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domingo, 10 de junho de 2012

O discurso de António Nóvoa no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas



António Sampaio da Nóvoa, presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, discursou hoje, mostrando a necessidade de conciliar o presente com todos nós e com Portugal, povoando a sua intervenção com vários nomes grados da cultura portuguesa, sobretudo ligados ao pensamento. Desse discurso, que pode ser lido na íntegra aqui, ficam excertos:
«Começa a haver demasiados “portugais” dentro de Portugal. Começa a haver demasiadas desigualdades. E uma sociedade fragmentada é facilmente vencida pelo medo e pela radicalização. Façamos um armistício connosco, e com o país. Mas não façamos, uma vez mais, o erro de pensar que a tempestade é passageira e que logo virá a bonança. Não virá. Tudo está a mudar à nossa volta. E nós também. (…)
Gostaria de recordar o célebre discurso de Franklin D. Roosevelt, proferido num tempo ainda mais difícil do que o nosso, em 1941. A democracia funda-se em coisas básicas e simples: igualdade de oportunidades; emprego para os que podem trabalhar; segurança para os que dela necessitam; fim dos privilégios para poucos; preservação das liberdades para todos. (…)
No final do século XIX, um homem da Geração de 70, Alberto Sampaio, explica que as nossas faculdades se atrofiaram para tudo que não fosse viajar e mercadejar. Nunca nos preocupámos com a agricultura, nem com a indústria, nem com a ciência, nem com as belas-artes. As riquezas que fomos tendo “mal aportavam, escoavam-se rapidamente, porque faltava uma indústria que as fixasse”, e o património da comunidade, esse, “em vez de enriquecer, empobrecia”. Nos momentos de prosperidade não tratámos das duas questões fundamentais: o trabalho e o ensino. Nos momentos de crise é tarde: fundas economias na administração aumentariam os desempregados, e para a reorganização do trabalho falta o capital; falta o tempo, porque a fome bate à porta do pobre. Então a emigração é o único expediente: silenciosa e resignadamente cada um vai partindo, sem talvez uma palavra de amargura. Este texto foi escrito há 120 anos. O meu discurso poderia acabar aqui. Em silêncio. (…)
É esta fragilidade endémica que devemos superar. O heroísmo a que somos chamados é, hoje, o heroísmo das coisas básicas e simples – oportunidades, emprego, segurança, liberdade. O heroísmo de um país normal, assente no trabalho e no ensino. Parece pouco, mas é muito, o muito que nos tem faltado ao longo da história. (…)
Nas últimas décadas, realizámos um esforço notável no campo da educação (da escola pública), das universidades e da ciência. Pela primeira vez na nossa história, começamos a ter a base necessária para um novo modelo de desenvolvimento, para um novo modelo de organização da sociedade. É uma base necessária, mas não é ainda uma base suficiente. (…)
Existe conhecimento. Existe ciência. Existe tecnologia. Mas não estamos a conseguir aproveitar este potencial para reorganizar a nossa estrutura social e produtiva, para transformar as nossas instituições e empresas, para integrar uma geração qualificada que, assim, se vê empurrada para a precariedade e para o desemprego. (…)
25 anos depois, não esqueço José Afonso: Enquanto há força, cantai rapazes, dançai raparigas, seremos muitos, seremos alguém, cantai também. Cantemos todos. Por um país solidário. Por um país que assegura o direito às coisas básicas e simples. Por um país que se transforma a partir do conhecimento. Não podemos ser ingénuos. Mas denunciar as ingenuidades não significa pôr de lado as ilusões, não significa renunciar à busca de um país liberto, de uma vida limpa e de um tempo justo (Sophia).
Foi esta busca que me trouxe ao Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.»

