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sábado, 15 de setembro de 2018

Bocage, poeta, português, setubalense, 253 anos



Uma inscrição num canto de Setúbal traz-nos Bocage e uma universal verdade sobre que poetou - esta consta num soneto: "De quantas cores se matiza o Fado! / Nem sempre o homem ri, nem sempre chora, / Mal com bem, bem com mal é temperado."
Parabéns, Bocage!

domingo, 30 de abril de 2017

Sobre a vida e a sua alegria, de acordo com José Tolentino Mendonça



"Resmungamos com a vida. Falta-lhe alguma coisa, nunca nada é perfeito, nada está acabado ou resolvido. É como se estivéssemos a jogar um jogo insolúvel: se temos o poço, falta-nos a corda; se temos a corda, falta-nos o balde; se temos a corda, o balde e o poço, falta-nos a força de ir até ao fundo da nascente buscar a água que nos dessedente. (...) Cada um de nós tem tudo o que precisa para experimentar a alegria. Não é um problema de conhecimento, é uma questão de olhar. Olharmos para o que somos e para o que nos rodeia com um coração simples, capaz de perceber o dom que nos habita. Pois, se encostarmos o ouvido até mesmo junto das nossas maiores derrotas compreenderemos que a nossa vida canta!"
José Tolentino Mendonça. "Do uso do fracasso".
(Expresso - revista E: nº 2322, 2017-04-29, pg. 94)
Foto: Convento dos Capuchos, Sintra

sábado, 17 de janeiro de 2015

Máximas em mínimas - Anselmo Borges




Três recomendações numa citação de Anselmo Borges, todas sobre a vida, sobre um programa de vida. Uma resposta à pergunta "Se tivesse que passar apenas uma mensagem curta a cada homem e mulher, qual seria?", que integra o questionário dirigido por Inês Maria Meneses a este teólogo, padre, filósofo e autor de várias obras, publicado na revista do Expresso de hoje.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Máximas em mínimas - Alexandre Dáskalos


Eu – “O meu íntimo é uma catedral / que ninguém viu.”

Silêncio – “Só no silêncio a vida se descobre.”

Procura – “Sempre haverá o que se busque / embora o que se busque não se encontre.”

Vida – “Só existe / o que amanheceu. / (…) // A vida banhada em Sol é que dá vida.”

Alexandre Dáskalos. Poesia.
2ª ed. Col. “Autores da Casa dos Estudantes do Império”.
Lisboa: União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa – UCCLA, 2015
[colecção em publicação pelo semanário Sol]

sábado, 28 de dezembro de 2013

Máximas em mínimas - Afonso Cruz


Depois de ler Afonso Cruz, em Os livros que devoraram o meu pai – A estranha e mágica história de Vivaldo Bonfim (Alfragide: Editorial Caminho / Leya, 2010), um percurso por muitas leituras e pelo que delas ficou, eis frases que são marcadores:

Árvore – “Para uns, a raiz é a parte invisível que permite à árvore crescer. Para mim, a raiz é a parte invisível que a impede de voar como os pássaros. Na verdade, uma árvore é um pássaro falhado.”
Consciência – “É dentro da sua cabeça que todos os homens são livres ou condenados.”
Homem – “Nós somos feitos de histórias, não é de a-dê-énes e códigos genéticos, nem de carne e músculos e pele e cérebros. É de histórias.”
Humano – “Se há seres vivos desumanos, só mesmo os humanos. Resultado: os animais humanizados tendem a voltar à sua condição primitiva, a de animais.”
Memória – “As memórias são a perspectiva do passado, mas não são a mesma coisa. Elas mudam com o tempo, não são crónicas postas em papel e descritas objectivamente com rigor. São coisas emotivas que variam a cada vez que são lembradas. As memórias são repensadas e vão-se tornando outra coisa. (…) As nossas memórias nunca são verdadeiras ou absolutamente verdadeiras, são apenas uma interpretação. Existem outras e ao longo dos anos vamos vendo o passado a uma luz diferente. As nossas memórias vão sendo vistas de diferentes perspectivas, conforme aquilo que aprendemos e conforme aquilo que sentimos no instante em que as relembramos.”
Vida – “A vida, muitas vezes, não tem consideração nenhuma por aquilo de que gostamos.”

sábado, 21 de dezembro de 2013

Máximas em mínimas - Almada Negreiros

Depois de reler Almada Negreiros, em Nome de guerra (escrito em 1925 e só publicado em 1938)...

