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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Marco Aurélio sobre impeachment: "O que houve foi uma deliberação das duas casas do Congresso"


Reproduzo aqui, ipis litteris, a entrevista que fiz hoje, para a Rede Brasil Atual 


Carlos Humberto/STF


O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, refuta a ideia de que a mais alta corte do país tenha sido conivente com o impeachment, segundo a expressão jurídica, ou golpe, de acordo com o termo político utilizado pelos representantes da esquerda brasileira. “O que houve foi uma deliberação, e deliberação das duas casas do Congresso. Em segundo lugar, nós ocupamos uma cadeira de envergadura maior. E não estamos engajados em qualquer política governamental”, disse Marco Aurélio à RBA.

A reversão do impeachment de Dilma Rousseff é defendida como viável por juristas como o procurador da República Eugênio Aragão.

Empossado em 13 de junho de 1990, o ministro Marco Aurélio discorda de que o país sofreu um golpe. “Não, de forma alguma”, diz.

Como o sr. avalia a tese de que a única forma de o país sair da crise é a anulação do impeachment, cujo julgamento está no STF?

Se está no STF eu não posso antecipar qualquer ideia. Vamos aguardar. Mas, evidentemente, foi uma fase que ficou para trás. Precisamos esperar. Não conheço inclusive a articulação que se faz. Eu não poderia mesmo emitir (opinião) por uma questão de dever profissional.

Qual articulação?

A articulação nas ações. Há vários mandados de segurança no Supremo.

Há muito questionamento sobre por que o Supremo não se pronuncia, já que o impeachment é um caso muito importante. Por quê? Poderíamos explicar?

Porque a sobrecarga é inimaginável, considerando uma Suprema Corte. Nós não somos mais operadores do Direito, nós somos estivadores do Direito. É algo que, se você revela, por exemplo, a um integrante de um tribunal estrangeiro, a esse nível, ele pensa até que é irreal. Por isso é que viemos apagando simplesmente incêndios, e a jurisdição fica prejudicada em termos de celeridade.

Alguns juristas afirmam que, por omissão, o STF participa do que eles chamam de golpe. O sr. teria algum comentário sobre isso?

Não, de forma alguma. De forma alguma. Primeiro, não cogito, em si, de golpe. O que houve foi uma deliberação, e deliberação das duas casas do Congresso. Em segundo lugar, nós ocupamos uma cadeira de envergadura maior. E não estamos engajados em qualquer política governamental. A política presente no Supremo é institucional e voltada a tornar prevalecente a lei das leis da República, que é a Constituição.

O Legislativo representa a sociedade hoje?

É a premissa, e eles devem estar atentos aos anseios de sociedade.

Mas parece que não estão, não é?

Não, eu não emito impedimento a respeito. Que cada qual faça a sua parte. E apenas digo que em época de crise devemos guardar princípios, sendo até um pouco ortodoxos nessa guarda. 

Como um dos ministros mais antigos do STF, o sr. vislumbra alguma saída para o país, que continua mergulhado numa crise profunda?

Nós estamos sangrando por motivos diversos. Evidentemente, devemos procurar correção de rumos, dias melhores para o povo brasileiro.

Procurar um outro sistema político?

Não, precisamos ter uma compenetração maior, principalmente da parte dos homens públicos quanto ao avanço cultural.

Avanço cultural que no nosso caso continua no século passado...

Pois é, e com um mercado desequilibrado em que os jovens não têm a menor chance de se realizarem. Isso é preocupante. Nós temos um desequilíbrio marcante entre empregos e mão de obra. Houve um crescimento demográfico desenfreado. Basta lembrar o chavão da Copa de 1970: “90 milhões de brasileiros em ação”. Hoje, em plena crise, somos quase 210 milhões, um crescimento de mais de 130% em cerca de 45 anos.


sexta-feira, 15 de abril de 2016

Em dia de julgamentos decisivos, STF decide como Pôncio Pilatos


Rosinei Coutinho/SCO/STF
Voto de Marco Aurélio foi brilhante,  mas vencido

O Supremo Tribunal Federal validou tudo o que era possível a favor do livre encaminhamento do impeachment a partir do que ocorreu na Câmara dos Deputados sob a batuta de Eduardo Cunha. Desde os critérios de ordem de votação do impeachment estabelecido por Cunha até a confirmação de todo o processo viciado que redundou na aprovação do relatório de Jovair Arantes (quer dizer, de Eduardo Cunha).

