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segunda-feira, 23 de março de 2015

O Brasil do lulismo, segundo André Singer


                                                                             Foto: Eduardo Maretti


A crise vivida pelo governo Dilma Rousseff no início do seu segundo mandato, os desafios do PT decorrentes de ter se afastado das bases e do “caráter politizador” que tinha nas origens, a frustração causada no eleitorado da presidente por ter adotado soluções como o ajuste fiscal, que contradizem a plataforma de campanha, o ódio ao PT por parte de setores significativos da chamada elite. 

Esses são alguns dos temas comentados pelo cientista político André Singer, que entrevistei para a RBA na semana passada. Para Singer, ao iniciar o 13° ano no poder, com a presidente Dilma Rousseff, o lulismo enfrenta seu maior desafio, assim como o PT do ex-presidente e da atual chefe do Executivo brasileiro.

Ex-secretário de redação da Folha de S. Paulo, ex-secretário de Imprensa do Palácio do Planalto e ex-porta-voz da Presidência da República no primeiro governo Lula, Singer fala também do conceito de realinhamento eleitoral, “elaborado nos Estados Unidos para designar a mudança de clivagens (divisões) fundamentais do eleitorado”, que aborda em seu livro Os Sentidos do Lulismo (2012, Cia. Das Letras).

Veja alguns trechos da entrevista e, abaixo, os links para a íntegra.

Esquerda e eleições

A esquerda não disputa eleições só para ganhar. É claro que também para ganhar. Mas ela disputa para educar, para politizar a população. Para mostrar que existe um programa alternativo àquele da classe dominante que pode ser implementado, e ganhar apoio para esse programa.

(...) A transformação social que vem ocorrendo, de 2003 para cá, não foi acompanhada de uma ação pedagógica. O PT abriu mão do seu caráter politizador.

Governabilidade, PMDB, Congresso

A aliança com Sarney é anterior a 2005. Em 2005, o que ocorre é uma tentativa de aliança com o conjunto do PMDB. Tenho dito uma coisa desde 2007 que vou repetir aqui: alianças parlamentares para a manutenção da governabilidade são justificáveis. Porque o governo, qualquer governo, chega ao Executivo e tem que dialogar, ter uma relação produtiva, digamos assim, com o Parlamento. Ele não pode escolher o Parlamento, que é escolhido pela sociedade. É preciso respeitá-lo e negociar com ele. Os pactos parlamentares que dão sustentação a uma ação executiva são justificáveis, desde que a política do Executivo seja justificada. E acho que as políticas do Executivo brasileiro desde 2003 para cá foram políticas sociais importantes. Foi feito um combate efetivo à extrema pobreza, à miséria, houve uma redução da desigualdade.

Se para isso foi necessário se estabelecerem determinadas alianças parlamentares, foi um preço a pagar para se lidar com a realidade. E esse preço que foi pago produziu frutos reais, avanços reais na direção de um programa de maior igualdade, que é um programa de esquerda. Agora, essas alianças não deveriam se transformar em alianças eleitorais. Quando se transforma isso em uma aliança eleitoral, você não se apresenta para o eleitorado com cara própria.

Economia e ajuste fiscal - Dilma Rousseff

Primeiro mandato - O governo Dilma, no primeiro mandato, foi muito corajoso, entre meados de 2011 e final de 2012, tentando alavancar a economia com industrialização e distribuição de renda. Para fazer isso, ela adotou o que eu chamo de ensaio desenvolvimentista. Talvez tenha sido, durante todo o período do lulismo, o mais nítido ensaio desenvolvimentista que ocorreu na política econômica. Os juros foram reduzidos para um patamar de 2% reais ao ano, não nominais, que é uma aproximação importante da taxa de juros internacional. Houve uma política de controle cambial, e simultaneamente de investimento público por meio do PAC. Naquele momento houve uma transformação do chamado tripé macroeconômico neoliberal.

Segundo mandato - Certamente existiria (alternativa ao ajuste fiscal e à política econômica adotada por Dilma no segundo mandato). Insistir em reativar a economia brasileira e resolver o problema dos gastos públicos por meio do aumento de receitas que adviria da própria reativação da economia.
O que aconteceu, por razões que eu não compreendo muito bem, é que a presidente Dilma resolveu fazer uma campanha dizendo isso (apontando para uma política desenvolvimentista). E acabou sendo eleita com essa plataforma. Foi uma eleição apertada, e nesta diferença pequena que se consolidou no segundo turno esse discurso teve um papel de catalisador, que animou muita gente a ir pra rua fazer campanha. 

Hoje, em face do que está acontecendo, eu digo que foi um erro. Se ela não tinha a avaliação de que poderia desenvolver essa política, não deveria ter feito a campanha nesses termos, porque a mudança entre o que se diz o que se faz, em termos eleitorais, cobra um preço muito alto. O eleitorado costuma não perdoar esse tipo de mudança. Criou-se uma expectativa de uma política diferente e uma certa base política para uma outra tentativa de reativar o crescimento que, no meu entendimento, é o que foi prometido explicitamente na campanha. Agora, se existe uma avaliação de que as medidas necessárias para isso seriam medidas que não teriam base política, isso tem que ser explicado para a sociedade, para o eleitorado e também para a militância que apoiou essa proposta.

Íntegra da entrevista

Leia também:

terça-feira, 15 de julho de 2014

Dilma Rousseff fala à Al Jazeera


A presidente Dilma Rousseff concedeu entrevista ao jornalista Gabriel Elizondo, da emissora de televisão Al Jazeera, do Catar em que fala de Copa do Mundo, política econômica e Brics, sobre a importância da criação do Banco de Desenvolvimento do Brics, um dos principais pontos discutidos na VI Cúpula do bloco dias 15 e 16 de julho, em Fortaleza.

