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quarta-feira, 5 de maio de 2021

António Manuel Ribeiro: de Almada para o Mundo


“Estamos em guerra - mas a invasão não é visível em colunas militarizadas, é invisível e não escolhe objectivos - vai a eito.” Fulminante, este texto de 13 de Março de 2020, início de confinamento e de pandemia! Oito meses depois, em 13 de Novembro, o título “Tenho saudades do meu país” choca e explica-se: “Que é o mesmo que dizer que tenho saudades de vós, da estrada negra que brilha, da poeira dos recintos, do som insistente da afinação da bateria (que me leva a fugir para longe), tenho saudades desse mosaico que é a festa de um espectáculo com os UHF entre os seus.”

Entre as duas datas, 52 crónicas e uma entrevista, assinadas por António Manuel Ribeiro, incluídas no livro De Almada para o Mundo - Crónicas do Isolamento (Aiemera, 2020), publicação que integrou um “cd” com o mesmo título, registo áudio do MMC (“Momento Musical Caseiro”) de 26 de Setembro. Os textos são provenientes das publicações facebookianas quase na totalidade; a gravação vale pelas onze músicas, mas também por homenagear a iniciativa que os UHF levaram a cabo quase semanalmente, os MMCs, iniciada em 11 de Março (cuja 52ª edição ocorreu há dias, em 1 de Maio), forma de o grupo contactar o mundo ao longo do confinamento, a partir de casa, tempo diferente que os músicos cruzaram “sem lamúrias, diminuídos de movimentos na estrada mas com o pensamento livre para criar o futuro”. 

As crónicas de António Manuel Ribeiro estão povoadas por uma vontade de partilhar vida e de fomentar a esperança, como se propõe em 14 de Março - “Não estou chateado, nem sequer deprimido, estou no meu aquário de escrita e canções. Mudei as minhas rotinas; sigo as directivas do governo. Aqui virei, pelo menos todos os dias, dar-vos o melhor de mim, a minha confiança.” Percebe o leitor que a permanência desta tónica se deve à necessidade de reforçar a forma de se ser humano - “ergam a vossa bonomia, cultivem o equilíbrio, desfrutem da alegria das pequenas coisas, não lutem com o medo, não existe, não o vêem e gasta muito de vós”, apela três dias depois. O convite para as precauções é permanente, lembrando a cada um a respectiva responsabilidade de ser.

Os temas abordados são plurais - o estado da arte, a coerência, aspectos biográficos e figuras da família, o significado das datas, as leituras feitas, a ligação às geografias da sua vida, situações do quotidiano, memórias de espectáculos, a discussão política, o olhar crítico, a cidadania, a liberdade, o papel dos “media”, o tratamento da língua portuguesa, uma panóplia de reflexões sobre a forma de ser e de estar, pautadas pelo desejo de comunicar e levar os outros a comunicarem e a serem um contributo para a solução necessária. O menos positivo do mundo também perpassa pelo quotidiano das crónicas - Bolsonaro e Trump, a morte do cidadão americano pelo joelho do polícia, o conflito do presente com a História do passado mais ou menos distante, o “drink” para que a ministra convidou os jornalistas, a “informação-covid”, a ilusão do “vai ficar tudo bem”...

Ficam também momentos sentenciosos importantes, pela aprendizagem que pressupõem e para que nos convidam, como este, de 29 de Maio: “Nunca me lamento, perante a realidade menos apetecível procuro uma saída. (...) Aprendi só a ser o que sou - um ser humano, não um ter humano. Um SER - do verbo nasce a acção.” Um pensamento que pode ser uma orientação, como vários outros que pelo livro circulam.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 615, 2021-05-05, p 5.