Com exceção dos ministros Ricardo Lewandowski e principalmente Marco Aurélio, que votaram por conceder liminares tanto ao PCdoB como à Advocacia-Geral da União, a “mais alta corte do país” julgou cinco processos a toque de caixa e não reconheceu nenhum pedido, seja do PCdoB, seja do governo, seja de deputados petistas. Nenhum.

O STF se comporta como Pôncio Pilatos.

Contra a tentativa da defesa de Dilma de anular o andamento do processo com base no viciado relatório de Jovair Arantes (quer dizer, de Eduardo Cunha), argumentaram os eminentes ministros vencedores que a votação na Câmara é meramente autorizativa, pois quem decide de fato é o Senado, e que portanto não caberia interromper o processo na Câmara, nem mesmo por cerceamento da defesa. Tirando os devidos floreios do juridiquês empolado, simplificando, foi isso.

Marco Aurélio proferiu um voto brilhante, a favor da concessão da liminar pedida pela Advocacia Geral da União tentando anular o andamento do processo de impeachment.

Marco Aurélio foi enfático ao dizer que o julgamento da Câmara tem muito maior importância do que a mera autorização, já que “abre a porta” para o impeachment no Senado, não sendo por isso meramente autorizativo. “Trata-se de um processo seríssimo. E, para mim, ou ele se enquadra no figurino constitucional e legal, ou, não se enquadrando, ele não pode ir adiante", disse o ministro.

Seja como for, Marco Aurélio foi vencido, junto com Lewandowski.

No que depender do Supremo, Eduardo Cunha está à vontade.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Especulações sobre um cenário menos sombrio, apesar da Guerra Híbrida


Foto: Stella Senra (clique para ampliar)
Manifestação em Brasília contra o golpe - 31 de março de 2016

Não sou cientista político, mas alguns indícios parecem apontar na direção contrária à desejada pelos grupos midiáticos que querem convencer a população brasileira de que o golpe, via impeachment, é favas contadas. Somados, alguns desses indícios podem começar a configurar um cenário menos sombrio ao prognosticado pelas máfias da comunicação, embora não se saiba que tipo de armas ou táticas possam estar reservadas para os próximos dias ou semanas pelos articuladores do golpe no Brasil  e da verdadeira guerra (veja abaixo: a Guerra Híbrida).

Eis alguns deles:

- Algumas vozes importantes vêm se pronunciando no sentido de condenar as barbaridades jurídicas contra direitos constitucionais, perpetradas há muito tempo pelo juiz de Curitiba, principalmente de dois meses para cá, com o ápice na condução coercitiva de Lula e na divulgação dos grampos da conversa entre o ex-presidente e Dilma.

O ministro Marco Aurélio, do STF, é uma dessas vozes. Na quarta-feira (30), ele disse, sobre o impeachment: "Se não houver um fato jurídico que respalde o processo de impedimento, esse processo não se enquadra no figurino legal e transparece como golpe (...) Por que não se sentam à mesa para discutir as medidas indispensáveis nesse momento? Por que insistem em inviabilizar a governança pátria? Nós não sabemos."

O senador Renan Calheiros, figura em quem a prudência não aconselha confiar muito, mas que tem sido aliado importante do Planalto, disse nesta quinta que o desembarque do PMDB do governo "não foi um bom movimento”.

Menciono Renan e Marco Aurélio, obviamente, porque seria muito fácil falar de Chico Buarque, um eterno aliado das causas populares. Mas, principalmente, a voz do ministro do Supremo tem significado, pelo que ele representa em termos de um dos três poderes da República.

- O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) faz a seguinte avaliação sobre o desembarque golpista do PMDB comandado por Michel Temer: "o PMDB achava que, rompendo com o governo, outros partidos iam debandar também. Isso não aconteceu, abriu-se mais espaço para que outros partidos participem do governo". Ok, é a avaliação de um governista, mas faz sentido, embora ainda seja cedo para concluir pelo erro ou acerto da avaliação do senador petista.

