Roberto Stuckert Filho/PR
Dilma na sexta 17, na Universidade Federal de Pernambuco |
A história costuma ser irônica. Mais uma prova disso é que,
duramente criticada inclusive por seus pares de PT, Dilma Rousseff pode ser a
via pela qual o próprio PT pode vir a se recuperar como partido, pelo menos em
parte. Com toda a crise que levou o Brasil a uma das fases mais obscuras de sua
história, Dilma tem protagonizado nas últimas semanas um fenômeno extremamente
interessante: sua popularidade cresce a olhos vistos. Mais do que isso: ela
está superando a popularidade que poucos
(ou ninguém) esperavam que poderia ter.
Dilma merece algumas das críticas já conhecidas, como o
caráter centralizador de seus governos e a mediocridade de seus ministros, com
algumas exceções, assim como ter entregado alguns de seus ministérios a próceres
da direita - e Gilberto Kassab é o mais acabado exemplo. Mas tenho visto de
maneira diferente a crítica sobre sua incapacidade de "fazer
política", que, se é procedente até certo ponto, deve ser relativizada. Seria
incompetência "não saber negociar" com uma geração de políticos e um
Congresso que são a própria materialização da corrupção e do ideário da
direita?
A própria Dilma questionou essa crítica, que se faz a ela
diuturnamente (e que eu mesmo já fiz), na entrevista a Luis Nassif na
segunda-feira 13 (leia aqui). “Atribuía-se a mim (o problema de) não querer negociar. Mas
não tem negociação possível com certo tipo de prática”, disse, em referência a
Eduardo Cunha e seu bando.
Esse "problema" ou "defeito" de Dilma é,
antes, uma virtude.
Minha imaginação me leva, conduzido por Platão, a uma
situação. Imaginemos que o Brasil fosse hoje um país que, com todas as suas
características (a diversidade principalmente), estivesse no patamar de uma
nação desenvolvida e politicamente respeitada, na qual as oligarquias espúrias tivessem
sido reduzidas a sombras da história e não mais influenciassem a vida do país.
Nessa hipótese platônica, governando um país que tivesse
superado sua triste vocação a colônia, Dilma Rousseff seria uma presidente e líder
sofisticada. Que poderia sofrer derrotas e conquistar vitórias políticas, mas
não precisaria se submeter à canalha politicagem brasileira. Sem precisar
"negociar" com chefes de gangs, Dilma apenas governaria.
Embora acusada de ser uma tecnocrata, ela poderia tocar seus projetos para o pré-sal, por exemplo, o
maior tesouro da indústria do petróleo descoberto neste século, e um dos
principais motivos do golpe que, como se sabe, tem a mão do imperialismo (leia aqui).
Digo que o pré-sal é um dos principais motivos do golpe porque não é o único: nossa
água é outro.
Por falar em império, lembremos Barack Obama, para fazer uma
comparação. O presidente dos Estados Unidos teve muitas dificuldades a partir
de novembro de 2014, quando passou a ter minoria no Congresso. Mas a democracia
norte-americana é estável e Obama não ter maioria não
significa golpe. Muito longe disso. No Brasil, afrontar o mercado financeiro (como Dilma fez ao
rebaixar a taxa de juros Selic entre 2012 e 2013) e se recusar a negociar com
bandidos no Congresso foram gasolina no fogo do golpismo.
Por incrível que pareça, Dilma já é um passo à frente do
petismo lulista. Com todos os seus erros, ela tem incendiado uma militância até
outro dia adormecida, o que parecia absurdo um ano atrás, quando era
considerada traidora do programa de governo com o qual se elegeu, e graças à
militância do movimento social que, diga-se, deu um caráter muito além do PT a sua eleição.
Acho importante lembrar que, no contexto do apodrecido
presidencialismo de coalizão brasileiro, se Dilma é responsabilizada por ser politicamente
incompetente, não foi ela, mas Lula, quem fechou acordo com o PMDB de Temer e
Sarney.
Não foi certamente à toa que o físico Rogério Cezar de
Cerqueira Leite, um mestre insuspeito, em artigo publicado na Folha ontem, 17,
comparou Dilma Rousseff a Joana d'Arc (leia aqui).