Mostrando postagens com marcador José Sarney. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador José Sarney. Mostrar todas as postagens

sábado, 18 de junho de 2016

O fenômeno Dilma



Roberto Stuckert Filho/PR
Dilma na sexta 17, na Universidade Federal de Pernambuco

A história costuma ser irônica. Mais uma prova disso é que, duramente criticada inclusive por seus pares de PT, Dilma Rousseff pode ser a via pela qual o próprio PT pode vir a se recuperar como partido, pelo menos em parte. Com toda a crise que levou o Brasil a uma das fases mais obscuras de sua história, Dilma tem protagonizado nas últimas semanas um fenômeno extremamente interessante: sua popularidade cresce a olhos vistos. Mais do que isso: ela está  superando a popularidade que poucos (ou ninguém) esperavam que poderia ter.

Dilma merece algumas das críticas já conhecidas, como o caráter centralizador de seus governos e a mediocridade de seus ministros, com algumas exceções, assim como ter entregado alguns de seus ministérios a próceres da direita - e Gilberto Kassab é o mais acabado exemplo. Mas tenho visto de maneira diferente a crítica sobre sua incapacidade de "fazer política", que, se é procedente até certo ponto, deve ser relativizada. Seria incompetência "não saber negociar" com uma geração de políticos e um Congresso que são a própria materialização da corrupção e do ideário da direita?

A própria Dilma questionou essa crítica, que se faz a ela diuturnamente (e que eu mesmo já fiz), na entrevista a Luis Nassif na segunda-feira 13 (leia aqui). “Atribuía-se a mim (o problema de) não querer negociar. Mas não tem negociação possível com certo tipo de prática”, disse, em referência a Eduardo Cunha e seu bando.

Esse "problema" ou "defeito" de Dilma é, antes, uma virtude.

Minha imaginação me leva, conduzido por Platão, a uma situação. Imaginemos que o Brasil fosse hoje um país que, com todas as suas características (a diversidade principalmente), estivesse no patamar de uma nação desenvolvida e politicamente respeitada, na qual as oligarquias espúrias tivessem sido reduzidas a sombras da história e não mais influenciassem a vida do país.

Nessa hipótese platônica, governando um país que tivesse superado sua triste vocação a colônia, Dilma Rousseff seria uma presidente e líder sofisticada. Que poderia sofrer derrotas e conquistar vitórias políticas, mas não precisaria se submeter à canalha politicagem brasileira. Sem precisar "negociar" com chefes de gangs, Dilma apenas governaria.

Embora acusada de ser uma tecnocrata, ela poderia tocar seus projetos para o pré-sal, por exemplo, o maior tesouro da indústria do petróleo descoberto neste século, e um dos principais motivos do golpe que, como se sabe, tem a mão do imperialismo (leia aqui). Digo que o pré-sal é um dos principais motivos do golpe porque não é o único: nossa água é outro.

Por falar em império, lembremos Barack Obama, para fazer uma comparação. O presidente dos Estados Unidos teve muitas dificuldades a partir de novembro de 2014, quando passou a ter minoria no Congresso. Mas a democracia norte-americana é estável e Obama não ter maioria não significa golpe. Muito longe disso. No Brasil, afrontar o mercado financeiro (como Dilma fez ao rebaixar a taxa de juros Selic entre 2012 e 2013) e se recusar a negociar com bandidos no Congresso foram gasolina no fogo do golpismo.

Por incrível que pareça, Dilma já é um passo à frente do petismo lulista. Com todos os seus erros, ela tem incendiado uma militância até outro dia adormecida, o que parecia absurdo um ano atrás, quando era considerada traidora do programa de governo com o qual se elegeu, e graças à militância do movimento social que, diga-se, deu um caráter muito além do PT a sua eleição.

Acho importante lembrar que, no contexto do apodrecido presidencialismo de coalizão brasileiro, se Dilma é responsabilizada por ser politicamente incompetente, não foi ela, mas Lula, quem fechou acordo com o PMDB de Temer e Sarney.