Um trecho:

"Eu acredito que o Brasil se superou ao organizar essa Copa. Nós teríamos de ter a nota máxima. Primeiro, porque esperavam, muitas notícias diziam que o Brasil não tinha condição de fazer a Copa do Mundo. Não superamos só as questões concretas como garantir estádios prontos, aeroportos funcionando plenamente, uma segurança firme para garantir a segurança das seleções e chefes de estado, mas também superamos uma campanha negativa contra a Copa do Mundo do Brasil."

Assista:

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Lobão enlouqueceu


Reprodução
O cantor e compositor Lobão, ao que parece, ficou doido de vez. Não que seja inaceitável que as pessoas tenham opiniões divergentes daquilo que este blogueiro ou qualquer outra pessoa pensa.

Mas divergir é diferente de delirar ou falar idiotices para vender livro. Ou então ele delira talvez por algum tipo de carência de holofotes ou de seca criativa. Ou é alguma seqüela.

É o que se pode supor da entrevista concedida por ele à Folha de S. Paulo de hoje a propósito de seu novo livro, Manifesto do Nada na Terra do Nunca, talvez uma mistura pop-filosófica do existencialismo sartreano com a música de Michael Jackson. Quem sabe?



A entrevista é uma verdadeira homenagem à tolice e à ignorância. Sobre ela, o rapper Mano Brown não deixou por menos: “O Lobão está sendo leviano e desinformado”, escreveu o rapper. E destilou: “Não entendo a postura dele agora. Ele que pregava a ética e rebeldia, age como uma puta para vender livro”.

Veja alguns trechos da matéria da Folha de S. Paulo

Sobre Dilma Rousseff:

"Ela foi terrorista. Ela sequestrou avião, ela pode ter matado. Como que ela pode criar uma Comissão da Verdade e, como presidenta, não se colocar? Deveria ser a primeira pessoa a ser averiguada. Você vai aniquilar a história do Brasil? Vai contar uma coisa totalmente a favor com esse argumento nojento? Porque eles mataram, esquartejaram pessoas vivas, deram coronhadas, cometeram crimes."

Sobre PT, petistas, a esquerda:

"O estopim, a causa da ditadura militar foram eles. Desde 1935, desde a coluna Prestes, começaram a dar golpes de Estado.

"Esses que estão no poder, Dilma, Emir Sader, Franklin Martins, Genoíno, estavam na luta armada. Todos esses guerrilheiros estão no poder. Porra, alguma coisa está acontecendo! Em 1991, só tinha um país socialista na América Latina, hoje são 18. São neoditaduras pífias. A Argentina é uma caricatura, o Evo Morales, o Maduro. Vão deixar o comunismo entrar aqui? É a mesma coisa que botar o nazismo. A América do Sul está se tornando uma Cortina de Ferro tropical. Existe uma censura poderosíssima perpetrada por uma militância de toupeiras."

Sobre RAP (talvez a frase mais divertida):

"Os Racionais são o braço armado do governo, são os anseios dos intelectuais petistas, propaganda de um comportamento seminal do PT."

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Lêdo Ivo (1924-2012)


Morreu o poeta alagoano Lêdo Ivo. Ele estava em Sevilha, na Espanha, com familiares, onde passaria o Natal, quando se sentiu mal, parece que ao jantar num restaurante. Tinha 88 anos. Ele nasceu em Maceió, a 18 de fevereiro de 1924.

Tive contato com Lêdo Ivo entre 2001 e 2002, quando eu organizava o livro Escritores – 43 entrevistas da Revista Submarino (editora Limiar). É que ele era um dos entrevistados. Na ótima entrevista concedida à repórter Camila Claro (então a mais jovem e mais erudita da equipe) ele mencionou que tinha em seu arquivo um poema inédito de Carlos Drummond de Andrade. Durante a organização, conseguimos que ele nos enviasse o poema de Drummond. Chama-se “Greta Garbo”. Está lá, publicado logo após a entrevista dele, na página 130 de Escritores.

Na época do lançamento, liguei para o poeta, conversamos um pouco e anotei seu endereço para enviar-lhe um ou dois exemplares. Graças a isso o livro Escritores está lá na biblioteca da Academia Brasileira de Letras, da qual ele era membro.

Lêdo Ivo era assim, solícito, simples, afável, receptivo, bem-humorado. Começou a longa jornada pelas letras muito jovem. “Aos 16 anos, em 1940, ligou-se ao grupo do poeta e ensaísta Willy Levin e participou do I Congresso de Poesia do Recife, a seu lado e de João Cabral de Mello Neto”, nos conta Camila na introdução da entrevista. Nesta, Lêdo Ivo revela muitas histórias de sua geração. Fala de literatura e de bastidores (ótimos bastidores), das gerações de 22 e de 45, de suas relações com os poetas João Cabral, Oswald de Andrade, Drummond e outros. Conta sobre suas divergências com Oswald de Andrade, narra um caso que mostra a vaidade e a ambição do poeta paulista.

Mordaz e bem-humorado, fala de um volume de correspondência trocada entre João Cabral, Drummond e Manuel Bandeira: “...há uma parte desse livro em que Cabral me trata com certa ironia. Ele envia para Drummond uma antologia e diz que ‘os Lêdos Ivos da Espanha também estão presentes nesse volume’. Mas isso é muito engraçado porque, ao mesmo tempo em que ele me ironiza, em 1947 escreve para mim falando mal de Drummond (risos)”.

