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quinta-feira, 21 de agosto de 2008

As palavras de Maio lidas por Jean-Philippe Legois em "Les slogans de 68"

“No princípio era o verbo…” A frase é bíblica, mas relaciona-se com o livrinho Les slogans de 68, de Jean-Philippe Legois (Paris: First Éditions, 2008, verdadeira edição de bolso no formato 12 cm x 8,5 cm) e com a leitura que é feita dos slogans que animaram o Maio de 68, há 40 anos, em que a palavra gritada nas paredes teve, muitas vezes, a força da imaginação e da opinião e a visibilidade generalizada, além de, frequentemente, ser o uso da máxima, fosse ela de uma corrente de pensamento ou de um poema. Alguns slogans dessa altura tornaram-se célebres e correram mundo, mas nem todos tiveram essa sorte e, recorrendo aos arquivos, o investigador Legois relembra muitos deles e categoriza-os, se se pode chamar categorização ao estabelecimento de uma ordem temática, na tentativa de visitar o que foi o “esprit de Mai” e de fazer uma viagem “au cœur des mots de 68”.
E por onde passa essa viagem, que o mesmo é perguntar quais são os temas que Legois encontra, eles também definidores de um “espírito” e de um tempo? Pela ordem que são apresentados, tendo-se seleccionado um exemplo para cada um deles: ter opinião (“Interdit d’interdire!”); acção (“La barricade ferme la rue, mais ouvre la voie”); revolução (“Cours, camarade, le vieux monde est derrière toi”); utopia (“Oublier tout de que vous avez appris, commencer par rêver”); liberdade (“Tout pouvoir abuse, le pouvoir absolu abuse absolument”); educação (“Grâce à l’examen et aux professeurs, l’arrivisme commence à six ans”) ; trabalho (“En faisant la grève illimitée, les travailleurs ont fait la part des choses. Le bien-être: Oui. L’esclavage: Non.”); sexualidade (“Désirer la réalité c’est bien! Réaliser ses désirs, c’est mieux.”); herança cultural e ideológica (“Notre espoir ne peut venir que des sans-espoir”, frase de Walter Benjamin); auto-crítica (“Prenons la Révolution au sérieux, mais ne nous prenons pas au sérieux”).
No final, há ainda pistas para uma bibliografia sobre as “expressões efémeras” desse Maio – nomeadamente, a obra Paroles de Mai, de Michel Piquemal (Paris: Albin Michel, 1998) – e sobre interpretações do tempo em que este movimento ocorreu. Nas palavras finais de Legois, este livrinho não pretendeu ser mais do que uma “dégustation”…

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Como Raymond Depardon vi(ve)u o ano de 1968