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Vasco Graça Moura e a língua de Camões

No 10 de Junho comemora-se, entre outras coisas, a obra de Luís de Camões. Não cabe duvidar de que esse seja o propósito formal de Estado e das entidades oficiais envolvidas nos actos comemorativos, nem de que o nome, a figura e a obra do épico sejam automaticamente associados à simples menção daquela data.
Mas o que parece preocupante é o facto de cada vez menos haver em Portugal qualquer espécie de interesse por Camões e por aquilo que ele representa. O nome do autor de Os Lusíadas tende a ser apenas a marca distintiva de um feriado, ambíguo luxo nos tempos que correm, e pouco mais.
As questões da identidade começam por estar relacionadas com a língua materna e esta deve a Camões a sua dimensão moderna. Mas estão à vista as consequências que, para a identidade, decorrem do actual estado de coisas: a língua materna está cada vez mais deteriorada, tornou-se uma espécie de caixote do lixo onde cabem todos os dejectos e, tal como é utilizada e falada, um dia destes mal conseguirá distinguir-se de um mero conjunto de grunhidos comunicacionais.
Nem sabemos pronunciá-la, nem sabemos escrevê-la ou falá-la com um mínimo de correcção. E nem vale a pena falar da situação catastrófica que virá a ser gerada pelo Acordo Ortográfico se este algum dia se aplicar (para já, não está em vigor: o que acontece é que se começa a macaquear nalgumas publicações uma forma aberrante de grafar a língua).
A escola pouco ou nada tem feito para melhorar a situação. Pelo contrário: durante anos e anos, degradada por teorias pedagógicas e linguísticas absurdas, permissiva e frouxa de saberes, autoridade e disciplina, a escola tratou de substituir o trato com os grandes testemunhos da língua, indispensável para ela ser bem falada e bem escrita, por relatórios, bulas de medicamentos e outras coisas assim.
Vivemos numa época de apoucamento da língua, de empobrecimento do vocabulário, de aviltamento de todas as regras de gramática. É também um tempo em que toda a gama de valores que ela transporta consigo (intelectuais, cognitivos, estéticos, expressivos, afectivos...) deixou de contar. Vêmo-la subordinar-se servilmente ao facilitismo e à tecnologia, quando devia contribuir para uma estabilização dos seus paradigmas próprios, procurando equilíbrios permanentes com as tendências que são sinal dos tempos.
É por essas e por outras que os resultados escolares do nosso país, no confronto com as tabelas internacionais, costumam ficar no último lugar de todas as escalas. E em consequência a deficientíssima formação proporcionada por uma escolaridade leviana reflecte-se no geral atraso do país e na sua trágica incapacidade para fazer face aos problemas que tem de enfrentar.
Camões não podia imaginar que a geral incapacidade de aprender e falar correctamente a língua portuguesa explica em grande parte, tanto o insucesso escolar em todas as disciplinas como as restantes maleitas crónicas que nos afectam tão gravemente e não foram erradicadas pela generalização e democratização do ensino. Como explica a terrível ignorância com que os jovens concluem os seus cursos secundários e entram nos cursos superiores. E permite ainda compreender por que razão somos um país que não consegue sair da cepa torta.
Na comunicação intergeracional, também já parece não ocorrer aquela transmissão de um conjunto de princípios, de saberes e de tradições, entre eles os relativos à língua materna, que são elementos integradores da chamada cultura geral e de uma imprescindível visão do mundo transportada e transmitida ao longo do tempo.
Nada disto é novo. Há anos e anos que se discute o que se passa e não se consegue instaurar um conjunto de medidas, a começar pelos programas, que possam reputar-se de eficazes.
Basta trocar umas palavras com qualquer professor universitário para se ver que é assim e que não se sabe de que remédios lançar mão. A doença é muito funda e prolifera desreguladamente. Contribuiu para nos lançar na crise e, o que é pior, não abre perspectivas optimistas para sairmos dela.
O poeta dizia não lhe faltar na vida honesto estudo com uma longa experiência misturado. Hoje, muito poucos podem repetir esta afirmação em causa própria.
A língua de Camões está irreconhecível. Se ele voltasse ao mundo, decerto pensaria em rasgar a sua obra. Deixámos de ser dignos dela.
Vasco Graça Moura. "A língua de Camões?". Diário de Notícias: 09.Junho.2010

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Camões e a actualidade, segundo Luís Afonso

Luís Afonso. Público: 10.Junho.2009.