Sobre a geração de 1922: “certos círculo literários achavam que a poesia só tinha um caminho, quando a poesia tem mão dupla, mão tripla, não é?”

Apesar das divergências, disse sobre Oswald de Andrade: "Existem amizades e inimizades, mas aí vem o tempo e apaga tudo. Tenho muitas saudades de Oswald de Andrade".

Humilde, disse também na entrevista: “o melhor de mim, se é que há algum melhor, são os versos longos, os respiratórios, o poema grande, narrativo. Em minha geração sempre fui considerado uma espécie de ovelha negra, fui expulso da geração de 45 sete vezes! (risos)”.

São muitas as histórias que Lêdo Ivo tinha em sua memória, algumas das quais estão na entrevista de Camila no Escritores. Agora, as histórias que ele contou e as que não contou, leva todas consigo para a escuridão do tempo.


*Publicado originalmente às 13:04 de 23 de dezembro de 2012


segunda-feira, 7 de maio de 2012

O humor e a ironia em Noel Rosa

Mayra Pinto lança nesta terça-feira, 8, na Livraria da Vila, em São Paulo (a partir das 18h30), Noel Rosa – O Humor na Canção  (pela Ateliê Editorial), resultado de suas pesquisas para a tese de doutorado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

No livro, a autora explora a obra do compositor carioca criado na Vila Isabel, cuja “voz fala sobre o universo social da pobreza, pouco retratado até então na canção popular urbana, muito menos sob um viés crítico”, explica ela na introdução.

Voz que possuía uma característica muito particular que atravessou toda a sua trajetória musical e poética: “Embora haja canções líricas de sua autoria, a absoluta maioria das composições está atravessada pelas categorias do humor e da ironia, as quais, quase sempre, compõem uma enunciação da experiência como fracasso social em diferentes frentes: econômicas, culturais, afetivas etc. (...) Essa experiência de fracasso na obra de Noel Rosa dramatiza-se em inúmeras personagens, mas a mais frequente é o sambista-pobre”, continua.

Como sou amigo de Mayra, posso dizer que a escolha do tema tem muito a ver com ela mesma, que é uma pessoa acostumada a dar risada dos dramas da vida. E não há nada mais dramático do que o paradoxo que envolveu a vida de Noel: debochando e rindo das agruras da existência, ele, que tinha tuberculose, morreu em 4 de maio de 1937, aos 26 anos.

Abaixo, entrevista com Mayra Pinto, feita por telefone.

Fatos Etc. – O que te motivou ou inspirou a escrever sobre Noel Rosa, o humor e a ironia?

Mayra Pinto – A história é bem absurda, porque quem deu o estalo para pensar Noel Rosa e o humor foi o Bakhtin, que é um teórico russo. Eu tinha lido um livro dele, um clássico, A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Ele desenvolve toda uma teoria do humor e faz uma análise muito brilhante da obra de Rabelais e mostra as intersecções na produção erudita do Rabelais com a cultura popular da Idade Média. E, a partir disso, fiquei pensando se por acaso na cultura brasileira não existiria um Rabelais nosso, ou algo semelhante, dado que a nossa cultura, em vários momentos, tem muito essa intersecção entre a cultura popular e a erudita, e comecei a pesquisar e vi que isso vem do século XIX. E no Noel eu acabei encontrando isso, justamente porque ele trabalha as categorias do humor, e aí você tem sátira, deboche, ironia... E ao mesmo tempo é um discurso muito sofisticado, poeticamente, discursivamente. Isso não existia antes dele na música popular.

Todo grande artista deixa heranças e ecos nas gerações posteriores. É possível ver ecos da obra de Noel na MPB contemporânea, sem contar Chico Buarque, já que em Chico essa herança é óbvia?

Compositor morreu aos 26 anos
(risos)  Mas eu vejo ecos de Noel não numa obra especificamente, ecos que estão no Chico, no Caetano, em todo mundo de uma certa forma, porque Noel estabeleceu o que eu chamo de uma matriz discursiva na produção da canção. O que é essa matriz discursiva? É justamente a competência ao fazer esse imbricamento entre a linguagem musical e a linguagem poética. E a competência está ali de tal forma que você não vê nenhum esforço, nada forçado, é a coisa mais natural do mundo. O Luiz Tatit falou que quando a gente escuta Noel é como se o samba sempre tivesse existido, de tão familiar que aquilo soa. O mais original e próprio de Noel Rosa é essa competência de trabalhar bem o discurso poético com o discurso musical. Eu acho que ele deixou isso para todos os grandes letristas da música popular brasileira. Por exemplo, letristas como Paulo Sérgio Pinheiro, Paulinho da Viola. Esses caras não vão tanto pela linha do humor, da ironia, mas são herdeiros na medida em que aprenderam e começaram a partir do nível de um Noel Rosa. Na MPB paulistana você tinha o Rumo, o Premeditando o Breque... E mesmo Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, todo esse momento da década de 80, que teve uma produção estética interessante, explosiva e bem experimental, vamos dizer assim, todo esse povo foi atravessado pelo humor e suas categorias, são obras bem irônicas. O Rumo tem um disco bacana chamado Rumo aos Antigos, em que eles gravaram canções não só do Noel, mas do Sinhô, do Lamartine Babo, com uma leitura moderna, genial, dessas canções antigas dos anos 20 e 30.

A obra de Noel Rosa é um pouco posterior ao modernismo paulista, também carregado de humor e ironia. Na sua opinião, Noel manifesta alguma influência do modernismo ou o compositor é uma matriz independente?

