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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Monumento ao cinismo


Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Haveria muitas coisas a dizer, análises políticas, previsões, conjecturas sobre tudo isso, inclusive sobre o discurso de posse do novo presidente da República do Brasil. Eu começaria dizendo que, desde 17 de abril de 2016, deixei de usar o termo “não vai ter golpe”, que muita gente e muitos amigos, acredito que ingenuamente ou movidos pela fé (mas a fé faiou), continuaram usando. Para mim, o golpe foi dado naquela data e falei isso a várias pessoas.

Mas, hoje, como milhões de brasileiros ainda perplexos, só quero registrar duas coisas. A foto aqui publicada e o seguinte trecho do discurso de posse de Michel Temer, um dos maiores monumentos ao cinismo que vi na vida:

“Faço questão, e espero que sirva de exemplo, de declarar meu absoluto respeito institucional à senhora presidente Dilma Rousseff. Não discuto aqui as razões pelas quais foi afastada. Quero apenas sublinhar a importância do respeito às instituições e a observância à liturgia nas questões, no trato das questões institucionais. É uma coisa que nós temos que recuperar no nosso País. Uma certa cerimônia não pessoal, mas uma cerimônia institucional, uma cerimônia em que as palavras não sejam propagadoras do mal-estar entre os brasileiros, mas, ao contrário, que sejam propagadoras da pacificação, da paz, da harmonia, da solidariedade, da moderação, do equilíbrio entre todos os brasileiros.”

Foi o que disse Michel Temer.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Votação histórica do STF começa a desmontar golpe de Cunha e seus aliados


"Ele [Eduardo Cunha] disse:
‘aqui vai ser secreto porque eu quero’.
A democracia não funciona assim.”
(ministro Luís Roberto Barroso)


Já escrevi aqui no blog sobre o espírito "iluminista” do ministro do STF Luís Roberto Barroso e de minha admiração pelo magistrado, esse sim, dotado dos requisitos teoricamente necessários a formar os quadros do Supremo: “notável saber jurídico e reputação ilibada”. É um homem realmente daqueles que fazem a diferença em uma República.


Fotos: Divulgação/STF
Barroso abriu a divergência com voto histórico

Tive a sorte e o privilégio, por dever de ofício, de acompanhar a votação histórica de hoje, e pude ouvir o voto de Barroso ao abrir divergência em relação ao “voto Pôncio Pilatos” dado pelo relator Luiz Fachin. O tribunal desempatou o jogo a favor da República, para continuar usando a metáfora do post de ontem. Entre outras decisões, o Supremo definiu que a votação para a formação da comissão especial processante do impeachment contra Dilma Rousseff deve ser aberta. Isso desmonta a manobra espúria de Eduardo Cunha, que conseguira fazer seus asseclas aprovarem a comissão especial por votação secreta. 

“A primeira das razões (para rejeitar o voto secreto) é que a Constituição prevê algumas hipóteses de votação secreta, e não prevê para formação de comissão especial para processar o impeachment”, disse Barroso ao votar e abrir divergência de Fachin. “A Lei 1079/1950 tampouco prevê. Alguém poderia imaginar que o regimento (da Câmara) pudesse prever a votação secreta. Mas no regimento interno, nenhuma das previsões prevê votação secreta”, afirmou ainda.

Mais do que isso, ele acrescentou: “O voto secreto foi instituído por uma deliberação discricionária do presidente da Câmara. Ele disse: ‘aqui vai ser secreto porque eu quero’. A democracia não funciona assim”.

Barroso é normalmente brilhante, claro e tecnicamente indefensável, e assim proferiu seu voto hoje.

Marco Antonio Ferreira fez o seguinte comentário no post anterior, no qual eu avaliava que o jogo estava empatado (não apenas em relação ao Judiciário) entre forças golpistas e o estado de direito: “Ontem tive raiva do Fachin, hoje me dá pena. Acachapante sua derrota. Imagina ficar só, com Toffoli e Mendes?”

De fato. Mas ontem e hoje (17), após o voto de Fachin, havia quem temesse (eu entre essas pessoas) que o golpe desse mais um passo importante no Supremo. E por pouco não passou, já que bastaria um único voto para que a corte tivesse referendado o voto secreto e absurdo que Cunha tentou impor. Mas não passou, e não passarão. Pessoas como Dias Toffoli não passarão.

Cabe ainda mencionar outro magistrado digno, e além disso discreto, do Supremo, o presidente Ricardo Lewandowski, um homem avesso a holofotes como deveriam ser todos os juízes. Seu voto “de Minerva” que deu a vitória à tese do voto aberto como inerente ao processo na comissão processante está também na história, logo após o voto longo, empolado, arrogante e reacionário do “decano” Celso de Mello.


Discreto e avesso a holofotes, Lewandowski desempatou

Destaco ainda o voto do ministro Marco Aurélio, que costuma ser sempre contundente. Ele ironizou, dizendo que o voto secreto é na verdade um “voto misterioso”. "Há de prevalecer sempre o interesse público, e este direciona à publicidade e transparência (...) Nada justifica a existência, no caso, do voto secreto. A votação tem que ser aberta”, justificou o ministro.

Vamos lembrar os votos: se manifestaram pela legalidade, pela democracia e pela República os seguintes seis ministros: Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

A Toffoli, o limbo da história
Votaram a favor do voto secreto, com Eduardo Cunha e suas manobras, os ministros Luiz Fachin, Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello, aos quais está reservado um lugar bem localizado no limbo da história. O final do voto de Gilmar Mendes, que chegou ao cúmulo de citar um artigo “do senador José Serra”, terminou de maneira emblemática: ele se dirigiu ao presidente Lewandowski, e disse: “Vou pedir licença, porque tenho que viajar”. Lewandowski respondeu: "Boa viagem". Esse episódio já parecia o prenúncio de que o raivoso Mendes já sabia de antemão ser voto vencido.

Para finalizar, vê-se pela reação inconformada de comentaristas da reação (com o perdão do pleonasmo) que a decisão do Supremo contrariou interesses notórios de gente que não tem vergonha de ter um homem como Eduardo Cunha como veículo de aspirações sinistras e obscuras. “STF deu a Dilma o que ela pediu”, disse, por exemplo, o jornalista Josias de Souza.

Mas a ele e a outros, e a todos os aliados confessos ou não de Eduardo Cunha, dedico o dito de Machado de Assis e toda sua ironia: “ao vencedor, as batatas”.