- A conta para o impeachment comandado por Eduardo Cunha passar na Câmara está longe de ser simples para os golpistas. Estes precisam de 342 votos (pelo menos dois terços de 512 - a Câmara tem 513 deputados, mas o presidente da casa não vota). Porém, o governo não necessita de 171 para barrar o processo. Basta que os favoráveis ao golpe não cheguem aos 342. Por exemplo: 340 votam pelo impedimento, 120 se ausentam e 52 se abstêm. Nesse caso, o impeachment é arquivado.

A conta do Miguel do Rosário, no Cafezinho, é outra: "se forem 341votos contra Dilma, e zero votos a favor dela, mesmo assim o impeachment não passa, pois os votos dos ausentes são considerados contra o impeachment". Dá no mesmo.

- As manifestações da sociedade a favor da democracia, mesmo não sendo necessariamente decisivas (e quem lembra das Diretas Já sabe disso), pressionam enormemente deputados em suas bases, principalmente no Nordeste. Afinal, o Brasil não é São Paulo.

- Ao contrário de Collor, renegado pelas multidões que nele votaram, desprezado por aliados e amigos, abandonado e combatido pela mídia que o elegeu, Dilma conta com o apoio de uma base e movimentos sociais cuja só presença certamente vai intimidar muitos parlamentares, na hora de votar. Eles sabem que, quando voltarem a seus redutos eleitorais, e ao longo dos meses e anos seguintes a um impeachment sem fundamento legal, o estigma de golpista poderá ser fatal a seu futuro político. Pelo sim, pelo não, talvez não sejam poucos os que ponderem sobre essa espécie de cenário de si mesmo.

- Por fim, as repercussões do golpe em marcha no Brasil já são consideráveis na imprensa internacional. Isso tem influência, pois, para o bem ou para o mal, nenhum país é uma ilha. Mais informações sobre o assunto neste artigo de Grazielle Albuquerque, pesquisadora do Sistema de Justiça e doutoranda em Ciência Política pela Unicamp, publicado no site Pragmatismo Político: 
A repercussão do golpe na mídia internacional,

Exatamente há 52 anos, nesta mesma madrugada de 31 de março para 1º de abril, era deflagrado o golpe militar no Brasil.

A Guerra Híbrida, segundo Pepe Escobar

Como epílogo, quero terminar registrando que a grande luta que se trava é invisível e está além dos meros serviçais de golpe no Brasil. Essa é a guerra de que se trata, que o jornalista Pepe Escobar aponta melhor do que ninguém:

"A matriz ideológica e o modus operandi das revoluções coloridas já são, hoje, assunto de domínio público. Mas não, ainda, o conceito de Guerra Não Convencional (GNC) [orig. Unconventional War (UW).

"Essa guerra não convencional apareceu explicada no manual das Forças Especiais para Guerra Não Convencional dos EUA, em 2010. O parágrafo chave é:

"1-1. A intenção dos esforços de GNC dos EUA é explorar vulnerabilidades políticas, militares, econômicos e psicológicos de um poder hostil, mediante o desenvolvimento e sustentação de forças de resistência, para alcançar os objetivos estratégicos dos EUA. (...) Para o futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerra irregular."

" 'Hostil ' não se aplica apenas a potências militares; qualquer estado que se atreva a desafiar alguma trama importante para a "ordem" mundial Washington-cêntrica - do Sudão à Argentina -, pode ser declarado"hostil".

"Hoje, as ligações perigosas entre Revoluções Coloridas e Guerra Não Convencional já desabrocharam, como Guerra Híbrida: caso pervertido de Flores do Mal. Uma 'revolução colorida' é apenas o primeiro estágio do que, adiante, será convertido em Guerra Híbrida. E Guerra Híbrida pode ser interpretada, na essência, como a teoria-do-caos armada - paixão conceitual dos militares dos EUA ("política é a continuação da guerra por meios linguísticos"). No fundo, meu livro de 2014, Empire of Chaos rastreia as miríades de manifestações desse conceito.

"Os detalhados e bem construídos argumentos [de Andrew Koribko, um dos capítulos já traduzidos, e outros em tradução (NTs)] dessa tese em três partes esclarece perfeitamente o objetivo central por trás de uma grande Guerra Híbrida:

"O grande objetivo por trás de toda e qualquer Guerra Híbrida é esfacelar projetos multipolares transnacionais conectivos, mediante conflitos de identidade provocados de fora para dentro (étnicos, religiosos, regionais, políticos, etc.), dentro de um estado de trânsito tomado como alvo.