Não dá pra perceber, é muito difícil comprovar isso. Noel era um cara razoavelmente bem informado e culto, chegou até o primeiro ano da faculdade de medicina etc., mas não sei até que ponto ele lia poesia moderna. Tem um samba em que ele tira sarro dos futuristas, dos poetas futuristas, nessa coisa dos futuristas fazerem um discurso non sense. Agora, conversa com o movimento modernista ou leitura dos modernistas eu acho que não houve nada, ou muito pouco. No meu livro tem uma passagem, que eu cito, em que ele fala sobre a poesia parnasiana, como se a poesia do tempo dele ainda fosse a poesia parnasiana. É um discurso bonito em que ele fala que finalmente a arte chegou no povo e o povo influenciou a arte por intermédio do samba. E que os poetas do samba saíram do ranço do academicismo, como ele chama, e se deixaram influenciar pela arte do povo. Nesse discurso dá pra entender que ele está falando dos parnasianos, que na época faziam sucesso.

Em termos de pesquisa acadêmica, foi fácil ou difícil encontrar trabalhos sobre MPB?

Está ótimo fazer pesquisa sobre MPB hoje no Brasil. Sobretudo do ponto de vista da historiografia. Foi uma surpresa para mim, que não sou dessa área... Eu sou de letras. Mas a historiografia está bem adiantada. O que me ajudou muito foi o acervo digital do Instituto Moreira Salles, onde você tem acesso às coleções, por exemplo, de Tinhorão e Pixinguinha, entre outras. Outro exemplo é uma caixa organizada por um professor de biologia, Omar Jubran, com todas as canções do Noel e um baita livreto com todas as letras. Foi uma fonte de pesquisa incrível. Enfim, a gente já está num momento em que pesquisa sobre música popular brasileira pode ser feita com bastante seriedade.

Serviço:
Lançamento
Noel Rosa – o Humor na Canção, de Mayra Pinto (Ateliê Editorial)
Livraria da Vila: rua Fradique Coutinho, 915 – Vila Madalena (São Paulo)
8 de maio de 2012, a partir das 18h30

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Nelson Pereira dos Santos faz uma sinfonia fílmica sobre Tom Jobim


Em entrevista exclusiva ao blog, diretor fala sobre o novo filme e seu próximo projeto

 Foto: Eduardo Maretti (clique para ampliar)
O diretor pouco antes da pré-estreia
O documentário A Música Segundo Tom Jobim (veja trailer abaixo, no post), dirigido por Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim (neta de Tom), que teve pré-estreia nesta terça-feira, 10 de janeiro, no cine Arteplex, em São Paulo, vai fazer você se emocionar se gosta de música e cinema. Como disse o diretor ao microfone antes da exibição, “é um filme de música”. Uma obra que em si mesma prescinde das palavras.

Como prescinde de palavras e narrativa, o caleidoscópio musical em forma de filme concebido por Nelson também dispensa maiores comentários. Tem apenas que ser visto. E ouvido. Estão lá uma maravilhosa interpretação de “Dindi”, por Nara Leão; “Por causa de você”, por Maysa; “Wave”, por Sarah Vaughan; “Eu sei que vou te amar”, em francês, por Henri Salvador; e até a pueril Estrada do Sol (de Dolores Duran e Tom Jobim – sabia?), por Fernanda Takai, entre muitas outras: Ella Fitzgerald, Gal Costa, Adriana Calcanhoto... Parece infinito o universo de intérpretes, ritmos, estilos e línguas que abrangeu a música de Tom Jobim.

As aparições de Chico Buarque interpretando “Anos Dourados” com Tom, Elis Regina cantando com ele “Águas de Março” e Frank Sinatra no antológico dueto em “Garota de Ipanema” são emocionantes, mas ganham uma grandeza ainda maior na sinfonia fílmica de Nelson Pereira dos Santos.

O filme estréia nos cinemas no próximo dia 20 de janeiro. Pouco antes da exibição na pré-estreia paulista, o diretor de Rio 40 graus e Vidas Secas falou com exclusividade ao blog à mesa de um restaurante, ao lado da sala de exibição. Ele conta que já tem um novo filme pronto, também sobre Tom Jobim, e que seu próximo trabalho será sobre Dom Pedro II.

Por Eduardo Maretti

Fatos Etc.: Você tem se dedicado bastante a documentários. Fez, por exemplo, sobre Sérgio Buarque de Hollanda. O que representa o filme sobre Tom Jobim nesse contexto?

Nelson Pereira dos Santos: É uma experiência nova de trabalho. Eu fiz dois filmes sobre Tom Jobim, como fiz com Sérgio Buarque. O outro [A luz do Tom], que já está pronto também, é um filme sobre três mulheres importantes na vida do Tom: a irmã, Helena; a primeira esposa, Thereza [Hermanny]; e a Ana [Lontra Jobim]. Elas contando, lembrando do Tom criando etc. Cada uma num espaço bonito da natureza. A música segundo Tom Jobim é só música, a partir do Orfeu, a peça que ele fez, que virou um filme etc. É essa a ideia [O diretor se refere à peça Orfeu da Conceição, escrita por Vinícius de Moraes e musicada por Tom Jobim, depois adaptada para o cinema como Orfeu Negro – direção de Marcel Camus].

Como foi o trabalho com Dora Jobim, que assina a direção com você?

