Reproduzo aqui, ipis litteris, a entrevista que fiz hoje, para a Rede Brasil Atual
Carlos Humberto/STF
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, refuta a ideia de que a mais alta corte do país tenha sido conivente com o impeachment, segundo a expressão jurídica, ou golpe, de acordo com o termo político utilizado pelos representantes da esquerda brasileira. “O que houve foi uma deliberação, e deliberação das duas casas do Congresso. Em segundo lugar, nós ocupamos uma cadeira de envergadura maior. E não estamos engajados em qualquer política governamental”, disse Marco Aurélio à RBA.
A reversão do impeachment de Dilma Rousseff é defendida
como viável por juristas como o procurador da República Eugênio Aragão.
Empossado em 13 de junho de 1990, o ministro Marco
Aurélio discorda de que o país sofreu um golpe. “Não, de forma alguma”, diz.
Como o sr. avalia a tese de que a única forma de o país sair
da crise é a anulação do impeachment, cujo julgamento está no STF?
Se está no STF eu não posso antecipar qualquer ideia. Vamos
aguardar. Mas, evidentemente, foi uma fase que ficou para trás. Precisamos
esperar. Não conheço inclusive a articulação que se faz. Eu não poderia mesmo
emitir (opinião) por uma questão de dever profissional.
Qual articulação?
A articulação nas ações. Há vários mandados de segurança no
Supremo.
Há muito questionamento sobre por que o Supremo não se
pronuncia, já que o impeachment é um caso muito importante. Por quê? Poderíamos
explicar?
Porque a sobrecarga é inimaginável, considerando uma Suprema
Corte. Nós não somos mais operadores do Direito, nós somos estivadores do
Direito. É algo que, se você revela, por exemplo, a um integrante de um
tribunal estrangeiro, a esse nível, ele pensa até que é irreal. Por isso é que viemos apagando simplesmente incêndios, e a
jurisdição fica prejudicada em termos de celeridade.
Alguns juristas afirmam que, por omissão, o STF participa do
que eles chamam de golpe. O sr. teria algum comentário sobre isso?
Não, de forma alguma. De forma alguma. Primeiro, não cogito,
em si, de golpe. O que houve foi uma deliberação, e deliberação das duas casas
do Congresso. Em segundo lugar, nós ocupamos uma cadeira de envergadura maior.
E não estamos engajados em qualquer política governamental. A política presente
no Supremo é institucional e voltada a tornar prevalecente a lei das leis da
República, que é a Constituição.
O Legislativo representa a sociedade hoje?
É a premissa, e eles devem estar atentos aos anseios de
sociedade.
Mas parece que não estão, não é?
Não, eu não emito impedimento a respeito. Que cada qual faça
a sua parte. E apenas digo que em época de crise devemos guardar princípios,
sendo até um pouco ortodoxos nessa guarda.
Como um dos ministros mais antigos do STF, o sr. vislumbra
alguma saída para o país, que continua mergulhado numa crise profunda?
Nós estamos sangrando por motivos diversos. Evidentemente,
devemos procurar correção de rumos, dias melhores para o povo brasileiro.
Procurar um outro sistema político?
Não, precisamos ter uma compenetração maior, principalmente
da parte dos homens públicos quanto ao avanço cultural.
Avanço cultural que no nosso caso continua no século
passado...
Pois é, e com um mercado desequilibrado em que os jovens não
têm a menor chance de se realizarem. Isso é preocupante. Nós temos um
desequilíbrio marcante entre empregos e mão de obra. Houve um crescimento
demográfico desenfreado. Basta lembrar o chavão da Copa de 1970: “90 milhões de
brasileiros em ação”. Hoje, em plena crise, somos quase 210 milhões, um
crescimento de mais de 130% em cerca de 45 anos.