Mostrar mensagens com a etiqueta Álvaro Arranja. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Álvaro Arranja. Mostrar todas as mensagens

sábado, 26 de maio de 2018

Setúbal: A "cidade vermelha" que Albérico Costa nos lembrou



Quando, em 1610, Duarte Nunes de Leão publicou a sua obra Descrição do Reino de Portugal, deixou-se ofuscar pelas cores que dominavam a construção da cidade sadina: “Na vila de Setúbal há uma pedra de várias cores, convém a saber branco, vermelho, encarnado, toda feita de remendos como seixinhos, que parece que se pegaram com a mão e que não nasceram assim, a qual a gente vulgarmente e erradamente chama jaspe, por aquela diversidade de cores. Desta pedra está edificada toda aquela grande vila (...). A que é sólida e maciça e que acerta não ser variada, mas fica só em vermelho, parece verdadeiro pórfido.” Nunes de Leão acentuava o vermelho resultante do material usado na construção, uma questão física, que dava cor a Setúbal.
Cerca de três séculos e meio depois, o tom do vermelho voltaria a ser chamado para classificar a cidade, desta vez não por razões físicas, mas por questões de identidade e de intervenção cívica e social - em 12 de Março de 1975, o jornalista Rogério Severino chamava para primeira página de O Setubalense o título da sua reportagem “Em Setúbal, Cidade Vermelha - Conferência de imprensa: Importantes declarações sobre os acontecimentos do 7 de Março”; em 1976, era apresentado o filme-documentário Setúbal - Ville Rouge, com realização de Daniel Edinger e de Michel Lequenne, rodado no início de Outubro de 1975, abordando o papel das comissões de trabalhadores, de soldados e de moradores, dando destaque à actividade das comissões existentes na Setenave e na Movauto; em 2017, o epíteto serviu para o título da obra de Albérico Afonso Costa - Setúbal Cidade Vermelha - Sem perguntar ao Estado qual o caminho a tomar (Setúbal: Estuário, 2017) -, monografia que estuda o período entre 25 de Abril de 1974 e final de Novembro de 1975 em Setúbal.
Logo no preâmbulo da obra, o autor dá conta das dificuldades e das apreensões na construção da história deste período em Setúbal: ora pelo papel das memórias dos intervenientes, ainda ligadas aos “afectos e desafectos que sentiam à data”, ora pela conflitualidade entre o que a memória preserva e o que a realidade é (foi), ora porque “a paixão e o ódio convivem no tempo efémero de uma Revolução”. Assim fica claro que a forma como cada um dos intervenientes conta a história é uma leitura da sua participação e das suas convicções, como se torna evidente que a necessidade deste livro decorre da urgência de salvaguardar do esquecimento o que foi um período intenso da vida política e social em Setúbal e que “este trabalho deve ser entendido como uma primeira tentativa, ainda que limitada, de síntese interpretativa de um período tão rico da história da cidade.”
Organizado em cinco partes, o estudo de Albérico Afonso Costa parte do ciclo conserveiro, para explicar as convulsões sociais na cidade que chegou a ser identificada como a “Barcelona Portuguesa”, haja em vista o papel que o operariado teve na luta pelas suas reivindicações, bem como a posição de força que o regime republicano adoptou para controlar as formas como as exigências eram manifestadas, questão que mereceu já títulos de investigação por parte de autores ligados a Setúbal, como Albérico Afonso Costa e Álvaro Arranja. A segunda parte estabelece a ligação entre o que se passou em Setúbal e o que foi a história política do país no período entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro do ano seguinte, com os episódios alusivos ao 28 de Setembro e ao 11 de Março; a terceira parte chama a atenção para a nova organização política e social levada a cabo sobretudo em Setúbal (papel das comissões de moradores, das comissões de trabalhadores, da Assembleia Geral do Concelho de Setúbal e do Comité dos Organismos Populares de Setúbal), talvez sendo esta a parte que mais razão confere ao subtítulo que o autor escolheu para a obra; a quarta parte abre caminho pelas relações do poder autárquico com este período histórico, trajecto nada fácil pelas dificuldades em conciliar a ideia de revolução com a ponderação necessária, dando destaque especial a acontecimentos como a manifestação das betoneiras (14 de Junho de 1974), a relação conflituosa com a comissão de trabalhadores ou o conhecido episódio do hasteamento da bandeira da União Soviética no edifício da Câmara de Setúbal (em Junho de 1975, aquando da visita da astronauta Valentina Tereshkova); a quinta parte faz o ponto da situação relativamente a diversas instituições (partidos políticos, imprensa - com relevo para a intervenção do jornal O Setubalense -, igreja - com a importância da criação da diocese de Setúbal na altura - e organizações sociais como a Casa do Gaiato, o Asilo Dr. Paula Borba ou a Santa Casa da Misericórdia) e à acção que tiveram ou sofreram durante o período em apreço.
