decidir sobre a constitucionalidade de o porte de drogas ser considerado crime ou não. A apreciação do caso está em 3 votos a zero pela descriminalização do porte de drogas, mas, caso esta tese vença, deve se restringir ao porte de maconha. O julgamento foi interrompido no dia 10 por pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Votaram pela descriminalização Gilmar Mendes, Luiz Fachin e Luís Roberto Barroso.

Seja como for, o voto do ministro Luís Roberto Barroso já é em si histórico, riquíssimo tanto juridicamente como do ponto de vista de desmitificar moralmente a questão e separá-la do Direito.

Disse Barroso:  "A guerra às drogas fracassou. Passados 40 anos do combate à droga, convivemos com consumo crescente, não tratamos os dependentes e vemos uma explosão do tráfico. Insistir em uma política pública que não funciona há tantas décadas é fechar os olhos à realidade. É preciso ceder aos fatos".

Em outra passagem, Barroso faz uma separação muito inspirada entre a confusão entre moral e direitos, que se faz sobre o tema:  "se um indivíduo, na solidão das suas noites,beber até cair desmaiado na cama, isso pode parecer ruim, mas não é ilícito. Se ele fumar meia carteira de cigarros entre o jantar e a hora de dormir, isso certamente parece ruim, mas não é ilícito.O mesmo deve valer se ele, em vez de cigarro, fumar um baseado entre o jantar e a hora de ir dormir".

Nem é necessário comentar, tal a clareza do raciocínio.

O brilhante voto do ministro abordou também a questão social: "A má distinção entre usuário e traficante é o que faz com que, pela mesma quantidade (de maconha), pessoas sejam presas nos bairros pobres e não sejam nos bairros mais abastados".

Como escrevi em outro post depois de assistir a uma palestra de Barroso na Faculdade de Direito do Largo São Francisco,  ele "é um ser iluminista, muito esclarecido e capaz de falar com uma clareza impressionante sobre algumas coisas que estão emperradas no Brasil".

De resto, nos últimos anos o STF tem cumprido papel relevantíssimo quando julga questões que se associam ao conceito de Estado laico.

Leia também:



Anencefalia: mais uma vez, STF decide contra o obscurantismo

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A imprensa pauta o Judiciário - um episódio didático do círculo vicioso



Valter Campanato/ABr


Uma notícia que todo mundo deu e um detalhe que poucos notaram.

A notícia que todo mundo deu: o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, derrubou na terça-feira (11) uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski proferida no período de recesso do STF e das férias de Barbosa em janeiro, quando Lewandowski foi presidente em exercício da “mais alta corte” do país. Na decisão que Barbosa suspendeu, Lewandoswski determinava à Justiça do Distrito Federal a análise de pedido de trabalho externo, feito pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, que cumpre pena em regime fechado (ilegalmente, já que foi condenado ao semiaberto) em Brasília. O pedido de análise do benefício de trabalho externo de Dirceu foi suspenso pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal com base em nota do jornal Folha de S. Paulo de 17 de janeiro. Ao suspender a determinação de Lewandowski, o todo-poderoso Joaquim Barbosa disse que a decisão do colega foi “atropelamento do devido processo legal, pois deixou de ouvir, previamente, o Ministério Público Federal e o juízo das execuções penais, cuja decisão foi sumariamente revogada”.

O detalhe que poucos notaram: A decisão de Lewandowski de 29 de janeiro suspensa no último dia 11, em que ele mandava a Justiça analisar o pedido de Dirceu pelo benefício do trabalho externo, foi suspensa pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal com base, vejam bem (caso o leitor não tenha notado o detalhe no parágrafo acima), em nota da coluna “Painel” do jornal Folha de S. Paulo de 17 de janeiro. A nota da Folha “denunciava” que Dirceu teria usado um celular, infringindo assim normas do sistema penitenciário, prejudicando o pedido do direito ao trabalho externo.


