Mostrando postagens com marcador cosmos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador cosmos. Mostrar todas as postagens

domingo, 19 de março de 2017

As maravilhas do cosmos, segundo a astrofísica (parte 2)


"Todos temos algum conhecimento em que acreditamos cegamente, porque não podemos testar de modo realista toda afirmação pronunciada por outros. Quando eu lhe digo que o próton tem uma contraparte de antimatéria (o antipróton), você precisaria de equipamentos de laboratório de 1 bilhão de dólares para verificar minha afirmação. Assim, é mais fácil acreditar em mim e confiar em que, ao menos na maioria das vezes, e ao menos com relação ao mundo astrofísico, eu sei do que estou falando. Não me importa se você continua cético. Na verdade, eu encorajo sua atitude. Sinta-se à vontade para visitar o acelerador de partículas mais próximo e ver a antimatéria com seus próprios olhos."
(Neil deGrasse Tyson, em Morte no Buraco Negro)



Onda "de choque" da explosão da supernova SNR 0509,
na Grande Nuvem de Magalhães, a cerca de 160.000 anos-luz da Terra

Escrevi um post sobre o livro Morte no Buraco Negro, de Neil deGrasse Tyson, que merece uma complementação com um segundo post. Porque o livro é muito abrangente e porque eu aludi, na primeira publicação, que uma passagem da obra aproxima sua visão da abordagem do filme Interestelar, uma visão antropocêntrica sobre o cosmos.

Na verdade, o livro do astrofísico norte-americano não é antropocêntrico, como a princípio me pareceu. Antropocêntrica é a visão da física-ciência mais tradicional, como a do físico brasileiro Marcelo Gleiser, que, se é importante, é, entretanto, uma voz da ciência dominante, hoje relativamente ultrapassada, inclusive, e principalmente, por sua visão antropocêntrica da física e da ciência.

O astrofísico deGrasse Tyson, discípulo de Carl Sagan, relativiza o antropocentrismo da ciência tradicional. "Declarar que a Terra deve ser o único planeta com vida no universo seria uma arrogância indesculpável de nossa parte", diz o autor de Morte no Buraco Negro. E aí ele faz uma afirmação cabal: "Muitas gerações de pensadores, tanto religiosos como científicos, têm sido desorientadas por pressuposições antropocêntricas, enquanto outras foram simplesmente desencaminhadas pela ignorância. Na ausência de dogmas e dados, é mais seguro ser guiado pela noção de que não somos especiais, o que geralmente é conhecido como princípio copernicano".

Bem, a pequena obra-prima da literatura científica que é Morte no Buraco Negro tem inúmeras outras passagens que, só por cada uma delas individualmente, já valeria a pena ler.

Como o belíssimo capítulo 21, "Forjados nas estrelas", em que o autor discorre sobre o eterno ciclo de explosão e morte de uma estrela (supernova), a formação de poeira cósmica, que engendra reações químicas e assim até a formação de novas estrelas e sistemas, no ciclo interminável.

Sobre a vida


Lemos que os quatro elementos mais comuns no Universo são hidrogênio, hélio, carbono e oxigênio. "O hélio é inerte. Assim, os três elementos quimicamente ativos  mais abundantes no cosmos (hidrogênio, carbono e oxigênio) são também os três principais ingredientes da vida na Terra."  Por essa razão, pode apostar que, se for encontrada vida  em outro planeta, ela será feita de uma mistura semelhante de elementos."

Mesmo assim, alguns cientistas consideram que o silício pode substituir o carbono na formação da vida. Até pode, mas com ressalvas importantes, como observa o autor. "Considere o silício, um dos dez principais elementos do universo. Na tabela periódica, o silício está diretamente abaixo do carbono, indicando que eles têm um configuração idêntica de elétrons, em suas cascas exteriores. Como o carbono, o silício pode se ligar com um, dois, três ou quatro átomos. Sob condições corretas, pode também criar moléculas de cadeia longa. Como o silício oferece oportunidades químicas similares às do carbono, por que a vida não poderia ser baseada no silício?"

