Mostrar mensagens com a etiqueta Sesimbra. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sesimbra. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 27 de março de 2024

Motorizações nos barcos sesimbrenses lembradas por João Aldeia



“Para além da materialidade das embarcações, das velas, dos apetrechos de pesca, dos motores, das sondas e radiotelefones, o património cultural marítimo é constituído pelo modo como se utilizavam esses equipamentos: como se velejava, como se remava, como se pescava, e ainda pelos saberes, crenças, rituais, tragédias, humor, etc.” Esta afirmação, justifica-a João Augusto Aldeia com a necessidade da criação de um Museu Imaterial do Mar de Sesimbra, projecto para o qual o seu livro Primeiras motorizações de embarcações de pesca de Sesimbra (1926-1932) (ed. Autor), há dias apresentado, é um digno contributo, resultante de passeio aturado pelos arquivos sobre as embarcações e de testemunhos recolhidos na memória daqueles que, directa ou indirectamente, participaram na faina sesimbrense.

Sesimbra é uma das terras que integram um roteiro camoniano feito a partir d’ Os Lusíadas, obra que a menciona no momento em que, no canto III, Vasco da Gama conta a história de Portugal ao rei melindano, evocando as conquistas de Afonso Henriques e referindo-se à “piscosa Sesimbra”. Essa adjectivação, resultante da abundância de peixe, foi o marco de um percurso que, no século XX, encontrou o revés, levando o pescador local a reinventar a profissão até aos limites do possível, ao mesmo tempo que se gera a ideia de em Sesimbra existir um dos maiores portos de Portugal - criticamente, anota João Aldeia: “pode ser que o seja estatisticamente, mas não é com o peixe das suas águas nem com a qualidade que outrora lhe deu prestígio.”

Mesmo por estas contingências que o passar dos tempos trouxe, vale a pena organizar a memória, falando dos marítimos, dos carpinteiros navais e dos mecânicos que deram identidade ao local através da arte da pesca. Nessa tarefa, valoriza este livro apontamentos sobre essa arte, pugnando pela divulgação da sua história e avançando com possibilidades interpretativas para a construção dessa mesma identidade - curiosa é a aproximação semântica que o autor faz entre a expressão “vela de espicha” e a designação Espichel, que dá nome ao cabo, mostrando mesmo a sobreposição da vela com a carta orográfica local.

Assunto como a motorização das embarcações sesimbrenses, iniciada em 1926, leva-nos a um olhar sobre as adaptações feitas - passar dos remos para o motor, publicitar os equipamentos, alterar aspectos das embarcações (no cavername, por exemplo), novas técnicas a dominar, diferentes graus de especialização nas companhas, formas de resolver problemas resultantes da transformação (como o da interferência dos motores sobre a agulha das bússolas, por exemplo), novos desafios de segurança (não escapa à memória o incêndio a bordo da barca “Gemeniana”, em 1928, que usava um motor de automóvel adaptado, e consequente naufrágio da mesma), formas de abastecimento de combustível, entre muitas outras.

João Aldeia põe o leitor em contacto com mais de duas dezenas de protagonistas da história do tempo abrangido, actores neste processo de motorização, nascidos entre 1869 e 1905, extremos ocupados por dois membros da mesma família, pai e filho: Zózimo das Chagas e Zeferino das Chagas, respectivamente. Quanto às embarcações, na ordem da meia centena, são apresentadas no seu breve historial, com nomes ricos do ponto de vista simbólico - com predominância dos nomes femininos -, havendo uma delas, “Luz do Calvário”, que teve a sua companha imortalizada na literatura pela pena de Raul Brandão, em viagem de Fevereiro de 1923, relatada na obra Os Pescadores (publicada nesse mesmo ano e com nova edição no ano seguinte).

O livro de João Aldeia, que se percebe ser resultado de um empenho pessoal e emotivo (dedicado ao pai, que foi serralheiro mecânico e trabalhou para a frota pesqueira local), conta uma história que é longa e cheia de coisas a descobrir, numa linguagem acessível, que permite o (re)encontro com rostos que fizeram Sesimbra e chama a atenção para um sector importante nas dinâmicas locais que tem sido objecto de pouco estudo, não só em Sesimbra mas também na região. A motorização dos barcos é o pretexto deste estudo, mas é também uma chamada de atenção para a memória.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1268, 2024-03-27, pg. 2.