Nota do "Painel" da Folha de S. Paulo de 17 de janeiro

Segundo Lewandowski, as investigações concluíram pela “absoluta falta de materialidade do fato" [o uso do celular por Dirceu] sugerido pela nota de jornal. A “veracidade” da nota da Folha de S. Paulo foi desmentida pelas investigações do Núcleo de Inteligência do Centro de Internamento e Reeducação do sistema penitenciário, disse Lewandowski na decisão que o presidente da "suprema corte" revogou.

Em resumo, é um episódio menor no contexto da Ação Penal 470, mas é muito didático para demonstrar a engrenagem que perpassou todo o processo do chamado “mensalão”: a imprensa pauta o Judiciário com denúncias sem prova, o Judiciário “acata” a denúncia e a transforma em decisão judicial, a imprensa por sua vez repercute, e o Judiciário dá seguimento a esse moto-contínuo, esse círculo literalmente vicioso.

Isso tem tudo a ver com o que me disse em entrevista o jurista Celso Bandeira de Mello na semana passada: “Quem conduziu tudo isso, o chamado mensalão, foi a imprensa (...) Nós não estamos vivendo um momento em que o Direito é muito valorizado” no país. 

Não sou eu quem está falando. É Celso Antônio Bandeira de Mello, mais um jurista de respeito a apontar a autocracia preocupante pela qual passa o país.


terça-feira, 11 de junho de 2013

Blitz evangélica contra o Estado laico, a cidadania, as mulheres e a ciência



A garantia do Estado laico obsta que dogmas de fé determinem o conteúdo de atos estatais. Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada.” (Marco Aurélio Mello, ministro do STF, em julgamento que autorizou o aborto em casos de anencefalia)


Reprodução
A ciência também está na mira da blitz evangélica
É com justa indignação que todas as pessoas preocupadas com cidadania, estado laico e conceitos afins devem encarar a atual conjuntura, embora não seja, para mim, crível que um projeto com o teor obscurantista e medieval do tal Estatuto do Nascituro venha a vigorar no país.

Até porque, no limite, o Supremo Tribunal Federal deve fazer valer seu “poder de veto”, digamos assim, já que há pouco mais de um ano a corte convalidou o estado laico e o direito da mulher ao autorizar o aborto em casos de anencefalia.

No voto que proferiu no julgamento citado, o ministro Marco Aurélio argumentou: “O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido”.

Será meramente o medo de perder votos diante de argumentos moralistas desprovidos de qualquer senso científico o que cala o governo Dilma diante da atual blitz evangélica? A chamada bancada evangélica conta com 70 deputados e 3 senadores. Corresponde a 13,6% dos 513 deputados, 3,7% dos senadores e 12,2% do conjunto do Congresso Nacional. O silêncio do governo e de seus principais líderes diante do avanço pentecostal é um mistério matemático.

Politicamente, o cálculo político do governo e da chamada esquerda pode estar se equivocando gravemente, como aconteceu na “omissão ou leniência” do PT, como me disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) outro dia, que redundou na “tomada” pelos parlamentares de Cristo da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara.

O monstro chamado Estatuto do Nascituro é a contra mão de tudo o que vem acontecendo no mundo, apenas para ficar no exemplo mais recente. Como lembram organizações feministas em petição divulgada contra esse projeto espúrio, ele “amplia a criminalização do abortamento para as situações que hoje são permitidas por lei”. Até mesmo as mulheres que têm o direito ao acesso ao aborto previsto em lei seriam criminalizadas: nos casos de risco de vida, de estupro e de fetos anencéfalos, que o Supremo Tribunal Federal considerou constitucionalmente válido há pouco mais de um ano.

“O projeto torna a maternidade compulsória mesmo para as vítimas de estupro que serão obrigadas a suportar a gravidez resultante do crime”, lembra a petição. “A situação é especialmente preocupante considerando o grande número de crianças e pré-adolescentes grávidas em decorrência de abuso sexual”. 

“O projeto obrigaria vítimas de pedofilia a suportar gestações que, além de traumáticas, são de alto risco, pois seus corpos não estão completamente formados. É uma situação análoga a da tortura, tratamento cruel, desumano e degradante”, continua a petição das feministas.

