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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O inesgotável ódio a Lula – exemplos são muitos

O ocorrido a propósito do título concedido pelo instituto francês Sciences Po ao ex-presidente faz lembrar outros episódios em que a mídia demonstra seu preconceito raivoso

Atualizado às 21:28

Os protestos de jornalistas brasileiros contra a concessão do título Honoris Causa ao ex-presidente Lula, pelo instituto francês Sciences Po, o primeiro da instituição a um latino-americano, é mais um de muitos emblemas do preconceito, e um dos maiores (mas há outros). A partir do texto “Escravistas contra Lula”, do jornal argentino Página 12, o blogueiro Eduardo Guimarães abordou o tema no seu Blog da Cidadania. Outros blogs continuaram a repercussão.

O propósito deste post aqui não é recontar o fato (que pode ser conhecido em detalhes nos links acima), mas lembrar alguns outros episódios marcantes do ódio de classe e, por ele ser nordestino, do racismo contra Lula.

1) Larry Rohter - Ocorreu-me o “célebre” texto do jornalista Larry Rohter, para o New York Times, “Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional”. O que mais incomodou naquela matéria de maio de 2004, de resto mais tola do que séria, foi menos o texto em si do que o regozijo com que foi recebida pela imprensa brasileira.

A Folha de São Paulo, por exemplo, começava assim a matéria repercutindo o assunto: “O jornal The New York Times, o principal dos EUA e um dos mais influentes do mundo, publica na página 6 da edição deste domingo (9) uma reportagem...”

O leitor percebe que as qualificações da frase “o principal dos EUA e um dos mais influentes do mundo” servem como recurso de retórica para respaldar a “verdade” de que Lula é um beberrão. Curiosamente, nem a Folha nem o jornalista do NYT se lembraram de registrar que o então presidente George W. Bush é um reconhecido e assumido amante do álcool, e não se trata aqui do combustível para carros.

Acontece que – e ignorar isso é um dos principais erros da “nossa” mídia – o povão que adora Lula não bebe no pântano do preconceito, mas, ao contrário, é vítima dele. Quando, em um dos milhões de botecos do Brasil, o cara cansado da lida toma sua cachacinha no fim do dia, e vê uma informação como essa na TV do boteco, por meio da qual a intenção é difamar o presidente cachaceiro, aquele homem do povo não recebe a informação como querem os donos dos meios: o que ocorre é uma identificação imediata com o homem mais poderoso da República, mas que, entretanto, faz o que ele – pedreiro, metalúrgico, pintor ou mecânico – faz.

2) Capa da Folha - Na noite do dia 29 de setembro de 2006, o Jornal Nacional ignorou a queda de um avião da Gol para ocupar todo o tempo falando do “dinheiro do dossiê”, tentando evitar que Lula se reelegesse já no primeiro turno. No dia seguinte, a Folha de S. Paulo deu a capa que para mim é um dos maiores símbolos do preconceito da elite “escravocrata” (como diz o Página 12) brasileira contra Lula. A mensagem é subliminar. Acima, a foto do dinheiro apreendido pela Polícia Federal; abaixo, a imagem do presidente Lula, encapuzado, de forma a colar nele a imagem de um criminoso.

3) Capa da Veja - Desferindo toda sorte de mísseis de seu jornalismo indecente contra Lula desde seu primeiro mandato, a revista Veja trabalhou sistematicamente por oito anos tentanto propagar o preconceito da “elite branca”, a burguesia “cínica e perversa” (Claudio Lembo), mas não conseguiu nada, a não ser proporcionar um lazer tacanho a seus próprios leitores. Entre muitas capas em que exibe o nível vulgar de seu “jornalismo”, talvez a que expresse com maior propriedade o ódio de classe ao “sapo barbudo” é a que vai aí ao lado.

4) Caetano Veloso - Mais chocante do que as esperadas agressões da mídia, não se pode esquecer que ninguém menos do que Caetano Veloso chamou o então presidente Lula de “analfabeto”. Sobre esse fato, eu já escrevi na época: Uma triste polêmica

Vou parando por aqui, pois esses são apenas alguns dos episódios que manifestam ódio e preconceito contra Lula. Quantas vezes já lemos (por exemplo na seção de cartas do Estadão, onde podemos quase ver a baba da raiva) que Lula “não trabalha” ou ouvimos por aí que “é vagabundo”?

A propósito, e para encerrar, lembro de Bernardo Kucinski, em artigo na Rede Brasil Atual de 2008. Diz ele: “O preconceito contra Lula tem pelo menos duas raízes: a visão de classe, de que todo operário é ignorante, e a supervalorização do saber erudito, em detrimento de outras formas de saber, tais como o saber popular ou o que advém da experiência ou do exercício da liderança. Também não se aceita a possibilidade de as pessoas transitarem por formas diferentes de saber”.

Publicado originalmente às 19:24 de 29/09/2011