Amar – “Quando se gosta de alguém, gostar, gostar a valer, a gente não sabe mais nada neste mundo senão que gosta dessa pessoa. (…) Vão os dois para toda a parte, com ou sem dinheiro, andam juntos. Gostar é gostar.”
Autobiografia – “O trabalho para a autobiografia não é mais do que evitar aquilo a que outros nos quiseram forçar.”
Família – “Temos todos as nossas árvores genealógicas do mesmo tamanho. Lá no tamanho das árvores somos todos iguais. Mas é precisamente nas árvores que está a nossa diferença. Vê-se perfeitamente que a cada um aconteceu qualquer coisa que não se passou com mais ninguém. E aconteceu-nos antes ainda de nós termos nascido. É a árvore genealógica. Esse segredo do nosso segredo. Esse mistério do nosso mistério. Nós somos hoje o último fruto dessa árvore secular, secularmente secular!”
Lealdade – “Quando os inimigos se igualam, e igualadas as forças dos adversários, já não há outras esperanças senão as que ficam fora do terreno da lealdade.”
Mulher – “A mulher sabe perfeitamente melhor o efeito que produz nos homens do que o homem nas mulheres.”
Palavra – “O número de palavras não é infinito, mas é infinito o número de efeitos, conforme a disposição das palavras. Com vinte e seis letras do alfabeto escrevem-se todos os idiomas e não ficam escritas todas as palavras nem definitivos os dicionários.”
Realidade – “Não há mestre mais categórico do que a realidade a seco.”
Separação – “Quando duas pessoas separam as suas coisas que estiveram juntas, o que é de cada um é tão pouco que ainda é menos do que antes de conhecer aquele de quem se separa.”
Sinceridade – “Ninguém no mundo se pode queixar de ter sido vítima da sua sinceridade. O que pode é cada um ficar surpreendido com o facto de a sua sinceridade o ter levado mais longe do que lho permite a sociedade.”
Solidão – “O horror de estar só no mundo apenas o podem sentir aqueles que já perderam o melhor que tinham e não conseguem a certeza de nada.”
Verdade – “Aqueles que pretendem ver a verdade e não tiram os olhos de cima dela acabam por esquecer-se que a querem ver e ficam só a olhar para ela; mas os que fazem por esquecê-la, quanto mais se esforçam por distrair-se mais a verdade os agarra pelos pulsos e lhes fala cara a cara.”
Verdade – “Quem pensa sozinho não quer senão a verdade, as justificações são por causa dos outros.”
Vida – “Há vidas que é preciso encher com qualquer coisa de vez em quando.”
Vida – “São tão diferentes as idades da vida de cada um que quem não vai por essa diferença é porque parou numa delas. As idades da vida não se passam por alto; ou se vivem ou ficam por viver.”

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Manuel Medeiros - a derradeira mensagem do "Livreiro Velho"



A mensagem final de Manuel Medeiros. Um testemunho que comoveu os presentes no Forum Luísa Todi, em Setúbal, na tarde de domingo passado, quando se concluía o espectáculo de homenagem aos 40 anos da livraria Culsete. Na manhã de 4ª feira, Manuel Medeiros partia...
Um texto para guardar. Para ouvir muitas vezes. Para se transcrever. Não só por lembrança e por memória. Pela mensagem. Pela essência. Por obrigação. Porque sim. Grande Manuel Medeiros!

domingo, 26 de maio de 2013

O que fazemos do tempo quando nos deixamos arrastar por objectivos, resultados, pressas ou o que o tempo faz de nós


A nossa relação com o tempo e do tempo connosco, a necessidade da lentidão, a urgência de pensar e de reprimir a velocidade e a pressa das nossas vidas. Um texto bem interessante de José Tolentino Mendonça, na "Revista" do Expresso de ontem.


