"A construção do pós-guerra foi uma coisa fantástica. Daquela tragédia saímos para um momento em que foi possível preservar a liberdade melhorando as condições da igualdade. Ser de esquerda quer dizer isso, queremos liberdade com igualdade. Não queremos tropelias e totalitarismo" (Luiz Gonzaga Belluzzo - Unicamp/31 de maio de 2017).
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Os irmãos Richthofen, Andreas e Suzane (Foto: Reprodução) |
Dito isso, quero dizer que a esquerda brasileira tem que evoluir muito para ser transformadora. Penso no
mestre Pier Paolo Pasolini.
Uso para esta modesta análise impressionista o caso Andreas von Richthofen. Como era de se esperar, após vir a público a informação de
que Andreas -- o irmão de Suzane, condenada por ser a autora
intelectual do assassinato dos pais em 2002 -- foi encontrado em condições
precárias e com "sinais de uso de drogas", não tardaram as abordagens
simplistas e, eu diria, espiritual e filosoficamente limítrofes, sobre o caso, por parte da nossa nobre esquerda.
Uma dessas abordagens, típicas, diz o seguinte: "é fácil ter compaixão e
empatia pelo Andreas. Bem nascido, loirinho, frequentou os melhores colégios e
vivemos, todos, a sua dor. Vimos a destruição da sua família. Solidarizamos a
dor dele, quando teve os pais assassinados. Difícil mesmo é enxergar humanidade
e ter compaixão e empatia com o viciado que parece vindo de outro mundo. Que é
analfabeto. Que sempre morou na rua e que já passou pela cadeia algumas vezes".
É o que diz Marcelo Feller, advogado criminal.
Data venia, é o mesmo tipo de argumentação que encara um atentado como o de Paris em
2015, ou o de Manchester, no mês passado, com afirmações do tipo: é fácil lamentar
as mortes de Paris, mas difícil mesmo é enxergar a humanidade dos assassinados
nas periferias de São Paulo etc etc etc.
É como se a pessoa "bem
nascida, loirinha", abençoada por ter frequentado "os melhores colégios", fosse destituída de humanidade. É um argumento filosoficamente indefensável. Um argumento que, no limite, justificaria os atentados de Paris de 2015.
Ambos, Andreas e o menino pobre da periferia, merecem a
mesma compaixão. A dor de ambos dói igualmente, na alma. Mas na alma deles. A
dor é espiritual e física, e existencial.
Se ser humanista é ser antiquado, eu
sou antiquado. A questão de Andreas estar ou não na Cracolândia não importa.
A esquerda, da qual eu faço parte, precisa ir além do
materialismo e do determinismo.
É óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues, que o país, e
particularmente São Paulo, estão submetidos a políticas higienistas e fascistas.
Voltamos décadas no tempo. Sofremos um golpe (que, aliás, foi conseguido de
maneira tão fácil que chega a ser deprimente ser brasileiro na atual conjuntura
- mas isso é outro assunto).
E não é isso que discuto aqui. Aqui, parto do pressuposto de
que o fascismo é incabível no século XXI. Mas,
repito: a esquerda brasileira precisa ir além do materialismo e do
determinismo.
A esquerda
brasileira deveria ler Nietzsche, Dostoiévski, Sartre e Baudelaire, para
interpretar a história sob perspectivas menos materialistas e deterministas. Perspectivas
que possam superar as abordagens fáceis. Entender o sofrimento de Raskólnikov (o protagonista de Crime e Castigo, de Dostoiévski) da mesma maneira que entende o sofrimento dos perseguidos pelo higienismo fascista de João Doria. São dimensões diferentes. Mas dimensões que precisam ser compreendidas como paralelas.
A esquerda brasileira precisa se desvencilhar de seus moralismos e ir "más allá", se quiser transformar este pobre Brasil em algo digno de ser chamado de uma nação.
É só isso. Data venia.