Mostrar mensagens com a etiqueta José Tolentino Mendonça. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta José Tolentino Mendonça. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Brincar, como acção amorosa


 

O que pode acontecer se ouvirmos duas dúzias de pessoas com idades entre os 70 e os 100 anos para nos falarem sobre o brincar? Provavelmente, o mesmo que sucedeu aos entrevistadores João Pedro Santos, Leonardo Silva, Paula Moita e Vanessa Iglésias Amorim, que, em Setúbal, fizeram dessa experiência uma forma para acordar “a memória que fica registada no corpo durante o acto de brincar”, capaz de “trazer os sorrisos mais genuínos que podemos ver num Ser Humano”. A conclusão foi simples, mas muitas vezes contrariada ao longo dos tempos e das educações: “brincar é realizar a infância, é inventar o próprio tempo, onde os corpos são livres através do jogo e do amor.”

Memórias e considerações sobre essa “realização da infância” constam no livro Museus de brincar (Dar cor à vida, 2022), de cujo prefácio são extraídas as citações utilizadas, obra coordenada por Leonardo Silva e Paula Moita.

Por sete capítulos passam o brincar e a sua interpretação em termos sociológicos, mundo e tempo sempre contextualizados em função da sociedade, da economia, da política, dos espaços e das formas de vida, ressaltando perante o leitor o mundo das diferenças, pois “ser criança e poder brincar para muitos era privilégio e para outros era sonho e resistência”. Por outras palavras: ser criança nem sempre foi fácil, uma vez que a educação a relegou, por muito tempo, para o ponto mais frágil da ordem social e, como tal, dependente da formatação que a sociedade lhe oferecesse, fosse na família ou na escola. Assim se compreenderão as diversidades de tratamento de acordo com o género - os rapazes iam à escola, mas as raparigas não, pois tinham o trabalho da casa para fazer; raparigas e rapazes tinham brincadeiras diferentes; etc. Por outro lado, a duração da infância afigura-se nestes testemunhos como algo discutível, pois, em muitas situações, ela foi rápida, determinada pela dificuldade - se a nonagenária Conceição Pereira testemunhou ter sido “pouco criança” e o octogenário Ciríaco Visitação lembrou que, “a partir dos 10/11 anos”, deixou “de ter infância”, o que, na verdade, querem dizer é que o mundo do trabalho começou muito cedo, tornando-se limitada essa fase de crescimento.

É curioso verificar como a sociabilidade infantil, no entanto, se foi construindo: algo que foi variando, mas que teve como cadinho a distância da família, a rua, a vizinhança, a necessidade de inventar brincadeiras e brinquedos (muitas vezes construídos a partir do mundo dos adultos), universos amplos para a imaginação e para o estabelecimento de relações, para descobrir mundos - “a bola era feita de meia de mulher, depois enrolava-se e punha-se papéis lá dentro” (Manuel Lúcio dos Santos); “íamos às modistas e pedíamos bocadinhos de trapo e fazíamos umas bonequinhas com uns trapos e um bocadinho de linha” (Maria Dilar Pimpão); “o meu pai tinha um torno e eu comecei a fazer piões para jogar, também os fazia para os meus colegas de escola” (José Gonçalves); “fazíamos partidas, fazíamos umas às outras trinta por uma linha, brincávamos com farinha e enchíamos a cara umas das outras, outras vezes era com carvão” (Suzete do Carmo).

Testemunho e recolha interessantes, este livro leva-nos a outros tempos, é verdade, mas também chega ao presente, em que as mesmas personagens optaram por reconhecer o valor do brincar e da sua importância na educação dos netos e bisnetos, assim mostrando como é verdadeira a definição de José Tolentino Mendonça na obra O hipopótamo de Deus e outros textos (2010): “Brincar significa agir, não a partir do necessário ou utilitarista, mas como pura expressão gratuita, amorosa.”

J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 942, 2022-10-19,  p. 10.