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Luis Sepúlveda e a história de um gato e de um rato



            No dia em que Max decidiu pela escolha de Mix na Sociedade Protectora dos Animais de Munique, não sabia que essa opção poderia ser a origem de um livro como esta História de um gato e de um rato que se tornaram amigos, de Luis Sepúlveda (Lisboa: Porto Editora, 2013, com ilustrações de Paulo Galindro).
            Pelo título, o leitor é de imediato levado para as aventuras no relacionamento entre um gato e um rato, questão já habitual e nada surpreendente, haja em vista a expressão idiomática portuguesa “o gato e o rato”, que tanto exprime os desentendimentos contínuos como a falta de transparência ou o jogar às escondidas conforme as conveniências, ou relembre-se o leitor dos pares já clássicos da animação formados pelo gato Tom e pelo rato Jerry ou pelo rato Speedy Gonzalez e pelo gato Benny…
            No entanto, essa é apenas a impressão que nos pode deixar o título, pois a história de Mix vai além desses estereótipos, a começar pela sua própria figura, esteticamente superior. O próprio autor encarrega-se, no texto de abertura, “Umas palavras sobre esta história”, de nos desfazer esses mitos: “Quando conheci o pequeno Mix, o gato que o meu filho, Max, adoptou na Sociedade Protectora dos Animais de Munique, fiquei admirado com a sua enorme nobreza, apesar de não ser maior do que a minha mão. Mix cresceu e com ele o meu assombro porque tinha um focinho diferente de todos os outros gatos. Tinha um perfil estilizado, grego, que chamava a atenção. Mix teve um destino estranho que seria a causa de um grande sofrimento para qualquer outro gato, mas ele manteve sempre o seu bom humor, que exteriorizava ronronando.”  
            Um gato diferente, pois, numa história que celebra essa diferença. Esta narrativa de Sepúlveda é sobretudo uma história sobre a amizade, um percurso em que as personagens – Max e Mix, primeiro, e Mix e Mex, depois – ilustram uma espécie de mandamentos da amizade, uma lista que se aproxima do “decálogo” dos “verdadeiros amigos” que impõe: 1) “entreajudam-se, ensinam-se mutuamente, partilham as vitórias e os erros”; 2) “velam pela alegria [e] pela liberdade um do outro”; 3) “compreendem as limitações do outro e ajudam-no”; 4) “partilham o silêncio”; 5) “cuidam sempre um do outro”; 6) “partilham os sonhos e as esperanças [e] também partilham as pequenas coisas que alegram a vida”; 7) “quando estão unidos, não podem ser vencidos”; 8) “ajudam-se mutuamente a superar qualquer dificuldade”; 9) “partilham o melhor que têm”; 10) “Nunca, nunca, devemos enganar os amigos”.
A interligação entre as várias personagens é de tal forma intensa que o narrador começa a história de uma forma assertiva como esta: “Poderia dizer que Mix é o gato de Max, embora também pudesse afirmar que Max é o humano de Mix”. Mais lá para a frente no desenrolar dos acontecimentos, entre Mix e Mex haverá também um espantoso cruzamento, que, no termo do livro, é assim definido: “Mix viu com os olhos do seu pequeno amigo e Mex tornou-se forte com o vigor que emanava do seu amigo grande.”
Uma história simples, em que os animais impressionam os humanos, tal como aconteceu com o limpa-chaminés que, no final, fica confuso porque lhe pareceu ver, no telhado de uma casa, “um gato de perfil grego e um rato a admirarem o pôr do sol, e o mais curioso é que o gato parecia ouvir atentamente o rato”! Uma fábula que intensifica os valores da amizade num tempo em que tais valores devem ser bem apregoados contra o ódio que vai minando as formas de viver… e que justifica a advertência feita por Sepúlveda na nota introdutória: noutras circunstâncias, o velho Mix muito teria sofrido com aquilo que a vida lhe arranjou e o final da sua história seguiria o eixo da tristeza.