Quem tiver a curiosidade de acessar a íntegra do projeto na Câmara dos deputados verá que ele reza no parágrafo único do artigo 2°: “O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos in vitro, os produzidos através de clonagem ou por outro meio científica e eticamente aceito”. Ou seja, até mesmo as pesquisas com células tronco, também já autorizadas pelo Supremo, seriam banidas.

É algo definitivamente assombroso o parecer Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovado na semana passada. Parecer, lembremos, do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro.

Segundo a deputada Érika Kokay (PT-DF), uma das poucas que têm se manifestado, “eles fazem parte de uma articulação para a construção de um projeto de poder baseado num estado onde uns podem amar, outros não; uns têm direito, outros não. Tomaram a comissão [de Direitos Humanos] para a construção desse projeto”.

Não acho que chegue a tanto. Mas seguro morreu de velho. "É preciso estar atento e forte."



quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista", diz PT sobre "mensalão"


Após a distribuição de nota oficial a jornalistas presentes no diretório nacional do PT, na tarde desta quarta-feira, o presidente nacional do partido, Rui Falcão, concedeu entrevista coletiva à imprensa. Nela, Falcão não acrescentou muito ao teor do texto previamente divulgado. No qual, aliás, não faltaram a ênfase e um tom há muito reclamado por petistas e mesmo não petistas perplexos diante do julgamento da ação penal 470, vulgo “mensalão”.
Foto: Uiara Lopes/PT
Leia abaixo trechos da nota oficial divulgada pela Executiva Nacional (a íntegra está em link abaixo dos trechos aqui citados).

1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa

O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado (...).

2. O STF deu valor de prova a indícios

Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência do ônus da prova aos réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios em provas (...).

3. O domínio funcional do fato não dispensa provas

O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização (...).

Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se consumassem. (...).

Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito do fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito (...).

Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente, atingir o partido a que estão vinculadas.

4. O risco da insegurança jurídica

As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País.

Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte (...).

5. O STF fez um julgamento político

Sob intensa pressão da mídia conservadora—cujos veículos cumprem um papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT - ministros do STF confirmaram condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.

Único dos poderes da República cujos integrantes independem do voto popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal - assim como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior - faz política. E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470 (...).

Leia a íntegra da nota oficial  neste link.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A história vai mostrar quem é José Dirceu


Pela segunda vez, o Estado brasileiro condena o líder político que, com Lula e outras lideranças, construiu o Partido dos Trabalhadores. Zé Dirceu foi banido pela via totalitária no regime militar (1964-1985) e agora pela via institucional da chamada "mais alta corte do país", com o amparo da mídia nacional


Como pode José Dirceu – um homem que lutou contra a ditadura, mudou de rosto para escapar das sombras no regime dos generais e assassinos, que construiu o Partido dos Trabalhadores, legenda que com Lula e Dilma fez um governo popular que pela primeira vez na história desde Getúlio Vargas olhou para o lado dos trabalhadores e oprimidos e para os interesses nacionais, e que pela primeira vez na história, desde sempre, olhou para o nordeste do país – ser condenado como um criminoso?

Como pode José Genoino – um homem simples que, como é sabido, nunca pôs dinheiro no bolso, ao contrário de figurões da República incensados pela mídia (até hoje) lacerdista de nosso país, casado com uma mulher barbaramente torturada pelos bestiais soldados do regime de 64 – ser desrespeitado, ele e sua mulher, Rioco Kayano, por uma horda de jornalistas imberbes que não têm a menor noção da história brasileira e talvez acreditem nos miasmas emanados pelo esgoto que se conhece como revista Veja?

Deixo essas respostas para o amigo, jornalista, professor e escritor José Arrabal, contemporâneo de Zé Dirceu (com o qual teve divergências políticas, inclusive), Arrabal que foi preso e torturado pela ditadura e que, como Zé Dirceu e Genoino e Rioco Kayano, é um sobrevivente.