"Os BRICS - palavra/conceito de péssima reputação em Washington e no Eixo de Wall Street - teriam de ser os alvos preferenciais de Guerra Híbrida. Por incontáveis razões, dentre as quais: o movimento na direção de comerciar e negociar em suas próprias respectivas moedas, deixando de lado o dólar norte-americano; a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS; o confessado interesse na direção da integração da Eurásia, simbolizada pelos projetos: Novas Rotas da Seda - ou, na terminologia oficial, Um Cinturão, uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)] liderados pela China; e União Econômica Eurasiana (UEE) liderada pela Rússia."

Leia o artigo de Pepe Escobar na íntegra, no site O Cafezinho
Brasil e Rússia sob ataque de “Guerra Híbrida”

segunda-feira, 7 de março de 2016

Marco Aurélio Mello aponta para riscos de "estado de exceção" ao falar da Lava Jato


Foto: Nelson Jr./STF 
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, foi contundente (veja vídeo abaixo neste post) ao analisar as graves violações de direitos individuais não só na chamada Operação Aleteia, desencadeada na sexta-feira 4, contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como na operação Lava Jato de modo geral. Ele deu as declarações no programa Canal Livre (exibido na madrugada desta segunda-feira 7), da Band, em cuja banca, a bem da verdade, só se salva a colunista Mônica Bergamo.

Um dos principais pontos das mordazes avaliações de Marco Aurélio diz respeito a um ponto ao qual quase nenhum cidadão dá atenção. “E o mais sério: é que tudo se deu em relação a uma pessoa que, duas vezes, foi eleita pelo povo. O que se dará com um cidadão comum? O que nós poderemos ter amanhã ou depois quanto a este ou aquele acusado?”

Que cidadãos comuns ou leigos não entendam a importância desse raciocínio pode-se entender. Mas que supostos cultos jornalistas, empenhados em destruir reputações e direitos, finjam não enxergar o ovo da serpente, isso é imperdoável.

Veja abaixo alguns trechos importantes da entrevista  de Marco Aurélio (o vídeo está ao fim do post):

"E o mais sério: é que tudo se deu (na operação Aleteia) em relação a uma pessoa que, duas vezes, foi eleita pelo povo. O que se dará com um cidadão comum? O que nós poderemos ter amanhã ou depois quanto a este ou aquele acusado? Paga-se um preço, e é um preço módico, por se viver em um estado de direito: o respeito irrestrito às regras estabelecidas. Somente assim é que teremos dias melhores no Brasil. Que realmente se observe acima de tudo o devido processo legal."

"(...) Evidentemente o leigo talvez não perceba o alcance desse ato extremo, de conduzir alguém de baixo de vara sem que esse alguém antes tenha se recusado a espontaneamente, como cidadão, comparecer perante a autoridade judicial (...) Em Direito, o meio justifica o fim, mas não o fim ao meio. Eu não posso simplesmente, sob pena de adentrar o campo da exceção, do regime de exceção, simplesmente criar o critério que eu ache mais aconselhável, muito menos para se ter o efeito que se teve na sexta-feira, em termos de repercussão nacional, e também internacional." 

"(...) Se prende, se fragiliza o cidadão, para obter-se dele uma delação. Será que se coaduna com o princípio da dignidade humana? A meu ver, não. A delação deve ser um ato espontâneo, de quem queira colaborar com o Judiciário na elucidação dos fatos, e ter com isso quem sabe, já que o delator é um co-réu, ter a diminuição da pena futura."

"Nos vem da Constituição Federal o princípio da não-culpabilidade (...)."

"Que nós estamos com uma generalização de atos extravagantes, estamos (...) Nada justifica uma condução coercitiva sem que antes o cidadão tenha sido intimado mediante mandado e tenha deixado de atender ao chamamento judicial. Premissa da condução coercitiva sempre e sempre. A não ser que haja atropelos (...) E ainda me levam o conduzido para o aeroporto de Congonhas, para um local público."

terça-feira, 11 de junho de 2013

Blitz evangélica contra o Estado laico, a cidadania, as mulheres e a ciência



A garantia do Estado laico obsta que dogmas de fé determinem o conteúdo de atos estatais. Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada.” (Marco Aurélio Mello, ministro do STF, em julgamento que autorizou o aborto em casos de anencefalia)


Reprodução
A ciência também está na mira da blitz evangélica
É com justa indignação que todas as pessoas preocupadas com cidadania, estado laico e conceitos afins devem encarar a atual conjuntura, embora não seja, para mim, crível que um projeto com o teor obscurantista e medieval do tal Estatuto do Nascituro venha a vigorar no país.

