Meses atrás, a revista CartaCapital deu uma foto que me fez lembrar da velha máxima “uma imagem vale mais do que mil palavras”. A fotografia – de uma mulher iraniana condenada por adultério e enterrada até o peito para ser executada por apedrejamento – teve também o poder de me tirar o humor naquele domingo.
O tema está em pauta nas últimas semanas, devido aos apelos de pessoas e entidades do mundo todo pela vida de outra mulher, Sakineh Ashtiani (foto acima), de 43 anos, presa em Tabriz, noroeste do Irã, condenada à morte pela mesma maneira cruel, medieval e bárbara. Pelo que li, como foi condenada em primeira instância, ela ainda vai ter um segundo julgamento, do qual pode se livrar do apedrejamento... para ser executada na forca. Essa é a clemência dos iranianos dos aiatolás.
Segundo a Anistia Internacional, Sakineh obteve o voto por sua absolvição de dois de cinco juízes no julgamento, mas “os outros três, incluindo o presidente do tribunal, a consideraram culpada com base em ‘conhecimento do juiz’, uma cláusula na lei iraniana que permite aos juízes determinarem subjetivamente, e possivelmente arbitrariamente, se o acusado é culpado”. Leia mais aqui, no site da Anistia Internacional, onde você pode obter endereços de autoridades iranianas e participar da campanha pela vida da mulher.
Diante dos clamores, o presidente Lula ofereceu asilo a Sakineh, e ainda não obteve resposta oficial (*). Se é que vai receber. Rejeitando a oferta brasileira, o governo iraniano de Mahmoud Ahmadinejad, acusado pelos Estados Unidos e aliados de enriquecer urânio para fins militares, dirá “não” a um dos poucos países importantes hoje no mundo com quem pode dialogar. Se é que é possível dialogar com esse regime de bárbaros.
Diante da visão maniqueísta antiamericana, às vezes corremos o risco de achar que tudo o que é contra os Estados Unidos é bom. Eu sempre procuro evitar maniqueísmos (para mim sempre equivocados) e suas conseqüências deturpadoras. Por exemplo, não concordo de modo algum com a política dos EUA sobre o Irã, mas tampouco acho que os aiatolás e seu regime merecem clemência. Fanáticos, radicais, doentes, mantêm um status quo de obscurantismo medieval injustificável e macabro. Tudo bem, dizem, é problema deles.
Não é só deles, não. Hoje, no último ano da primeira década do século XXI, as coisas que acontecem do outro lado do mundo são cada vez mais próximas. O que provoca duas sensações: a de que os acontecimentos em qualquer parte do mundo nos dizem respeito; e a sensação de impotência diante de casos como o de Sakineh.
Não é só a rica história persa que é fascinante no Irã. Há, no presente, coisas preciosas, como o belo e importante cinema feito por diretores como, entre outros, Majid Majidi (diretor de Filhos do Paraíso), Abbas Kiarostami (Gosto de Cereja), Ebrahim Foruzesh (O Jarro) e Mohsen Makhmalbaf (que dirigiu Gabbeh e o belíssimo A Caminho de Kandahar, cujo tema é a condição da mulher não no Irã, mas no Afeganistão). Nesse cinema, impera a poesia e a delicadeza, antíteses da brutalidade do regime dos aiatolás.
E é isso.
* PS: escrevi acima que ainda não houve "resposta oficial" à oferta de Lula de receber Sakineh Ashtiani no Brasil. E continuo afirmando. As declarações do porta-voz do Ministério do Exterior iraniano, Ramin Mehmanparast, divulgadas e repetidas durante todo o dia de hoje na internet, não me parecem suficientes para ser aceitas como uma resposta "oficial". Considerando o regime centralizador e autocrata (ou teocrata) do Irã, um mero porta-voz não tem a palavra final sobre nada, muito menos uma resposta oficial.
Atualizado às 21h21.