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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Contributo de Daniel Pires para a bibliografia setubalense (2)

 


As imagens da região de Setúbal vindas através da poesia tinham já ocupado Daniel Pires em 2001, quando uma equipa que integrou também Fernando Marcos e António Quaresma Rosa organizou a exposição Setúbal - Terra de Poetas e Cantadores, reunindo uma centena de autores e 349 títulos, recenseados em catálogo, em cuja introdução se insistia na “dinamização cultural da cidade de Setúbal e reconstituição da sua memória”, surgida de “investigação aturada” que pretendia uma “perspectiva diacrónica da poesia de matriz setubalense”, coligindo os nomes conhecidos e “os populares e os menos consagrados”. Assim se originava uma obra que, mais do que uma lista, se transformou num elemento de estudo, fornecendo pequena antologia e notas biográficas sobre os autores, atitude que visava a luta contra a efemeridade das exposições, “fazendo a ponte com os investigadores vindouros que pretendam conhecer a identidade cultural da cidade”, afinal uma obra para poder ser uma referência de estudo e de conhecimento.

A criação do Centro de Estudos Bocageanos (CEB) em 1999 surgiu de uma intervenção de Daniel Pires no Forum “Pensar Setúbal”, realizado no mês de Maio desse ano, em que defendeu a criação de um centro de estudos e de informação sobre o vate sadino, com a preocupação de o âmbito de estudos ser alargado a outras temáticas locais. A ideia conseguiu agregar cerca de 80 pessoas, que foram os sócios fundadores do CEB, e, nos estatutos, publicados em 1 de Outubro seguinte, eram claras as intenções: divulgar a obra e a personalidade de Bocage, “fazer o enquadramento dos escritores locais e nacionais e dinamizar culturalmente a cidade de Setúbal”. Cerca de um mês e meio depois, em 22 de Dezembro (no dia a seguir ao que marca o falecimento de Bocage), o jornal O Setubalense incluía o primeiro número do que foi a “Página Cultural” do CEB, assinando Daniel Pires um texto que revelava uma antiga e rara tradução italiana de um poema bocagiano. A “Página Cultural”, de publicação mensal, prolongou-se até ao número 155, saído em 29 de Abril de 2013, sempre com uma abordagem de assuntos de interesse local e regional, por onde passaram investigadores, escolas e criadores artísticos, numa pluralidade de saberes. Daniel Pires, além de ter sido seu co-coordenador durante uma temporada, aí fez ampla divulgação de textos esquecidos e publicou ensaios relacionados com figuras locais (como Bocage, o poeta popular Calafate e o historiador João Carlos de Almeida Carvalho), com a implantação do regime republicano e suas marcas em Setúbal ou com histórias da educação, entre outros temas, chegando a defender que o CEB deveria ser o motor da constituição de uma Biblioteca de Fundo Local com vista ao “estudo do património cultural da cidade”.

Nesta missão divulgadora, Bocage tem sido, sem dúvida, a figura mais tratada por Daniel Pires, estudo em que nunca esquece a contextualização de Setúbal à época da juventude do poeta, seja colhendo elementos descritivos, seja pela demanda de iconografia sua contemporânea, reveladora do que eram o espaço e a vida sadinos, como se pode ver, por exemplo, nesse repositório de imagens que é a obra Bocage - A Imagem e o Verbo, editado em 2015. Outros contributos como a colecção de postais Bocage na Prisão, de 1999, o baralho de cartas designado Bocage e a sua Época, de 2005 (em colaboração com Manuel de Vilhena), ou a reedição das Fábulas de Bocage, em 2000 (a partir da edição de 1905), mantendo o mesmo espírito de ligação do poeta à região, apresentam também objectivos de divulgação junto do grande público, particularmente em idade escolar, visando o desfazer de imagens fáceis construídas em torno do poeta, como a do herói das anedotas, e dando-lhe a visibilidade merecida como actor de uma época ideologicamente conturbada.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: nº 1422, 2024-11-27, p. 10

 

domingo, 11 de outubro de 2020

Memória de António Maria Eusébio, o Calafate e Cantador de Setúbal

 


Em 1908, Henrique das Neves (1841-1915) publicava em Lisboa a obra O Cantador de Setúbal António Eusébio (Calafate) - Apreciações críticas da sua personalidade coligidas da imprensa e de cartas particulares, título indispensável para o conhecimento do poeta evocado, pela quantidade de testemunhos recolhidos, pela diversidade de abordagens, pelo facto de a maior parte dos contributos advirem de publicações periódicas, correspondência ou momentos circunstanciais, que correriam o risco de se perder se esta iniciativa não tivesse existido.

