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sábado, 20 de outubro de 2012

Memória: Manuel António Pina (1943-2012)


HOMENAGEM A MANUEL ANTÓNIO PINA

Uma nuvem carregada de palavras escuras, negra sombra ao cabeçalho do jornal, 
Um poeta morreu, palavras secas, o negro do céu num amarelo triste como o entardecer, pálido,
Quando um poeta morre secam-se fontes, murcham as flores silvestres, e as outras, calam-se os pássaros,
Carrega-se o céu de chumbo e a alma de tristeza, fogem os anjos, tapam-se as musas de luto de inverno,
Choram as crianças e não sabem porquê, os velhos sentem-se mais sós, vê-se o amor pelo fio líquido caído pelo rosto, 
Está morto, o poeta, e as suas palavras caminham pelas bocas e arrepiam as nucas, percorrem-nos os fios de cabelo, até por onde o pensamento as levou, 
Cegam-nos o interior ilusório e não nos deixam sonhar, porque quando morre um poeta, morrem com ele todos os sonhos dos nossos mundos fingidos,
Órfãs, as palavras do poeta recolhem-se ao cunho eterno do vento soprado pelas bocas com fome das outras palavras que lhe faltaram, ao poeta, escrever,
Baú vazio, repleto de páginas negras, por nelas, o poeta, jamais poder de novo pousar a sua pena, porque morreu, reflectindo a nossa outra pena, a pesarosa, a que com ele repousa, da treva a prosa.
José Nobre

domingo, 27 de maio de 2012

Da presença de Urbano Bettencourt em Setúbal hoje



A livraria sadina Culsete brindou o seu público de hoje com uma excelente sessão a propósito do livro África frente e verso do escritor português e açoriano Urbano Bettencourt (Letras Lavadas, 2012).
Foi bom estar presente numa sessão como esta, onde se pôde ver e ouvir pessoas e manifestações tão interessantes como: o actor Fernando Guerreiro e a sua leitura emocionada; o actor José Nobre e a excelência da sua leitura dramatizada; o livreiro Manuel Medeiros e a sua comoção literária, açoriana e amiga; o muito bom texto de apresentação sobre o livro em discussão lido pela Fátima Medeiros; o bom dizer da açorianidade conjugado com a literatura portuguesa na voz de Olegário Paz; a simplicidade e espontaneidade certeira e madura na apreciação de Eduíno de Jesus; a singeleza e a força literária de Urbano Bettencourt; a presença da palavra escrita e genuína de Onésimo Teotónio Almeida, fisicamente ausente mas a sobrevoar com a sua argúcia e o seu humor no que à literatura e à vida diz respeito.
Muito bom ambiente, muito boa literatura, muito bom serviço à causa e ao fascínio literário foi este que o Manuel e a Fátima Medeiros prestaram através da Culsete!
E quanto a Urbano Bettencourt não há dúvidas de que se está perante um muito bom escritor, com excelente trabalho sobre o equilíbrio da palavra, a merecer destaque e reconhecimento indispensável a nível nacional. O livro apresentado é uma boa prova disso, sobretudo agora que passam quatro décadas sobre o início do percurso de escrita do autor, detentor de assinalável bibliografia, iniciada em Setúbal, na primavera de 1972, com Raiz de mágoa.
[na foto: Fátima Medeiros, Fernando Guerreiro, Urbano Bettencourt, Olegário Paz e José Nobre.]

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Para a agenda: Urbano Bettencourt em Setúbal


Na Culsete, em Setúbal, Urbano Bettencourt vem apresentar África frente e verso. É em 27 de Maio, domingo, pelas 16h00. Associe-se o feito dos 40 anos de escrita literária do poeta, que foram iniciados em Setúbal com a obra Raiz de mágoa (Setúbal: ed. Autor, 1972). Os actores Fernando Guerreiro e José Nobre vão ler textos.
É um convite...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Lembrar Rui Serodio (2) - Tributo a Rui Serodio, por José Luís Nobre

Sábado, 22 de Outubro de 2011.
Ainda a consciência estava trôpega, espreguiçando o corpo e adaptando a mente aos firmes traços da realidade, já o telefone tocava. Não conhecia o número mas atendi. Tinha acabado de dizer bom dia à vida, do outro lado contaram-me da morte de um amigo. Desliguei, senti uma súbita pancada na cana do nariz, foi essa a sensação, e os soluços compulsivos que se seguiram esclareceram-me do que já suspeitava há algum tempo – o Rui Serôdio não era só um amigo. Era meu avô, pai, o tio que ensinava música e coisas da vida, e ainda o irmão mais novo (!) que recebia conselhos, atento, como um miúdo que não se cansava de tentar aprender a desenlear os nós tramados do amor e da amizade.
As causas do sucedido deixaram-me estupefacto pois ele teve o extremoso cuidado de poupar os amigos a qualquer sobressalto, e por isso o choque foi muito maior para todos. Para o Rui seria desnecessário que andássemos por aí preocupados, ele sabia que havíamos de receber notícias brevemente, fossem elas boas ou más.
Com ele percorri um caminho de trabalho, de estudo, de amizade e de generosidade cultural que muito me enriqueceu artisticamente e pessoalmente. Estou-lhe grato pelo que aprendi, honrado e orgulhoso pela nossa parceria, e devassado pela sua perda – o mundo (Cidade de Setúbal naturalmente incluída) ficou com menos um homem bom.
Domingo, 23 de Outubro de 2011
Mais de uma centena de amigos, familiares, conhecidos e admiradores juntaram-se no Cemitério da Paz para a cerimónia do derradeiro adeus.
O Outono, que pedira emprestado o sol que o Verão desperdiçou, parecia apreensivo como se de ontem para hoje, tal como os presentes, tivesse bruscamente alterado os seus humores. A cerimónia prosseguiu, rezou-se, vimos desaparecer o caixão coberto pela terra. Chorámos, e o céu juntou-se a nós no pranto.
Rui Serôdio, Eterna Amizade, Eterna Saudade!
José Nobre

Lembrar Rui Serodio (1)

Rui Serodio é um daqueles nomes que quero não esquecer. Pela amizade que me dispensou, pelo que lhe vi dar pela arte, pela atitude humana e cívica que sempre demonstrou, pela rota que sempre o vi seguir. Quero ter memória para o lembrar e para ouvir a sua música.
Esta introdução vem a propósito de dois testemunhos que recebi, originários de duas pessoas que privaram com o Rui - o actor José Luís Nobre, do TAS (Teatro Animação Setúbal), e o empresário e produtor Jorge Calheiros. São duas pessoas de quem o Rui sempre me falou com a maior veneração, ainda antes de eu ter conhecido pessoalmente qualquer um deles. Depois, acabámos por nos cruzarmos no projecto conjunto do cd com os textos de Sebastião da Gama e, a partir daí, lançar pontes de amizade.
Partilho com os leitores esses dois testemunhos. Por aquilo que eles são de retrato e de sentimento e porque, provavelmente, encontrarão eco no que muitos dos amigos do Rui também sentem e sentiram.