Sublinhados:
Voar – “Nenhum pássaro sabe voar quando nasce, mas, quando chega o momento em que o apelo do ar é mais forte do que o medo de cair, a vida ensina-os então a abrir as asas.”
Vida – “A vida mede-se pela intensidade com que é vivida.” 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Fragmentos 01 - A vida



O homem terminou a sua conversa ao balcão com a frase “Pois, a vida é um problema…”, sem que os outros presentes tivessem percebido a que se referia o sujeito. Ao virar costas, ainda desejou “boas festas”, assim como quem cumpre um ritual, que a época propicia. E veio dizendo “é um problema” e mais “a vida é um problema” e ainda “um grande problema”. Aproximou-se de um que estava à espera de ser atendido, sorriu-lhe e perguntou “não acha que a vida é um grande problema?” O ouvinte, surpreendido, embasbacou e sorriu. O falador prosseguiu caminho rumo à porta de saída enquanto repetia “a vida é um problema, um grande problema…”
Saiu e foi ter com a vida… ou com um grande problema!

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Máximas em mínimas (88) - Salvador Peres


Ser (e parecer) – “Nunca se é diferente daquilo que se é (…). Acontece algumas vezes que parecemos aquilo que não somos (…)! E essa mudança é enganadora, pois não só se engana o outro, como, às vezes, também nos enganamos a nós próprios, que amamos muito ser enganados.”
Esperar – “Uma longa espera é ocasião para uma profunda reflexão filosófica.”
Vida – “Nem sempre a vida nos corre da forma que mais gostaríamos. Mais tarde ou mais cedo, ventos contrários vêm varrer, com a violência das tempestades tropicais, a harmonia e a temperança da nossa existência.”
Salvador Peres. A vingança da ferramenta (1991)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

António Oliveira e Castro: "Tambwe" ou o mundo pelos olhos de Eugénio

O mais recente romance de António Oliveira e Castro, Tambwe – A unha do leão (Lisboa: Gradiva, 2011), com ilustrações de Nuno David, é uma história que prende o leitor ao trajecto de uma personagem como Eugénio, figura que, ora procura a morte, ora assume o seu trajecto sozinho, ora peregrina até às raízes. A história é intensa e o leitor é convidado a passar por paisagens diversas, europeias (Portugal, França) ou africanas (Angola), por corredores diversificados de uma sociedade que nem sempre se rege pelos melhores princípios, convivendo com figuras da baixa política, com revolucionários, com mercenários, e tendo momentos de paragem, também fortes, em pensares de tempos de solidão ou em reflexão com figuras que constroem e se alojam na identidade.
É uma história dramática, em que o narrador dialoga com o leitor, tentando convencê-lo da verosimilhança das situações e levando-o a pensar a actualidade, o papel da política, o encaminhamento do mundo, o ser cidadão. É uma história dolorosa, com desvios e demandas, mortes e utopias, caos e ordem, poesia e horror, em que a liberdade e a prisão coexistem e a fragilidade do mundo e dos sistemas é posta à prova. É a história de uma solidão sempre e sempre testada, numa fuga ao tormento.
Sublinhados
Palavras – “As palavras, por maior que seja o seu conteúdo, não têm peso, sustentam-se de aparentes levezas, da aragem dos êxtases.”
Mistério – “Nem sempre o universo do homem se pode resumir ao encontro com a razão, na equação entram outras incógnitas, indecifráveis e misteriosas.” 
Faltas – “O que mais há na terra é paisagem e o que mais falta é o amor.”
Escrever – “Nenhum escritor escreve sobre acontecimentos insignificantes, procura sempre o lado sombrio, sujo, sanguinolento, colérico e escondido do Homem; descreve os campos de batalha onde se fuzilam os inocentes e assinam acordos de paz com os generais; o artífice da palavra relata, com a emoção de que é capaz, a loucura dos heróis, o medo dos cobardes; leva-nos até aos que jazem, na agonia da morte, debruçados sobre a terra que lhes escuta o lamento; faz-nos tropeçar nos corpos dilacerados que se espalham sobre os degraus dos edifícios em ruínas.”
Amor – “O amor é um fenómeno muito mais complexo que a morte; enquanto um regenera, o outro remete para o esquecimento.”
Vida – “Mesmo a vida mais verdadeira não passa do resultado do acaso, a que só a fé dos homens confere normalidade.”
Gerações – “O mundo acaba apenas para velhos que já não são capazes de se transformar, continua para os jovens generosos e sonhadores, que precisam de mudança.”
Futuro – “Nada, nada mesmo, obedece à lógica; apenas a aventura, o perigo, o risco, o sucesso imprevisto comandam o futuro.”
Castigo – “Os castigos são sempre subjectivos. Dependem de quem está no poder. Herói se vencer, traidor se for derrotado.”
História – “A história despreza os seus actores, reescreve-lhes o drama a seu bel-prazer; a qualquer instante pode matar num jogo de contradições, de paradoxos, de ironias, de injustiças; oportunista, caminha sobre uma estrada de cadáveres.”
Guerra – “A guerra não distingue os homens; tanto se lhe dá que sejam honestos ou assassinos, jovens ou velhos, pouco lhe importa que se encontrem exaustos ou frescos. Aliás, a violência tem especial predilecção pelos mais incautos, pelos mais fracos.”
Actor – “Apenas quando encarnam personagens que um qualquer dramaturgo inventou, os actores são belos, sedutores, insuspeitos, assim que abandonam o palco e a ribalta regressam à miserável condição humana que os agasalha.” 
Pátria – “Para que precisamos de nações? Os cidadãos precisam é de paz!”
Povo – “A história dos povos tem as suas regras, o seu tempo lento, mas as mudanças são muito mais definitivas quando a violência da guerra se torna conselheira da razão e das emoções.”
Trincheira – “Nas trincheiras, sempre morreram os jovens crédulos, cadáveres  condecorados com a crueldade do martírio. Indiferentes à hecatombe, os proprietários da pátria, latifúndio com milhares de hectares, que fazem crer ser também nossa, oferecem-nos o privilégio de lhes amanharmos o solo, de lhes produzirmos a riqueza.”
Horizonte – “A dimensão dos homens vê-se para onde olham, se para o umbigo, se para a montanha.”
Ambição – “Os homens, quando guiados apenas pela ambição, perdem a noção da realidade, escutam o umbigo quando tudo à volta se desmorona.”