NPS: Esse trabalho é uma combinação. A concepção é minha: a partir de quando, por que, o encadeamento das coisas... A edição foi feita em conjunto, a Dora trabalhando na direção da edição com a editora Luelane Correa, e eu. Foi como uma partida de um time de vôlei, a bola no ar, pega aqui, pega ali ... (risos). Mas é um filme de montagem, trabalhamos com arquivos. Não tem filmagem. Tem um trabalho enorme de pesquisa. Tem o pesquisador, o Antonio Venancio... [Um súbito burburinho no restaurante em que bebemos um drink torna inaudíveis umas palavras que Nelson diz. Ele pára por um instante, levanta o copo, para brindar, batemos os copos e ele diz: – Saúde!]

Você tem algum projeto em vista depois desse?

NPS: Eu vou fazer Dom Pedro II. Uma adaptação do livro do José Murilo de Carvalho. Estou com o roteiro, está em elaboração, tem um caminho ainda longo pra chegar nas filmagens (risos).

Trailer:





Ficha técnica

A Música Segundo Tom Jobim

Brasil, 2011, 90 min, livre
Direção: Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim
Produção: Regina Filmes
Direção Musical: Paulo Jobim
Pesquisa: Antonio Venâncio
Edição: Luelane Correa
Produtores Associados: Instituto Antonio Carlos Jobim, Leticia Monte e Maurício Andrade Ramos
Direção de Produção: Ivelise Ferreira
Produção Executiva: Marcia Pereira dos Santos

*Atualizado às 21:44

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O humor de Chico Buarque

Entre os vários pontos da ótima entrevista de Chico Buarque à revista Rolling Stone Brasil de outubro de 2011, que está nas bancas, destaque para o humor. Os assuntos tratados nela são vários (trabalho, inspiração, literatura, música, política, intimidade e fama, a irmã Ana de Hollanda, os presidentes Lula e Dilma, a relação com Caetano Veloso etc), mas destaco o senso de humor de Chico porque é digno de nota, e porque dei boas risadas lendo a entrevista.

Perguntado, por exemplo, se os fãs pedem conselhos a ele na rua, “esperando que você mude a vida deles”, o compositor de “Construção”, “As vitrines”, “Carolina”, “Te perdôo”, “Morro Dois Irmãos”, “João e Maria” e uma infindável lista de obras-primas responde: “Pode acontecer. Se eu ficar parado num lugar, pode acontecer. Por isso estou sempre andando... [risos]. Evito que as pessoas venham me pedir conselho ou opinião. Mas geralmente o que pedem mais é autógrafo. Agora, mais que autógrafo, são as fotos. Fora isso, eu não fico parado.”

Sobre “um cara da revista Veja” que o persegue, devido, segundo ele, a “um problema de muitos anos, uma questão doentia de uma revista contra um artista”, Chico diz: “Parece que o cara que manda nessa revista tem ambições literárias”, mas, conclui o próprio compositor após contar que leu um livro do tal jornalista: “o melhor que esse cara tem a fazer é ser editor da revista Veja”.

Sobre a competitividade de Caetano Veloso: “Outro dia ele viu uma foto minha, ficou com inveja da minha barriga e está criando uma maior do que a minha [risos]”. O engraçado é que o próprio Chico Buarque se diverte com suas piadas (que é, aliás, o que faz uma piada ser engraçada).

O humor, aliás, não está apenas nesta ou outras entrevistas de Chico Buarque. Várias de suas canções trazem situações dramáticas (ou não) permeadas pelo humor. É o caso, por exemplo, de “Samba do grande amor”, aquela que tem esses versos:

"Tinha cá pra mim
Que agora sim
Eu vivia enfim
O grande amor
Mentira
"

Ou uma bem antiga (“Jorge Maravilha”), que, dizia a lenda, teria sido composta em homenagem à filha do general Ernesto Geisel: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. Mas, como você pode ver no vídeo abaixo (o segundo), o próprio Chico nega veementemente essa versão.

Um humor que não se pode dizer simplesmente que descende do humor de Noel Rosa, porque, na minha opinião, esse aspecto tem muito a ver com o caráter da pessoa do que com intenções estéticas. Mesmo que tenha sido (e foi) influenciado por Noel, Chico não incorporaria esse elemento em sua obra se não fosse, ele mesmo, uma pessoa com essa cartacterística. De qualquer maneira, há essa similaridade notória entre as obras de Chico e Noel.

Enfim, a entrevista de Chico Buarque à Rolling Stone é muito boa, inclusive porque as entrevistas dele são raras. Quando aparece, falando ou cantando, Chico é sempre bem-vindo, mesmo que seus últimos trabalhos não tenham a exuberância e a genialidade que sempre marcaram sua maravilhosa obra musical e poética.

Veja os vídeos das duas canções citadas


"Samba do grande amor"




"Jorge Maravilha"

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O significado da entrevista de Lula aos blogueiros

A entrevista concedida pelo presidente Lula a blogueiros independentes na manhã desta quarta-feira tem importância mais simbólica do que pelo que ele disse ou deixou de dizer. O presidente falou de maneira descontraída aos blogueiros Renato Rovai, Leandro Fortes, Altino Machado, Rodrigo Vianna, Eduardo Guimarães, José Augusto, Altamiro Borges, Tulio Vianna, Pierre Lucena e Sr. Cloaca (entrevista está linkada no final deste post).

Só o fato de Lula conceder a coletiva aos blogueiros (ao mesmo tempo em que alguns portais da grande mídia também transmitiram o evento) mostra o reconhecimento da importância dos blogs – claro que não apenas os representados hoje em Brasília – pelo presidente e, mais do que isso, sinaliza que o Planalto não ignora que o essencial é a internet continuar livre, ao contrário do que querem os defensores do AI-5 digital, projeto do senador Eduardo Azeredo (PSDB) que pode colocar rédeas na liberdade da rede mundial no Brasil. Sinaliza também para a premência de levar adiante as prioridades tiradas da I Conferência Nacional de Comunicação, há um ano (veja aqui), fundamentalmente a regulamentação dos artigos 220 a 223 da Constituição de 1988, o que nunca foi feito. A luta política em torno da reforma do sistema de comunicação do Brasil será árdua.

