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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O conservadorismo vulgar



Por Felipe Cabañas da Silva*

Acredito que o crescimento intelectual se dá a partir de uma arena de combates simbólicos onde intervêm forças de diversas origens e características. Do embate entre essas forças, nascem as ideias. Não acredito ser possível formar uma visão de mundo abrangente e completa sem se abrir para a diversidade inerente ao mundo das ideias. Não penso que aderir de forma cega a uma linha de pensamento específica, e paralisar-se na bibliografia que corrobora, reafirma ou recicla essa mesma linha de pensamento, possa produzir uma visão de mundo completa. Sendo assim, não sendo conservador, acho importante saber o que pensam e como pensam os conservadores.

Para isso, há uma tradição extensa e importante de intelectuais conservadores que é valioso ler, entre os quais eu incluiria Montaigne, Kierkegaard, Heidegger, Thommas Mann (embora haja controvérsias), T.S. Eliot, Raymond Aron, Jorge Luís Borges e atualmente um escritor como Mario Vargas Llosa (misturo conscientemente nomes clássicos, contemporâneos e atuais, tendo clareza da diversidade que esses nomes manifestam).

No entanto, temos no Brasil hoje um grupo de conservadores atuando na grande imprensa (cujos nomes não citarei por motivos éticos) que têm se notabilizado pela histeria, pelo baixo calão das críticas e pela forma apelativa e pouco cordial com que tratam temas da realidade social e política do país e da América Latina, além dos temas da realidade cívica que envolvem os sentimentos éticos dos cidadãos, como aborto, maioridade penal, casamento homossexual, adoção de crianças por casais homossexuais, células tronco etc.

E creio que esse grupo tem dois principais mentores (cujos nomes não é antiético citar, porque já pertencem ao patrimônio histórico-cultural): Nelson Rodrigues e Paulo Francis, dois provocadores empedernidos do “esquerdismo” no Brasil. O problema é que, como acontece com certa frequência, as criaturas estão abaixo dos criadores. Confundem provocação e apelação, questionamento e desrespeito, crítica e preconceito, e tudo sob a batuta do “direito a ser politicamente incorreto”, um novo mantra, como se manter níveis mínimos de cordialidade agora fosse um arcaísmo que perdeu o nexo.

O resultado é que o pensamento conservador é vulgarizado, parecendo mais um conjunto de ódios e preconceitos que um quadro organizado de ideias sobre o mundo e o ser humano. A mim parece interessante que continue assim.


*
Felipe Cabañas da Silva é professor de Geografia e autor do blog de poesia  Versejar

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Pequena pensata sobre o 21 de dezembro


Hoje faltam 15 dias para o mundo acabar, dizem os consumistas da mais recente teoria apocalíptica, a já mais do que desmentida “profecia” maia que os maias nunca profetizaram, mas que é responsável por milhões de livros vendidos, filmes de gosto duvidoso e documentários oportunistas em canais pagos.

Foto: Edu Maretti
Parece o fim do mundo, mas é só o pôr do sol entre nuvens escuras

Seja como for, vou ver se nesses 15 dias publico alguns posts sobre esse tema. Vai que o mundo acaba mesmo! (risos).

Faz um tempo que sempre quando ouço algo sobre isso me vem à lembrança a cena de um filme que vi no início do ano e sobre o qual já escrevi aqui: A vida de Hildegard von Bingen.

No início do filme da diretora alemã Margarethe von Trotta, cuja história acontece no século XII d.C. na Alemanha, vemos um ambiente escuro, repleto de velas acesas, pessoas orando, chorando, se penitenciando, autoflagelando-se. Elas acreditam que estão vivendo a última noite antes do fim do mundo. É que o décimo primeiro século está acabando e, junto com ele, a Terra. Mas eis que de repente um homem acorda, e, com uma expressão de surpresa, quase assombro, ele percebe que a luz entra pelas frestas. Ele chama uma criança, uma menina, para mostrar-lhe que o dia está amanhecendo, que o sol nasce mais uma vez.

Essa cena é marcante no filme, que recomendo.

O problema é que, nos dias de hoje, até mesmo o outrora episódico fim do mundo virou mercadoria. Toda hora algum maluco prevê uma data para o armagedon, ou um perspicaz estudioso da cultura maia encontra uma data para fazer uma aposta (na maioria das vezes apostas que dão lucro). Antigamente o ser humano celebrava essa crença no fim só de século em século, no máximo. Era mais suave. Mas, apesar da fé humana no fim do mundo se renovar sempre, acabar mesmo parece que o mundo (ou a civilização) só acabou uma vez até hoje, pelo menos segundo a Bíblia. “O mundo acabou em água (Noé), e da próxima vez vai acabar em fogo”. Quem, de minha geração, hoje entre 40 e 50 anos, não ouviu essa frase quando criança, dos nossos avós? Mas era algo distante, quase como uma fábula, embora uma fábula pela qual nos eram transmitidos o medo e a culpa.

