Mostrar mensagens com a etiqueta agricultura. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta agricultura. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 3 de abril de 2018

Rui Canas Gaspar conta as histórias da várzea sadi(n)a



“Esta será provavelmente a última oportunidade que teremos para salvar o pouco que ainda resta da várzea de Setúbal, ou seja, dar o devido uso aos terrenos ainda livres de betão. (...) Trata-se de terra agrícola onde, em tempos passados, existiram lindas e produtivas quintas e que presentemente se encontra parcialmente ocupada por edifícios habitacionais, de comércio ou serviços. É aqui que agora se pretende construir o maior parque verde sadino, como se de uma última e necessária fronteira entre o passado e o futuro se tratasse.” Estas são as frases iniciais do mais recente livro de Rui Canas Gaspar, A Última Fronteira - Várzea de Setúbal (Setúbal: ed. Autor, 2018), que, no sábado, vai ter apresentação pública na Biblioteca Municipal de Setúbal.
Pelas suas cerca de duas centenas e meia de páginas passa um texto introdutório assinado por Carlos Frescata, que relembra a sua intervenção em prol do ambiente em Setúbal e o papel que a sua geração teve em torno do movimento “Setúbal Verde”, e passam crónicas repletas de histórias e de memórias da várzea setubalense, que foi povoada por quintas, experiências e vidas agrícolas, um espaço a fazer a ligação entre a Setúbal à beira-rio e próxima do mar e a Palmela mais vocacionada para a agricultura.
Aquilo a que hoje se vai chamando “várzea” é apenas uma parte do que ela na verdade foi. Mas o crescimento da cidade foi implacável com esse território ao longo dos tempos, desde a instalação do liceu e da escola básica de 3º ciclo, dos espaços desportivos, das habitações, dos estabelecimentos comerciais, até às faixas rodoviárias. As quintas que alimentaram e sustiveram a várzea são hoje nomes de referência histórica que preenchem memórias. Neste livro, Canas Gaspar leva-nos a visitar algumas dessas quintas (da Azeda, da Azedinha, da Boa Esperança, da Inveja, da Môca, das Palmeiras, do Paraíso, de Prostes, do Quadrado, da Restaurada, da Saudade, da Varzinha); evoca histórias como as do Palácio dos Aciprestes, da tragédia do dono da Quinta do Paraíso numa escaramuça entre liberais e absolutistas, do corte de passagem junto à azinhaga de São Joaquim levado a efeito por jovens da Quercus; relembra personagens como o chefe escutista Joaquim Farinha (que chegou a encontrar-se com o astronauta Neil Armstrong) ou como Joaquim, “o último pastor da várzea”; chama traços caracterizadores de Setúbal como a produção de laranja e os respectivos licor e doce, como as memórias ligadas à ribeira do Livramento (é, aliás, este curso de água que constitui importante pista para uma visita à várzea e às suas histórias).
No final do livro, Canas Gaspar refere ainda o que é o projecto para o futuro da várzea, um Parque Urbano em que é apontada a área de 400 mil metros quadrados, que, “para além de parque lúdico, deverá ter a importante função de defesa da cidade contra o risco de inundação” e constituirá um espaço recreativo e ambiental de elevada importância. Ainda que este projecto venha pôr fim à várzea enquanto espaço agrícola, Canas Gaspar conclui com optimismo que “a necessária e urgente obra só por si será uma lufada de ar fresco e puro, constituindo certamente a última fronteira entre o tentacular betão que paulatinamente tem vindo a impermeabilizar os solos e o verdejante campo que envolve esta linda cidade localizada estrategicamente entre o verde e o azul, uma terra que cada vez mais pessoas escolhem para viver.”
A Última Fronteira - Várzea de Setúbalé um livro que se lê com agrado, ao ritmo da crónica, apontando como máxima pretensão uma viagem pela identidade através de uma viagem no tempo e também a consciência que todos devemos ter quanto ao papel que a Natureza para si reivindica e que passa pelas condições para que a vida seja mais equilibrada.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Cristina Prata visita a história dos vinhos de Palmela