 

quinta-feira, 21 de março de 2024

Patrícia Reis e uma história em Sesimbra

 


“Agora já não posso perguntar” é uma frase que comporta diversos olhares: a dimensão do tempo entre um presente e o passado; uma certa nostalgia ou lamento pelo confronto com a impossibilidade permanente; a necessidade de se perguntar perante os mistérios que a vida e o mundo apresentam. Todas estas linhas se cruzam na narrativa a que a frase dá o título, alimentando o livro Sesimbra, de Patrícia Reis, o primeiro da colecção “Portugal” (Centro Atlântico, 2024), história povoada também com fotografias devidas a Libório Manuel Silva, numa combinação que respeita o propósito da série: “o mesmo horizonte para a ficção e a realidade, em que criatividade literária e riqueza fotográfica mergulham na nossa geografia.”

A história vive com as memórias de um narrador de 59 anos, que aproveita o que aprendeu para dar imagem da família, dos afectos, das crenças, das convicções, da terra, das vivências desde a infância, num percurso em que não faltam os familiares pescadores, a paixão futebolística pelo Clube Desportivo de Sesimbra (ainda que designado pelo seu anterior nome, Ases Futebol Clube, devido a uma ligação familiar), o caminhar pela vila, uma certa identidade da vida local e alguns momentos de humor (como o da justificação apresentada para a opção quanto à cor da viatura 4L dada por Nicolau, o pai do narrador).

As lembranças da personagem principal recuam aos seus 9 anos, tempo de 1974, marco cronológico importante para quem foi assistir à revolução em Lisboa, levado pelo pai e pelo tio, ambos numa euforia de vitória que ajuda à decisão de partirem de madrugada para serem testemunhas do momento histórico - a criança pouco entendia, mas ficou-lhe gravada a frase do pai para o tio, de incentivo e de pressa: “Foi hoje, está a acontecer agora mesmo, trouxe o carro, vamos.” Perplexo fica o jovem: “Naquele tempo não se ia a Lisboa por uma razão qualquer, só por algo importante, uma consulta médica, alguém de família que chegava de comboio, raramente de avião, só tínhamos uns primos que podiam vir de avião, viviam nos arredores de Paris, mas já não os víamos há uns anos.” O mistério para a viagem desvanecia-se lentamente, ainda que o pai explicasse: “Vamos a Lisboa ver a revolução. (...) Vamos deitar estes gajos abaixo de uma vez por todas.”

A revelação da importância deste momento vai, depois, sendo dada pela mãe, Delmina, mulher reservada, mas arguta e sensível para transmitir ensinamentos e valores - quando, em Maio de 1974, a televisão informava sobre o fim do processo das três Marias, a mãe comoveu-se e explicou ao jovem: “Quando uma mulher é julgada por algo que não fez é como se fôssemos todas julgadas, todas as mulheres.” Têm as mulheres papel importante nesta história - além da mãe, também a irmã mais nova do narrador, Rosa, construtora da sua autonomia, desvinculada da terra mas não da família, que optou pela vida na capital; e ainda Susana, professora, que, num percurso inverso, vem de Lisboa para Sesimbra, para construir uma história de paixão e para sentir a família, “o melhor porto de abrigo de todos”, como dizia Nicolau.

“Eu fui ver a revolução, é verdade, mas mantive o alívio de ter regressado a Sesimbra. E a vida correu como correm todas as vidas. Com as dificuldades de sempre, as guerras da malta da pesca, a Câmara Municipal que não sei o quê, as festas, o dia do santo no 4 de Maio... a lenda que me perseguiu na escola.” Personagem fiel à sua terra, o narrador faz passar algumas observações que dão relevo à identidade: a confiança entre as pessoas (“hoje vivo numa aldeia do concelho, com o mar à minha beira, vou comprar legumes ao meu vizinho, conheço as pessoas pelo nome. Se sair e não tiver dinheiro, por ter deixado a carteira esquecida num outro casaco, não é uma questão, vá-se lá embora, paga depois, num outro dia, quando der jeito.”); a proximidade e o sentido familiar (“Sesimbra também é isso, famílias que se prolongam, que se mantêm agarradas como correntes de ferro de uma âncora”); a epopeia da vida (“as histórias do mar e das gentes de Sesimbra passam de geração em geração”). Pelas memórias, passa também o sentido da aprendizagem dos afectos - “o meu pai olhava para a minha mãe com a devoção dos amorosos e isso deixou uma marca indelével em nós” -, valores que se reproduziram na personagem que conta.

