Mostrar mensagens com a etiqueta erro. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta erro. Mostrar todas as mensagens

domingo, 2 de abril de 2017

Sebastião da Gama não está nesta fotografia


O Público de hoje, a propósito do congresso sobre Teixeira de Pascoais realizado em Amarante, traz o texto a duas páginas "Teixeira de Pascoais: O mago do Marão regressa ao cânone" (Público: 2017-04-02, pp. 18-19), assinado por Luís Miguel Queirós. Uma fotografia de arquivo de Teixeira Pascoais ilustra o artigo com a seguinte legenda "Teixeira de Pascoais com Sebastião da Gama, em Gatão", também ela ocupando parte das duas páginas.


Com efeito, a figura da esquerda é o poeta amarantino; contudo, à direita, não é Sebastião da Gama quem aparece. Também não sei dizer quem é o retratado amigo do poeta do Marão. De facto, Sebastião da Gama visitou Pascoais na sua casa em Gatão em 14 de Setembro de 1951, num encontro que comoveu o poeta de Azeitão e em que a conversa girou, entre outras coisas, em torno da simbólica do Marão e da Arrábida, como Gama viria a testemunhar numa crónica que depois publicou na imprensa e está reproduzida na obra O Segredo é amar.
Há registo fotográfico desse encontro, conforme se documenta, vendo-se um Teixeira de Pascoais já mais velho (um e outro acabariam por falecer no mesmo ano, em 1952):


Não é esta primeira vez que Sebastião da Gama surge associado a uma legenda errada. Já na obra O Grande Livro dos Portugueses (Lisboa: Círculo de Leitores, 1990), registo enciclopédico sobre individualidades portuguesas, a ficha sobre Sebastião da Gama reproduz uma sua suposta fotografia, mas que não passa disso mesmo, pois o retratado é alguém que não consigo identificar, mas que não é Sebastião da Gama. Certo é que essa mesma fotografia povoa muitas páginas da net como sendo a figura do poeta, quando, na verdade, não passa de uma suposição errada.
Compreende-se a razão de ser do lapso: em grande parte das fotografias dos arquivos não surge a data nem a referência aos fotografados e, num esforço de interpretação ou por testemunhos incertos ou traídos pela memória, há a tendência (e o risco) de identificar. Compreende-se o esforço, da mesma forma que se compreende o erro...

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Máximas em mínimas (101) - Rosa Lobato de Faria


Depois de ler Os três casamentos de Camilla S., de Rosa Lobato de Faria (1997), seis máximas que dizem muito sobre o que somos.

Prazer - "Os prazeres e a capacidade de os apreciar acontecem desencontrados no tempo. Não se conjugam no momento certo o acto perfeito e a sabedoria da fruição."
Juventude - "Na juventude, com toda a vida pela frente, nunca há tempo. A cabeça foge, ligeira, para outros lugares, os pés partem, ágeis, para outros caminhos. Nunca se está onde se está, nunca se tem o que se tem."
Raiz - "A raiz é o que te está no sangue, o que sentes para lá de tudo o que aprendeste, aquilo que te vem do chão, aquilo que vem das estrelas que te viram nascer." 
Errar - "Porque é que não percebemos que erramos quando estamos a errar e só mais tarde o remorso nos cai em cima com uma força esmagadora e nos amargura o resto da existência?"
Amor - "O amor tardio é o melhor."
Autobiografia - "Nenhuma autobiografia verdadeiramente o é: alindam-se os pecados próprios, ensombram-se os dos outros, corrige-se ou contorna-se a verdade, procura-se uma lógica de crime e castigo que a vida não tem. Não fica claro à luz de que moral nos penitenciamos (...). E, acima de tudo, permitimo-nos apontar o comportamento dos outros, avaliar as suas consequências, julgar."