                                                                             Alexandre Maretti
Zé Dirceu, João Paulo Cunha e o prefeito de Osasco, Emidio de Souza (2005)


Por José Arrabal

Zé Dirceu vai preso? Vai preso por uma condenação sem prova, mas a história vai recuperá-lo. A história é um lugar onde a ressurreição acontece. A história existe para isso. Veja Luiz Carlos Prestes. A história passará e mostrará quem é Zé Dirceu. Quem é José Dirceu? É um patriota que lutou contra a ditadura no Brasil. Poucas pessoas fizeram o que ele fez, e depois construiu o Partido dos Trabalhadores, um homem ao qual o Brasil só tem a agradecer. Zé Dirceu é equivalente a Marighella e Lamarca, mas é mais importante, porque ele sobreviveu. E eu pergunto: quem é Joaquim Barbosa? Um caçador de marajás.

Como pode o Supremo Tribunal Federal proibir colocar algemas no Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes dar dois habeas corpus a Daniel Dantas, e o Protógenes Queiroz, que comandou a Operação Satiagraha, quase acabar, ele, sendo preso? E Daniel Dantas está por aí, feliz da vida.

Houve coisas erradas, talvez, da parte de Zé Dirceu e do PT, mas coisas que são costumeiras na política brasileira, que houve no tempo de JK, da ditadura, que houve e há. O que acontece é que estamos vendo uma armação como sempre aconteceu neste país. Os conspiradores são os mesmos que vêm desde Carlos Lacerda, os que diziam que no governo de Getúlio Vargas existia um mar de lama passando nos subterrâneos do Catete. Getúlio se suicidou [1954], seus inimigos tomaram o poder e não tinha nenhum mar de lama no Catete. O que tinha era a Petrobras. O que tinha era Jango, ministro do Trabalho de Getúlio, dando aumento no salário mínimo dos trabalhadores.

A atitude contra a mulher de Genoino e contra Genoino, quando eles foram votar, foi um desrespeito. É uma prepotência totalitária de pessoas [os repórteres] que não têm noção da história.

Meus cumprimentos a Osasco, o olho do furacão no início desse julgamento do ‘mensalão’, que votou maciçamente no candidato do PT [Jorge Lapas], vice do também condenado João Paulo Cunha. Isso foi uma resposta do povo de Osasco ao STF e ao Joaquim Barbosa. Vai morar em Osasco, ministro Joaquim Barbosa!


xxxxx



Leia texto de José Genoino:
Esse julgamento ocorre em meio a uma diuturna e sistemática campanha de ódio contra o meu partido e contra um projeto político exitoso, que incomoda setores reacionários incrustados em parcelas dos meios de comunicação, do sistema de justiça e das forças políticas que nunca aceitaram a nossa vitória

Leia a carta divulgada pela filha de José Genoino, Miruna:
A coragem é o que dá sentido à liberdade

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

STF aboliu a presunção de inocência da Constituição


No final do post anterior, me referi à condenação do deputado João Paulo Cunha, do PT, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, como "nota a lamentar". Para não parecer leviano, explico.

O artigo 5°, inciso LVII, da Constituição brasileira de 1988 "reconheceu a situação jurídica do inocente", como diz um artigo de um trabalho acadêmico que leio na internet, um dos muitos que você pode achar fazendo uma rápida pesquisa.

Diz o Art. 5°., inciso LVII:

- Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Nossa Constituição tem como uma de suas cláusulas pétreas (em outras palavras, mandamentos intocáveis, muitos deles baseados na Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948) aquela que responsabiliza o acusador pelo ônus da prova, e não o contrário. No julgamento do deputado petista pela Suprema Corte, deram-se votos que reconhecem algo como uma presunção da prova. Presume-se que os indícios equivalem a provas. A mídia exige a condenação e uma corte de presumíveis seres impolutos profere o julgamento.

A Suprema Corte que condenou João Paulo Cunha é a mesma (com ministros diferentes, é claro, mas a mesma) Corte Suprema que absolveu Collor, que a seu benefício respeitou a presunção de inocência. O mesmo tribunal que, por um despacho do ministro Gilmar Mendes, uma decisão monocrática, por duas vezes alforriou Daniel Dantas.

