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quinta-feira, 25 de março de 2021

Francisco Vaz e um auto da Paixão (com Manoel de Oliveira à mistura)



O realizador Manoel de Oliveira sonhava-o desde 1958, quando, num périplo transmontano, viu, em Curalha (Chaves), a representação popular de uma antiga peça religiosa sobre a morte e paixão de Cristo. Em 1962, meteu mãos à obra, levando para o cinema os actores curalhenses no filme Acto da Primavera, estreado no ano seguinte em Paris e em Lisboa, numa actualização da história relatada no auto.

O texto desta narrativa rodada em Curalha existe desde o século XVI sob o título Obra novamente feita da muito dolorosa morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo conforme a escreveram os quatro santos evangelistas e é devido ao padre Francisco Vaz, de Guimarães. Pormenores biográficos sobre o autor são desconhecidos, mas sempre se sabe que a peça teve primeira impressão em 1593 e sucessivas reimpressões até finais de Oitocentos. Em 1995, o Instituto de Estudos Teatrais Jorge de Faria, da Universidade de Coimbra, editou o fac-símile da reimpressão de 1659, a quarta que terá sido feita, que, nas suas quarenta páginas, contempla trinta pequenas gravuras alusivas aos passos da paixão de Cristo. Os versos dos diálogos oscilam no esquema rimático e na métrica (maioritariamente em redondilha maior), numa linguagem acessível, ainda que, por vezes, recorrendo a alterações anastróficas por sacrifício imposto pela rima.

O auto envolve acima de quarenta personagens, representando toda a movimentação que rodeou a vida de Cristo entre a Última Ceia e o momento da descida da cruz e entrada no Santo Sepulcro. Assim, o leitor (ou o espectador) vê passar figuras como Acusador, Anás, Ancila, Anjo, Apóstolos (doze), Caifás, Centúrio, Cristo, Diabo, Espia, Fariseus, Herodes, Hóspede, Jacob Baru, José de Arimateia, Judas, Ladrões (dois), Longino, Malco, Nicodemos, Nossa Senhora, Pajem, Pilatos, Porteiro, Pregão, Rabi Abraão, Rabi Azar, Romão, Testemunhas (duas) e Verónica, além do Representador, que surge numa longa primeira cena para apresentar a obra (prometendo que será representado “tudo em suma como aconteceu”), assinalando a importância da fonte que os evangelhos constituem, tentando despertar as simpatias e as oposições do público relativamente a personagens que por ali desfilarão e preparando a assistência para momentos de comoção.

A maioria das personagens advém dos relatos bíblicos, mas há várias que resultam da imaginação do autor ou dos evangelhos apócrifos, o mesmo acontecendo com as cenas representadas, que têm também a intenção de levar à comoção - particularmente intenso é o momento em que Cristo vai despedir-se da mãe, antes do sacrifício por que vai passar, terminando esse encontro com Nossa Senhora a abraçar o filho e a dizer aos Apóstolos “Também vos quero abraçar, / filhos meus, com muito amor, / e a todos vós rogar / não queirais desamparar / a vosso Mestre e Senhor.” Não menos emotivo é o momento de pranto partilhado entre Verónica e Nossa Senhora quando ambas se encontram e a mãe vê o rosto do filho estampado na toalha que lhe é mostrada.

O tema da paixão de Cristo motivou fortemente o teatro de carácter religioso desde a Idade Média, numa linha de intensidade dramática que dominava actores e espectadores. Antero de Figueiredo, na obra Jornadas em Portugal, de 1918, noticia ter visto uma representação deste auto de Francisco Vaz na aldeia de Duas Igrejas e ter sabido de um homem doente havia quinze dias “com os açoites e as vergastadas que lhe deram na representação da Paixão do Senhor, em que ele fez de Jesus”, papel desempenhado “por penitência”. O texto quinhentista assumia assim o seu carácter catequético e eternizava a mensagem salvadora da Paixão de Cristo.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 586, 2021-03-24, p. 9.


quarta-feira, 5 de abril de 2017

Para a agenda: Concerto da Páscoa em Palmela



A Páscoa é também momento para a música. E já em 9 de Abril Palmela vai ter o Concerto de Páscoa, com música tradicional portuguesa no Cineteatro São João, pelas 17h00. Para a agenda!

domingo, 8 de abril de 2012

Páscoa

Na igreja paroquial de Queijas (Oeiras), pintura de Victor Lages

sexta-feira, 21 de março de 2008

Dia Mundial da Poesia - é hoje!

Na 30ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, em 15 de Novembro de 1999, foi decidido criar o Dia Mundial da Poesia, a ter lugar em 21 de Março, com início de celebração no ano de 2000.
Honra aos Poetas, pois! Escolho António Manuel Couto Viana para os representar. Razões? Porque tem lindos poemas; porque tem levado a vida a poetar (já com dezenas de livros publicados); porque é considerado um dos mais importantes poetas portugueses do século XX; porque sou seu amigo; porque tem vários poemas alusivos à quadra festiva que agora passa. Assim, ligando este Dia com as celebrações que marcam este tempo, apresento, de António Manuel Couto Viana, o poema

Páscoa
É tempo de Páscoa no Minho florido.
Já se ouvem os trinos dos sinos festeiros
Na igreja vestida de branco vestido,
Entre o verde manso dos altos pinheiros.

Caminhos de aldeia, que o funcho recobre,
Esperam, cheirosos, que passe o “compasso”
À casa do rico, cabana do pobre...
Já voam foguetes e pombas no espaço.

Lá vêm dois meninos, com opas vermelhas,
Tocando a sineta. Logo atrás, o abade
Já trôpego e lento. (As pernas são velhas?
Mas no seu sorriso tudo é mocidade.)

Com que unção o moço sacristão, nos braços,
Traz a cruz de prata que Jesus cativa,
Para ser beijada! Enfeitam-na laços
De fitas de seda e uma rosa viva.

Um outro, ajoujado ao peso das prendas
(Não há quem não tenha seu pouco pra dar...)
Traz, num largo cesto de nevadas rendas,
Os ovos, o açúcar e os pães do folar.

Mais um outro, ainda, de hissope e caldeira
Cheia de água benta, abre um guarda-sol.
Seguem-nos, e alegram céus e terra inteira,
Estrondos de bombos e gaitas de fol’.

Haverá visita mais honrosa e bela?
Famílias ajoelham. A cruz é beijada.
(Pratos de arroz-doce, com flores de canela,
Aguardam gulosos na mesa enfeitada.)

Santa Aleluia! Oh, festa maior!
Haverá mais bela e honrosa visita?
É tempo de Páscoa. O Minho está em flor.
Em cada alma pura, Jesus ressuscita!
António Manuel Couto Viana. Postais de Viana.
Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo, 1986, pp. 12-14.