Uma passagem da entrevista dá a dimensão do porquê os “coronéis” das comunicações têm pavor da liberdade proporcionada pela internet. Disse Lula: “Ela [mídia] é desmentida em tempo real, tem que se explicar. Acho isso extraordinário (...) Acho que vamos trabalhar para democratizar a mídia eletrônica e vamos trabalhar para que o leitor brasileiro fique cada vez mais sabido, inteligente, eu diria. Controlador da sua própria vontade, e isso está acontecendo no Brasil agora”.

Desde a eleição de 2006 a internet vem sendo decisiva e, naquela ocasião, subestimada pelos simpatizantes da direita raivosa ou cordial, como já notara então Luiz Carlos Azenha num post, em seu blog, intitulado “Poder da internet no Brasil foi desconhecido por analistas políticos” (não tenho o link para esse texto, do blog antigo do Azenha, embora tenha o texto que salvei em Word). Nele, escrevia o autor do blog Vi o Mundo há quatro anos:

Sejam benvindos a um país mais complexo, em que o poder dos coronéis locais, montados em suas concessões de emissoras de rádio e tevê, se esgarça nas franjas.
Se você não sabe o que é uma lan house, nem foi a Parelheiros, não se sinta um idiota - no sentido grego da palavra.
Lan house é internet de pobre.
Um real por hora.
Está lá, em todo bairro pobre de toda cidade brasileira.”

Nestas eleições de 2010, blogosfera e twitter serviram como ferramenta decisiva da militância, permitindo o desmentido dos boatos em tempo real, por exemplo, e foi [a internet] fundamental à eleição de Dilma Rousseff, apesar de não haver estudos ainda sobre em que medida ela possa ter sido mais ou menos decisiva.

Quase no final da entrevista, o presidente lembrou o já célebre episódio da bolinha de papel (lembre clicando aqui), dizendo ter ficado estarrecido (termo não foi esse) com a tentativa de enganar a população por parte da campanha tucana. “O Serra deve desculpas ao povo”, disse Lula.

Atualizado às 14h51

Veja a entrevista (observação: nos primeiros dois minutos, aproximadamente, não há som. Tenha paciência que ele vem. Mas maximize o som no ícone correspondente, embaixo, à esquerda da tela do vídeo)

domingo, 21 de novembro de 2010

Marilena Chaui fala sobre as eleições de 2010: o autoritarismo da imprensa no Brasil

A professora Marilena Chaui, mestra de muitos de nós, deu uma entrevista importante ao site Carta Maior, sobre as eleições. O foco foi o papel da imprensa. Diz Marilena:  
“[nestas eleições] o cerco foi mais intenso, assumindo tons de guerra, mais do que mera polarização de opiniões políticas. Mas não foi surpresa: se considerarmos que 92% da população aprovam o governo Lula como ótimo e bom, 4% o consideram regular, restam 4% de desaprovação a qual está concentrada nos meios de comunicação. São as empresas e seus empregados que representam esses 4% e são eles quem têm o poder de fogo para a guerra”.

Ela falou também sobre a sucessão de táticas frustradas (que, somadas, configuram uma estratégia fracassada) que norteou a campanha tucana de José Serra:

“o preconceito começou com a guerrilheira, não deu certo; passou, então, para a administradora sem experiência política, não deu certo; passou, então, para a afilhada de Lula, não deu certo; desembestou na fúria anti-aborto, e não deu certo. E não deu certo porque a população dispõe dos fatos concretos resultantes das políticas do governo Lula”.

Perguntada sobre se concorda com a afirmação de que "a mídia brasileira é uma das mais autoritárias do mundo", a filósofa responde:  “Se deixarmos de lado o caso óbvio das ditaduras e considerarmos apenas as repúblicas democráticas, concordo”.

A entrevista de Marilena Chaui a Carta Maior está neste link.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Dilma Rousseff presidente do Brasil: notas pós-eleição e ressaca

Algumas pressões, em parte até cômicas, já viraram pautas da imprensa para a era Dilma Rousseff. No programa “Entre aspas”, da Globonews, nesta terça, vimos amostras delas. Exemplo: Dilma vai prestigiar as mulheres na formação do governo? Dilma é uma mulher sozinha? (ou seja, não casada? – sic). Como a população reagiria a eventuais casos amorosos de Dilma?

Foto: Ricardo Stuckert

Essas e outras perguntas eram dirigidas por Mônica Waldvogel, a sábia, à senadora eleita por São Paulo Marta Suplicy (PT) e à socióloga Fátima Pacheco Jordão. Ante a futilidade com que a pauta era conduzida (uma pauta para a revista Marie Claire, digamos), as entrevistadas conseguiram, dado o nível de ambas, elevar um pouco a qualidade da discussão.

Particularmente, as especulações sobre a vida privada das pessoas públicas me remetem a Oscar Wilde, que disse no ensaio A Alma do Homem sob o Socialismo que a vida privada das personalidades públicas não deveria ser objeto de interesse (cabe observar: o socialismo de Oscar Wilde no livro citado é utópico, próprio da alma dandy do escritor e poeta irlandês, e em nada embasado em instrumentos marxistas do pensamento. Marx nasceu em 1818 e Wilde, em 1854).