Está o leitor perante uma história bonita, que se passeia pelos contornos entre a vila e o Espichel, alimentada de olhares e de dizeres, de proximidades, de espaços e de figuras com que nos podemos cruzar, valorizando as histórias locais e um olhar poético sobre a vida.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: nº 1263, 2024-03-20, pg. 10.

 

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Manuel J. Palmeirim e a poesia que Sesimbra tem



Em 1963, iniciava-se a colecção literária “Poesia Sesimbrense”, patrocinada pelo jornal O Sesimbrense, com a publicação de 7 Poemas de Sesimbra, de Manuel J. Palmeirim, colaborador habitual daquele periódico, em cuja nota introdutória a obra é apresentada como homenagem a dois poetas da terra, Gilberto Cerqueira Pinhal (Gil do Mar) e José de Andrade Júnior (Zé Preto), ambos falecidos na casa dos vinte, em 1951 e em 1948, respectivamente, revelando-se ainda que três dos poemas tinham já sido publicados n’ O Sesimbrense, subscritos pelo pseudónimo de Tristão Sesimbra.

Abre o livro uma citação de Os Pescadores, de Raul Brandão, excerto do registo dedicado a Sesimbra, de 1923, forma de homenagear quem talvez mais emotiva e realisticamente escreveu sobre os pescadores na literatura portuguesa, quadro que se cruza com o poema “Pesca”, canto da emoção e da alegria do pescador.

“Sesimbra” é o primeiro poema, louvando o sítio, congregando a pesca, os chamadores, a lota, o poente, o risco das tempestades, o lamento da dor, o baloiçar perigoso das ondas. O sofrimento e a dureza são contrariados no final por força do retrato lírico - “Tu ficas mais alta / cada novo dia: / se escondes a dor, / descobres poesia.” Em jeito de refrão, que compromete o poeta, todas as estâncias se concluem com os versos “Sesimbra é assim, / comigo e sem mim”, ainda que intercalados por um outro verso, retomado do início da estrofe. A paisagem surge também em “Castelo Velhinho”, glorificação da história da fortaleza, numa viagem pelo tempo, ora personificando a pedra como testemunha dos feitos, ora fantasiando visões de momentos do passado, com um refrão que tonifica o tempo (“Corre, corre o tempo, sem parar. / Traz contos e lendas para nos contar.”) e um final algo crítico e disfórico - “Mudaram-se os tempos. As guerras de agora / São inda piores, mais maquiavélicas. / Heróis não existem. Deitaram-nos fora / Os inventos novos, novas armas bélicas.”

O espaço é valorizado em “Na estrada marginal”, recanto de “imensa ternura” numa “noite cálida”. Local de descobertas e contemplações, de afectos e seduções, ali, “pares de namorados arrulham”, a noite torna-se cúmplice na sua “escuridão lasciva”, o marulhar das águas é “um ruído de beijos” e o poeta sente-se “em fogo”, descontrolado por intensa vivência. Também de espaço se trata em “Bairro dos pescadores”, povoado por “cubos alinhados / no alto do morro”, casario de onde brota o cansaço, a saudade, a dureza da vida, o desespero, tons que desaguam em desgosto e indignação - “O mar não dá peixe, / a casa é sem pão, / o ralho é comida. / Ai, quem não te deixe / outra profissão!... / Que raio de vida!”

A memória do amigo Gil do Mar, falecido “da mesma morte de Cesário Verde e de António Nobre”, corre no soneto “Desalento”, momento de rejeição até ao desfalecimento e à recusa - “Prendem os pés infindos lamaçais. / E é tudo um chavascal imenso e escuro / Neste mundo ruim, selvagem, duro!” Contrariando este pesar, o livro finaliza com “A lenda do Senhor Jesus das Chagas”, evocação do aparecimento do salvador no meio de procela, num “quatro de Maio igual a tantos mais”, data associada ao sofrimento e à dor e à “titânica luta” quotidiana levada a cabo pelos pescadores. Imagem de serenidade, “assim veio a Sesimbra o bom Senhor das Chagas, / que ainda hoje acalma, ao pescador, as vagas”.