Acabou o mês de Maio, em que os 40 anos sobre um outro Maio, o de 1968, foram tema tratado por toda a imprensa, com reescrita das histórias, depoimentos, evocações, análises e revisões (tudo ganhando fôlego também com o contributo de Sarkozy e da sua visão nada feliz sobre esse mesmo Maio). Em toda essa abordagem do Maio de 1968, de vez em quando, apareceram outras histórias do mesmo ano, a chamar a atenção para o facto de ele não se ter reduzido ao seu quinto mês…
Um contributo interessante, bom para a memória, lindo para a vista, foi o livro 1968 (que, no interior, traz mais completo título – 1968 – Une année autour du monde), de Raymond Depardon (Paris: Éditions Points, 2008), que inclui uma entrevista com o fotógrafo, feita por Philippe Séclier, e quase centena e meia de fotografias a preto e branco dos acontecimentos que Depardon acompanhou nesse ano, por si legendadas, num misto de recuo no tempo e de itinerário autobiográfico, onde não faltam as informações, as ideias e as histórias de uma vida (e de um ano).
A origem deste projecto é simples: convidado para fazer um livro sobre aquele mês de Maio, Depardon, que passara a maior parte dele fora de França, propôs-se reunir um conjunto de fotografias por si feitas no ano de 1968 a fim de ligar os acontecimentos de Maio ao contexto da época. E o resultado está à vista, com as fotos apresentadas por ordem cronológica de entrada no laboratório, escolhidas de um mais vasto conjunto de cerca de oito centenas e meia de negativos.
A série inicia-se em Janeiro, com Brigitte Bardot no aeroporto Bourget, onde embarcava para Espanha, com uma nota explicativa onde é dado, de imediato, o cunho autobiográfico: “Deux ans plus tard, c’est dans cet aéroport que j’accompagnerai Gilles Caron pour partir au Cambodge, dont il ne reviendra pas” (Caron, fotógrafo, co-fundador da agência Gamma com Depardon, foi assassinado pelos kmers vermelhos em 1970). Depois, é o desfile do ano: actrizes, cantores, gente do espectáculo, reis e princesas, desporto, Truffaut, Sylvie Vartan, Giscard, Miterrand, Dalida, primeiro transplante de coração em França, visita papal à Colômbia, manifestações contra o Vietname nos Estados Unidos, vigilância policial na Espanha franquista no 1º de Maio, Nixon, manifestantes pró-Luther King, Raquel Welch em Espanha (de onde Depardon teve que partir, com passagem por Portugal, para ida ao Biafra), Jogos Olímpicos do México e atitude dos vencedores negros quando levantam o punho com luva negra na recepção da medalha, de Gaulle, Juliette Gréco, Allen Ginsberg, Jean Genet… e tantos outros momentos e pessoas. Não faltam episódios de vida e de morte, de alegria e de sofrimento, de acção, de ficção; não faltam momentos de êxtase, de movimento, de políticos (“J’ai toujours aimé photographier l’homme politique, surtout en mouvement. Ce que je détestais le plus, c’était de le faire poser derrière son bureau.”) ; e não faltam também momentos de humor – em Agosto, depois de acompanhar Paulo VI na Colômbia, partiu para Chicago para fazer a cobertura da convenção democrata e um amigo arranjou-lhe um quarto - “les propriétaires me prêtent la voiture de leur fils parti en Europe. C’est une Coccinelle jaune, toute peinte de fleurs. Je revois encore la tête des policiers quand je suis arrivé à la convention, pour trouver une place de parking dans le carré de la presse”.
Retrospectivando o ano de 1968, certo é que o livro tem ligações com o Maio desse ano, mesmo apesar da ausência do fotógrafo nos momentos mais importantes de Paris, com recurso à memória do amigo Caron, que foi um dos bons fotógrafos desse Maio francês e que Depardon evoca várias vezes neste livro.
Raymond Depardon (n. 1942) começou a trabalhar como repórter fotográfico em 1958, esteve na agência Dalmas e, em 1967, foi co-fundador da agência Gamma; em 1977, com Sebastião Salgado e outros, passou a trabalhar na agência Magnum.

domingo, 4 de maio de 2008

História em revista

Uma fotografia do Maio de 68 constitui tema de capa do número inaugural da revista Visão – História (dirigida por Cláudia Lobo), alusivo ao mês de Abril. Este número é temático, indo buscar o ano de 1968, “o ano que não acabou”, por, como é dito na apresentação, ser uma “data-chave da segunda metade do século XX em que tudo aconteceu e cujas repercussões são ainda bem visíveis”.
Depois, vêm as fotografias desse ano, a primeira das quais é aquele poderosíssimo instantâneo de Eddie Adams, que captou o comandante da polícia de Saigão a executar um soldado vietcong, foto que fez recrudescer o protesto dos americanos contra a guerra no Vietname e que valeu ao seu autor o prémio Pulitzer, que nunca aceitou.
Há também uma cronologia do ano e, depois, vem “O mais longo mês de Maio”, que relembra os acontecimentos e que os analisa, agora que em França se discute essa vontade de acabar com as memórias dos “soixante-huitards”, intenção vista por Daniel Bensaid como “um discurso de exorcismo” porque “acabar com o espectro de 68 é uma tentativa de exorcizar a crença de que ele possa ressurgir”.
Praga, Vietname, Luther King (assassinado em 4 de Abril) e o racismo e a queda de Salazar são os outros destaques. Para lembrar, há ainda alguns livros (O delfim, de Cardoso Pires, ou Os afluentes do silêncio, de Eugénio de Andrade), músicas (Cantares do andarilho, de José Afonso), arte (Warhol e Júlio Pomar) e moda (entre o fim do previsível e o surto do “mosaico”) desse ano.
A finalizar, há um texto de Manuel Villaverde Cabral, exilado em Paris em 1968, que vê o Maio de 68 como uma “revolução cultural” com reflexos que perduram ainda hoje: “A retórica espontaneísta do ‘contra’ deixou marcas profundas e a actual paisagem humana e social seria bem diferente sem ela: contra o Estado e os seus mecanismos de enquadramento; contra a família convencional e o recalcamento sexual; contra o racismo e a subordinação das mulheres e crianças; contra a escola disciplinadora e reprodutora das desigualdades; contra o trabalho penoso e o consumo alienante, etc. Tudo isto é irreversível, tendo sido absorvido e massificado até ao limite do relativismo ante a falência das crenças autoritárias. E a prova está feita. Quando Sarkozy mobilizava recentemente os conservadores com o ódio ao legado de Maio, estava a esquecer-se de que era esse legado que lhe permitia casar e descasar em directo na televisão…”