Presidente da República apela aos valores e à participação de todos

O discurso do Presidente da República em Santarém citou Almeida Garrett e Ruy Belo e tomou o exemplo de Gago Coutinho e Sacadura Cabral e das redes de solidariedade social para apelar à participação dos portugueses e aos valores a desenvolver. Uma intervenção que serve para todos, independentemente da função desempenhada por cada um. Eis alguns excertos:
(…) Neste dia de Camões, mais do que sonhar, temos de acreditar que Portugal será outra vez Portugal, um Portugal melhor, o mesmo Portugal que tantas vezes se afirmou no decorrer da sua história.
Os exemplos que nos vêm do passado constituem, em primeiro lugar, uma responsabilidade para todos e para cada um de nós. Responsabilidade na solução dos problemas que temos pela frente. Responsabilidade na criação de um País melhor para os nossos filhos e para os nossos netos.
Não se trata de uma responsabilidade em abstracto. Trata-se de uma responsabilidade concreta, que se traduz, desde logo, na obrigação que temos de participar na vida pública.
Em tempos reconhecidamente difíceis como aqueles em que vivemos, não é aceitável que existam Portugueses que se considerem dispensados de dar o seu contributo, por mais pequeno que seja.
(…) A abstenção deve, além disso, fazer reflectir os agentes políticos. A confiança dos cidadãos nas instituições democráticas depende, em boa parte, da forma como aqueles que são eleitos actuam no desempenho das suas funções.
Se não tivermos órgãos de representação prestigiados, será difícil aumentar a participação dos eleitores e demonstrar-lhes que o seu voto é importante e útil para a formação das decisões de interesse geral.
(…) Neste dia em que se celebra Portugal e a memória de uma nação com mais de oito séculos, devemos interrogar-nos sobre aquilo que podemos e queremos fazer para que essa caminhada prossiga, e para que os nossos descendentes possam vir também a sentir-se orgulhosos das nossas realizações e das opções que tomámos.
(…) Face às dificuldades e aos desafios que temos pela frente, é imperativo promover uma cultura de valores, uma cultura que contemple a dignidade das pessoas, incentive o esforço e o mérito e favoreça a coesão social.
É preciso valorizar os laços familiares, que são o mais sólido alicerce de qualquer sociedade e a melhor forma de assegurar a responsabilidade inter-geracional.
É preciso reavivar nas pessoas um espírito de sobriedade e uma consciência solidária; combater o esbanjamento e o desperdício e rever hábitos de consumismo; compreender que também somos responsáveis pela sorte dos outros, principalmente daqueles que são mais carenciados e que vivem e sofrem perto de nós, na nossa cidade ou aldeia, no nosso bairro ou na nossa empresa.
Mais do que simples regras formais, terá de haver, sobretudo, uma clara presença de princípios éticos nas instituições, no mundo dos negócios e no mundo do trabalho. A justiça, a equidade e a responsabilidade social não podem ser letra morta, simples palavras de que só nos lembramos em momentos de apuros.
Tanto no Estado como na sociedade civil é preciso adoptar uma cultura de transparência e de prestação de contas.
(…) Ninguém ignora a urgência de uma melhoria do sistema educativo, por forma a incutir nos jovens o valor do conhecimento, da inovação, da criatividade e do empreendedorismo.
A educação não é só um problema da escola. A sociedade, no seu conjunto, tem de incorporar no seu dia-a-dia a importância da aprendizagem, como factor de realização pessoal e de progresso social.
Não podemos esquecer o mundo rural, cujo desenvolvimento é decisivo, tanto na perspectiva da produção agrícola e de actividades complementares, como na perspectiva do ordenamento territorial, do combate ao despovoamento do interior e da coesão do todo nacional.
Temos de ambicionar uma sociedade civil verdadeiramente emancipada do Estado, afirmando-se, autonomamente, pela sua criatividade, organização, trabalho e capacidade inovadora; uma Administração Pública que preste serviços de qualidade e tenha assegurada a sua independência face a interesses partidários ou outros; um sistema judicial com credibilidade e prestígio, eficiente no seu funcionamento e que inspire confiança à comunidade.
(…) Existem, felizmente, muitos exemplos, em particular entre os mais jovens, de cientistas, empresários, artistas e outros profissionais portugueses que têm triunfado, tanto cá dentro como no estrangeiro, e que não se conformam com os atrasos que persistem em muitos sectores da vida nacional.
O seu inconformismo deve ser o nosso lema. O seu trabalho deve ser o exemplo e o seu triunfo a meta que ambicionamos para o País inteiro. (…)