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Nos 80 anos de Jorge Figueira de Sousa, o livreiro

O livreiro funchalense Jorge Figueira de Sousa completa hoje 80 anos de idade. De livreiro tem 65 anos, acrescidos dos genes e da história da livraria que mantém – “Tenho 165 anos de prática de livraria – 50 do meu avô, 50 do meu pai e 65 meus.” Parabéns!
Um caso. Sobretudo num tempo em que os livreiros escasseiam. Um caso. Que vale a pena partilhar e testemunhar. Em duas semanas, o blogue Encontro Livreiro promoveu uma exposição, dirigida a individualidades políticas várias reclamando a homenagem merecida para Jorge Figueira de Sousa, subscrita por leitores, livreiros, editores, tradutores, professores, etc. Entre os signatários, estão Marcelo Rebelo de Sousa, Viriato Soromenho-Marques, Miguel Real, Onésimo Teotónio de Almeida, José Agostinho Baptista, Maria do Rosário Pedreira, Pedro Tamen, Ernesto Rodrigues, José Tolentino Mendonça, Urbano Bettencourt e muitos outros. E dois nomes a não esquecer, pois foram eles o motor da iniciativa: Luís Guerra e Manuel Medeiros, um e outro com vidas dedicadas aos livros.
Até à meia-noite de hoje, ainda pode integrar este grupo… e ser mais um a felicitar Jorge Figueira de Sousa e o projecto da Livraria Esperança, no Funchal. Vale a pena participar nas homenagens das boas causas!

domingo, 2 de outubro de 2011

Verdades de Rui Zink

A propósito da publicação do seu mais recente romance, O amante é sempre o último a saber, Rui Zink é entrevistado na edição deste mês de Os Meus Livros (Antanhol: CELivrarias, nº 103), em conversa conduzida por João Morales. É daí que reproduzo os seguintes excertos:
Espaço Virtual e Misticismo – “Quantas pessoas há na igreja e quantas estão online? Outro inquietante sinal dos tempos: começo a ver mais taxistas ao telemóvel do que com emblemas do Benfica.”
Vida e Realidade Virtual – “Cada vez mais, cabeças e corações vão estar mais separados do corpo, como não se via desde a corte de Henrique VIII. O lado bom é que o índice de doenças venéreas vai diminuir entre os jovens. O lado mau é que os vírus de computador vão passar a provocar herpes.”
Futuro – “Somos uma espécie tramada. Pelo menos os homens, que são quem mais tem mandado nisto tudo. Pessoalmente, acho que não somos bons para ninguém excepto quando estamos a ler um livro. E mesmo assim, depende do livro. Por alguma razão hoje quem mais lê são as mulheres. Benditas mulheres. Deus existe? Sim, mas existiria ainda mais se fosse no feminino. Não seria tão bom podermos dizer que, mais do que amor, Deus é amora?”
Ironia e Humor – “Acho apenas que há muito pouca coisa verdadeiramente grave, e devemos guardar os nós na garganta para essas ocasiões. Entre outras coisas, o humor é uma força moral, no triplo sentido da palavra: traduz uma ética, dá ânimo, desmascara hipocrisias. Mais económico e mais limpo não há.”