terça-feira, 12 de abril de 2022

Centésima crónica - Dos livros



De livros, e do que deles fica, se tem falado por aqui. Na centésima crónica, algumas justificações para a leitura e para os livros. Diversificadas, mas sempre com o prazer da leitura e do livro em fundo, por alguns dos que escrevem.
Afonso Cruz: “Os livros são seres pacientes. Imóveis nas suas prateleiras, com uma espantosa resignação, podem esperar décadas ou séculos por um leitor.” - O vício dos livros (2021).
Alice Brito: “Pode-se frequentar um livro, um verso, uma página. Há livros que têm melhor vida que outros. Em carícias, sublinhados, empréstimos, conversas e paráfrases. Há livros que têm mesmo uma vidinha de lordes. Emprestam imaginários, personagens e vistas largas. São referidos, referenciados, estudados com deleite. São lidos por muitos olhos. À noite, de dia, às escâncaras ou clandestinamente. É a vida. Também há alguns que não valem nem o papel que gastam. Só dizem parvoíces.” - As mulheres da Fonte Nova (2012).
Aquilino Ribeiro: “Para uma criança, livraria que ela possa revolver e folhear à vontade é divertida como um presépio e mais instrutiva que uma escola. Frontispícios, gravuras, cul-de-lampes, vinhetas, que curso de humanidades!” - Anatole France (1923).
Dulce Maria Cardoso: "Os livros oferecem-se sem escolha a todos os que os quiserem ler. E, se redimem, fazem-no de forma tão caótica e tão insondável que ninguém poderá ter nisso qualquer esperança. Talvez os livros escrevam direito por linhas tortas. Como Deus." - na antologia O Prazer da Leitura (2011).
Eduardo Lourenço: “O relacionamento com os livros – que vem de todos os livros que a gente lê quando é jovem – torna-os bocados de nós próprios. São as tábuas privadas das nossas leis. As escritas e as não escritas.” - em entrevista a Carlos Vaz Marques, em Os escritores (também) têm coisas a dizer (2013).
Eugénio Lisboa: “Quando um livro nos impressiona e marca profundamente, a seguir a ele, nenhum outro livro nos parece apetecível.” - Vamos ler - Um cânone para o leitor relutante (2021).
João Bigotte Chorão: “Os livros podem fazer um erudito, mas é duvidoso que tornem civilizado quem o não seja.” - Diário 2000-2015 (2017).
José Régio: “Como eu gosto, espapaçado na cadeira, de olhar os meus livros alinhados na estante! São como soldados em fila. E às vezes, caem sobre mim, esmagando-me de visões. Não vejo quase nada. As frases saem-me aos solavancos.” - Páginas do diário íntimo (1994).
José Tolentino Mendonça: “Em tantos momentos da história, os livros foram (e são!) remos para guiar a jangada.” - O que é amar um país - O poder da esperança (2020).
Maria Judite de Carvalho: “Quem não lê não sabe o que perde. Os livros são os nossos melhores amigos, é uma frase feita mas é uma frase certa. Amigos que nos ajudam, que nos acompanham, que nos enriquecem com o seu saber, que nos dão momentos agradáveis de fuga ao quotidiano ou momentos pouco agradáveis mas necessários de chamamento à pedra da vida.” - Diários de Emília Bravo (2018).
Rita Ferro: “Livros são bússolas que me guiam nos momentos sem Deus, substitutos de um misticismo que não me foi destinado, ou que a vida, com os anos, foi dissolvendo.” - Veneza pode esperar - Diário 1 (2014).
Serafim Ferreira: “O livro será o melhor instrumento para decifrar todos os códigos e desvendar os paraísos artificiais (ou não) que pela eternidade hão de alimentar a aventura do homem.” - Olhar de Editor (1999).
Valter Hugo Mãe: “Nenhum livro se faz sem essa rendição à maravilha em detrimento da verdade.” - Contra Mim (2020).
* J. R. R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 826, 2022-04-12, p. 11.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Histórias dos avós na memória



Em 7 de Dezembro de 1998, perante a Academia Sueca, José Saramago iniciava o seu discurso por uma evocação: “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos. (...) Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro.”

A intenção de Saramago era falar sobre as personagens da sua ficção, inspiradas em pessoas que conheceu e que trabalhou literariamente. Nessa intervenção, que pode ser lida em Último caderno de Lanzarote (2018), Jerónimo e Josefa são apresentados: “bom carácter”, muito pragmáticos, sábios e... sonhadores - a avó, já viúva, confessou ao neto: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer”; o avô, pressentindo a chegada da morte, “foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver.” Pelos tempos, ficou ainda a sabedoria do avô, superior contador de histórias, alimento da imaginação do neto: “Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo.”

Igual fascínio pelos avós traz José Tolentino Mendonça no seu mais recente livro de poesia, Introdução à pintura rupestre (2021), peregrinação à infância por onde passam os avós e uma poderosa lembrança da avó num texto final, retomado de outro publicado em 2014: “A minha avó analfabeta (...) foi o meu bosque, a minha viagem, o meu livro. E também um primordial amor.” Já noutra obra, O que é amar um país - O poder da esperança (2020), o poeta madeirense reconhecia: “Quando tomei posse como arquivista e bibliotecário da Santa Sé, uma das referências que quis evocar foi a da minha avó materna, que era uma mulher analfabeta, mas que foi para mim a primeira biblioteca. Em criança, eu pensava que as histórias que contava, ou as cantilenas com que entretinha os netos, eram coisas de circunstância, inventadas por ela. Depois descobri que faziam parte do romanceiro oral da tradição portuguesa. E que afinal aquela avó analfabeta estava, sem que nós o soubéssemos, e provavelmente sem que ela própria o soubesse, a mediar o nosso primeiro encontro com os tesouros da cultura.”