quarta-feira, 27 de maio de 2020

E, de repente... pensar o futuro



E, de repente... ela abateu-se sobre nós. Num tempo em que todos acreditávamos que estaríamos defendidos de pestes, eis que, vinda do lado nascente, sem se anunciar, paulatinamente, ela surgiu, a pandemia, criando desequilíbrios, morte, apreensão, mudanças. Arrastados, transformámos o nosso estar, o nosso olhar, o nosso sentir, a nossa linguagem. E agarrámo-nos ao sonho de que “tudo vai ficar bem”. Mas, no fundo, o medo acompanha-nos. Isso, o medo. É novidade para nós mas não para a Humanidade, que já conhece narrações como a de Boccaccio (em Florença) ou a de Camus (em Oran)...
Há uns anos, noutra crise, essa de cariz económico, Rui Zink escreveu um texto notável sobre o nosso sentir, A instalação do medo (Teodolito, 2012), referindo: “A ‘crise’ é sempre ‘económica’. As ‘reformas’ são sempre ‘estruturais’. O ‘futuro’ é sempre ‘melhor’. Ou ‘para os nossos filhos’. As ‘medidas’ são sempre ‘necessárias’. Se não fossem necessárias não seriam medidas. Não há alternativa. (…) Os outros fazem política. Nós não fazemos política. A nossa política é a virtude. A nossa política é o trabalho. A nossa política é o medo.” É este medo que nos leva a idealizar que, no futuro, “tudo vai ficar bem”. Assim como quem diz que, por agora, não sabemos o que pode acontecer. Assim como quem diz que esse sonho aniquila o presente sofrido, angustiado. Assim como também escreveu Afonso Cruz nesse romance curioso intitulado Jesus Cristo bebia cerveja (2012): “Conhecer o futuro dá cabo do presente.” Contudo, conseguimos equilibrar a dose de angústia e de curiosidade, de realização e de idealização, neste oscilar entre tempos, através de algumas saídas que preenchem o nosso quotidiano, pois, “embora nos pese toda a indefinição ou os maus prognósticos, conservamos em relação ao futuro uma expectativa que nunca é completamente fechada. Quem sabe? – insistimos nós.” Quem isto escreveu foi José Tolentino Mendonça numa crónica depois reunida no livro Que coisa são as nuvens (Expresso, 2015). O “quem sabe?” é a frincha por onde almejamos que o futuro seja a realidade que agora imaginamos, pelo menos um esgar dessa imaginação...
Daí que, verdade lapaliciana, vale a pena acreditar no futuro. Sobretudo porque sabemos que este presente a que nos habituámos e que temos continuamente feito tem tido muito do que o futuro vai ter e tem tido falta de coisas que o futuro vai trazer. As primeiríssimas questões estarão relacionadas com um diferente olhar sobre nós e sobre o outro e sobre a maneira como nos integramos no mundo e o transformamos. E estas serão questões de vida, que permitirão transformar o conflito em coisas positivas. Como pôs Baptista-Bastos, em As bicicletas em Setembro (2007), “todos os dias constituem o abismo quotidiano do futuro.”
O presente, que todos estamos a entender como um tempo de aprendizagem e desafio nunca experimentado (porque nunca passámos por isto, apesar de os nossos antepassados já o terem sofrido), tem de nos dar pistas para o que há a vir. Somos importantes, muito importantes, num espaço partilhado que nos permite sentir, respirar, trabalhar, viver... a nossa “casa comum”, como tão bem o definiu o Papa Francisco. Se há lição para o futuro é a deste questionar que nos temos de fazer quanto ao nosso contributo para o destino desta “casa” que é o espaço da Humanidade, mesmo que isso tenha de passar por uma outra visão do que seja o nosso “bem-estar”, absolutamente necessário, mas diferente, outro. Um futuro consentâneo connosco. E seja-me permitido usar o humor de António Manuel Ribeiro, o músico que, em Todas as faces de um rosto (2002), escreveu, a propósito das intenções para o devir e por causa de uma situação totalmente diversa: “Meu Deus, porque me hão de perguntar, no fim de cada entrevista, quais os meus planos para o futuro? Haverá, porventura, planos para o passado? E se o novo disco saiu agora que me interessa planear já outro futuro? Que cartilha é esta onde todos foram beber a arte de entrevistar? Planos para o futuro? Olhe, continuar a respirar, mudar as cordas da guitarra e brincar com o meu cão. Chega?”
Simples? Não, complexo. Mas o desafio passa por esta selecção sobre o que é essencial para que o humano o seja.
* Magazine Synapsis: nº 14, Primavera.2020, pp. 30-31.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Para a agenda: António Manuel Ribeiro apresenta "És meu, disse ela"



António Manuel Ribeiro conta a sua experiência autobiográfica em És meu, disse ela, obra a apresentar em Setúbal em 16 de Fevereiro, pelas 21h00, na Biblioteca Municipal. Sobre a obra falarão Manuel Fonseca e Alexandrina Pereira. Uma realização da Casa da Poesia de Setúbal. Para a agenda!