Esta obra é um bom repositório dos acontecimentos que marcaram Setúbal nesse tempo, percebendo o leitor que as principais causas que dominaram o panorama terão sido a resolução de “múltiplos problemas da vivência urbana e a melhoria das condições de trabalho nas empresas”. Por outro lado, a luta pelo espaço político foi outra das dominantes, haja em consideração o “confronto de perspectivas entre o Partido Comunista Português e as organizações da esquerda revolucionária” ou a oposição nítida aos partidos de centro e de direita. Com papel relevante surge também o Círculo Cultural de Setúbal, verdadeiro cadinho de formação vanguardista para diversos actores deste período histórico em Setúbal.
A obra insere ainda uma cronologia exaustiva do dia-a-dia vivido em Setúbal, recorrendo aos principais acontecimentos que povoaram o quotidiano, muitas vezes ilustrados com fotografias ou fac-símiles ou reprodução de documentos surgidos durante este período - notícias, correspondência, comunicados.
Na bibliografia, nota-se a quase inexistência de estudos relativamente a esta época vivida em Setúbal, devendo ser dado destaque a essa obra de memória e de registo testemunhal que é Memórias da Revolução no Distrito de Setúbal - 25 Anos Depois, devida a Pedro Brinca e a Etelvina Baía, dois volumes que reúnem mais de uma centena de entrevistas (Setúbal: “Setúbal na Rede”, 2001-2002). Por essa quase inexistência, é de sublinhar a atenção dada aos arquivos (Arquivo Nacional da Torre do Tombo - arquivo da PIDE/DGS, Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Setúbal e Arquivo Distrital de Setúbal), à imprensa (O SetubalenseO Distrito de SetúbalNotícias de Setúbal Margem Sul) e às entrevistas com diversos protagonistas (23, no total).
Como o autor sublinhou no início da obra, compreendendo o risco de historiar sobre assuntos contemporâneos, esta obra é “uma primeira tentativa” de interpretação dos factos, exigindo, por isso, outras abordagens ao mesmo período temporal, designadamente quanto à intervenção de outros sectores, como o militar ou o patronal, forçosamente fornecedores de dados importantes quanto às vivências, às causas e às condições como este tempo foi sentido, ou quanto à acção desenvolvida nos concelhos limítrofes, na península de Setúbal, uma vez que muitas ocorrências a sul do Tejo deram visibilidade, em termos mais vastos, a Setúbal, quer por ser capital de distrito, quer por aqui haver a representação do poder que era o Governo Civil.
Até que outras análises sucedam, temos este Setúbal Cidade Vermelha como roteiro adequado, que faz o filme do sucedido, muitas vezes seguindo o ardor posto nas informações recolhidas, sempre perseguindo a acção, numa perspectiva em que o tempo se deixa dominar pelo que acontece, quase havendo a sensação de se estar a presenciar ou a viver os acontecimentos, o que torna esta obra indispensável para conhecer esse momento e para ajudar a entender a identidade desta região, sendo por isso importante que Albérico Afonso Costa conclua a obra da forma que o faz: Setúbal “é a cidade onde a esquerda se movimenta com o à-vontade próprio de quem está na sua casa; (...) é a cidade que se organiza nos grandes momentos de tensão (...); é a cidade da vigilância revolucionária, que discute, efabula, sonha e desnorteia; é a cidade em que o PCP ganha as eleições, ocupa parte significativa do aparelho de Estado em recomposição e apesar disso não consegue um controlo total das greves e das ocupações; (...) é, por fim, a cidade onde a trama da Revolução melhor se urde e onde melhor se sente a mudança abrupta que o 25 de Abril trouxe consigo. (...) O que se ganhou foi o produto desta acção.”
A questão dos acontecimentos ligados a Setúbal e da identidade desta região tem sido uma preocupação de Albérico Afonso Costa. Aos títulos História e Cronologia de Setúbal 1248-1926 (Setúbal: Estuário, 2011) e Setúbal sob a Ditadura Militar 1926-1933 (Setúbal: Estuário, 2014) veio agora juntar-se este Setúbal Cidade Vermelha 1974-1975, todos eles construídos com informação segura e um estilo acessível, tornando-se marcos incontornáveis para o conhecimento da terra sadina.