Agora não, não é mais de século em século, nem mesmo entre décadas: vira e mexe surge uma nova data para o final dos tempos. No ano passado mesmo um desses “pastores” norte-americanos disse que o 21 de maio de 2011 era o “Dia do Juízo”. Pronto, um monte de gente acreditou nesse cretino, mas, felizmente, o dia 22 de maio amanheceu, como sempre – e como se esperava.

Agora vamos aguardar o dia 22 de dezembro de 2012. Depois disso, pensar com mais calma, tendo consciência, claro, de que um dia o mundo vai de fato acabar. Ou em decorrência de fatores cósmicos – o que pode acontecer neste instante ou daqui a milhões de anos –, contra os quais o homem nada pode fazer, ou fruto da destruição da terra pelo próprio homem, possibilidade que parece mais provável na atual conjuntura da história do planeta, mas que o homem ainda pode evitar.

*PS: Os comentários postados no post (veja em "comentários", abaixo) me impelem a acrescentar esta nota para dizer que no dia 22 de outubro do ano passado eu publiquei aqui um áudio da Adriana Calcanhotto cantando um delicioso samba de Assis Valente que vem a calhar. Ouça aqui: "E o mundo não se acabou".

*Atualizado à 1:17 de 7/12/2012

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Pensamento para sexta-feira [39] – A natureza



A águia é um dos animais mais bonitos da Terra

Sou daqueles que nunca mataram passarinho quando moleque. Desse ponto de vista, sempre fui politicamente correto... Nem com estilingue, nem com espingardinha de chumbo, como a gente dizia antigamente, eu matei passarinho. A única coisa que matei com espingardinha de chumbo, que eu e meus irmãos tínhamos, foi um camundongo, que estava nadando na piscina da casa de um amigo, e isso já faz mais de 30 anos. Tudo bem, ratos são dignos de matar*. Aliás, até insetos tenho dó de matar, exceto baratas, formigas, pernilongos, aqueles mosquitos escrotos de banheiro e coisas do tipo, criaturas que já me inspiraram um post neste blog, um dos mais lidos que já publiquei aqui.

Naquele post sobre insetos não falei dos tais mosquitinhos de banheiro, um dos insetos mais repugnantes que existe. Abelha, um inseto nobre, não mato de jeito nenhum, pelo contrário, tento até salvar quando vejo uma se afogando numa piscina. Assim como não mato lagartixas, essas figuras tão simpáticas. Como pode, matar lagartixa? Me d ecepcionei muito com pessoas que eu achava legais e depois descobri que matavam lagartixas. É sério.

Mas, voltando aos passarinhos. São muito bonitinhos e tal, mas quando um sabiá dá de ficar cantando aquele som repetitivo (os sabiás começam a cantar no meio da madrugada, entre 3 e 4 da matina) que parece um relógio, é impossível dormir, quando por acaso sua hora de dormir coincide com o despertar deles.

E o joão-de-barro? Que passarinho incrível, essa criaturazinha que canta (meio caoticamente, mas canta) e constrói. Aqui onde moro tem ninhos de joão-de-barro. São incríveis. Mas de manhã são irritantes. Do nada, explode de repente um estardalhaço que mais parece um despertador. Dura alguns segundos. Se é fim de semana ou feriado, você acorda meio de súbito.

Isso irrita, pois não era pra você acordar (é sábado!), mas aí você lembra que é sábado e pode voltar a dormir, dá um suspiro, vira de lado, ajeita o travesseiro e... de repente, mais um bombardeio sonoro dos joões-de-barro. Os intervalos entre os bombardeios variam. Dá pra ter uma ideia do som que eles fazem neste link (é obviamente editado, pois os intervalos entre as explosões de canto na realidade são maiores): canto do joão-de-barro.

Mas o bem-te-vi é curioso. Ele nunca é chato.

E as baitacas, tão brasileirinhas? Nossa, são verdadeiramente escandalosas, chegam a me irritar. Mas pelo menos são diurnas. Começam a cantar (mas gritam) todas ao mesmo tempo, em bandos, voando ou nas árvores. Dura alguns minutos, e depois pára. Como o alvoroço das baitacas não dura muito, não chegam a irritar tanto. Mas as baitacas me parecem um pouco neuróticas. “Neurótico é você”, diria Freud talvez. Ok, reconheço que baitacas berrando em bando é melhor do que seres humanos buzinando com seus carros em todos os lugares de São Paulo.