Pelos versos de Palmeirim passam a glória e o desespero, a história e a humana fragilidade, num tom lírico a que não são alheias temáticas tradicionais na literatura portuguesa.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 855, 2022-05-25, p. 9.


sábado, 23 de fevereiro de 2019

Joaquim Rasteiro e as histórias da Península da Arrábida (Azeitão, Palmela, Sesimbra)



A revista O Arqueólogo Português começou a sua publicação em 1895 sob a direcção de José Leite de Vasconcelos (1858-1941), tendo-se dividido até hoje em cinco séries, a primeira das quais, em 30 volumes, a mais longa, publicada até 1938. A revista, uma referência indiscutível na área da arqueologia, surgiu no âmbito do Museu Nacional de Arqueologia, criado dois anos antes por Leite de Vasconcelos.
A temática sadina passou pelas páginas da revista desde o seu primeiro número, que teve também um colaborador setubalense, Manuel Maria Portela (1833-1906). No segundo número, de 1896, os temas das terras do Sado continuaram a ser abordados e outro setubalense ali assinou um texto, o arqueólogo António Inácio Marques da Costa (1857-1933). Foi ainda neste segundo número que Leite de Vasconcelos publicou a notícia “Questionários Arqueológicos”, dando publicidade a trabalho encetado a nível nacional dois anos antes: “A Comissão dos Monumentos Nacionais fez imprimir, em 1894, e distribuir por diversas pessoas, os seguintes questionários, com o fim de recolher elementos para o estudo da arqueologia portuguesa.” Seguia-se o referido questionário, dividido em assuntos gerais e em informações de carácter militar.
No número seguinte de O Arqueólogo Português, o terceiro, de 1897, surgia a primeira resposta a este questionário, devida a Joaquim Rasteiro (1834-1898), ocupando as primeiras 48 páginas da publicação sob o título “Notícias Arqueológicas da Península da Arrábida”, com a nota de rodapé que esclarecia ter sido o artigo escrito no período de 1893-1894. Ao longo do texto, outras notas vão aparecendo, devidas a José Leite de Vasconcelos, umas vezes contextualizando algumas informações, outras vezes estabelecendo relações com outros estudos.
Joaquim Rasteiro, azeitonense, autodidacta, investigador, político e proprietário, foi autor de diversas publicações sobre história local da sua região, de entre as quais se destaca Palácio e Quinta da Bacalhoa - Inícios da Renascença, editada em 1895 (que mereceu edição fac-similada em 2003). As “Notícias Arqueológicas da Península da Arrábida”, que redigiu, seguem o plano do inquérito da Comissão dos Monumentos Nacionais e abrangem os termos de Azeitão, Palmela e Sesimbra.
Recentemente, Bernardo Costa Ramos, azeitonense e divulgador da história da sua terra, promoveu a edição deste texto de Joaquim Rasteiro (Azeitão: A Páginas Tantas, 2018), mantendo a ortografia da época e assim justificando o trabalho apresentado: “por um lado, proporcionar a todos aqueles que se interessam pela nossa história de disporem em formato livro do texto original, tornando-o mais legível e de uma partilha mais célere; por outro lado, prestar homenagem aos grandes homens azeitonenses que contribuíram para fixar essa mesma história”. O livro contém ainda uma nota biográfica de Joaquim Rasteiro elaborada pelo filho, que mantinha o nome do pai, publicada no semanário dominical O Azeitonense, em 7 de Setembro de 1919. A iniciativa da edição de 2018 foi indiscutivelmente louvável, embora devesse ter tido maior divulgação e mais substancial tiragem.
A intenção de Joaquim Rasteiro não se limitou a constituir uma resposta ao inquérito da Comissão; a esse apelo, acrescentou o seu propósito de “segurar o que tende a cair no olvido, juntar o que há disperso, fazer que se saiba o muito que se cala”, vontade tanto mais acentuada quanto as duas instituições que mais perpetuavam a história e as artes - as “famílias religiosas” e a “instituição dos morgados” - estavam extintas e, assim, urgia “segurar por novos meios quanto tende[sse] a esvair-se”.
As descrições que Rasteiro apresenta no seu texto decorrem da sua observação, do seu contacto com os sítios ou com as peças que descreve, não especulando, mas chamando a atenção para as condições de sobrevivência dos testemunhos artísticos - por exemplo, quando se refere ao Palácio da Bacalhoa, considera ser “um monumento a que bem caberia a guarda do Estado” em virtude da “forma e disposição das suas construções, pelos seus azulejos e medalhões esmaltados, pela significação artística do conjunto”. O conjunto da sua descrição é valorizado pelas informações de cunho histórico (que na época eram conhecidas) associadas a cada um dos itens, estabelecendo a diferença entre o que é comprovável em termos de conhecimento e o que diz respeito a tradições ou crenças construídas - por exemplo, ao mencionar o paço dos Duques de Aveiro, diz que “modernamente inventou-se que dos reclusos [jesuítas ali custodiados]31 por 73 se finaram de tanto penar nas cadeias de Azeitão”, afirmação que imediatamente contesta: “É falso. Nem um só aqui morreu. Os livros do registo paroquial não acusam um óbito sequer de jesuíta.”
Pelo escrito de Rasteiro passam as antas (existência suposta na zona de Sesimbra), as cavernas ou grutas (lapas do Médico, de Santa Margarida e da Greta), as grutas artificiais pré-históricas (Quinta do Anjo), as pedras de raio, os restos de povoação (vestígios romanos na antiga freguesia da Ajuda), as moedas e outros objectos romanos, os objectos e moedas árabes, as tradições locais (ermida de Santa Maria da Vitória), as designações locativas (Azeitão, Coina-a-Velha, Vila Nogueira de Azeitão, Vila Fresca de Aseitão, Portela, Casal do Bispo), as fortificações ou edifícios atribuídos aos mouros na voz do povo (castelo dos Mouros, covas da Moura, castelo de Coina), os monumentos-palácios (Bacalhoa, Duques de Aveiro, Calhariz), as igrejas (de S. Lourenço e de S. Simão), as ermidas (do Bom Jesus, dos Remédios), os túmulos (na igreja de S. Tiago, em Palmela, e no mosteiro da Piedade, em Azeitão), os cruzeiros (das Necessidades), os brasões (Bacalhoa, capela das Necessidades, quinta do César, quinta Nova e quinta Velha, quinta das Torres, entre outras), as imagens de pedra, as imagens de barro, as pinturas em tela, as custódias, outros objectos de culto (alfaias diversas de arte sacra), as tapeçarias (em longo inventário), as inscrições (em enumeração pormenorizada), as antiguidades a que não pode marcar-se origem conhecida (lápides do chafariz de Aldeia Rica e da quinta do Visconde de Montalvo), os montes fortificados, os castelos de Sesimbra e de Palmela, as torres, os factos históricos das fortalezas (de Coina, Sesimbra e Palmela) e as fortalezas prisões de Estado (Palmela, Outão, paço dos Duques de Aveiro).
A leitura deste registo devido a Joaquim Rasteiro torna-se interessante porque o texto abdica de considerações laterais e vale na sua simplicidade, assertividade e objectividade; permite ao leitor uma viagem a um tempo e a um espaço de reconstrução da identidade; afirma uma riqueza patrimonial e histórica da região da península arrábida; é um elemento-base incontornável a ser considerado na bibliografia local.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Para a agenda: Mozart em Sesimbra



