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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Henrique Freire e a profecia do Convento de Jesus

 

Corria 1864 quando Henrique Freire (1842-1908) fez imprimir em Lisboa a narrativa A profecia ou a edificação do Convento de Jesus. O subtítulo informava ser uma “tentativa histórica setubalense”, dando a entender estar o leitor perante uma reconstrução do passado, forma tão ao gosto da época romântica, como a praticou Alexandre Herculano ao eleger o romance histórico, em ambiente preferentemente medieval, para revelar a identidade de Portugal. Henrique Freire segue-lhe o rasto, em epígrafe na abertura de cada um dos onze capítulos, a partir das histórias contadas em Lendas e Narrativas, de que se destaca a intitulada “Mestre Gil”, cuja acção ocorre maioritariamente em Setúbal, sendo Garcia de Resende o outro autor a que recorre, cuja Crónica de D. João II lhe serve como fonte de informação, e que, com o rei que cronicou, chega a ser também personagem desta história.

Pelo texto introdutório, “Duas palavras”, sabe-se que a narrativa começara a ser publicada num “jornal literário de Lisboa”, entretanto suspenso, depois continuada no Correio de Setúbal, também interrompido. A edição em livro, dedicado ao pai, colmatava essas duas quebras do ritmo de publicação. Contudo, apesar do peso das fontes e da trama histórica, Freire avisava não passar o texto de um “ensaio de um rapaz de 16 anos”, desculpa antecipada por qualquer fragilidade...

A história toma como assunto a construção do Convento de Jesus, anunciada por um “venerável barbadinho italiano”, que sermoneou no então Rossio dos Anjos: “Vedes vós aquele pedaço de terra inculta? Pois adverti que ainda há de ser um paraíso de Deus e fecundo jardim de plantas e de frutos de virtudes e glorioso em santos frutos. Ali hão de viver criaturas cujas obras eminentes transformarão aquele lugar humilde em um céu admirável.” A sequência dos acontecimentos é previsível - Justa Rodrigues Pereira pedirá o apoio régio para construir um convento traçado por Boitaca e a primeira pedra será lançada, em festiva cerimónia, por D. João II.

Paralelamente, uma história de amor destaca a acção joanina contra a nobreza, invocando episódios de exercício da justiça real sobre os fidalgos (como Pedro de Ataíde ou o duque de Viseu) e figuras do clero (como D. Diogo, bispo de Évora), ao mesmo tempo que uma personagem como Álvaro de Ataíde (que surge no início e no final da obra) serve para relatar a experiência dos que tiveram de exilar-se para fugirem à justiça régia.

O espaço medieval da então vila sadina é sempre caracterizado em comparação com a contemporaneidade de Henrique Freire - daí que haja ocasião para louvar a chegada do comboio ou a iluminação a gaz, que estava para breve. Mas, preocupação máxima, para lá da acção narrativa e do desenvolvimento que era sentido na cidade, Freire foca-se na preservação do património, tal como foi propósito da geração de Herculano e Garrett - há diversos momentos em que o desrespeito pela memória (tomando o exemplo da falta de reconhecimento a Bocage, haja em vista que o monumento ao poeta é posterior, de 1871), a falta de conservação dos bens culturais e o uso do camartelo são criticados, desejando que, no futuro, “a mão destruidora do vândalo desta época não se lembre de fazer do seu recinto uma praça de touros” (como acontecera no Convento de S. João duas décadas antes). A concluir, um desejo: “Que inteiro ou destruído, esse templo conserve sempre vestígios do antigo poder deste reino; é uma página de pedra do livro das nossas tradições.” Bela metáfora para o Convento de Jesus!...

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 561, 2021-02-17, p. 10.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Para a agenda - Jorge Sousa Correia, autor setubalense, em Setúbal com D. João II



Jorge Sousa Correia (n. 1946), autor setubalense, vem à sua terra para apresentar publicamente a sua segunda obra, recentemente editada: o romance histórico As sombras de D. João II, que passa por momentos nesta terra do Sado. A história de um homem que foi príncipe e que nasceu como toda a gente: do "ajuntamento" de seus pais. Na Culsete, hoje, às 18h30. Para a agenda.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Rostos (79)