O jornalista Paulo Moreira Leite, que, como se sabe, não é nenhum defensor da revolução socialista, escreveu na revista Época (da Globo) há uma semana, quando o julgamento contabilizava dois votos, o de Joaquim Barbosa e do próprio Lewandowski, O divergente:

"Lewandowski foi ouvir o outro lado, foi perguntar aquilo que ninguém sabia e não queria saber.

Não inocentou ninguém por princípio. Tanto que na véspera ele deu um voto igual ao do relator.

Mas ele deixou claro que enxerga a denúncia de uma forma mais sofisticada, diferenciada, numa visão que se encaminha para negar que todos estivessem envolvidos na mesma atividade, fazendo as mesmas coisas, porque todos fariam parte de uma 'organização criminosa', sob comando de um 'núcleo político', e outros 'núcleos' estruturados e organizados. É claro que Lewandovski enxerga o crime, o roubo, a bandalheira. Mas sabe que há casos em que é legítimo falar em corrupção. Em outros, há crime eleitoral."

É interessante a observação de Paulo Moreira Leite.

Em 2005, no estouro do "mensalão", João Paulo Cunha falou em entrevista ao jornal Visão Oeste, de Osasco, concedida a mim e ao Renato Rovai, que não fez nada diferente do que sempre fizeram as campanhas de todos os partidos em campanhas anteriores. Ele defendeu o financiamento público de campanhas e não negou o caixa 2 naquela conjuntura, na referida entrevista, pelo contrário: "Eu fiz o que todos fazem, do PSDB, do PMDB, do PT, usei dinheiro do caixa do partido para pagar a campanha, para pagar uma pesquisa. Moro na mesma casa, sou casado com a mesma mulher, não mandei dinheiro para os paraísos fiscais, não pus nada no bolso".

Não sei, mas tenho a impressão de que a condenação de João Paulo Cunha é um precedente muito perigoso.

E, é bom lembrar, Marcos Valério tem um histórico com o PSDB anterior ao de suas relações com o PT.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Nas manchetes, Jefferson volta à ribalta


Wilson Dias/ABr
Em 2005, então deputado põe gelo no olho

A Folha de S. Paulo e o Estadão, como se esperava, saem hoje com manchetes destacando a versão do íntegro, ético e confiável ex-deputado e presidente do PTB, Roberto Jefferson, repercutindo a fala de seu advogado, Luiz Francisco Corrêa Barbosa, no julgamento do “mensalão” no STF.

Manchetes:

O Estado de S. Paulo: “Advogado de Jefferson diz que Lula ordenou mensalão”.

Folha de S. Paulo: “Lula ordenou esquema, diz defesa de Jefferson”.

Já a manchete de O Globo é mais equilibrada e relativiza o destaque (e, por tabela, a própria credibilidade) dado a Jefferson pelos diários paulistas: “Para enfraquecer procurador, Jefferson agora acusa Lula”.

Sempre acho digno de destaque o que os jornais manchetam. Num país em que a leitura de jornais tem índices risíveis, a manchete serve como uma espécie de “verdade” por atacado, e a repetição dessas “verdades” visa enraizá-las na mente das pessoas, no inconsciente coletivo. Fica lá na banca em todos os lugares (“O sol nas bancas de revista/me enchem de alegria e preguiça/Quem lê tanta notícia?” – Caetano, "Alegria, Alegria"), vai para clippings, é repercutida em telejornais etc. Enquanto as manchetes fazem o serviço principal, as ressalvas e outras versões ficam relegadas a espaços secundários e notas internas.

Mas qual a credibilidade de um homem com a “folha corrida” de Roberto Jefferson? Senão, lembremos (uso a Wikipedia como fonte para ficar no neutro, afinal ninguém pode dizer que a Wikipedia é de esquerda...):

Jefferson passou a ser conhecido nacionalmente durante o processo de impeachment do então presidente Fernando Collor, em que atuou como militante da ‘tropa de choque’ de deputados que tentavam defender o então presidente.”

Em 1993, seu nome foi citado entre os envolvidos no esquema de propina na CPI do Orçamento.”