O discurso de António Barreto no 10 de Junho, em Santarém

António Barreto discursou em Santarém, no seu papel de presidente da Comissão organizadora das comemorações do 10 de Junho. A sua intervenção é um retrato duro e sério, uma auto-crítica sobre Portugal e os portugueses, um sinal de emergência, um apelo para que o paradigma deixe de ser a retórica e a propaganda e passe a ser o exemplo e a coerência. E também uma lição sobre o acto de comemorar. Vale a pena lê-lo.
Dia de Portugal... É dia de congratulação. Pode ser dia de lustro e lugares comuns. Mas também pode ser dia de simplicidade plebeia e de lucidez.
Várias vezes está dia mudou de nome. Já foi de Camões, por onde começou. Já foi de Portugal, da Raça ou das Comunidades. Agora, é de Portugal, de Camões e das Comunidades. Com ou sem tolerância, com ou sem intenção política específica, é sempre o mesmo que se festeja: os Portugueses. Onde quer que vivam.
Há mais de cem anos que se celebra Camões e Portugal. Com tonalidades diferentes, com ideias diversas de acordo com o espírito do tempo. O que se comemora é sempre o país e o seu povo. Por isso o Dia de Portugal é também sempre objecto de críticas. Iguais, no essencial, às expressas por Eça de Queirós, aquando do primeiro dia de Camões. Ele afirmava que os portugueses, mais do que colchas às varandas, precisavam de cultura.
Os Estados gostam de comemorar e de se comemorar. Nem sempre sabem associar os povos a tal gesto. Por vezes, quando o fazem, é de modo desajeitado. "As festas decretadas, impostas por lei, nunca se tornam populares", disse também Eça de Queirós. Tinha razão. Mas devo dizer que temos a felicidade única de aliar a festa nacional a Camões. Um poeta, em vez de uma data bélica. Um poeta que nos deu a voz. Que é a nossa voz. Ou, como disse Eduardo Lourenço, um povo que se julga Camões. Que é Camões. Verdade é que os povos também prezam a comemoração, se nela não virem armadilha ou manipulação.
Comemora-se para criar ou reforçar a unidade. Para afirmar a continuidade. Para reinterpretar a passado. Para utilizar a História a favor do presente. Para invocar um herói que nos dê coesão. Para renovar a legitimidade histórica. São, podem ser, objectivos decentes. Se soubermos resistir à tentação de nos apropriarmos do passado e dos heróis, a fim de desculpar as deficiências contemporâneas.
Não é possível passar este dia sem olharmos para nós. Mas podemos fazê-lo com consciência. E simplicidade.
Garantimos com altivez que Camões é o grande escritor da língua portuguesa e um dos maiores poetas do mundo, mas talvez fosse preferível estudá-lo, dá-lo a conhecer e garantir a sua perenidade.
Afirmamos, com brio, que os portugueses navegadores descobriram os caminhos do mundo nos séculos XV e XVI e que os portugueses emigrantes os percorreram desde então. Mais vale afirmá-lo com o sentido do dever de contribuir para a solidez desta comunidade.
Dizemos, com orgulho, que o Português é uma das seis grandes línguas do mundo. Mas deveríamos talvez dizê-lo com a responsabilidade que tal facto nas confere.
Quando se escolhe um português que nos representa, que nos resume, escolhe-se um herói. Ele é Camões. Podemos festejá-lo com narcisismo. Mas também com a decência de quem nele procura o melhor.
Os nossos maiores heróis, com Camões à cabeça, ilustraram-se pela liberdade e pelo espírito insubmisso. Pela aventura e pelo esforço empreendedor. Pela sua humanidade e, algumas vezes, pela tolerância. Infelizmente, foram tantas vezes utilizados com o exacto sentido oposto: obedientes ou símbolos de uma superioridade obscena.