Mozart vai estar em Sampaio (Sesimbra), no Centro de Estudos Culturais e de Acção Social Raio de Luz, em 17 de Junho, pelas 15h30, através de Carlos Otero - "Conversando com Mozart" é o título da palestra, que tem entrada livre. Para a agenda!

terça-feira, 30 de maio de 2017

Para a agenda: Memórias de quando Agostinho da Silva esteve com Sesimbra




Três anos depois, a obra Agostinho da Silva em Sesimbra, de Pedro Martins e António Reis Marques, regressa em nova edição “revista e muito ampliada”. Foi em 2014 que a primeira edição surgiu, publicada pelo Centro de Estudos Bocageanos, em Setúbal, como referi aqui; a edição que agora vai ser apresentada ao público tem a chancela Zéfiro e terá lançamento em Sesimbra, na Fortaleza de Santiago, em 3 de Junho, pelas 15h00, com apresentação de João Augusto Aldeia e Duarte Drumond Braga. A ocasião servirá ainda para homenagear o 90º aniversário de António Reis Marques, investigador sesimbrense. Para a agenda!

sábado, 8 de outubro de 2016

Para a agenda: A literatura de Agostinho da Silva em considerações



Em Sesimbra, através do jornal Raio de Luz e do Projeto António Telmo, vai estar em foco "A Literatura de Agostinho da Silva". Uma forma de (re)lembrar uma obra sempre digna e oportuna de se ler. O programa é variado e intenso. Em 15 de Outubro, no Centro de Estudos Culturais e de Acção Social Raio de Luz, em Sampaio (Sesimbra). Para a agenda!