Acho que Dilma naturalmente vai procurar, na medida do possível, compor o ministério também com as mulheres que julgar competentes. Mas, para mim, deveria se esquivar dessa pressão tola (vinda da oposição, em forma de cobranças cínicas, ou dos movimentos sociais, em forma de pressão politicamente correta).

A eleição de Dilma Rousseff, uma mulher, ex-guerrilheira, para suceder um metalúrgico na presidência do Brasil por um partido cuja bandeira é vermelha, é algo em si extraordinário. Não vai apenas provocar uma nova abordagem da política, mas já é ela mesma, a eleição, algo revelador de uma imensa transformação na sociedade brasileira, que não é súbita e nem somente brasileira. As mulheres estão cada vez mais presentes no comando.

Dialeticamente, sendo ao mesmo tempo conseqüência dessa evolução, da maturidade do povo brasileiro, e o sinal de um futuro que continuará sendo transformador, é uma semente de novas transformações que virão naturalmente. Por exemplo, é natural que cresça a auto-estima de milhões de mulheres ainda submissas e vítimas do violento preconceito nos rincões desse enorme país.

Fora isso, quero dizer que as futricas políticas e politiqueiras que grassam nas colunas políticas da chamada grande imprensa não me atraem nesse momento.

OEA

A eleição de Dilma foi fundamental para as Américas (que o digam Evo Morales e Hugo Chávez). Foram precisas as palavras do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, ao dizer, em carta enviada à nossa presidente eleita, que sua eleição constitui “um ato de justiça” e “marcará uma nova era de prosperidade para os brasileiros que lhe permitirá aprofundar o legado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.

Entrevista

A primeira entrevista de Dilma à mídia, significativamente, foi para a TV Record, a duas jornalistas: Ana Paula Padrão e Adriana Araújo. Na entrevista, por volta dos 9min e meio, Dilma respondeu a uma pergunta interessante de Adriana: se se sentiu perseguida pela mídia durante a campanha.

Assista à primeira entrevista de Dilma Rousseff como presidente:

terça-feira, 2 de março de 2010

Contradições e problemas do cinema nacional, segundo Eduardo Escorel

ENTREVISTA


Foto: Eduardo Maretti
O cineasta Eduardo Escorel, nascido em São Paulo em 1945, tem uma filmografia incomum. Trabalhou como editor na montagem de algumas das mais importantes obras da cinematografia nacional, como Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), ambos dirigidos por Glauber Rocha, Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969), São Bernardo (1971) e Eles Não Usam Black-Tie (1981) – os dois últimos de Leon Hirszman –, entre outros.

Como diretor, assina por exemplo Lição de Amor (1975), baseado no romance Amar, Verbo Intransitivo, de Mario de Andrade, Vocação do Poder (2005, co-dirigido por José Joffily), excelente documentário sobre as eleições municipais de 2004, no Rio de Janeiro, que mostra o cotidiano das campanhas de seis candidatos novatos a vereador. Interessante para se ver como nascem os vícios e as ilusões na política.

Seu filme mais recente, o documentário O Tempo e o Lugar, conta a história de contradições de Genivaldo Vieira da Silva, ex-líder do Movimento dos Sem-Terra, que vira proprietário e tenta o caminho da política tradicional em Inhapi (AL) - leia mais sobre este filme e veja a filmografia de Eduardo Escorel em links abaixo.

Nesta entrevista exclusiva ao blog, o cineasta diz por que hoje é "mais difícil fazer um filme no Brasil do que talvez jamais tenha sido". Fala sobre Lula, o Filho do Brasil (um "filme sem personalidade") e critica a falta de espaço no mercado para o chamado "cinema de autor", além de contar sobre seus novos projetos (uma série cujo tema é o Estado Novo e um documentário sobre o compositor Paulo Moura).

Aos jovens que hoje estudam e querem fazer cinema, Escorel é realista: aconselha que "preparem as costas, porque as pancadas são muitas".

Por Eduardo Maretti

Fatos Etc – Com o fim da Embrafilme, em 1990, extinta por Collor, o cinema brasileiro sofreu um abalo. Estive com Nelson Pereira dos Santos uns três anos atrás, quando fazia Brasília 18%, e ele reclamava que a situação dos cineastas brasileiros continuava ruim, financeiramente. Mudou, piorou a situação dos cineastas depois do fim da Embrafilme?

Eduardo Escorel – Olha, Maretti, mudar acho que mudou muito. Os mecanismos de financiamento que foram criados a partir de 1994, principalmente, alteraram de modo significativo as formas possíveis de financiamento da produção de filmes. E houve, por outro lado, progressivamente, e nos últimos anos de maneira mais acentuada, um aumento muito grande do volume de recursos investidos no cinema. E também uma diversificação de mecanismos, e diferentes projetos de apoio ao cinema. Houve uma alteração muito significativa em relação ao que existiu entre 1970, setenta e poucos, e 1990. Mas eu não acredito que essa alteração tenha propriamente facilitado a vida do profissional de cinema. Ao contrário, porque essa modificação trouxe junto com ela uma burocratização muito grande de todos os procedimentos ligados à obtenção de financiamentos, que tornaram a atividade de tentar viabilizar o filme um novo tipo de calvário. Não se trata só de conseguir convencer alguém que aquele projeto é interessante, e que quem possa deva apoiá-lo. Simplesmente para conseguir pôr um projeto de pé existe todo um procedimento que é muito penoso, muito trabalhoso, muito custoso. Então, acho que está, hoje em dia, mais difícil fazer um filme no Brasil do que talvez jamais tenha sido. E é uma coisa contraditória. Quer dizer, há mais recursos, mais projetos e mais planos, e está mais difícil.