Ainda hoje soubemos pastar homenagem a Salgueiro Maia. Nele, festejámos a liberdade, mas também aquele homem. Que esta homenagem não se substitua, ritualmente, ao nosso dever de cuidar da democracia.
As comemorações nacionais têm a frequente tentação de sublinhar ou inventar o excepcional. O carácter único de um povo. A sua glória. Mas todos sentimos, hoje, os limites dessa receita nacionalista. Na verdade, comemorar Portugal e festejar os Portugueses pode ser acto de lucidez e consciência. No nosso passado, personificado em Camões, o que mais impressiona é a desproporção entre o povo e os feitos, entre a dimensão e a obra. Assim como esta extraordinária capacidade de resistir, base da "persistência da nacionalidade", como disse Orlando Ribeiro. Mas que isso não apague ou esbata o resto. Festejar Camões não é partilhar o sentido épico que ele soube dar à sua obra maior, mas é perceber o homem, a sua liberdade e a sua criatividade. Como também é perceber o que fizemos de bem e o que fizemos de mal. Descobrimos mundos, mas fizemos a guerra, por vezes injusta. Civilizámos, mas também colonizámos sem humanidade. Soubemos encontrar a liberdade, mas perdemos anos com guerras e ditaduras.
Fizemos a democracia, mas não somos capazes de organizar a Justiça. Alargámos a educação, mas ainda não soubemos dar uma boa Instrução. Fizemos bem e mal. Soubemos abandonar a mitologia absurda do país excepcional, único, a fim de nos transformarmos num país como os outros. Mas que é o nosso. Por isso, ternos de nos ocupar dele. Para que não sejam outros a fazê-lo.
Há mais de trinta anos, neste dia, Jorge de Sena deixou palavras que ecoam. Trouxe-nos um Camões humano, sabedor, contraditório, irreverente, subversivo mesmo.
Desde então, muito, mudou. O regime democrático consolidou-se. Recheado de defeitos, é certo. Ainda a viver com muita crispação, com certeza. Mas com regras de vida em liberdade.
Evoluiu a situação das mulheres, a sua presença na sociedade. Invisíveis durante tanto tempo, submissas ainda há pouco, as mulheres já fizeram um país diferente.
Mudou até a constituição do povo. A sociedade plural em que vivemos hoje, com vários deuses e credos, com dois sexos iguais, com diversas línguas e muitos costumes, com os partidos e as associações que se queira, seria irreconhecível aos nossos próximos antepassados.
A sociedade e o país abriram-se ao mundo. No emprego, no comércio, no estudo, nas viagens, nas relações individuais e até no casamento, a sociedade aberta é uma novidade recente.
A pertença à União Europeia, timidamente desejada há três décadas, nem sequer por todos, é um facto consumado.
A estes trinta anos pertence também o Estado de protecção social, com especial relevo para o Serviço Nacional de Saúde, a segurança social universal e a escolarização da população jovem. É certamente uma das realizações maiores.
Estas transformações são motivo de regozijo. Mas este não deve iludir o que ainda precisa de mudança. O que não foi possível fazer progredir. E a mudança que correu mal.
A Sociedade e o Estado são ainda excessivamente centralizados. As desigualdades sociais persistem para além do aceitável. A Injustiça é perene. A falta de justiça também. O favor ainda vence vezes de mais o mérito. O endividamento de todos, país, Estado, empresas e famílias é excessivo e hipoteca a próxima geração. A nossa pertença à União Europeia não é claramente discutida e não provoca um pensamento sério sobre o nosso futuro como nacionalidade independente.