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Para a agenda - "Orpheu" em Sesimbra



A revista Orpheu vai estar em discussão em Sesimbra na tarde de sábado, 24 de Outubro. O centenário é pretexto, mas os intervenientes e os temas a abordar falam muito alto e são motivadores. Cem anos depois, a revista de que só saíram dois números continua a dar que pensar, tecendo encontros entre Fernando Pessoa, Almada Negreiros e António Telmo, a coberto das leituras de Elísio Gala, António Carlos Carvalho, Rui Arimateia e Miguel Real. Na Biblioteca Municipal de Sesimbra. Para a agenda!

sábado, 11 de julho de 2015

António Cagica Rapaz - A memória e a identidade nas crónicas



É reedição recente a obra Noventa e Tal Contos, de António Cagica Rapaz (1944-2009), que a Câmara Municipal de Sesimbra levou a cabo, quando passam quinze anos sobre a primeira publicação. Na verdade, trata-se de noventa e sete textos, que o próprio autor, em nota de abertura, hesitava em classificar quanto ao género: “não sei se são contos, se são crónicas, memórias, olhares ou retratos”, para logo acrescentar “se calhar é um pouco de tudo isso ou nada disso”, porque, “no fundo, são simplesmente coisas que, ao longo dos anos, fui buscando no sótão desarrumado que é esta minha cabeça e que fui escrevendo, ao correr da pena que tenho de não saber fazer melhor”.
E, na verdade, assim é. Os textos respeitam a modalidade da crónica pela sua extensão, pela forma de tornar actuais muitas histórias, por se cruzarem com o quotidiano de personagens com as quais o autor também se cruzou, por partirem para pequenas reflexões sobre a memória e as formas de vida, os exemplos, as convivências, os tempos. Havendo apenas um dos textos sem data, os mais antigos remetem-se para 1972, com publicação no jornal Record, enquanto os mais recentes surgem datados de 2000.
O estilo de Cagica Rapaz é vivo, intenso, medido ao pormenor, eficaz, levando o leitor a comungar os instantes e as situações, a viver aquilo que o próprio narrador quer fazer reviver. São histórias de Sesimbra, das suas gentes, do sítio. São narrativas de tempos recuados, assentes na infância do seu contador, que vogam até às figuras que fizeram parte do seu universo e que povoaram o tempo e a geografia entre Caixas,  Cotovia e Sesimbra. São relatos que vivem sobretudo pela sua humanidade, pelas relações que tal evocação gera entre as pessoas, todas protagonistas de vidas e da vida do narrador, que nunca se esconde atrás de um memorialista distante, antes insiste em tornar presentes os momentos que sentiu e as personagens que os condimentaram, sempre levado por um apego à terra, uma Sesimbra em que a paisagem tem de ser dominada, sem dúvida, pelo mar – “O mar e os barcos fazem parte da nossa vida, dos nossos sonhos. Por isso, no campo, mesmo sem searas a ondular, nos parece ver barcos onde, afinal, só há uma casa cercada por um muro pontiagudo, à beira da estrada.”
A pouco e pouco, ao longo da quase centena de crónicas, o autor vai revelando o seu propósito: vencer o tempo, revivendo-o pela memória, que se torna escrita. É assim que, poucas páginas de leitura volvidas, o leitor começa a entrar no desvendamento do porquê desta escrita: “foi-se o tempo, fica-nos a fantasia e a memória vacilante…” Um pouco adiante, ao fixar o retrato de uma personagem, um pouco mais de confissão – “é o passado que penetra o presente com ingénua autenticidade”. As histórias vão-se acumulando e, uns encontros à frente, é dito que “ficam as recordações aqui e ali reavivadas”. Já quase no final desta colectânea de crónicas, uma surge em que o autor cimenta o seu gesto de caminhar pela memória – refere-se à colaboração de António Lobo Antunes num periódico, entretanto recolhida sob o título de Crónicas, que, relidas, merecem de Cagica Rapaz a seguinte reflexão: “Sentimos quão vivas estão as recordações da infância, a ternura com que fala dos familiares, dos amigos, dos lugares, das coisas e de um tempo.” O leitor percebe que este narrador sente a felicidade da identificação, que cauciona o seu trajecto, mas, num gesto de simplicidade, conclui, linhas adiante: “Desta leitura acabei por extrair uma satisfação adicional que é o paralelismo que, vagamente, a espaços, a grande distância qualitativa, me atrevo a vislumbrar entre algumas das suas crónicas e um ou outro dos meus pobres escritos.”