Henrique das Neves, que se reformou como general, esteve no exército em Setúbal, aqui tendo feito amizade com António Maria Eusébio (1819-1911), graças à qual o nome do poeta “Calafate” pôde ficar registado em adequada bibliografia. A mais antiga referência escrita ao “Cantador de Setúbal” é assinada por Henrique das Neves no periódico Jornal de Setúbal, em Fevereiro de 1868, aí se descrevendo as suas qualidades e reproduzindo um conjunto de sete décimas. Três décadas passariam e, em 1901, o mesmo signatário avançou com a publicação Versos do Cantador de Setúbal, que mereceu prefácio de Guerra Junqueiro. A partir daí, a obra do Calafate passou a ser publicada em folhetos para venda na rua e nas feiras, assim constituindo um contributo para a subsistência do poeta octogenário e de sua mulher até ao falecimento de ambos no mesmo ano.

Para assinalar o bicentenário do nascimento do poeta, Daniel Pires e Ana Margarida Chora organizaram a obra António Maria Eusébio, o Calafate - Uma evocação, recentemente dada à estampa pelo Centro de Estudos Bocageanos, trazendo para o leitor de hoje grande parte dos textos que Henrique das Neves coligiu em 1908 e acrescentando outros publicados após essa data, com passagem por diversos arquivos. A abrir esta recolha, Daniel Pires considera que a poesia do Calafate “reflecte valores éticos elevados, pugna pela justiça social, por direitos humanos inalienáveis, tantas vezes postergados, então, no país”, enquanto Ana Chora estabelece as diferenças entre a poesia tradicional e os poetas populares, sendo que a estes, na época de António Eusébio, “as elites prestaram particular atenção”, haja em vista “a espontaneidade, a filosofia popular e a ironia” ou, “na forma, uma musicalidade imperativa e um ritmo que se precipita em função da própria lógica do conteúdo” que os caracterizam.

Classificado como “herói do improviso” (Manuel Envia), um dos “Homeros da viola” (Afonso Lopes Vieira), próximo de Nicolau Tolentino (Henrique das Neves), o “último troveiro” (Augusto da Costa), o detentor da “beleza única, a beleza moral” (Guerra Junqueiro), um “repentista e improvisador extraordinário” (Fernando Cardoso), “um caso de inteligência poética” (Fialho de Almeida), o poeta António Maria Eusébio foi longe, com uma recepção transversal a toda a sociedade. Leite de Vasconcelos, que palmilhou o país na busca da cultura popular, leu-o e registou: “tem grande poder de observação - pinta tudo o que vê em volta de si, discute os assuntos que no momento preocupam a opinião pública, verbera, com mordaz ironia, o que na vida ou na sociedade lhe não agrada.” E estas são, de facto, algumas das marcas que a sua poesia revela notavelmente.

Esta obra organizada por Daniel Pires e Ana Margarida Chora colige cerca de oitenta contributos sobre o Calafate, da prosa à poesia, da memória à notícia, do ensaio à biografia, tornando-se (apesar de alguns descuidos nas referências bibliográficas apresentadas) um elemento indispensável para o conhecimento da importância do Cantador de Setúbal. Uma bela forma de o evocar, dando-o a conhecer!

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 481, 2020-10-08, pg. 10.