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

"ViVER Setúbal" - Os roteiros de uma exposição (3)

Viver Setúbal. Uma forma de ver a cidade
- Notas críticas a um roteiro (II)

por Carlos Mouro
IV. No segundo volume do roteiro há mais um infeliz parágrafo (seguindo, aliás, o texto original), em referência ao Fórum Municipal Luísa Todi: “Foi inaugurado em 1960, durante as comemorações do Centenário da elevação de Setúbal a Cidade. Substituiu o Teatro Rainha D. Amélia, demolido em 1956, depois de 68 anos ao serviço da cultura setubalense.” (p. 4). O que foi inaugurado em 1960 foi o cine teatro Luísa Todi e não o Fórum Municipal! O velho teatro D. Amélia (e não Rainha D. Amélia), arquitectado por Nicola Bigaglia, fora inaugurado a 1-8-1897. Os republicanos rebaptizaram-no como teatro Avenida. Depois, em 1915, por iniciativa da Academia Sinfónica de Setúbal, que ali se instalara, passou a ostentar o nome da Todi. Assim foi até à demolição, em 1956. No mesmo espaço ergueu-se, com traça de Fernando Silva, um moderno cine teatro, inaugurado a 24-7-1960. A 21 de Abril de 1989 o imóvel foi adquirido pela CMS que o transformou em Fórum Municipal, sob o patrocínio, ainda, da celebrada cantora lírica sadina Luísa Rosa de Aguiar Todi (1753-1833).
V. Logo a seguir há novas confusões, desta feita a propósito do Club Setubalense. Lemos ali que “O seu primeiro nome – Grémio Setubalense (de inspiração britânica) – foi substituído em 1898, devido ao mal-estar criado pelo Ultimato Inglês” (p. 6). O ainda existente Club Setubalense foi fundado em 1855, sucedendo à Sociedade de Recreio Familiar, de 1850. Certo. A embrulhada vem depois (até porque não foi seguido o texto original, que está correcto). O primeiro nome daquela associação foi Club Setubalense – designação, esta sim, de inspiração inglesa. Aquando do Ultimatum de 11-1-1890, entre outras reacções de protesto face à atitude britânica, o vocábulo ‘Club’ foi, frequentemente, substituído por ‘Grémio’ ou ‘Centro’. O grupo setubalense não perdeu tempo e, em Fevereiro de 1890, adoptou a designação de Grémio Setubalense. Assim se manteve até 10-2-1898, quando os associados deliberaram repor a primitiva designação, a que hoje subsiste: Club (e não Clube) Setubalense.

As duas notas com imprecisões
VI. Na página seguinte escreveu-se, a propósito do monumento a Luísa Todi: “Inaugurado logo após a sua morte em 1933”. De facto, o monumento em causa foi inaugurado em 1933. Luísa Todi, porém, morrera 100 anos antes! Aliás, a construção daquela simples memória pretendeu celebrar, localmente, o nome da cantora quando se cumpria o I Centenário da sua morte, ocorrida a 1-10-1833.
VII. Na legenda da segunda fotografia dessa página lê-se: “Américo Ribeiro – Construção da glorieta a Luísa Todi, 1938”. Como explicar a discrepância de datas? Sucede que em 1933 o singelo monumento foi inaugurado no lado nascente do Parque das Escolas (hoje Largo José Afonso). A fotografia, porém, regista a reconstrução daquele, após a transferência do espaço inaugural para o local em que todos o conhecemos – na Av. Luísa Todi, nas proximidades da Praça de Bocage, no que foi popularmente conhecido por Jardim dos Gatos – o que ocorreu, de facto, em 1938.
Notícia e fotografia do monumento a Luísa Todi