 
A obra Palmela chão que dá uvas – A terra e o trabalho das gentes (1945 a 1958), de Cristina Prata (Lisboa: Edições Colibri, 2013), um dos mais recentes títulos publicados sobre história local de Palmela, para lá do seu carácter ensaístico (mesmo porque se trata de uma tese de mestrado), tem a vantagem de ter sido escrito por alguém que cresceu, habitou e se entranhou no próprio meio que decidiu estudar e conviveu com as pessoas que têm sido as responsáveis por esse “dar uvas” que a terra de Palmela tem como característica.
Com efeito, Cristina Prata começa justamente por assinalar essa ligação ao meio, afirmando a sua identidade, valendo a pena reparar nessa ligação profundamente afetuosa e sensível, mesmo que num excerto um bocadinho longo: “A escolha de estudar a agricultura terá origem nas minhas próprias raízes. Nascida em Cabanas, na freguesia de Quinta do Anjo, filha e neta de gente que trabalhou a terra, guardo nos cinco sentidos das minhas memórias de menina os sinais do movimento de cada uma das estações do ano. A Primavera, com o azul das caldas que pintava os pios, durante o tratamento das vinhas, e a chegada das flores e dos bandos de pássaros aos pomares. O Verão, na abundância da cor e do sabor dos pêssegos, das ameixas e dos figos e também do intenso calor, amenizado pela frescura da água das regas, cujos tanques tantas vezes substituíram a praia. O Outono, com a acidez das tângeras, a chuva e o cheiro da terra molhada, pronúncias de mais um ciclo de trabalhos na terra, mas também na escola. E finalmente o Inverno, sempre demasiado longo, da escuridão dos dias, da nudez das árvores e da lama da terra lavrada. Tudo isto, que é o princípio, agradeço à minha família.”
Ao longo de duas centenas de páginas, o leitor passeia pela história e pela região, lendo notícias e opiniões colhidas na imprensa local, conhecendo dados estatísticos, seguindo o estudo e análise aturados da autora, encontrando personagens e acontecimentos que fizeram a narrativa de Palmela, desfazendo mitos e descobrindo saberes, vasculhando arquivos, caminhando por terrenos como Rio Frio ou a Quinta da Torre, assistindo à criação da Adega Cooperativa e, sobretudo, ouvindo e convivendo com as pessoas que regaram a terra com o esforço e o suor, porque, afinal, “são as gentes o objecto primordial da análise”.
Mas este contar é também o relato de uma das facetas da história da agricultura, sobretudo naquela vertente da inegabilidade do princípio de que “a terra molda a vida de quem a habita”, num casamento perene com o trabalho braçal, com o esforço dado pelo saber e pelo entendimento “da” e “com” a Natureza ou no jogo de relações entre o campo e os organismos estatais como os Grémios da Lavoura ou a Junta Nacional do Vinho.
A escolha do título e do subtítulo da obra de Cristina Prata prova que as expressões populares escondem muito mais do que aquilo que são os significados das palavras. Se o título é feliz, não é apenas por afirmar uma condição do presente, antes é por mostrar que, sob o manto das frases feitas, está o labor humano, partilhado, tornando-se mesmo interessante a abordagem sociológica que a investigação vai exigindo – é que, mesmo nos trabalhos do vinho, a questão do género impunha regras: “aos homens cabem tanto as tarefas fisicamente mais duras, as lavras que revolvem as terras preparando-as para o plantio, como as mais minuciosas, traduzidas pelas podas e enxertias, cuja execução não só interfere na fertilidade da planta, como também lhe molda o desenvolvimento. (…) À mulher cabe apenas a colheita da uva e outras tarefas, cuja execução traduz quase um prolongar das competências da sua vida doméstica: limpar as vinhas dos sarmentos (…) e alimentar de água os pulverizadores com os quais os homens protegem as plantas.”
A abordagem sociológica passa ainda pelas marcas de sazonalidade ou pelo ambiente migratório que o trabalho das vinhas e do vinho exige (aspetos determinantes para o crescimento populacional do concelho), bem como por essa junção mágica responsável pela associação do trabalho e da festa, pelas identidades de “caramelos” e de “malteses” ou ainda pelas raízes e laços que se criam em função do sentimento de posse da terra.
Cristina Prata não conta apenas a história, antes a problematiza para que o leitor não seja levado a incorrer em ilusões sobre a ruralidade, sobretudo num tempo marcado pelas vertentes de lógicas nem sempre compatíveis como são a ruralidade e a industrialização. E, a terminar, a pergunta fica, repleta na sua inquietação, convidativa pela interpelação que faz a todos e a cada um dos leitores: “Hoje promovemos e perpetuamos a memória do rural mítico e bucólico, que o Estado Novo sempre encenou, ou o rural de quem realmente lá viveu, trabalhou e do qual tantos fugiram logo que o puderam fazer?”
Podemos procurar neste livro a história da região vitivinícola, os dados que transformaram esta terra num dos expoentes da produção de vinhos de qualidade elevada, a própria forma como o concelho foi evoluindo ao sabor das políticas de investimento ou de fomento. Mas mais importante parece ser o contacto com as gentes, o registo dos dizeres e dos saberes daqueles que amanham a terra e educam a vide, o saber estar e ouvir a experiência em primeira mão e o transformar esses dizeres e aprenderes em matéria de investigação, de estudo e de exemplo. É isso que Cristina Prata nos proporciona, com sensibilidade, bom gosto e ternura e em linguagem acessível.
Muitas razões para que este livro seja lido!