(Revista LASA. Setúbal: nº 4, Primavera.2018, pp. 17-20)

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Para a agenda: A Greve Geral de 1912 na imprensa, lida por Álvaro Arranja



Álvaro Arranja tem dedicado grande parte da sua investigação aos tempos de início da República, através de vários títulos que também se têm relacionado com a história local de Setúbal.
Amanhã, 7 de Outubro, mais uma obra surge, A República e os Operários - a greve geral de 1912 na imprensa da época, em edição do Centro de Estudos Bocageanos, a ser apresentada na Casa da Cultura, pelas 15h00.
Para a agenda.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Para a agenda: a história do "Boca cerrada" apresentada em Setúbal



Pela mão do Centro de Estudos Bocagens, a história d' O Homem da Boca Cerrada chega-nos contada por Álvaro Arranja, nome que desde há muito se tem dedicado à história local. "Boca Cerrada", o apelido por que ficou conhecido Jaime Rebelo (que tem lugar na toponímia setubalense) mereceu mesmo um poema de Jaime Cortesão. Uma história emocionante, uma história de resistência! Para ler a partir de 5 de Outubro, data em que, pelas 16h00, o livro é apresentado em Setúbal, na Casa da Cultura. Para a agenda!


sábado, 14 de setembro de 2013

Para a agenda - Bocage e a sua época


No dia em que em Setúbal se celebra Bocage, uma leitura sobre o homem e a sua época, "Bocage, o Iluminismo e a Revolução Francesa", feita por António Chitas e Álvaro Arranja, ambos do Centro de Estudos Bocageanos. Para a agenda.

sábado, 1 de junho de 2013

Para a agenda: "Isto é um assalto", a dívida em bd



A propósito dos tempos que correm... Isto é um assalto - A história da dívida em banda desenhada, segundo Francisco Louçã e Mariana Mortágua, com as ilustrações de Nuno Saraiva, apresentado por Álvaro Arranja. Mais uma iniciativa da livraria sadina Culsete, num programa que assinala os seus 40 anos de existência. Em 4 de Junho, terça. Para a agenda!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Álvaro Arranja e a história do movimento operário no início do século XX