VIII. Na página 8 lê-se que a Fonte Luminosa é conhecida como Fonte do Centenário. Preferíamos, por nos parecer mais correcto, ler ali o contrário: Fonte do Centenário, mais conhecida por Fonte Luminosa. Ainda assim, a fórmula adoptada é mais feliz do que uma outra que circula com frequência, apelidando aquele monumento de Fonte das Ninfas.
IX. Nos pequenos roteiros, bem como nos mapas que os acompanham, há outros lapsos menores. Nos textos que lhes serviram de base há, também, alguns. Citemos apenas um, tirado de "As elites d’ouro branco – de Santa Maria a Bocage". A certo passo, escreveu-se: “…a 4 de Outubro de 1910, às 21 horas, quando anarco-sindicalistas, socialistas e republicanos incendiaram os Paços do Concelho e mutilaram a antiga fonte do Sapal…”. De facto, o antigo edifício municipal foi incendiado na noite de 4-10-1910, após escaramuças entre populares e forças da ordem. Entre aqueles haveria, admitimo-lo, anarquistas, socialistas, republicanos… Corrija-se, apenas, um lapso que é comum, aliás. A mutilação da magnífica fonte do sapal (hoje reconstruída na Praça Teófilo Braga) teve lugar na noite de 11-12-1910 quando um mestre da armada, de nome Júlio Marques, num momento de exaltação revolucionária, tentou apear o escudo e a coroa – símbolos da realeza deposta – que encimavam a artística fonte. A operação correu mal. Júlio Marques foi gravemente atingido pelas pedras que tirava com uma corda. Faleceu, no hospital local, a 13 daquele mês e ano.

Referência à Fonte do Centenário



O leitor emendará outros pequenos lapsos que ali existam. As incorrecções que inventariámos, e a natureza das mesmas, são suficientes para que lamentemos, entre a tristeza e a incredulidade, os lapsos registados. Com trabalhos deste quilate, como se promoverá Setúbal e a região que a envolve, junto de autóctones e de forasteiros?Para que esta prosa não termine de modo tão desencantado queremos deixar uma palavra de elogio ao grafismo dos roteiros elaborados, seguindo a linha de toda a exposição. Gostámos. Apreciámos, ainda, a solução encontrada para mostrar o património construído setubalense, captado pela objectiva de Américo Ribeiro (ou de outros que, em Setúbal, o precederam) em confronto com imagens actuais dos mesmos lugares, construções ou monumentos, apresentados numa composição francamente atractiva.

"ViVER Setúbal" - Os roteiros de uma exposição (2)

Viver Setúbal. Uma forma de ver a cidade
- Notas críticas a um roteiro (I)
por Carlos Mouro
Entre Junho e Setembro puderam os setubalenses apreciar, na sede da AERSET e, depois, na casa da Sociedade Musical Capricho Setubalense, uma exposição intitulada "Viver Setúbal. Uma forma de ver a cidade", da responsabilidade da Sociedade SetúbalPolis. Na ocasião foram editados três pequenos roteiros, organizados em torno de outros tantos percursos pela História e património setubalenses – Do Largo de Jesus ao Largo da Fonte Nova (1.º), Avenida Luísa Todi (2.º), Da igreja de S. Julião à igreja de Santa Maria (3.º) – com textos adaptados de outros, da responsabilidade de técnicos do Museu de Setúbal/Convento de Jesus, também editados, em separado. Com a desmontagem daquela exposição desaparecerá o que de bom e de menos bom se expunha. Pelo contrário, os roteiros impressos manter-se-ão, perpetuando o que de bom e de mau encerram. Justificam-se, pois, estas notas corrigindo erros grosseiros com que ali nos deparámos.
I. No primeiro caderno somos surpreendidos por uma inaudita versão da conhecida lenda sadina que narra a origem da freguesia de Nossa Senhora Anunciada: “Reza a lenda da criação desta igreja que uma peixeira pobre estava a assar cavalas quando uma delas saltou do fogo. Depois de várias tentativas para a assar, a peixeira apercebeu-se de que a cavala era, afinal, uma imagem de Nossa Senhora.” (p. 7). O disparate já foi notado por João Reis Ribeiro que o causticou no seu “Diário da auto-estima” (Sem Mais – Jornal, 13-6-2009). Interrogamo-nos, também: Onde desencantaram tamanho disparate? Para mais, o desconhecimento andou de braço dado com a distracção já que, na página seguinte do opúsculo, se transcreve a versão correcta da lenda, sem referência a cavalas, cavalinhas ou qualquer outro teleósteo.

