A águia é um dos animais mais bonitos da Terra |
Sou daqueles que nunca mataram passarinho quando moleque. Desse ponto de vista, sempre fui politicamente correto... Nem com estilingue, nem com espingardinha de chumbo, como a gente dizia antigamente, eu matei passarinho. A única coisa que matei com espingardinha de chumbo, que eu e meus irmãos tínhamos, foi um camundongo, que estava nadando na piscina da casa de um amigo, e isso já faz mais de 30 anos. Tudo bem, ratos são dignos de matar*. Aliás, até insetos tenho dó de matar, exceto baratas, formigas, pernilongos, aqueles mosquitos escrotos de banheiro e coisas do tipo, criaturas que já me inspiraram um post neste blog, um dos mais lidos que já publiquei aqui.
Naquele post sobre insetos não falei dos tais mosquitinhos de banheiro, um dos insetos mais repugnantes que existe. Abelha, um inseto nobre, não mato de jeito nenhum, pelo contrário, tento até salvar quando vejo uma se afogando numa piscina. Assim como não mato lagartixas, essas figuras tão simpáticas. Como pode, matar lagartixa? Me d ecepcionei muito com pessoas que eu achava legais e depois descobri que matavam lagartixas. É sério.
Mas, voltando aos passarinhos. São muito bonitinhos e tal, mas quando um sabiá dá de ficar cantando aquele som repetitivo (os sabiás começam a cantar no meio da madrugada, entre 3 e 4 da matina) que parece um relógio, é impossível dormir, quando por acaso sua hora de dormir coincide com o despertar deles.
E o joão-de-barro? Que passarinho incrível, essa criaturazinha que canta (meio caoticamente, mas canta) e constrói. Aqui onde moro tem ninhos de joão-de-barro. São incríveis. Mas de manhã são irritantes. Do nada, explode de repente um estardalhaço que mais parece um despertador. Dura alguns segundos. Se é fim de semana ou feriado, você acorda meio de súbito.
Isso irrita, pois não era pra você acordar (é sábado!), mas aí você lembra que é sábado e pode voltar a dormir, dá um suspiro, vira de lado, ajeita o travesseiro e... de repente, mais um bombardeio sonoro dos joões-de-barro. Os intervalos entre os bombardeios variam. Dá pra ter uma ideia do som que eles fazem neste link (é obviamente editado, pois os intervalos entre as explosões de canto na realidade são maiores): canto do joão-de-barro.
Mas o bem-te-vi é curioso. Ele nunca é chato.
E as baitacas, tão brasileirinhas? Nossa, são verdadeiramente escandalosas, chegam a me irritar. Mas pelo menos são diurnas. Começam a cantar (mas gritam) todas ao mesmo tempo, em bandos, voando ou nas árvores. Dura alguns minutos, e depois pára. Como o alvoroço das baitacas não dura muito, não chegam a irritar tanto. Mas as baitacas me parecem um pouco neuróticas. “Neurótico é você”, diria Freud talvez. Ok, reconheço que baitacas berrando em bando é melhor do que seres humanos buzinando com seus carros em todos os lugares de São Paulo.
Tirando essas coisas mais estúpidas como "cidadãos" (na verdade energúmenos) buzinando seus automóveis (ou seus cérebros), passarinhos às vezes são chatos, sim.
A natureza é a mata, as lindas praias, o canto dos pássaros e as aves de rapina (a águia, por exemplo, é um dos mais lindos animais que há na Terra), o lobo, o tigre, o barulho do mar e o próprio mar, as nuvens e a lua atravessando as nuvens, mas é também às vezes (às vezes, pois não sou um mal-humorado inveterado, como pode parecer), às vezes a natureza é a pentelhação do canto do sabiá, a doença, a morte, o verme que come a carne morta.
Um casal de namorados está feliz da vida numa praça bucólica, numa cidade de interior, perto da natureza... Vão para casa e um dia depois acham um carrapato estrela no corpo de cada um. Com ela não acontece nada, mas ele pega a febre maculosa (transmitida pela espécie conhecida como carrapato estrela, comum no interior de São Paulo) e morre. Isso acontece, e é natural, o carrapato estrela é natureza.
A natureza é maravilhosa, epifânica. Mas é também sombria. Curioso que pensar nisso me remete a dois personagens muito diferentes, mais de um século distantes entre si, que falam desse lado não-perfeito da natureza que nós procuramos ocultar: o físico Marcelo Gleiser, autor de Criação Imperfeita, e o poeta Charles Baudelaire, autor de As flores do Mal. O que nós procuramos ocultar? Que a natureza é a vida e é também a morte.
*Coloquei o asterisco na frase "ratos são dignos de matar" porque me lembrei da minha mãe, Leila, que odiava o Jerry, o ratinho do Tom & Jerry, porque ela não se conformava com aquele ratinho ganhando sempre. Nunca o Tom ganhava, e isso era muito irritante no "desenho animado" de Hanna Barbera.