Os problemas do silício, explica deGrasse Tyson, são dois: o fato de apresentar um décimo da abundância do carbono no cosmos e as fortes ligações que ele cria: "Quando você liga silício e oxigênio, por exemplo, não obtém as sementes da química orgânica; você obtém rochas".

Titã



Titã, a lua de Saturno, em cores não reais, mas captadas pela NASA em diferentes
longitudes de onda com espectrômetro de cartografia infravermelha 

As especulações sobre supostas condições de vida em nosso sistema solar são muito interessantes também, no livro. "Em 2005, a sonda Huygens, da Agência Espacial Europeia (...) aterrissou na maior lua de Saturno, Titã, que abriga muita química orgânica e sustenta uma atmosfera dez vezes mais pesada que a da Terra. Deixando de lado os planetas Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, cada um feito inteiramente de gás e sem superfície rígida, apenas quatro objetos em nosso sistema solar têm uma atmosfera de alguma importância: Vênus, Terra, Marte e Titã", diz o autor.

O "currículo impressionante de moléculas" de Titã, continua, inclui água, amônia, metano e etano, "bem como os compostos de múltiplos anéis conhecidos como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos". Segue o texto: "O gelo de água é tão frio que tem a dureza do concreto. Mas a combinação de temperatura e pressão do ar tem liquefeito o metano, e as primeiras imagens enviadas pela Huygens parecem mostrar correntes, rios e lagos de metano. Em alguns aspectos, a química da superfície de Titã se parece com a da jovem Terra, o que explica por que tantos astrobiólogos veem Titã como um laboratório 'vivo' para estudar o passado distante da Terra".

Enfim, o livro aborda uma temática tão vasta que pesquei apenas alguns aspectos quase aleatoriamente: se eu fosse falar de todos os temas e pensamentos do livro, ficaria aqui para sempre. A ideia não é essa. Eu sou um ignorante. Como aliás somos todos nós, pobre mortais humanos. Só digo que a leitura de Morte no Buraco Negro vale muito a pena.

Leia também:

As maravilhas do cosmos: de Giordano Bruno ao buraco negro! – segundo a astrofísica

Interestelar: ficção inteligente, apesar de Hollywood

Um pouco mais sobre Interestelar

sábado, 11 de fevereiro de 2017

As maravilhas do cosmos: de Giordano Bruno ao buraco negro! – segundo a astrofísica



Nebulosa da Águia, também conhecida como M16,
uma das mais famosas imagens do Hubble

“Em 1584, em seu livro De l’infinito universo e mondi, o monge e filósofo italiano Giordano Bruno propôs a existência de ‘inumeráveis sóis’ e ‘inumeráveis Terras (que) giram em torno desses sóis’. Além disso, ele afirmava, baseando-se na premissa de um criador glorioso e onipotente, que cada uma dessas Terras tem habitantes vivos. Por esses e outros delitos blasfemos, Bruno foi queimado na fogueira por ordem da Igreja Católica.”

Esse é um pequeno trecho do capítulo 7 do belíssimo livro Morte no buraco negro e outros dilemas cósmicos, de Neil deGrasse Tyson (editora Planeta), que estou lendo, uma verdadeira viagem pelo conhecimento e o cosmos, e seus infinitos mistérios e maravilhas.

Por exemplo, você sabe o que é aerogel? Está lá na página 103 do livro: “substância estranha e maravilhosa” usada pela NASA na missão Stardust. A meta da Stardust era “descobrir que tipos de poeira espacial existem lá fora e coletar essas partículas sem estragá-las”. O autor então explica o que é o aerogel: “a coisa mais semelhante a um fantasma que já foi inventada. É um emaranhado seco e esponjoso de silício que consiste em 99,8% de nada. Quando uma partícula bate nesse emaranhado a velocidades hipersônicas, ela perfura seu caminho e aos poucos vem a parar, intacta”.

Vamos para um dado científico no capítulo 14, que trata da densidade das coisas: “Quando você sai da galáxia, deixa para trás quase todo o gás, poeira, estrelas, planetas e entulho. Você entra num vazio cósmico inimaginável. Vamos falar do vazio: um cubo d­e espaço intergaláctico de 200 mil quilômetros contém aproximadamente o mesmo número de átomos que o ar que preenche o volume utilizável de seu refrigerador. O cosmos não só ama o vácuo, ele é esculpido a partir dele”.