Por causa da burocratização?
Por causa da burocratização, por causa de várias coisas. Não só burocratização. Por causa, em grande parte, da burocratização. A concepção desses editais, formas de apoio, o fracionamento de múltiplas fontes de financiamento trazem também problemas; obrigam a todo um procedimento que se repete, se multiplica. Fazer cinema virou uma batalha burocrática, uma batalha do papel, muito antes de sequer se tornar uma batalha propriamente cinematográfica.

A solução de uma estética hollywoodiana que se vê em filmes como Dois filhos de Francisco ou Lula, o Filho do Brasil e até algumas produções de Walter Salles (Central do Brasil) é positiva para o cinema nacional?
Veja bem, eu acho que é preciso diferenciar um pouco. É difícil englobar numa mesma categoria o Lula, o Filho do Brasil até com Dois Filhos de Francisco e mais ainda com os filmes do Walter Salles. A gente tem hoje em dia uma produção que, inclusive, em alguns casos, alcança um certo sucesso comercial, que é uma produção de filmes que são subprodutos da televisão: Se eu fosse você 1, Se eu Fosse você 2, coisas assim. Então, há uma tendência a se fortalecer filmes muito derivados de uma concepção que nasce na televisão. Eu acho até que é normal que exista esse tipo de produção. Não é de todo negativo. É preciso que existam filmes de sucesso comercial... Esses filmes criam mercado de trabalho pra técnicos, atores, prestadores de serviço. Então, não sou muito simpático à idéia de negar o lugar que existe para esses filmes.

O que o Walter Salles, por exemplo, faz, é muito diferente disso. E são filmes que geralmente contam com recursos do exterior e que tentam conciliar mais essa questão do mercado brasileiro e do mercado externo. Já Lula, o Filho do Brasil é um filme, eu diria, sem personalidade nenhuma. Não é nem uma coisa, nem outra. Não é nem um filme que, eu acredito, possa interessar fora do Brasil, nem um filme com características que alguém provindo da televisão talvez fizesse. É um filme meio amorfo, e isso, talvez, explique o fato de não ter tido uma carreira comercial como os produtores esperavam. E dentro desse quadro, a grande questão é a dificuldade que existe para conseguir assegurar um lugar a produções que sejam diferentes dessas que a gente acabou de descrever. Quer dizer, também deveria ser possível no Brasil a existência de mercado e de um sistema de produção para filmes mais ambiciosos, mais interessantes. A gente vê alguns estrangeiros exibidos no Brasil, que vêm de países como a Argentina...

O Irã...
...O Irã, ou filmes feitos por um diretor palestino... E que são exibidos aqui, têm um público restrito, mas são de muito boa qualidade. A gente não tem visto, me parece, no cinema brasileiro, uma produção de boa qualidade, que mesmo não sendo de grande êxito comercial seja de méritos reconhecidos, que tenha possibilidade, por menor que seja, de abrir uma brecha no mercado externo.

O que a gente chamava antigamente de cinema de autor...
Cinema de autor, cinema de arte. Eu acho que o cinema brasileiro vem atravessando uma fase bem difícil, bem cheia de contradições e de problemas.

Citaria alguns desses últimos filmes mais recentes que podem se encaixar nesse conceito de cinema de autor?
Tem alguns bons filmes. Eu tenho atualmente uma página de crítica de cinema na revista Piauí. E tenho comentado, não só, mas principalmente, filmes brasileiros. Um pequeno filme que não fez nenhum sucesso comercial, mas que, também, foi lançado em uma única sala, no Rio de Janeiro, e acho que não foi lançado em nenhum outro lugar, chamado Praça Saens Peña (uma praça aqui na Tijuca, no Rio), dirigido pelo Vinicius Reis, é um bom filme. O filme do Sérgio Bianchi, que vai ser lançado agora, Os Inquilinos, é um bom filme também.

Que conselho você daria aos jovens que fazem e estudam cinema hoje?
(Risos) Eu não gostaria de desanimar ninguém, mas confesso que, de uns anos para cá, tenho atuado muito como professor, dado aulas, especialmente de cinema-documentário, e fico sempre muito assustado, inquieto, com a quantidade de pessoas interessadas em cinema, querendo fazer filmes, e vendo as dificuldades que eles vão enfrentar, entendeu? Então, assim meio brincando, eu costumo dizer que uma das minhas poucas vitórias como pai foi ter conseguido que minhas duas filhas não fizessem cinema. Mas a pessoa tem que seguir a vocação e a convicção. Se for pra fazer filmes, prepare as costas (risos), porque as pancadas são muitas. Mas vão em frente (risos).

Quais seus projetos atuais?
O último filme que dirigi, que foi exibido, é o documentário chamado O Tempo e o Lugar, lançado em 2008, e venho trabalhando há alguns anos numa série de cinco documentários com material de arquivo sobre o Estado Novo, que vou tentar finalizar ainda este ano. E estou iniciando um documentário sobre Paulo Moura. Eu tenho um blog também, se quiser visite meu blog, na revista Piauí. Praticamente são só comentários de filmes que estão em cartaz.

Leia também:

Filmografia:
No site Imdb.com
No site Epipoca
Sobre o filme O Tempo e o Lugar

Sobre cinema neste blog:

Favoritos do cinema (1) - Quando explode a Vingança, de Sergio Leone

Entrevista possível com Paulo César Pereio

Sobre Manhattan de Woody Allen

A vida tormentosa de Polanski

Umas linhas sobre Anselmo Duarte

Atualizado às 21h50