Em 2005, a revista Veja divulgou o suposto envolvimento de Roberto Jefferson num escândalo de corrupção nos Correios, na qual houve fraude a licitações e desvio de dinheiro público. Com a iminência da instauração de uma CPI no Congresso Nacional, Roberto Jefferson denunciou a prática da compra de deputados federais da base aliada ao governo federal (PL, PP, PMDB) pelo partido oficial: o PT. A prática ficou conhecida como o ‘mensalão’.”

No dia 14 de setembro de 2005, o mandato de Jefferson foi cassado, perdendo seus direitos políticos por oito anos.”

Sete anos depois de cassado, eis que Jefferson retorna à ribalta e tem, talvez, seu último momento de estrelato. E a versão desse homem é a fonte das manchetes dos dois maiores jornais de São Paulo...

Mas, por outro lado, a mesma Folha, em suas páginas internas, informa: “Julgamento do mensalão não afeta avaliação do governo, diz Datafolha” (que pena, hein, Folha?). A matéria revela que “62% classificam administração Dilma como boa ou ótima, índice só 2 pontos abaixo do recorde”. Na pesquisa, diz o jornal, o “Datafolha também pediu para cada entrevistado atribuir uma nota de 0 a 10 ao desempenho da administração Dilma Rousseff. A nota média foi 7,4. Em abril, a nota foi só um pouco melhor: 7,5”.

Resta esperar como Jefferson vai aparecer na próxima edição da Veja, que, com certeza, não vai nos brindar com a verdade e a autocrítica, falando das ligações do jornalista Policarpo Jr., diretor de redação da revista em Brasília, com o presidiário Carlinhos Cachoeira.

Por falar nisso, a Rede Brasil Atual informa que a CPMI do Cachoeira está analisando a convocação de Gurgel, Policarpo, Civita e governadores. Leia aqui .

sábado, 5 de maio de 2012

Fatos da semana: STF declara ProUni constitucional
e Dilma dá xeque no mercado financeiro



Pelos muitos afazeres, e portanto falta de tempo, não falei aqui antes sobre os dois fatos da semana. O primeiro é o Programa Universidade para Todos (ProUni), considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ontem, 3 de maio. O segundo fato da semana é a presidente Dilma, que, nesta semana, dedicou-se a demonstrar que, se alguém tinha alguma dúvida, ela é a chefe de Estado.

Fato 1: o STF declarou válido o ProUni por 7 votos a 1 (o voto vencido foi do ministro Marco Aurélio de Mello: uma no cravo, outra na ferradura). O julgamento estava no tribunal desde 2004. A ação contra o ProUni foi ajuizada por três entidades: Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem), pelo DEM e pela Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Fenafisp).

Estudantes fazem o ProUni - Foto: Wilson Dias/ ABr

O ProUni foi atacado de todas as maneiras pela mídia (querendo desmoralizá-lo). Só essa campanha bastante virulenta, em si mesma, já demonstrou que por algum motivo o ProUni contraria interesses. Quais? Basta se informar e ver aonde leva o fio da meada.

Eu sou paulista da cidade de São Paulo. Aqui, se viu como o tucanato (o ex-governador José Serra e o atual, Alckmin) tratou a educação: com a polícia armada com seus porretes e gás de pimenta. Logo, para resumir a ópera, a declaração de legalidade do ProUni pelo STF é bastante importante.

Do ponto de vista político, é óbvio o dividendo que a decisão da "Corte Suprema" agrega à campanha de Fernando Haddad na cidade de São Paulo. A gestão de Haddad no Ministério da Educação foi ferozmente combatida pela mídia paulista, como no caso do Enem.

Fato 2: A presidente Dilma Rousseff falou grosso esta semana, e, como notaram até jornalistas do sistema Globo (no caso, a Globo News), seu governo deu um recado bastante claro na área econômica, e sob esse aspecto está indo bem mais longe do que o governo do presidente Lula.


Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ ABr
Dilma Rousseff, entre Guido Mantega (dir.) e Michel Temer

Quando o Banco do Brasil anuncia (na manhã desta sexta-feira, 4) uma nova redução nas taxas de juros para pessoa física, entre outras medidas, está dizendo para o mercado, o adorado deus mercado, que ele não pode tudo, e a mensagem é explícita: o governo pode não concordar totalmente com as “leis do mercado”.