Até porque, no limite, o Supremo Tribunal Federal deve fazer valer seu “poder de veto”, digamos assim, já que há pouco mais de um ano a corte convalidou o estado laico e o direito da mulher ao autorizar o aborto em casos de anencefalia.

No voto que proferiu no julgamento citado, o ministro Marco Aurélio argumentou: “O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido”.

Será meramente o medo de perder votos diante de argumentos moralistas desprovidos de qualquer senso científico o que cala o governo Dilma diante da atual blitz evangélica? A chamada bancada evangélica conta com 70 deputados e 3 senadores. Corresponde a 13,6% dos 513 deputados, 3,7% dos senadores e 12,2% do conjunto do Congresso Nacional. O silêncio do governo e de seus principais líderes diante do avanço pentecostal é um mistério matemático.

Politicamente, o cálculo político do governo e da chamada esquerda pode estar se equivocando gravemente, como aconteceu na “omissão ou leniência” do PT, como me disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) outro dia, que redundou na “tomada” pelos parlamentares de Cristo da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara.

O monstro chamado Estatuto do Nascituro é a contra mão de tudo o que vem acontecendo no mundo, apenas para ficar no exemplo mais recente. Como lembram organizações feministas em petição divulgada contra esse projeto espúrio, ele “amplia a criminalização do abortamento para as situações que hoje são permitidas por lei”. Até mesmo as mulheres que têm o direito ao acesso ao aborto previsto em lei seriam criminalizadas: nos casos de risco de vida, de estupro e de fetos anencéfalos, que o Supremo Tribunal Federal considerou constitucionalmente válido há pouco mais de um ano.

“O projeto torna a maternidade compulsória mesmo para as vítimas de estupro que serão obrigadas a suportar a gravidez resultante do crime”, lembra a petição. “A situação é especialmente preocupante considerando o grande número de crianças e pré-adolescentes grávidas em decorrência de abuso sexual”. 

“O projeto obrigaria vítimas de pedofilia a suportar gestações que, além de traumáticas, são de alto risco, pois seus corpos não estão completamente formados. É uma situação análoga a da tortura, tratamento cruel, desumano e degradante”, continua a petição das feministas.

Quem tiver a curiosidade de acessar a íntegra do projeto na Câmara dos deputados verá que ele reza no parágrafo único do artigo 2°: “O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos in vitro, os produzidos através de clonagem ou por outro meio científica e eticamente aceito”. Ou seja, até mesmo as pesquisas com células tronco, também já autorizadas pelo Supremo, seriam banidas.

É algo definitivamente assombroso o parecer Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovado na semana passada. Parecer, lembremos, do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro.

Segundo a deputada Érika Kokay (PT-DF), uma das poucas que têm se manifestado, “eles fazem parte de uma articulação para a construção de um projeto de poder baseado num estado onde uns podem amar, outros não; uns têm direito, outros não. Tomaram a comissão [de Direitos Humanos] para a construção desse projeto”.

Não acho que chegue a tanto. Mas seguro morreu de velho. "É preciso estar atento e forte."



sexta-feira, 13 de abril de 2012

Anencefalia: mais uma vez, STF decide contra o obscurantismo


Não tive tempo de postar antes sobre a histórica votação do STF que, nesta quinta-feira, 12, por 8 votos a 2, literalmente tirou o aborto (vamos descartar o eufemismo) do Código Penal em casos de anencefalia. Votaram a favor da tese vencedora e contra o obscurantismo medieval, tese defendida desde o início pelo relator Marco Aurélio de Mello, os ministros Rosa Maria Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Cézar Peluso e Ricardo Lewandowski foram os votos vencidos. Dias Toffoli não votou, por ter atuado no caso como advogado-geral da União.

Esse julgamento é o terceiro de capital importância do STF nos últimos quatro anos a confirmar auspiciosamente um mandamento básico da Constituição de 1988: aquele segundo o qual o Brasil é um Estado laico. O primeiro foi o de maio de 2008, quando a “Suprema Corte” aprovou as pesquisas com células-tronco embrionárias no país. O segundo foi o reconhecimento, por 10 votos a zero, da união homoafetiva, exatos três anos depois, em maio de 2011.