A lenda da Senhora da Anunciada com a leitura errada


II. Na página 9 há novo descuido na legenda da segunda fotografia. O espaço urbano registado por Américo Ribeiro, no cliché reproduzido, não se designa (nem nunca se designou) por Largo dos Combatentes. Denominou-se, antigamente, Largo das Almas. Com a República – em homenagem ao vice-almirante Cândido dos Reis (1852-1910), mentor, chefe e mártir da Revolução de 5-10-1910 – passou a conhecer-se por Praça Almirante Reis.

A foto com o monumento aos Combatentes e a legenda imprecisa


III. Logo na página seguinte – em capítulo intitulado, vá lá saber-se porquê, “Os caminhos de Roma” – refere-se o pelourinho de Setúbal: “Originalmente construído para a Praça da Ribeira (antigo Largo da Ribeira Velha) e depois de duas deslocações, o pelourinho é reconstruído na época de D. José I. Por representar o poder do Duque de Aveiro, o antigo símbolo local foi mandado demolir e construiu-se um novo, aproveitando a coluna antiga. (…). No cimo da coluna está o capitel de estilo coríntio trazido de Tróia”. O pelourinho que se ergue na Praça Marquês de Pombal foi construído para aquele lugar e não para o Largo da Ribeira (hoje Largo Dr. Francisco Soveral), como se depreende da leitura do citado parágrafo. Depois, são referidas “duas deslocações” que aquele vetusto símbolo terá sofrido. A que deslocações se referem os autores? Mais: no pelourinho levantado em 1774, não se aproveitou a coluna do anterior, nem o capitel que a encima proveio de Tróia. O que veio daquela península, o elemento romano daquela construção, é, precisamente, a coluna e não o capitel como, erradamente, querem os autores do roteiro (este particular aspecto consta do texto original).

O texto impreciso sobre o Pelourinho

(continua)

"ViVER Setúbal" - Os roteiros de uma exposição (1)


Entre Junho e Setembro, Setúbal pôde visitar a exposição “ViVer Setúbal - Uma forma de ver a cidade”, promovida pelo Programa Polis, primeiro no antigo edifício do Banco de Portugal e, depois, na sede da Sociedade Musical Capricho Setubalense.
A exposição, coordenada por Isabel Victor e Bruno Ferro, sobre fotografias de Américo Ribeiro e de Ricardo Cordeiro, teve a acompanhá-la a edição de três roteiros: “Do Largo de Jesus ao Largo da Fonte Nova” (1), “Avenida Luísa Todi” (2) e “Da Igreja de S. Julião à Igreja de Santa Maria” (3), todos com textos de Patrícia Silva Alves e de Paula Castro Rosa. Os textos destes roteiros partiram de outros textos, também publicados: “Da tentação à redenção – Os caminhos do Troino”, de José Luís Neto, “Avenida Luísa Todi”, de Francisca Ribeiro, e “As elites d’Ouro Branco – De Santa Maria a Bocage”, de José Luís Neto, respectivamente.
As informações que constam no texto dos roteiros padecem de algumas falhas inexplicáveis. O problema é que essas foram as publicações mais distribuídas e que ficarão para informar. E um erro, quando escrito, tem tendência a propagar-se… além de ser um atentado à memória.
Com a devida autorização, transcrevo, em duas partes, a opinião de Carlos Mouro, investigador e autor de obra sobre a história de Setúbal, por constituir uma reposição da verdade em informações que não denota(ra)m esse cuidado.

domingo, 8 de março de 2009

As consequências dos erros do "Magalhães" vistas por Luís Afonso

Luís Afonso. Público: 08.Março.2009.