O “mercado” chantageia, veladamente ameaça, mas fica numa situação difícil no tabuleiro de xadrez, já que uma instituição poderosa como o BB está dizendo: “os clientes que tiverem conta salário no BB e aderirem ao programa Bom pra Todos não pagarão mais do que 3,94% ao mês em nenhuma modalidade de crédito pessoal”.

A Caixa Econômica Federal já anuncia há semanas cortes de juros significativos. A mídia tenta timidamente, e em vão, se apegar à questão aritmética de uma alegada perda na caderneta de poupança. Perda largamente compensada com a queda de juros oficializada nas medidas adotadas pelos bancos federais.

Vamos ver como o “mercado” sai desse xeque. Se é que sai.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Anencefalia: mais uma vez, STF decide contra o obscurantismo


Não tive tempo de postar antes sobre a histórica votação do STF que, nesta quinta-feira, 12, por 8 votos a 2, literalmente tirou o aborto (vamos descartar o eufemismo) do Código Penal em casos de anencefalia. Votaram a favor da tese vencedora e contra o obscurantismo medieval, tese defendida desde o início pelo relator Marco Aurélio de Mello, os ministros Rosa Maria Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Cézar Peluso e Ricardo Lewandowski foram os votos vencidos. Dias Toffoli não votou, por ter atuado no caso como advogado-geral da União.

Esse julgamento é o terceiro de capital importância do STF nos últimos quatro anos a confirmar auspiciosamente um mandamento básico da Constituição de 1988: aquele segundo o qual o Brasil é um Estado laico. O primeiro foi o de maio de 2008, quando a “Suprema Corte” aprovou as pesquisas com células-tronco embrionárias no país. O segundo foi o reconhecimento, por 10 votos a zero, da união homoafetiva, exatos três anos depois, em maio de 2011.

Dos votos que pude acompanhar, tirando o do relator, achei muito bom o do ministro Luiz Fux. Ele ressaltou algo elementar, embora as mentes mais retrógradas (por ignorância ou má-fé) insistam em condenar: descriminalizar a "interrupção terapêutica de gravidez" (um eufemismo) em casos de anencefalia não quer dizer que a mulher que quiser ter um filho sem cérebro não possa tê-lo. Mas não se pode levar às barras do tribunal aquela que quiser optar por não ter, que não quiser passar por esse “terrível sofrimento”.

Luiz Fux disse algo forte em seu voto: os que condenam a opção legítima de uma mulher não querer ter um filho (natimorto) anencéfalo geralmente são pessoas cujos filhos e netos são bonitos e saudáveis. Esse foi um dos pontos altos de todo o julgamento. “A questão deve ser tratada como política de assistência social”, disse Luiz Fux, e não como uma questão penal.

É preciso reconhecer que, nos julgamentos em que tem sido chamado a resolver questões que contrapõe Estado laico versus moral religiosa, o Supremo tem dado respostas cabais a favor de uma sociedade menos estúpida e menos obscurantista.

Na questão do aborto propriamente dito, a batalha vai ser muito, mas muito mais difícil.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Voto de Marco Aurélio é contundente: "Gestação de anencéfalo assemelha-se à tortura"

 
Foto: Elza Fiúza/ABr
O ministro relator, ao fundo, à esquerda

Eu ia esperar o fim do julgamento do Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 para postar aqui. Mas o voto do relator, Marco Aurélio de Mello – a favor da descriminalização da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia – merece um post à parte, pois é brilhante. Na verdade, reflete o que se espera da mais alta corte do país, cujo dever é zelar pela constitucionalidade das leis de um país laico. E, afinal, como ele próprio lembrou: “Não cogitamos sequer de aborto [no julgamento] mas de interrupção terapêutica de gravidez”.

O voto do relator é cabal. “O Estado brasileiro é laico”. Mais do que cabal, é contundente em algumas passagens. Por exemplo, quando diz: “O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido”.

Afirmou ainda: "Hoje é consensual no Brasil e no mundo que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro não tem vida", disse.