Painel alusivo a D. João II (parte), no Jardim Tropical do Monte, na Madeira, por Alberto Cédron
(o acontecimento retratado ocorreu em Setúbal quando corria o ano de 1484)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Para uma antologia da região de Setúbal (5)

Legendas de Portugal é uma série de catorze volumes, redigidos por Rocha Martins (1879-1952), contendo textos que relatam momentos históricos ligados às terras portuguesas, com primeira edição de finais da década de 20, em tramas eivadas de acção, de modo a cativarem o leitor.
O 12º volume inclui um momento da história passada em Setúbal, em capítulo intitulado “Justiça de D. João II”, evocando factos de 1484 relacionados com a tentativa de assassínio que a nobreza queria perpetrar sobre a figura do rei, que, no entanto, graças a informações de um tal Diogo Tinoco e, depois, de Vasco Coutinho, conseguiu desmantelar a conspiração. A história contada associa a lenda da Casa das Quatro Cabeças, que tem andado sempre ligada a esta tentativa de regicídio, muito embora não haja disso provas.
A figura do rei aparece-nos séria, elegante, decidida, com pose de estado. Em Setúbal, desloca-se entre o Convento de S. Francisco, Tróino e a casa de Nuno da Cunha e a história passa-se no Verão de 1484, entre Julho e finais de Agosto.
Pela escrita de Rocha Martins passa uma fina e detalhada caracterização psicológica das personagens, ainda que o narrador não esconda que está a imaginar o que se passaria na mente das mesmas – por exemplo, quando o Duque de Viseu, instalado em Palmela, é chamado para ir a um encontro com o rei em Setúbal, sem saber qual o assunto, comenta o narrador: “Ignorava o que lhe queria, assim apressadamente (…). Decerto se tratava de caso de gravidade e, ao lembrar-se de ter falhado, na véspera, o golpe do assassínio, deveria ter muito medo de punição.” O narrador tenta assim pôr-se na pele da personagem… a tal ponto que, quando o Duque de Viseu está a chegar a Setúbal, relata: “Bem via, não era para coisa boa que o chamavam; e quando entrou nas ruas ardentes, sobre cujas pedras farulhavam as ferraduras da montada, mais lhe apetecia meter-se para as bandas do Sado, fugir nalgum barco, acolher-se nas vastas sombras da Arrábida, merendar nalgum vergel perfumado pelos laranjais do que escutar a voz furibunda do juiz.” Mal sabia o Duque que caminhava para a morte, friamente cumprida e executada pelo próprio rei, sem delongas, na casa de Nuno da Cunha!...
Depois, foi a prisão e morte dos outros conjurados, nomeadamente o bispo de Évora, que foi enclausurado na cisterna do castelo de Palmela, ali estando, “nas profundezas do poço, onde coaxavam as rãs e ele gemia, na treva, desolado e perdido, sem confortos, passando da prelacia para o cárcere, imundo e bafiento, onde estava com os pés, ora na humidade, ora na lama”. Ali morreria o bispo, já depois de ter sabido da degolação de seu irmão, outro conspirador, e de ter conhecido o destino dos seus comparsas, vítima da peçonha.
Da acção de D. João II fica uma imagem de chefe incontestado e decidido, que tanto punia como concedia favores – “Era assim. Depois da punição as mercês; e tão pingues, e ao mesmo tempo tão justamente talhadas que todos se admiravam de tanta integridade em homem tão terrível.” A narrativa de Rocha Martins surge intensa, com pormenores que evidenciam o sentido justiceiro do monarca e acentuam o sofrimento dos castigados.
Setúbal foi, assim, a terra onde poderia ter acontecido o primeiro regicídio em Portugal, antes sendo marcada pelo sítio onde D. João II aproveitou para vincar o seu poder e demonstrar o seu espírito de decisão. Também aqui ficou deliberado que o rei seguinte não se chamaria Diogo, o conspirador irmão do bispo de Évora, antes seria Manuel, nesse momento feito Duque de Beja e herdeiro de quase todos os bens do Duque de Viseu, seu irmão.
Os outros dois episódios relatados neste número de Legendas de Portugal intitulam-se “A tomada de Chelb e sagração dos Infantes” (relativo a Silves e Tavira) e “O Mestre de Cristo” (alusivo a Tomar).
[foto: capa do 12º vol. de Legendas de Portugal, reproduzindo "D. João II, figura primacial da legenda da cidade de Setúbal"]