sábado, 23 de maio de 2020

Lina Soares: Pelo Sado, com Bocage e Marília



Em 1758, Jerónimo Afonso Botelho, cura da paróquia setubalense de Santa Maria, respondeu ao questionário feito pelo padre Luís Cardoso e, quanto à possibilidade de já ter sido tirado ouro do Sado, não hesitou: “Não sei se das suas areias se tirasse ouro, mas não duvido que o tenham. (...) Se algum poeta quiser dar às águas do Sado o epíteto de douradas, aprovarei (...) porque, em muitos lugares, resplandecem como ouro.” Décadas passariam para que o rio fosse identificado por uma cor, a azul, graças a um poeta aqui chegado para ser médico, Luís Cabral Adão.
Que o rio que desagua em Setúbal pode ser matéria poética, disso não duvidou Bocage quando se despediu do seu “pátrio Sado”, numa das poucas referências à sua terra no muito que escreveu. E foi Bocage a personagem escolhida por Lina Soares para um percurso histórico-cultural nas duas margens do rio, do estuário à nascente, por uma das margens, e daqui até à foz, pela outra, num registo em que não faltam os poemas do vate nem o sentir poético - Elmano e Marília - Uma viagem no Sado (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2019) é a obra que quer “dar a conhecer as histórias reais e lendárias” em torno do rio, evocando um poeta maior e a sua musa Marília.
Esta viagem no rio faz-se sobretudo através de palavras - desde logo para contar a história dos nomes que teve, desde “Callipus” (do tempo dos Romanos) até “Sádão” e, depois, “Sado” - cujo discurso principal compete a Marília, a amada, que vai guiando Bocage, numa sedução perante o que é dado ver e o que é dado contar, num falar de declaração amorosa, havendo do poeta cerca de três dezenas de intervenções em verso em que predomina a área de significação do olhar (avistar, ver, notar, distinguir, divisar). E o apaixonado conhece as pessoas - “Nasceste virado ao rio, mas cedo partiste, não sabes o que sente quem vive nele. Muita gente da cidade que te deu à luz conhece o pão que o diabo amassou, partindo, de noite ainda, nos barcos rumo ao alto-mar para trazê-los de volta carregados de peixe, isto se a sorte estiver do seu lado e os impedir de serem lançados borda fora em águas agitadas!”. E o apaixonado contempla as vistas - na Carrasqueira, no porto palafítico, a recomendação: “Gosto deste sítio, tão calmo e tão bonito! Escuta comigo, amor, os pássaros e o avançar da água do rio, sussurrante. Nunca será perdido o tempo que passarmos, sentados, num destes caminhos de madeira envelhecida, antes de terminarmos a viagem.”
Vai o leitor vendo o mundo pelos olhos de Bocage, que Marília guia, mesmo na parte imaterial das lendas, memórias e histórias, num universo que passa também pelos nomes de referência cultural, uns oriundos das margens, outros correligionários de Bocage, outros ainda marcos do saber português - desde Aleixo Sequeira a Tomás Santos e Silva, desde Ana de Castro Osório a Pedro Nunes, desde Bernardim Ribeiro a Rogério Chora, num conjunto de duas dezenas de nomeações. Ao falar de figuras posteriores a Bocage, Marília faz também uma viagem no tempo, até ao século XXI, como se pretendesse relembrar a eternidade do seu amor...
Pelo meio, há fotografias actuais, constituindo o conjunto um bom pretexto para conhecer a região sadina e a cultura que lhe está ligada, a intenção principal deste livro.
* "500 Palavras". O Setubalense: nº 400, 2020-05-22, pg. 5.

domingo, 11 de março de 2018

Bocage: A primeira edição em livro em italiano




Intitula-se Importuna Ragione e é uma antologia de 40 poemas bocagianos (Bergamo: Edizioni Lemma Press, 2017). O título é tomado do primeiro verso do soneto “Importuna Razão, não me persigas” e o conjunto de poemas resulta de escolha de Daniel Pires na obra editada em e-book Da Inquietude à Transgressão: Eis Bocage (Biblioteca Nacional de Portugal, 2016).
Daniel Pires, estudioso e divulgador da obra de Bocage e diretor do Centro de Estudos Bocageanos, é também autor do prefácio, em que considera ser a poesia o “elemento vital do quotidiano de Bocage”, poeta que cultivou uma pluralidade de géneros e se assumiu como revolucionário, sendo “autenticidade e originalidade dois atributos” do poeta setubalense.
A antologia está dividida em dez partes: “Poemas autobiográficos” (cinco textos, em que não falta o “Magro, occhi azzurri, faccia scura”), “Poemas líricos” (quatro, aí constando o soneto que dá título ao livro), “Poemas de intervenção política” (seis, incluindo o soneto “Libertà, dove sei? Chi ti trattiene?”), “Poemas de intervenção social” (quatro), “Poemas do cárcere” (quatro), “Poemas eróticos” (quatro), “Poemas satíricos” (três), “As sete partidas do mundo” (quatro, com o inesquecível “Io mi assento da te, mio patrio Sado”), “A religião” (três) e “Doença e morte” (três).
Ada Milani teve a seu cargo uma nota biográfica sobre o poeta, bem como a tradução, que pretendeu ser coerente não só nas linhas de sentido, mas também no plano da sonoridade, do ritmo, da rima e do espírito. A obra contém ainda um texto posfacial devido a Vincenzo Russo, que considera Bocage “um poeta de transição, um poeta em trânsito”, afirmando, a propósito da designação de “pré-romântico” normalmente associada ao poeta sadino, tratar-se de uma “etiqueta” que permite “encontrar na obra de Bocage mais elementos do ‘novo’ que do ‘velho’”, assim salientando o carácter inovador da poesia bocagiana.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Para a agenda: A Greve Geral de 1912 na imprensa, lida por Álvaro Arranja



Álvaro Arranja tem dedicado grande parte da sua investigação aos tempos de início da República, através de vários títulos que também se têm relacionado com a história local de Setúbal.
Amanhã, 7 de Outubro, mais uma obra surge, A República e os Operários - a greve geral de 1912 na imprensa da época, em edição do Centro de Estudos Bocageanos, a ser apresentada na Casa da Cultura, pelas 15h00.
Para a agenda.