Pode-se criticar ou falar o que quiser de Marco Aurélio, mas seu voto e relatório (eruditos como sempre) são históricos, e vamos esperar que o STF, ao final, acabe com a hipocrisia que ronda o tema desde 2004, quando o caso chegou ao tribunal. O ministro lembrou a grande Simone de Beauvoir (autora do monumental O Segundo Sexo, considerado a bíblia do feminismo) em sua argüição: “Simone de Beauvoir já exclamava ser o mais escandaloso dos escândalos aquele a que nos habituamos”.

Leia algumas passagens do voto de Marco Aurélio (o link com a íntegra de seu voto está abaixo neste post):

“A garantia do Estado laico obsta que dogmas de fé determinem o conteúdo de atos estatais. Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada.”

“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”

“Não cabe impor às mulheres o sentimento de meras ‘incubadoras’ ou, pior, ‘caixões ambulantes’, na expressão de Débora Diniz. Simone de Beauvoir já exclamava ser o mais escandaloso dos escândalos aquele a que nos habituamos. Sem dúvida. Mostra-se inadmissível fechar os olhos e o coração ao que vivenciado diuturnamente por essas mulheres, seus companheiros e suas famílias.”

“Atuar com sapiência e justiça, calcados na Constituição da República e desprovidos de qualquer dogma ou paradigma moral e religioso, obriga-nos a garantir, sim, o direito da mulher de manifestar-se livremente, sem o temor de tornar-se ré em eventual ação por crime de aborto.”

“Franquear a decisão à mulher é medida necessária ante o texto da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, ratificada pelo Estado brasileiro em 27 de novembro de 1995, cujo artigo 4º inclui como direitos humanos das mulheres o direito à integridade física, mental e moral, à liberdade, à dignidade e a não ser submetida a tortura. Define como violência qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.”

“Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro.”

Após o resultado (esperemos que majoritariamente seguindo o voto do relator), postarei outro texto no blog.

Leia a íntegra do voto de Marco Aurélio de Mello neste link: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 - Distrito Federal

sábado, 30 de outubro de 2010

Duas decisões judiciais importantes na reta final

STF - A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, negou ação cautelar da Folha de S. Paulo pedindo acesso aos arquivos do processo de Dilma Rousseff durante a ditadura militar. Impressionante o terror armado pela Folha de S. Paulo em torno desse processo, fiel à cartilha da extrema direita. O que quer? Acusar Dilma de ter sido presa e torturada?

Que imprensazinha. O link do STF com o andamento do processo está aqui.

TSE - A segunda decisão é do Tribunal Superior Eleitoral. A ministra Nancy Andrighi determinou a suspensão imediata do serviço de telemarketing utilizado pela campanha de José Serra.

Nas ligações disparadas pela campanha tucana, que já ficou famosa mundialmente pelo seu nível rasteiro e repulsivo, ouvem-se acusações falsas a Dilma sobre temas relacionados ao aborto e o caso Erenice Guerra, entre outros. Enfim, esta decisão é importante, mas, a meu ver, tardia (faz duas semanas que este humilde blog falou do tema!, como podem ver neste link). Se dependesse dela, a eleição estava perdida. Pelo menos Dilma podia dar um jeito de mencionar isso no debate. Porque a sordidez é nojenta.

A notícia no site do TSE está aqui.

*Atualizado às 15h25
Outra decisão importante que está sendo divulgada no twitter. O Tribunal Superior Eleitoral determinou a suspensão do “Vídeo 2012” e sua retirada de canais do Youtube.

No vídeo – que indignou muita gente – os tucanos exibem imagens de um Brasil que seria destruído se Dilma for eleita. Para o TSE, a montagem é de “teor ofensivo e inverídico” e “compromete o aprimoramento do Estado Democrático de Direito”.

Atualizado às 19h30
** Em Brasília, a Coligação Novo Caminho, do PT, que tem Agnelo Queiroz como candidato a governador do DF, obteve na Justiça liminar concedida pelo desembargador Mário Machado, determinando a busca e apreensão da edição 727 do DF Notícias – por trazer calúnias, ofensas e difamações contra Agnelo. Leia mais no blog Passe Livre.