Dos votos que pude acompanhar, tirando o do relator, achei muito bom o do ministro Luiz Fux. Ele ressaltou algo elementar, embora as mentes mais retrógradas (por ignorância ou má-fé) insistam em condenar: descriminalizar a "interrupção terapêutica de gravidez" (um eufemismo) em casos de anencefalia não quer dizer que a mulher que quiser ter um filho sem cérebro não possa tê-lo. Mas não se pode levar às barras do tribunal aquela que quiser optar por não ter, que não quiser passar por esse “terrível sofrimento”.

Luiz Fux disse algo forte em seu voto: os que condenam a opção legítima de uma mulher não querer ter um filho (natimorto) anencéfalo geralmente são pessoas cujos filhos e netos são bonitos e saudáveis. Esse foi um dos pontos altos de todo o julgamento. “A questão deve ser tratada como política de assistência social”, disse Luiz Fux, e não como uma questão penal.

É preciso reconhecer que, nos julgamentos em que tem sido chamado a resolver questões que contrapõe Estado laico versus moral religiosa, o Supremo tem dado respostas cabais a favor de uma sociedade menos estúpida e menos obscurantista.

Na questão do aborto propriamente dito, a batalha vai ser muito, mas muito mais difícil.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Voto de Marco Aurélio é contundente: "Gestação de anencéfalo assemelha-se à tortura"

 
Foto: Elza Fiúza/ABr
O ministro relator, ao fundo, à esquerda

Eu ia esperar o fim do julgamento do Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 para postar aqui. Mas o voto do relator, Marco Aurélio de Mello – a favor da descriminalização da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia – merece um post à parte, pois é brilhante. Na verdade, reflete o que se espera da mais alta corte do país, cujo dever é zelar pela constitucionalidade das leis de um país laico. E, afinal, como ele próprio lembrou: “Não cogitamos sequer de aborto [no julgamento] mas de interrupção terapêutica de gravidez”.

O voto do relator é cabal. “O Estado brasileiro é laico”. Mais do que cabal, é contundente em algumas passagens. Por exemplo, quando diz: “O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido”.

Afirmou ainda: "Hoje é consensual no Brasil e no mundo que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro não tem vida", disse.

Pode-se criticar ou falar o que quiser de Marco Aurélio, mas seu voto e relatório (eruditos como sempre) são históricos, e vamos esperar que o STF, ao final, acabe com a hipocrisia que ronda o tema desde 2004, quando o caso chegou ao tribunal. O ministro lembrou a grande Simone de Beauvoir (autora do monumental O Segundo Sexo, considerado a bíblia do feminismo) em sua argüição: “Simone de Beauvoir já exclamava ser o mais escandaloso dos escândalos aquele a que nos habituamos”.

Leia algumas passagens do voto de Marco Aurélio (o link com a íntegra de seu voto está abaixo neste post):

“A garantia do Estado laico obsta que dogmas de fé determinem o conteúdo de atos estatais. Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada.”

“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”

“Não cabe impor às mulheres o sentimento de meras ‘incubadoras’ ou, pior, ‘caixões ambulantes’, na expressão de Débora Diniz. Simone de Beauvoir já exclamava ser o mais escandaloso dos escândalos aquele a que nos habituamos. Sem dúvida. Mostra-se inadmissível fechar os olhos e o coração ao que vivenciado diuturnamente por essas mulheres, seus companheiros e suas famílias.”

“Atuar com sapiência e justiça, calcados na Constituição da República e desprovidos de qualquer dogma ou paradigma moral e religioso, obriga-nos a garantir, sim, o direito da mulher de manifestar-se livremente, sem o temor de tornar-se ré em eventual ação por crime de aborto.”

“Franquear a decisão à mulher é medida necessária ante o texto da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, ratificada pelo Estado brasileiro em 27 de novembro de 1995, cujo artigo 4º inclui como direitos humanos das mulheres o direito à integridade física, mental e moral, à liberdade, à dignidade e a não ser submetida a tortura. Define como violência qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.”

“Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro.”

Após o resultado (esperemos que majoritariamente seguindo o voto do relator), postarei outro texto no blog.

Leia a íntegra do voto de Marco Aurélio de Mello neste link: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 - Distrito Federal