As imagens que dos avós se conservam são habitualmente felizes e nem sempre fáceis de fazer passar. Rita Ferro sentiu-o quando pensou escrever a biografia do avô, António Ferro, figura pública. Depois de várias tentativas e de confrontos com opiniões sobre o seu avô, decidiu adiar o projecto, como refere no diário Veneza pode esperar (2014): “Penoso, pois, um trabalho sobre o meu avô de uma perspectiva consanguínea, particular e desalinhada. (...) Tenho uma ideia íntima de António Ferro, precisa como um retrato e pessoal como uma moldura. É essa e não outra que um dia gostaria de escrever.”

A imagem dos avós é algo de grandioso, alimentada graças às histórias transmitidas, ao saber, ao carácter e a uma visão positiva da vida.  Daí que a personagem de António Canteiro, no romance Vamos então falar de árvores (2020), diga: “Nós, os netos, somos feitos a partir da massa de tender dos avós, a partir das histórias que nos contam e ficam na memória para sempre.”

* J.R.R. O Setubalense: nº 726, 2021-11-03, p. 9.


quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Tolentino Mendonça: Ler Frei Agostinho da Cruz hoje



Em 3 de Janeiro, o salão nobre da Câmara Municipal de Setúbal encheu-se para a conferência de José Tolentino Mendonça sobre o arrábido Frei Agostinho da Cruz, corriam as celebrações do IV Centenário da Morte e do 480º Aniversário do Nascimento do frade que veio das margens do Lima para as do Sado para uma vida de contemplação, oração e poesia na Arrábida.

Oportuna e intensa foi a intervenção do cardeal madeirense, arquivista-bibliotecário da Santa Sé e poeta. Para lembrar a mensagem, a Câmara Municipal de Setúbal promoveu a edição da conferência sob o título A actualidade de Frei Agostinho da Cruz, contendo, em adenda, as intervenções de saudação de Maria das Dores Meira (Presidente da Câmara) e de Ruy Ventura (comissário diocesano das comemorações) e a de encerramento, por D. José Ornelas, prelado sadino.

A oportunidade da leitura de Tolentino Mendonça resulta da pertinência que os poemas do frade arrábido mostram para o nosso presente. Quase no início do texto, o desafio é lançado: a intenção “não é a de revisitar simplesmente um nome insigne do passado, mas de arriscar um diálogo que faça ressoar, mesmo que muito sumariamente, a importante actualidade de Frei Agostinho da Cruz”, assim se sublinhando a grandeza da figura sobre quem se fala e a perspectiva do diálogo cultural, tornando essa mesma figura um elemento importante para se pensar o hoje.

O ponto de aproximação é o da ideia de “crise”, presente no tempo de Agostinho por um certo desmoronamento “da visão humanista do Renascimento”, num mundo “desgovernado, caótico e trágico”, e presente hoje através de marcas como a “diminuição da confiança nas instituições”, a “falência da ideia vigente de desenvolvimento e de progresso como motores do equilíbrio social” e a “revisão e reinterpretação” dos “pressupostos identitários”. Assim, criadas estão as condições para uma reflexão sobre o destino do Homem, sendo a opção de vida do homenageado entendida como “um laboratório de pensamento acerca do significado último da nossa humanidade”.

Enaltecida é a qualidade que o espaço, a Arrábida, tem para Frei Agostinho - pela intensidade do vivido, ela é vista como “a expressão mais forte e radical do franciscanismo na sua luta pelo culto das origens”, isto é, ali “estavam, na verdade, a acontecer coisas”, testava-se “um silêncio que alterava a palavra” e uma “solidão que iluminava de forma nova a experiência humana”. Por aqui passando, Tolentino Mendonça é crítico relativamente ao “antropocentrismo cego” que caracteriza o nosso tempo e enaltece a conjugação que Frei Agostinho fez entre “um movimento interno de depuração” e “uma ampliação da capacidade contemplativa”, na demanda da “voz silenciosa da natureza como exaltação privilegiada da música de Deus”. O frade arrábido é, assim, apresentado como o iniciador de um percurso de conversão, surgindo o homem vocacionado para ser “cantor do real”, num “horizonte que é a festa” da vida, nos seus caminhos de descoberta do saber e de construção de uma “arte da existência”, talvez a essencial mensagem.