Tirando essas coisas mais estúpidas como "cidadãos" (na verdade energúmenos) buzinando seus automóveis (ou seus cérebros), passarinhos às vezes são chatos, sim.

A natureza é a mata, as lindas praias, o canto dos pássaros e as aves de rapina (a águia, por exemplo, é um dos mais lindos animais que há na Terra), o lobo, o tigre, o barulho do mar e o próprio mar, as nuvens e a lua atravessando as nuvens, mas é também às vezes (às vezes, pois não sou um mal-humorado inveterado, como pode parecer), às vezes a natureza é a pentelhação do canto do sabiá, a doença, a morte, o verme que come a carne morta.

Um casal de namorados está feliz da vida numa praça bucólica, numa cidade de interior, perto da natureza... Vão para casa e um dia depois acham um carrapato estrela no corpo de cada um. Com ela não acontece nada, mas ele pega a febre maculosa (transmitida pela espécie conhecida como carrapato estrela, comum no interior de São Paulo) e morre. Isso acontece, e é natural, o carrapato estrela é natureza.

A natureza é maravilhosa, epifânica. Mas é também sombria. Curioso que pensar nisso me remete a dois personagens muito diferentes, mais de um século distantes entre si, que falam desse lado não-perfeito da natureza que nós procuramos ocultar: o físico Marcelo Gleiser, autor de Criação Imperfeita, e o poeta Charles Baudelaire, autor de As flores do Mal. O que nós procuramos ocultar? Que a natureza é a vida e é também a morte.

*Coloquei o asterisco na frase "ratos são dignos de matar" porque me lembrei da minha mãe, Leila, que odiava o Jerry, o ratinho do Tom & Jerry, porque ela não se conformava com aquele ratinho ganhando sempre. Nunca o Tom ganhava, e isso era muito irritante no "desenho animado" de Hanna Barbera.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Pensamento para sexta-feira – Pablo Neruda: Ainda


XIII

Cresce o homem em tudo que cresce
e se acrescenta Pedro com seu rio,
com a árvore que sobe sem falar
por isso minha palavra cresce
e cresce:
vem daquele silêncio com raízes,
dos dias do trigo,
daqueles germes intransferíveis,
da água extensa,
do sol correndo sem seu consentimento,
dos cavalos suando na chuva.

XXI

Vivi na desordem de pátrias não nascidas,
em colônias que ainda não sabiam nascer,
com bandeiras inéditas que se ensanguentariam.
Vivi na fogueira de povos malferidos
comendo o pão estranho em meu padecimento.



Do livro Ainda (do original Aún), de Pablo Neruda – tradução de Eliane Zagury (José Olympio, 1976)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Pensamento para sexta-feira [número 31] – Nunca discuta com um cobrador de ônibus (fatos reais!)



O Grito, de Edvard Munch

Por Alexandre Indiana

Hoje pensei que fosse tomar uma surra! Papo de cobrador de ônibus. 14 horas. Entrei como sempre, a fim de obter bilhete de metrô. Perguntei ao cobrador se tinha bilhete e ele respondeu que não. Comecei a reclamar, dizendo que a porra da empresa tinha que fornecer e que isso acontecia toda hora. O cara fez cara feia e falou: “desce e pega outro e já era”. Foi o que ia fazer, quando não sei por que cargas d'água fiz um gesto com a mão, tipo vá se danar, mas não disse nada. Nem era pra ele na verdade.

O cara levantou-se da cadeira, pulou a catraca e veio pra cima. Era um touro, físico de peão, do tipo taludo e alto. A porta não abria e pensei: fodeu. Tomei um chute na bunda e nisso a porta se abrindo e eu saindo, não esperando que ela se abrisse por completo. É patético, mas fiquei assustado. Pensei que o cara ia me dar um tiro, sei lá. Desci e o filho da puta desceu também. Daí comecei a correr e o cara correndo atrás de mim. Meu Deus, como corri hoje. Graças a Deus fui mais rápido. Vi o cara a uma boa distância e então pude respirar aliviado. Comecei a falar de longe coisas, tipo "vou anotar o n° do ônibus, seu animal". E o cara voltou a me perseguir, mas já não dava pra ele me alcançar. Finalmente ele se foi e fui me recuperando. Que horror.