“Os finais do século XIX e o primeiro quartel do século XX são marcados em Setúbal, como em todo o país ‘urbano’, pela presença e coexistência, por vezes difícil, do movimento republicano e do movimento operário e sindical, predominantemente anarco-sindicalista.” Assim começa o último livro do historiador setubalense Álvaro Arranja, Anarco-sindicalistas e Republicanos – Setúbal na I República (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2009), apresentado publicamente no fim-de-semana passado.
Ao longo das duas centenas de páginas, o autor vai provar essa dificuldade de coligação, que culminará em divórcio, dividindo o seu trabalho em duas partes: uma, de narração e interpretação histórica, a mais longa, partindo de fontes como a imprensa local, sobretudo a imprensa comprometida com o movimento operário; a outra, preenchida por uma dúzia de textos (documentais e uma cronologia), que consolidam o trabalho de Álvaro Arranja.
A história do associativismo e do movimento operário sadino recua a meados do século XIX, com o autor a fazer uma incursão no papel desempenhado pelo jornal O Setubalense, fundado por Almeida Carvalho em 1855 (o que faz deste título, ainda hoje em publicação, um dos mais antigos da imprensa portuguesa, se bem que não o jornal mais antigo, uma vez que houve várias interrupções na sua história), fortemente associado ao aparecimento da Associação Setubalense das Classes Laboriosas, em cuja criação Almeida Carvalho igualmente participou. Há também incidência sobre a primeira década do século XX setubalense no que respeita ao movimento operário, fortemente influenciada pela ocorrência de greves (dos pescadores, dos soldadores, dos conserveiros, dos marítimos, dos carregadores de sal, dos tipógrafos, dos condutores de sal, dos corticeiros, de mulheres operárias) e pelo aparecimento de jornais ligados ao operariado (O Produtor, “dos soldadores e do povo operário”, em 1900; O Trabalho, “da classe operária”, em 1900; O Libertador, “dos praticantes farmacêuticos”, em 1901; O Germinal, “defensor dos oprimidos”, em 1903).
Com estes elementos, fácil se torna perceber que o congresso do Partido Republicano, realizado em Abril de 1909, onde foi decidido o derrube do sistema monárquico pela via da revolução, tenha ocorrido em Setúbal, justificando Álvaro Arranja que, “em Setúbal, os republicanos sentiam-se em casa”, porque se tratava “de um dos centros urbanos mais influenciado pelo republicanismo, pela adesão aos princípios igualitários proclamados desde a Revolução Francesa”.
Tais ingredientes conduzem a uma esperança acentuada nos efeitos que poderiam advir da implantação da República (desejo que o historiador acentua com a descrição do que era o quotidiano operário nessa primeira década do século XX em Setúbal) e não é por acaso que a noite de 4 de Outubro de 1910 vê o edifício da Câmara Municipal a ser destruído por um incêndio, num acto que foi consequência da contenda entre os populares e a polícia.
De igual forma, as exigências à República se notam na região do Sado, tal como o prova a realização da primeira greve geral ocorrida em Fevereiro de 1911, que os trabalhadores das fábricas das conservas prolongaram até 12 de Março. A tensão agudiza-se com a morte de dois grevistas numa manifestação na Avenida Luísa Todi em 13 de Março (Mariana Torres e António Verruga), ocorrida quando a Guarda Republicana tentava conter grevistas (acto que, segundo o periódico O Trabalho, “foi o baptismo de sangue da jovem Guarda Republicana”, e que, de acordo com o jornal lisbonense Terra Livre, assinalou a data “que marca o divórcio da República com o operariado”).
As manifestações do movimento operário são acompanhadas por Álvaro Arranja até Janeiro de 1934, aquando da greve geral convocada pela CGT para o dia 18, contestando o salazarista Estatuto Nacional do Trabalho, que deu origem a prisões e a um recrudescimento da repressão, assim considerando o autor que esta foi a data da “última grande acção do movimento sindicalista que tinha enquadrado os trabalhadores portugueses na I República”.
Pelo livro de Álvaro Arranja vão passando figuras que obtêm para o operariado o estatuto de heróis, como Mariana Torres ou António Verruga ou como Jaime Rebelo (ligado à greve dos marítimos de 1931); vão passando cruzamentos com a expressão literária, com referências a criadores como Alves Redol (que, em Os Reinegros, evoca os trabalhadores mortos na manifestação de 1911), Jaime Cortesão (a propósito de um seu poema, “Romance do homem da boca fechada”, sobre Jaime Rebelo) ou Émile Zola (sobre o significado do seu romance Germinal e o simbolismo associado ao jornal de título homónimo que se publicou em Setúbal entre 1903 e 1913); vai passando a história da imprensa operária e sindical praticada em Setúbal, considerada a fonte de informação essencial para este trabalho (com destaque para os títulos O Trabalho, Germinal e A Voz Sindical, com capítulos específicos, bem como para a acção que opôs o poder político ao jornal O Setubalense em 1927); vai passando o pulsar da vida agitada e lutadora da Setúbal dessas três décadas, em parte ritmada pelas descrições e narrações jornalísticas, quase levando o leitor a presenciar os acontecimentos. Todos estes factores se conjugam para que este estudo constitua um bom elemento de informação e de explicação sobre alguns sucessos e insucessos das políticas da época, bem como um interessante documento sobre algumas marcas da identidade setubalense.