Máximas (asneiras) do "Magalhães"

O Expresso de ontem transcrevia algumas das cerca de 80 "pérolas" da língua portuguesa utilizada no "Magalhães":
1. "Neste processador podes escrever o texto que quiseres, gravar-lo e continuar-lo mais tarde.”
2. “Dirije o guindaste e copía o modelo.”
3. “Quando acabas-te, carrega no botão OK”
4. “Quando o tangram for dito frequentemente ser antigo, sua existência foi somente verificada em 1800.”
5. “Este processador é especial em que obriga o uso de estilos”
6. “Se os jogadores se acordam no facto que o jogo está num ciclo…”
O Público de hoje revela mais algumas:
7. "Ao princípio do jogo 4 sementes são metidas em cada casa. Os jogadores movem as sementes por vês."
8. "A cada torno o jogador escolhe uma das seis casas que controla. Pega todas as sementes nela e as distribui (...)."
9. "Se a penúltima semente também fês um total de 2 ou 3 (...)."
10. "Carrega outra vês no chapéu para as fechares."
11. "Com o teclado, escreve o número de pontos que vês nos dados que caêm."
12. "Carrega em cada elemento que tem uma zona livre ao lado dele. Ele vai ir para ela."
13. "O objectivo do quebra-cabeças é o de entrar cifres entre 1 e 9 em cada quadrado da grelha, frequentemente grelhas de 9 X 9 que conteêm grelhas."

sábado, 7 de março de 2009

Erros acompanharam o "Magalhães"

É possível que os jogos educativos do computador “Magalhães” – o tal “bezerro de ouro” de que fala António Barreto – contenham instruções repletas de erros de escrita? É. Melhor: foi. Sem bater muito na questão, há um pormenor que me apoquenta sobretudo: como foi possível que essas instruções chegassem às escolas e aos utilizadores sem revisão? Ironia do destino: no fim-de-semana passado, no Porto, a editora ASA promoveu um encontro para apresentação dos novos programas de Língua Portuguesa até ao 3º ciclo, acção em que uma das tónicas apresentadas pelos responsáveis desses programas recaía sobre a insistência que vai ser proposta no plano da revisão de texto (a praticar nos vários níveis de ensino), premente sobretudo quando as novas tecnologias permitem a revisão com facilidade!…
Torna-se óbvio que o erro do "Magalhães" vai ser reparado. Mas este foi um erro que não deveria ter existido. Numa altura em que tanto se questiona a qualidade dos manuais escolares, como é possível que uma ferramenta como o “Magalhães”, com toda a propaganda que lhe tem andado associada, tenha chegado nestas condições, com a língua portuguesa a sofrer tratos de polé?
A questão foi trazida para cena pelo deputado José Paulo Carvalho. O Expresso de hoje reporta-a e, numa breve, fala do tradutor das instruções. É emigrante em França desde os 10 anos, tem a 4ª classe e diz: “O problema da tradução é que nenhum português de Portugal se dedicou a ela”, acrescentando o jornal que “ninguém até hoje reviu a versão que ele criou”. Só quem não sabe os efeitos do afastamento de um falante da sua língua para adoptar outra língua no seu quotidiano pode ter deixado que as coisas assim tenham corrido…
Custa-me que a área da Educação esteja envolvida nisto, tal como me custa ter tomado conhecimento através da net da muito deficiente redacção de um ofício da DREN (estrutura do Ministério da Educação) que, há dias, por aí circulou. Não serão cabalas, não; mas é incompetência em excesso. Pelo menos, linguística. E também de identidade. E a área da Educação deveria estar fora disto.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Carlos Reis e os novos programas de Língua Portuguesa do Ensino Básico