Mais à frente, num capítulo que fala sobre espectros de luz: “Uma coisa é saber que de vez em quando estrelas de alta massa explodem. As fotografias podem mostrar esse fenômeno. Mas os espectros de raio X e da luz visível dessas estrelas moribundas revelam um esconderijo de elementos pesados que enriquecem a galáxia e podem ser diretamente ligados aos elementos constituintes da vida sobre a Terra. Não só vivemos entre as estrelas, as estrelas vivem dentro de nós”. Isso é astrofísica, mas também poesia.

Outra passagem me remete diretamente a uma cena do filme Interestelar. DeGrasse Tyson afirma nas páginas 166/167 de Morte no Buraco Negro, sobre as sondas enviadas pelo homem ao espaço: “A história da descoberta humana é caracterizada pelo desejo ilimitado de estender os sentidos além de nossos limites inatos. É por meio desse desejo que abrimos novas janelas para o universo (...) as sondas espaciais controladas por computador, que podemos chamar corretamente de robôs, tornaram-se a ferramenta-padrão para a exploração espacial. Os robôs no espaço têm várias vantagens claras sobre os astronautas: são mais baratos de lançar; (...) e não são vivos em nenhum sentido tradicional da palavra, por isso não  podem ser mortos num acidente espacial”.

Eu ia discordar dessa passagem, baseando minha discordância na magnífica cena em que dr. Mann (Matt Damon), em Interestelar, percorre o planeta gelado e sem superfície e diz a Cooper: "Máquinas não funcionam bem (numa missão a outro mundo) porque não se programa o medo da morte".

Mas, no livro, logo após falar das supostas vantagens dos robôs sobre o homem, na exploração espacial, Tyson diz: “...Mas até que os computadores possam simular a curiosidade e as centelhas de insight humanas (...) os robôs continuarão sendo ferramentas projetadas para descobrir o que já esperamos encontrar”. Ao contrário do que parecia, isso acaba aproximando sua visão da abordagem do filme dirigido por Chris Nolan, cuja visão sobre o cosmos é claramente antropocêntrica, já que, em Interestelar, o homem é destinado a explorar e talvez conquistar um universo cujo único habitante civilizado e inteligente é (aparentemente) ele mesmo.

Aqui poderíamos voltar a Giordano Bruno (1548-1600) e fazer a analogia com nós mesmos (conosco, para usar um português mais culto, mas obsoleto), para dizer que, em nossa ignorância, talvez façamos hoje o papel que a Igreja Católica fazia no século XVI: acusamos de “hereges” (mas hereges científicos), hoje, os que acreditam em civilizações inteligentes extraterrestres, como os católicos acusavam Giordano Bruno de herege há quatro séculos. Assim é.

Finalizo citando o belíssimo capítulo 22 do livro Morte no Buraco Negro, no qual DeGrasse Tyson discorre sobre... É até difícil falar, porque é uma das coisas mais bonitas que já li. Trata da evolução das reações nucleares das estrelas primordiais: do hidrogênio, que se se funde em hélio, depois em carbono (fundamental à vida), depois em nitrogênio, oxigênio, sódio, magnésio, silício... até o ferro. “À exceção do hélio, que é quimicamente inerte, esses elementos são os principais elementos da vida assim como a conhecemos. Dada a variedade espantosa de moléculas que esses átomos podem formar, com eles próprios e com outros, é provável que eles sejam também os ingredientes da vida assim com não a conhecemos.”

Neil DeGrasse Tyson é um astrofísico conhecido por sua inserção na mídia. Ele apresentou a série de documentário Cosmos, um remake da série original criada por Carl Sagan nos anos 1980.

Carl Sagan, além de tudo o que é, é um personagem intimamente ligado à chamada mensagem de Arecibo. Pesquisem na internet, e vocês acharão informações interessantes.

Seja como for, na minha modesta e humilde opinião, nós não estamos sozinhos.

Leia também:

Interestelar: ficção inteligente, apesar de Hollywood

Um pouco mais sobre Interestelar