Para a agenda: Cristina Prata, "Palmela, chão que dá uvas"

 

Hoje, na Casa Mãe da Rota dos Vinhos, em Palmela, pelas 17h00, Cristina Prata apresenta o seu estudo Palmela - Chão que dá uvas. Uma obra escrita com confessado carinho. Para a agenda.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Rostos (159)

Monumento ao Trabalhador Agrícola, na Chamusca

sábado, 13 de agosto de 2011

D Manuel Martins e a crise social em entrevista

D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, nos seus 84 anos, tem entrevista publicada no Expresso de hoje, assinada por Joana Pereira Bastos e Valdemar Cruz. A crise social foi o pretexto para este encontro. E D. Manuel Martins manteve-se fiel ao seu pensamento e à sua prática de anos, quando era prelado na cidade sadina. Ficam alguns excertos.

Situação – “Agora estou convencido – oxalá não seja assim – de que estamos numa situação má, amanhã vamos estar numa situação pior e depois de amanhã vamos estar numa situação péssima.”
Governos de Sócrates – “Na minha opinião governaram mal, com falta de respeito por nós. Governaram pior Portugal do que se fosse uma quinta pessoal, porque se fosse uma quinta pessoal com certeza que a estimavam, que a tratavam bem, que a fariam render.”
Governo de Cavaco Silva – “Criou-se uma inconsciência social de irresponsabilidade. Era toda uma política económica irresponsável, que fomentava a distribuição de cartões de crédito.”
Costumes – “Isso dos brandos costumes são histórias. Temos boa gente, mas quando for preciso também deixamos de ser boa gente. Tenho muito medo disso.”
Esperança – “Quando foi a queda do Muro de Berlim acreditei que tinham finalmente acabado as guerras. Depois veio a dos Balcãs e já fiquei um bocadinho desiludido. Depois veio a União Europeia e eu acreditei que seria uma associação de iguais, em que os pequenos podiam valer tanto como os grandes, mas não é nada disso. Os países pobres, mesmo todos juntos, não são capazes de derrotar a vontade de um dos ricos – da Alemanha ou da França. É uma Europa esfrangalhada, desorientada, que é a dois e não a 27. Ao fim e ao cabo, fomos associar-nos para engordar mais aqueles cavalheiros e nos minimizarmos a nós. Queimaram-se os campos, as vinhas, destruíram-se as produções, acabou-se com as pescas. (…) Era apenas para se venderem os produtos deles.”
Campo – “Se ao menos fôssemos capazes de voltar ao campo, já não tínhamos fome. As crises às vezes são oportunidades… Se esta nos levasse novamente ao campo, não para ficar lá, mas para aproveitar as riquezas que nos dá, libertava-nos de muita importação.”
Assistência – “A Igreja faz festas muito bonitas e esquece-se de vir para o meio daqueles que sofrem. Tem acordado muito, mas as atitudes que tem tomado são mais no sentido da assistenciazinha, da caridadezinha. Tem de ir mais longe. Ela mesma tem que dar sinais.”
Sinais – “Devíamos ser capazes de vender esse ouro todo que anda ao pescoço dos santos nas procissões. Os cordões e os anéis que o povo quer ver pendurados nos santos, para que prestam? Podem prestar para um salteador, mas não para um santo. Porque não vendemos isso tudo, deixando só as coisas de valor histórico e artístico? A Igreja é um grande sinal do amor de Deus no mundo e deve reflectir o rosto materno de Deus.”

sábado, 24 de julho de 2010

Ainda a propósito da concorrência...

"Debería haber margen para evitar que los oligopolios de la distribución propicien que el campo quede desierto y las manufacturas se conviertan en museos, al menos hasta que la economía del conocimiento aporte tanta riqueza al país que podamos permitirnos el lujo de abandonar las manufacturas."
Adrià Serra. "Olvidar la manufactura?". La Vanguardia. Barcelona: 8.Abril.2010

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Profissões quase extintas na "Magazine Reportagem"

Aí está o segundo número de Magazine Reportagem, a revista mensal que teve número inaugural em Agosto, devida ao fotógrafo sesimbrense Rui Cunha. O tema desta segunda edição é “Rostos do ofício – Retratos de uma vida de trabalho”, que alinha com fotografias de Rui Cunha e textos de Vanessa Pereira.
Por estas objectivas passam as experiências e as vidas de quatro pessoas: de Maria Emília Pinhal e Domingos Marçal Caiado, agricultores, em Caixas; de José Guilherme Páscoa Simões, barbeiro; de Abílio Caetano Carvalho, relojoeiro (falecido enquanto era preparado este número da revista).
Os textos – pequenas reportagens – descrevem as profissões respectivas e dão a palavra aos actores, excepto no último caso em que a fala é de Rita Carvalho, a viúva. Qualquer um deles constitui um bom pretexto para a identidade local e para a memória e o facto de usarem uma linguagem acessível pode mesmo possibilitar que entrem na sala de aula para estudar um género jornalístico como a reportagem ou o retrato ou para conhecer as profissões (ainda que quase em extinção) e a sociedade local, mesmo porque todos os retratados são também interessantes figuras humanas pelo seu exemplo.
Um pouco do “mundo à frente das objectivas”, pois. Que se vê com prazer, claro.