Os programas de Português têm merecido críticas por muitas razões. Em curso está a discussão de proposta para os novos programas de Língua Portuguesa. As propostas para os 1º, 2º e 3º ciclos estiveram a cargo de uma equipa coordenada por Carlos Reis, nome ligado à investigação e ao ensino de literatura portuguesa e reitor da Universidade Aberta, que hoje dá uma entrevista ao Público, peça de que sublinho alguns excertos (com subtítulos meus).
Entre a língua e a pedagogia – «(…) Há muitos professores - não só, mas principalmente os que saíram dos institutos politécnicos - que foram formados à luz de uma concepção... eu diria... muito desenvolta, muito expedita do que é falar e escrever em português. (…) Quando falo dos politécnicos, refiro-me ao facto de nos últimos 20 a 30 anos se ter dado uma importância excessiva à componente pedagógica pura e dura. Não nego a sua relevância, mas teve um desenvolvimento e um peso que puseram em causa a dimensão científica. Esqueceu-se o óbvio: eu não posso ser um bom professor de Física se não souber Física, não posso ser um bom professor de Português se não tiver um conhecimento aprofundado e sistemático da língua. (…)»
Entre o facilitismo e o erro – «(…) Em relação aos alunos o programa é muito claro no combate a uma cultura de facilitismo e de tolerância ao erro, também ela relacionada com determinadas concepções pedagógicas. (…) Aquela coisa de "se o menino erra tem de se valorizar o erro, a expressividade...". Sou completamente contra isso. Um erro é um erro, em Português como em Matemática. Se no discurso corrente, quotidiano, o sujeito não concorda com o predicado, isso é um erro. (…)»
A medida da gramática – «(…) Os novos programas revalorizam aquilo a que os especialistas chamam o conhecimento explícito da língua e, dentro dele, o domínio da gramática, que durante anos foi, por assim dizer, marginalizada. Não pretendemos martirizar ninguém, mas sim que a língua mantenha alguma coesão. Porque a gramática não é um fim em si mesmo, é um instrumento fundamental para que possamos, justamente, ter a noção do erro. (...)»
Entre os textos e a leitura – «(…) Actualmente, os poucos textos literários apresentados aos alunos são utilizados como textos ilustrativos de coisas que têm pouco a ver com a literatura. Usar um soneto de Camões para explicar o que é o discurso argumentativo, por exemplo, é matar o soneto de Camões. Ele tem de ser percebido pelos alunos como uma grande peça lírica, que representa e modeliza uma emoção, uma visão do mundo, um sentimento. Mas, mais uma vez, esse não será um objectivo fácil de atingir sem, paralelamente, fazermos os possíveis e os impossíveis para que os professores sejam grandes leitores. (...)»
Entre a leitura e a política – «(…) Para termos alunos que gostem de ler são precisos professores que gostem de ler, que entendam a literatura como um domínio de representação cultural com uma grande dignidade e com uma enorme capacidade de nos enriquecer do ponto de vista humano. Claro que isto ultrapassa, em muito, a esfera de actuação de quem prepara programas de Português, e está intimamente relacionado com a actual crise das Humanidades. (...)»
O “Magalhães” ajuda? – «(…) Está à vista que a hipervalorização, às vezes até um bocadinho provinciana, das tecnologias traz consigo lacunas consideráveis na forma de olharmos para o outro, de pensarmos no que é justo ou injusto, no que é solidário e não o é, no que é bonito e no que é feio - e que encontramos na Literatura, na História, na Filosofia.... A recuperação do atraso científico e tecnológico não deve ser feita à custa da desqualificação - política, até - de outras componentes da nossa cultura. (…) [A distribuição dos Magalhães pelas crianças] éum esforço muito interessante, mas que se arrisca a pôr em causa outros tipos de saberes. Quero acreditar no argumento de alguns - o de que o Magalhães permite o primeiro acesso à leitura por parte de muitos miúdos que não têm livros em casa. Mas, ainda assim, não deixa de ser necessário contrabalançar esta hipervalorização do computador com outras medidas. Com o investimento no Plano Nacional de Leitura, a criação de bibliotecas... (…)»