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Antonio Tabucchi, «Mulher de Porto Pim»

Mulher de Porto Pim é um livro de Antonio Tabucchi (Lisboa: Difel, 1986) que tem como motivo os Açores, escrita que surge como resultado de uma estadia no arquipélago, ainda que não se trate de um diário de viagem (“género que pressupõe tempestividade de escrita ou uma memória impermeável à imaginação que a memória produz”).
Aqui se fala de naufrágios, dos baleeiros, da caça à baleia (valendo a pena comparar a narração de Tabucchi com a que Brandão também nos legou em As Ilhas Desconhecidas, da década de 1920), de conversas ouvidas, de histórias contadas e de Antero, essa figura que “sofria de infinito”.
Há história e impressões, há experiência de viajante e de curioso. E há anúncios que passam pela história das baleias e dos açorianos – a baleia como arquétipo e a premonição do fim dos baleeiros (no final do episódio da caça, quando o velho Carlos Eugénio quer saber o motivo de o visitante ter querido participar na saga, há a hesitação e o desabafo: “talvez porque ambos estão em extinção, digo-lhe por fim em voz baixa, vocês e as baleias, penso que foi por isso.”) E há uma narrativa, confiada pelo narrador Lucas Eduíno, que toma para título o homónimo do livro – “Mulher de Porto Pim”, história de Yeborath, cume de beleza, morta com um arpão, narrativa a que não falta a intriga amorosa, a prisão, a morte, o sentimento da traição, o triângulo amoroso, numa acção algo ao gosto camiliano. E há, no final, como “post scriptum”, a personificação num texto como “A baleia que vê os homens”, algo irónico, que deixa o cetáceo a pensar sobre os homens: “percebe-se que são tristes”.

Marcadores

Histórias - «Todas as histórias são banais, o importante é o ponto de vista.»
Curiosidade - «A curiosidade é sempre um óptimo guia.»
Vida - «Por vezes, os passos da nossa vida podem ser guiados pela combinação de poucas palavras.»
Livros - «Todos os livros são estúpidos, há sempre pouco de verdadeiro neles, e contudo li muitos nos últimos trinta anos.»
Mulher - «Uma casa sem uma mulher não é uma verdadeira casa.»
Traição - «A traição verdadeira é quando sentes vergonha e desejarias ser outro.»

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Máximas em mínimas (67) - Dulce Maria Cardoso

Tempo – "O tempo perde importância à medida que escasseia. Quanto mais escasso menos valioso. Deve ser a única coisa que vale menos à medida que se torna mais rara."

Vida – "Quase todas as vidas dariam maus livros por causa das verdades absurdas de que se fazem.”

Reparar – "Não se repara no que se viu fazer desde sempre."

Passado – "Os passados só se tornam acessíveis se os mapas os assinalarem e se para lá houver caminhos.”

Assinatura – "A nossa letra compromete-nos quase tanto como o nosso sangue. Um nome assinado torna-nos proprietários. Ou desapossa-nos. Riscos feitos por uma mão. Riscos que não valem nada e que afinal são os que os fazem."

Livros – "Os livros oferecem-se sem escolha a todos os que os quiserem ler. E, se redimem, fazem-no de forma tão caótica e tão insondável que ninguém poderá ter nisso qualquer esperança. Talvez os livros escrevam direito por linhas tortas. Como Deus."