Há poucos dias, a eleição europeia confirmou situações e diagnósticos conhecidos. A elevadíssima abstenção mostrou urna vez mais a permanente crise de legitimidade e de representatividade das instituições europeias. A cidadania europeia é uma noção vaga e incerta. É um conceito inventado por políticos e juristas, não é uma realidade vivida e percebida pelos povos. E um pretexto de Estado, não um sentimento dos povos. A pertença à Europa é, para os cidadãos, uma metafísica sem tradição cultural, espiritual ou política. Os Estados e os povos europeus deveriam pensar de novo, uma, duas, três vezes, antes de prosseguir caminhos sem saída ou falsos percursos que terminam mal. E nós fazemos parte desse número de Estados o povos que têm a obrigação de pensar melhor o seu futuro, o futuro dos Portugueses que vêm a seguir.
É a pensar nessas gerações que devemos aproveitar uma comemoração e um herói para melhor ligar o passado com o futuro.
Não usemos os nossos heróis para nos desculpar. Usemo-los como exemplos. Porque o exemplo tem efeitos mais duráveis do que qualquer ensino voluntarista.
Pela justiça e pela tolerância, os portugueses precisam mais de exemplo de que de lições morais.
Pela honestidade e contra a corrupção, os portugueses necessitam de exemplo, bem mais do que de sermões.
Pela eficácia, pela pontualidade, peco atendimento público e peta civilidade dos costumes, os portugueses serão mais sensíveis ao exemplo do que à ameaça ou ao desprezo.
Pela liberdade e pelo respeito devido aos outros, os portugueses aprenderão mais com o exemplo do que com declarações solenes.
Contra a decadência moral e cívica, os portugueses terão mais a ganhar com o exemplo do que com discursos pomposos.
Pela recompensa ao mérito e à punição do favoritismo, os portugueses seguirão o exemplo com mais elevado sentido de justiça.
Mais do que tudo, os portugueses precisam de exemplo. Exemplo dos seus maiores e dos seus melhores. O exemplo dos seus heróis, mas também dos seus dirigentes. Dos afortunados, cujas responsabilidades deveriam ultrapassar os limites da sua fortuna. Dos sabedores, cuja primeira preocupação deveria ser a de divulgar o seu saber. Dos poderosos, que deveriam olhar mais para quem lhes deu o poder. Dos que têm mais responsabilidades, cujo "ethos" deveria ser o de servir.
Dê-se a exemplo e esse gesto será fértil! Não vale a pena, para usar uma frase feita, dar “sinais de esperança" ou "mensagens de confiança". Quem assim age, tem apenas a fórmula e a retórica. Dê-se o exemplo de um poder firme, mas flexível, e a democracia melhorará. Dê-se o exemplo de honestidade e verdade, e a corrupção diminuirá. Dê-se o exemplo de tratamento humano e justo e a crispação reduzir-se-á. Dê-se o exemplo de trabalho, de poupança e de investimento e a economia sentirá os seus efeitos.
Políticos, empresários, sindicalistas e funcionários: tenham consciência de que, em tempos de excesso de informação e de propaganda, as vossas palavras são cada vez mais vazias e inúteis e de que o vosso exemplo é cada vez mais decisivo. Se tiverem consideração por quem trabalha, poderão melhor atravessar as crises. Se forem verdadeiros, serão respeitados, mesmo em tempos difíceis.
Em momentos de crise económica, de abaixamento dos critérios morais no exercício de funções empresariais ou políticas, o bom exemplo pode ser a chave, não para as soluções milagrosas, mas para o esforço de recuperação do país.