Não foi certamente à toa que o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, um mestre insuspeito, em artigo publicado na Folha ontem, 17, comparou Dilma Rousseff a Joana d'Arc (leia aqui).


terça-feira, 21 de abril de 2015

30 anos depois da morte de Tancredo, Brasil de Aécio Neves ainda discute o golpismo udenista


Reprodução
Tancredo com o então jovem neto (materno) Aécio Neves

Em 21 de abril de 1985 morria Tancredo Neves. Nós que éramos jovens naquela época víamos o primeiro presidente civil, desde a implantação da ditadura em 1964, como uma esperança, apesar de Tancredo ter sido eleito num colégio eleitoral. Para alguns jovens de hoje – considerando os que nasceram a partir da década de 1980 –, dizer que Tancredo era uma esperança pode soar inexplicável, ou piegas.

Mas é preciso entender que o presidente que Tancredo sucederia era o general João Baptista Figueiredo, ex-chefe do SNI em governos anteriores, quando a tortura e o assassinato eram políticas justificáveis para manter o Estado de segurança nacional. Figueiredo foi presidente como prêmio por ter cumprido com eficiência seu papel no SNI.

Tínhamos vivido tempos obscuros. Eu não vivi a época da ditadura, graças a deus, mas um grande amigo meu, da geração anterior, viveu. Foi torturado etc, assim como outros que conheci depois. Mas até hoje esse meu amigo chamado José considera Tancredo uma importante presença na política brasileira. Um homem que foi ministro da Justiça e Negócios Interiores de Getúlio Vargas. E que, diz a lenda, foi um dos mais bravos resistentes contra o golpe udenista que levou Getúlio ao suicídio.

Morto Tancredo, assume Sarney, embora muitos, ou alguns, defendessem a posse de Ulysses Guimarães. José Sarney, justamente o líder maranhense cuja carreira política começou na esteira da morte de Getúlio Vargas (1954). Sarney era da UDN. Com a extinção desta em 1965, abraçou a Arena. Depois, o PDS.

Celio Azevedo/Senado Federal
Ulysses e Tancredo

Essas poucas linhas são pra dizer que 30 anos atrás, em 21 de abril de 1985, a barra estava pesada: com a morte de Tancredo, nessa data estranhamente simbólica, não sabíamos o que aconteceria. Atrás, era Figueiredo; na frente, Sarney. Estávamos perplexos, nós com nossos vinte e poucos anos, nossa fé no futuro e nossas dúvidas.

Havia teoria da conspiração na época, não pensem que isso é uma invenção contemporânea. Tancredo havia simplesmente morrido ou tinha sido assassinado? Como saber?, a gente se perguntava.

Curiosamente, Sarney fez um governo caótico, mas não impopular. Embora de maneira tosca, e apesar do caos econômico, com o Plano Cruzado ele conseguiu de certa maneira distribuir renda. O plano determinava o congelamento de preços, trazia ao cenário os “fiscais do Sarney”, introduzia antecipação do salário mínimo para incentivar o consumo. Enfim, um governo populista, mas não impopular.

Mas depois, sim, aí veio o caos, com Fernando Collor de Mello (1990), metaforicamente o Nero (imperador romano que governou de 54 até 68 d.C.) da história brasileira.

Foi desesperador. A primeira eleição para presidente no Brasil desde Jânio Quadros (eleito em 3 de outubro de 1960) colocou Collor no poder! Não era possível enxergar futuro para o Brasil.

Collor caiu e apareceu seu vice Itamar Franco, um político fisiológico, mas que não tinha, como Sarney, origem oligárquica e coronelista. Itamar era um pequeno-burguês, um engenheiro, começara no PTB de Vargas, partido que foi extinto em 1965 junto com a UDN. Itamar foi do MDB (depois PMDB), do PL, do PRN de Collor, depois voltou ao PMDB. Mas, para encurtar a história, Itamar fez um governo populista mais ou menos como o de Sarney. O Brasil da conciliação.

Depois veio Fernando Henrique Cardoso, que propôs implantar no Brasil o neoliberalismo de Margaret Thatcher e Ronald Reagan.

Depois veio Lula, depois Dilma (e aqui, ao invés de comentar, prefiro indicar a leitura de Os sentidos do lulismo, de André Singer – afinal, conhecer a história dá um pouco de trabalho, não é tão simples assim).

Estamos em 2015, 30 anos depois da morte de Tancredo Neves, e o Brasil ainda está discutindo golpe e golpismo, sob a batuta do neto (na linhagem materna) de Tancredo, Aécio Neves, personalidade que Milan Kundera diria que está construindo sua imortalidade risível.