Dulce Maria Cardoso. "A Biblioteca". O Prazer da Leitura. Lisboa: Teodolito / FNAC, 2011, pp. 101-119.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto VII

* “As circunstâncias insólitas ocorrem por vezes apenas para interromper a redundância dos dias: o destino não é maldoso: aborrece-se; quer ser criativo, inventa.” (est. 2)
* “São importantes as teorias, mas convém não esquecer os sentimentos.” (est. 7)
* “É a História de um país que dá a intensidade da ligação da árvore à terra. E cada país é uma árvore.” (est. 17)
* “O mundo não é claro e depois escuro, o mundo, cada pedaço dele, é claro e escuro.” (est. 21)
* “Do início da Europa ao fim do mundo o mundo é igual: ambíguo como tudo o que enoja e atrai.” (est. 32)
* “O consumo, por mais que o repitam, não é invenção do capitalismo: os deuses formaram homens incompletos, com estômago, frio e vaidade, como queriam outro resultado?” (est. 41)
* “Entre a ética de um santo e de um canalha, as diferenças são mais de direccionamento da habilidade.” (est. 45)
* “O que enoja varia menos, ao longo do universo, do que aquilo que entusiasma.” (est. 47)
* “A arte que repete o mundo e a realidade, que os copia como um principiante com a língua de fora a desenhar no papel a cadeira que está à sua frente, essa arte é errada, imbecil, inútil, decadente, miserável, mesquinha, vazia, estúpida, e fica bem nos catálogos.” (est. 55)
* “Os números não são compatíveis com melancolias, qualquer número a nível do coração é zero.” (est. 62)
* “Entre dois dias grandes há dias pequenos, e nesses dias individuais secretos reside a outra metade de um ser vivo.” (est. 66)
* “Um homem é as dez palavras fundamentais que usa, os três amigos que tem e as cinco acções mais importantes que fez.” (est. 67)
* “Uma casa pequena é uma casa essencial. O que não cabe numa casa pequena não é indispensável para a alegria, e o que não é indispensável para a alegria é dispensável.” (est. 73)
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto IV

* “Como a estaca de madeira que marca um limite importante, a lucidez é uma qualidade que modera os movimentos.” (est. 3)
* “O desespero vê, no metro quadrado onde está, o metro quadrado que tem ao seu dispor; o de olhos optimistas vê, do metro quadrado onde está, o restante mundo, o vasto mundo.” (est. 14)
* “Um fracasso excelente produz inumeráveis formas de um homem se levantar.” (est. 22)
* “A mulher é certamente um elemento humano fora do comum: as casas só não envelhecem porque ela existe. Um cuidado feminino suporta a construção (como o cimento). Uma casa só não cai, se dentro dela existir alguma delicadeza.” (est. 27)
* “Os caixões existem porque são requisitados, e em tempo de guerra o número de pedidos transforma a própria terra num caixão natural.” (est. 36)
* “Todos os vencidos amaldiçoam a guerra, mas os vencedores sensatos também. (…) A conclusão é evidente: a guerra foi inventada por insensatos ou distraídos.” (est. 44)
* “A vida é um objecto rudimentar, tosco, disforme, que nunca os homens entenderam como agarrar. Ainda nem sequer perceberam qual o lado de cima desse estranho objecto. Ainda mal pousaste as mãos sobre a vida e já a vida pousou fortemente as mãos sobre ti.” (est. 50)
* “As folhas caem das árvores altas mais lentamente que um avião, de bem mais alto, num desastre.” (est. 53)
* “Um homem quando dorme está mais próximo da astronomia que da sua cama propriamente dita.” (est. 67)
* “Em qualquer ponto do mundo a velhice mete dó, mas a compaixão provocada nos outros varia de acordo com o hemisfério.” (est. 71)
* “Para deixar de sentir frio não basta olhar para o céu ou para a fotografia de um incêndio: o Inverno prossegue e é independente do local para onde direccionamos os olhos.” (est. 75)
* “Deve chegar-se cansado ao sítio onde se quer envelhecer, pois se chegarmos fortes ainda, e impacientes, arrancaremos de novo. E falharemos o destino.” (est. 80)
* “Um homem não conhece a sua verdadeira ambição até passar por uma tragédia forte, uma tragédia individual. Só se sabe olhar, depois de se aprender.” (est. 97)
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto III