Camões e "Os Lusíadas" para os mais novos

Com a edição do Público de ontem foi vendido, como opção, o livro Os Lusíadas – Episódios fabulosos, com selecção e adaptação do texto feita por Elsa Pestana de Magalhães e ilustrações de Jesús Gabán (Sintra: Girassol Edições).
Em nota introdutória, a autora da adaptação dirige-se ao “pequeno grande leitor” para curta biografia de Camões e para justificar a obra – “Ao adaptarmos esta obra para ti, quisemos que começasses a ter contacto com Os Lusíadas e a conhecer o seu conteúdo. Foi por isso que seleccionámos apenas alguns episódios e lhes demos uma forma reduzida e simplificada, procurando, porém, ser fiel ao sentimento de Camões.”
A intenção é a melhor e o livro afigura-se agradável. As ilustrações são elucidativas e equilibradas e acompanham a história. A selecção dos episódios é adequada, com excertos de todos os cantos e inserindo, por vezes, versos camonianos sem dificultar a compreensão e sem forçar o conjunto do texto. Frequentemente, o discurso não se distancia do registo de Camões, utilizando até as mesmas imagens ou palavras, mas com simplificação e explicação a propósito. O leitor ora se julga perante o texto original, ora se confronta com a adaptação, sem que haja cortes abruptos.
Há, no entanto, algumas dificuldades que seriam bem escusadas, tais como: nem sempre ser evidente quem é o narrador do que está a ser contado; o discurso directo assumir vários parágrafos sem que se perceba no imediato que se continua a "ouvir" a mesma personagem; frequência de mistura de formas verbais no tempo pretérito e no tempo presente no mesmo parágrafo, respeitando a mesma acção; manutenção no texto de alguns termos não usuais que poderiam ter sido substituídos, sem necessidade de recorrer aos significados em rodapé.
Esta é mais uma das obras que vem juntar-se à fortuna editorial em torno de Camões e da adaptação da sua vida e obra visando um público juvenil. Deixo aqui, sem exaustiva preocupação, alguns exemplos, nem todos recentes, mas em que vale a pena manter a aposta: Aventuras do Trinca-Fortes – Pequena história de Camões e do seu poema, de Adolfo Simões Müller (Porto: Livraria Tavares Martins, 1946), com ilustrações de Júlio Resende (em 1980, houve nova edição a cargo do Círculo de Leitores, com ilustrações de Antunes); Os Lusíadas contados aos jovens, de Adolfo Simões Müller (Mem Martins: Publicações Europa-América, 1980), com ilustrações de Fernando Bento; Os Lusíadas de Luís de Camões contados às crianças e lembrados ao povo, de João de Barros (Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1930), com ilustrações por Martins Barata (em 2008, houve nova edição, com ilustrações de André Letria); Camões, poeta mancebo e pobre, de Matilde Rosa Araújo (Lisboa: Prelo, 1980), com ilustrações de Maria Keil; Chamo-me… Luís de Camões, de Zacarias Nascimento (Lisboa: Didáctica Editora, 2007), com ilustrações de Ernesto Neves; Barbi-Ruivo – O meu primeiro Camões, de Manuel Alegre (Lisboa: Dom Quixote, 2007), com ilustrações de André Letria; "Os Lusíadas" para os mais pequenos, de Alexandre Honrado (Porto: Âmbar, 2008), com ilustrações de Maria João Lopes; Era uma Vez um Rei que Teve um Sonho: Os Lusíadas Contado às Crianças, de Leonoreta Leitão (Lisboa: Dinalivro, 2007). Quanto a adaptações em bd, lembro: Os Lusíadas em banda desenhada, por José Ruy (Lisboa: Editorial Notícias, 1983); Camões aos quadradinhos, por Rui Pimentel e Jorge Serrão (Lisboa: Aguiar & Dias, s/d) e Camões, por Carlos Alberto Santos (Porto: Edições ASA, 1990).
[A ordem por que se reproduzem as capas dos livros segue a da entrada dos mesmos no texto.]

sexta-feira, 6 de março de 2009

António Barreto: quatro dicas

António Barreto foi recentemente nomeado para presidir às comemorações do 10 de Junho. A revista Visão, na sua edição de ontem, fez-lhe curta entrevista, de que respigo alguns excertos:
10 de Junho - "Trata-se de uma comemoração institucional, que apela à memória da comunidade nacional. Poderá também ser, mais do que uma festa de júbilo narcisista, um momento de estímulo à consciência colectiva. (...) Não se espere que esta comemoração seja rica em soundbites ou escândalos. Não é o momento para isso. A melhor inspiração é a do discurso de Jorge de Sena, no 10 de Junho de 1977, na Guarda. É oportuno hoje voltar a ler!"
Balanços - "Muito crítico e preocupado relativamente à situação actual de crise nacional, europeia e mundial. E obcecado com a procura de caminhos e de soluções."
Congresso Socialista - "Uma enorme solidão. Muito bem organizada."
Temas para Livros Brancos - "Justiça, Educação, acesso à Universidade, Serviço Nacional de Saúde, desemprego jovem, em particular dos mais qualificados, com o 12º ano ou cursos superiores. Todos estes são excelentes temas."

terça-feira, 10 de junho de 2008