Revela-se de esperança a análise que Tolentino Mendonça faz passar, com referências cruzadas de textos bíblicos e de nomes como Afonso Medina, Anders Retzius, António da Piedade, Daniel Faria, Erich Fromm, Françoise Dolto, José Mattoso, Maria de Lourdes Belchior, Martino Martini, Nietzche, Papa Francisco, Pedro de Alcântara, Rodrigo de Deus, Sebastião da Gama, Silva Dias, Sophia ou Walter Benjamin, todos contribuindo para a construção de um homem que se quer mais profundamente humano e em harmonia com o universo, desafio que, mais do que nunca, temos à nossa frente.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 451, 2020-08-26, pg. 10.


quarta-feira, 27 de maio de 2020

E, de repente... pensar o futuro



E, de repente... ela abateu-se sobre nós. Num tempo em que todos acreditávamos que estaríamos defendidos de pestes, eis que, vinda do lado nascente, sem se anunciar, paulatinamente, ela surgiu, a pandemia, criando desequilíbrios, morte, apreensão, mudanças. Arrastados, transformámos o nosso estar, o nosso olhar, o nosso sentir, a nossa linguagem. E agarrámo-nos ao sonho de que “tudo vai ficar bem”. Mas, no fundo, o medo acompanha-nos. Isso, o medo. É novidade para nós mas não para a Humanidade, que já conhece narrações como a de Boccaccio (em Florença) ou a de Camus (em Oran)...
Há uns anos, noutra crise, essa de cariz económico, Rui Zink escreveu um texto notável sobre o nosso sentir, A instalação do medo (Teodolito, 2012), referindo: “A ‘crise’ é sempre ‘económica’. As ‘reformas’ são sempre ‘estruturais’. O ‘futuro’ é sempre ‘melhor’. Ou ‘para os nossos filhos’. As ‘medidas’ são sempre ‘necessárias’. Se não fossem necessárias não seriam medidas. Não há alternativa. (…) Os outros fazem política. Nós não fazemos política. A nossa política é a virtude. A nossa política é o trabalho. A nossa política é o medo.” É este medo que nos leva a idealizar que, no futuro, “tudo vai ficar bem”. Assim como quem diz que, por agora, não sabemos o que pode acontecer. Assim como quem diz que esse sonho aniquila o presente sofrido, angustiado. Assim como também escreveu Afonso Cruz nesse romance curioso intitulado Jesus Cristo bebia cerveja (2012): “Conhecer o futuro dá cabo do presente.” Contudo, conseguimos equilibrar a dose de angústia e de curiosidade, de realização e de idealização, neste oscilar entre tempos, através de algumas saídas que preenchem o nosso quotidiano, pois, “embora nos pese toda a indefinição ou os maus prognósticos, conservamos em relação ao futuro uma expectativa que nunca é completamente fechada. Quem sabe? – insistimos nós.” Quem isto escreveu foi José Tolentino Mendonça numa crónica depois reunida no livro Que coisa são as nuvens (Expresso, 2015). O “quem sabe?” é a frincha por onde almejamos que o futuro seja a realidade que agora imaginamos, pelo menos um esgar dessa imaginação...
Daí que, verdade lapaliciana, vale a pena acreditar no futuro. Sobretudo porque sabemos que este presente a que nos habituámos e que temos continuamente feito tem tido muito do que o futuro vai ter e tem tido falta de coisas que o futuro vai trazer. As primeiríssimas questões estarão relacionadas com um diferente olhar sobre nós e sobre o outro e sobre a maneira como nos integramos no mundo e o transformamos. E estas serão questões de vida, que permitirão transformar o conflito em coisas positivas. Como pôs Baptista-Bastos, em As bicicletas em Setembro (2007), “todos os dias constituem o abismo quotidiano do futuro.”
O presente, que todos estamos a entender como um tempo de aprendizagem e desafio nunca experimentado (porque nunca passámos por isto, apesar de os nossos antepassados já o terem sofrido), tem de nos dar pistas para o que há a vir. Somos importantes, muito importantes, num espaço partilhado que nos permite sentir, respirar, trabalhar, viver... a nossa “casa comum”, como tão bem o definiu o Papa Francisco. Se há lição para o futuro é a deste questionar que nos temos de fazer quanto ao nosso contributo para o destino desta “casa” que é o espaço da Humanidade, mesmo que isso tenha de passar por uma outra visão do que seja o nosso “bem-estar”, absolutamente necessário, mas diferente, outro. Um futuro consentâneo connosco. E seja-me permitido usar o humor de António Manuel Ribeiro, o músico que, em Todas as faces de um rosto (2002), escreveu, a propósito das intenções para o devir e por causa de uma situação totalmente diversa: “Meu Deus, porque me hão de perguntar, no fim de cada entrevista, quais os meus planos para o futuro? Haverá, porventura, planos para o passado? E se o novo disco saiu agora que me interessa planear já outro futuro? Que cartilha é esta onde todos foram beber a arte de entrevistar? Planos para o futuro? Olhe, continuar a respirar, mudar as cordas da guitarra e brincar com o meu cão. Chega?”
Simples? Não, complexo. Mas o desafio passa por esta selecção sobre o que é essencial para que o humano o seja.
* Magazine Synapsis: nº 14, Primavera.2020, pp. 30-31.