* “Antigamente, uma grande cidade era o sítio onde vivia um excelente filósofo, agora uma grande cidade é aquela que tem muitos cidadãos em idade de votar e, pelo menos, um edifício com 140 andares. Se no meio dos 15 milhões existir um homem que pensa: excelente, sim, é certo, mas não indispensável.” (est. 16)
* “As mulheres sempre foram mais minuciosas na vingança. Folheiam-na sem saltar uma página. E tratam das unhas antes de pegar no machado. Pelo contrário, um homem com raiva e ressentimento é atabalhoado, desastrado, incapaz de encontrar a pronúncia perfeita da violência, como se pegasse em ferramentas despropositadas: a charrua para arrancar uma flor, o martelo para ver mais perto.” (est. 27-28)
* “O homem pensa a Natureza como se esta fosse uma mesa a que pode cortar uma das pernas para a endireitar.” (est. 36)
* “O ódio não necessita de grande tecnologia de suporte: bastam duas mulheres para um único homem, ou dois homens para um único território.” (est. 48)
* “Tantos se espantam com o facto de o amor ocorrer em seres vivos de idades muito diferentes, e nenhum assombro perante a bem maior diferença da idade que o ódio liga.” (est. 50)
* “Fazer e desfazer: as duas rectas mais paralelas da espécie humana. Nunca se cruzam.” (est. 64)
* “Ninguém é capaz de se acorrentar a um dia de sucesso como um cão a um poste. Os dias são, em geral, móveis, um autocarro que não pára.” (est. 73)
* “As derrotas devem surgir enquanto somos novos e fortes, pois aí os insucessos fortalecem, enquanto mais tarde poderão enfraquecer.” (est 74)
* “Agir é coisa longa que começa quando aprendemos a caminhar e termina apenas quando morremos ou quando já não temos inimigos.” (est. 79)
* “Bomba subtil e lentíssima, a velhice, a mais primitiva guerra que a Natureza nos declarou.” (est. 85)
* “Uma flor encolhe os ombros quer seja cheirada por uma linda menina de seis anos ou pela fealdade absoluta. Para a bela flor a beleza é insignificante.” (est. 88)
* “Vigiai os crápulas e vigiai os homens que falam manso; há no excesso de fragilidade exibida a preparação de uma maldade.” (est. 99)
* “A legislação de um país é um tratado de paz entre os seus habitantes, mas o ódio entre os homens é bem mais estável do que as leis que os homens estabelecem. Porque o ódio é uma lei da natureza.” (est. 110)
* “A vida é isto: a lua está mais próxima de alguns homens que treinam para astronautas que um prato quente da boca de outros homens. É aquilo a que podemos chamar: distâncias relativas.” (est 114)
* “O amor será útil internamente, mas externamente não carrega um tijolo.” (est. 137)
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto II

“Embora a humanidade demore tempo a chegar a um sítio, devido a imprevistos espantosos e a obras no caminho, a natureza, essa, nunca se atrasa.” (est. 1)

“Um homem pode demorar mais tempo a percorrer a minúscula casa da mulher que deseja do que a atravessar o mundo, de uma ponta à outra, com mochila às costas.” (est. 5)

“As pessoas aperfeiçoam mais os engenhos mecânicos da corrupção e das traições mesquinhas que os da hospitalidade.” (est. 31)

“Quando numerosos, os homens, os animais, as plantas, as pedras e até as máquinas perdem a higiene do raciocínio individual.” (est. 32)

“O Destino não é uma decisão unívoca de um tribunal que só sabe desenhar linhas rectas.” (est. 41)

“O mundo, como qualquer outra coisa, apenas se torna belo quando pela beleza é olhado.” (est. 42)

“Cada língua poderá ser definida como um modo especializado de interromper o silêncio.” (est. 80)

“Um estrangeiro é sempre uma novidade, tanto verbal como no número de hábitos que traz para a paisagem.” (est. 85)

“A vaidade tem um único sentido, não expira. É substância que um atira para dentro de si mesmo, e aí fica, engrossando-o de nada e coisa nenhuma.” (est. 97)

“No fundo, cada vida, no geral, não é mais do que um estilo literário.” (est. 101)

Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.