A dimensão pictórica no traçado das personagens é intensa em António Cagica Rapaz, como se pode ver pela descrição de memória que faz de Maria Amália, sua familiar, impressão que quase nos remete para Arcimboldo: “Com os meus oito ou nove anos, eu via nela um fruto autêntico da terra, feito de trigo maduro, de sol cor de romã, de uva generosa, de bom pão amassado com amor e cozido em forno de tijolo moreno”. Impressionante também é a caracterização de uma outra personagem, que se manifesta em vários textos, o padre João, a quem está associada uma construção literária – “foi, para todos nós, o senhor abade das aldeias poetizadas do Júlio Dinis” –, resultante de um retrato todo ele eivado de sentimento – “felizmente, acima dos dogmas rígidos e tenebrosos, havia o Padre João, com a sua bondade, a sua jovialidade, a sua ternura, o seu sorriso cativante, a calorosa cumplicidade que estabelecia connosco”. Intenso também é o passeio na memória através de uma professora, Auzenda Pereira, que leccionava Francês no Liceu de Setúbal no início dos anos 60 e revelou aos alunos os caminhos da beleza e da arte – “Pessoas como a Dona Auzenda acompanham-nos ao longo das nossas vidas, ensinando-nos a apreciar as coisas bonitas da existência, com amor e o mesmo tacto poético com que nos levava pela mão através dos campos da Provença, em manhãs de evasão na biblioteca acolhedora do velho Liceu…” O recorte no tratamento das personagens é fino e sensível e assistimos a um desfile que integra o sapateiro, o pescador, o condutor do autocarro, o barbeiro, os amigos do café, aqueles que chegam e se deixam tornar íntimos de Sesimbra (terra de recepção também) e todos quantos acabam por fazer parte de uma vida, de uma comunidade, com ligação aos sítios (o café, a praça, a praia, o campo), aos momentos (a infância, a escola, a igreja, o futebol, as festas) e aos afectos. No fundo, são os contares do que alimentou o quotidiano, do que foi a epopeia de cada um – não por acaso, será a propósito da narração da matança do porco que o narrador dirá que, nesse dia, “se escrevia mais um capítulo dos muitos que compõem a epopeia do campo”…
Se dúvidas tivéssemos quanto ao que motivava António Cagica Rapaz nestas crónicas, o mistério seria desfeito por este curioso parágrafo que registou no texto “Omar” (designação vinda de poeta persa do século XI, evocado por Amin Maalouf), de 1999: “O que resta da nossa urbe é o olhar melancólico que alguns teimosos palermas, como eu, teimam em pousar sobre Sesimbra, tentando descobrir, desenterrar, trazer à superfície restos de beleza, de poesia, do encanto do passado.” E, quase no final do livro, mais um contributo para ajudar a desvendar o porquê destas evocações: “continuaria a fazer o que faço com as pessoas de quem gosto, evocando-as aqui e mais logo, por isto, por aquilo, como quem diz adeus de longe, do muro da lota…” Duzentas e poucas páginas de um livro que, dizendo adeus, traz o passado até ao presente, assumindo-se como um percurso que (re)constrói a identidade!

Sublinhados
Felicidade – “Se calhar, a felicidade é apenas meia dúzia de horas felizes, momentos espaçados e fugidios, uma sensação de paz, uma ilusão de eternidade, um riso de criança…”
Vida – “A nossa vida é um filme de que somos actores, de que nos julgamos realizadores e do qual, muitas vezes, somos apenas espectadores incapazes de interferir, impotentes para reagir.  Até ficarmos sozinhos na sala escura quando toda a gente já saiu, olhando para o relógio. Lá fora, na rua, já começa outro filme, outras vidas. Ou talvez seja apenas o mesmo filme que continua, em trinta e uma partes…”
Outro – “Andamos anos a cruzar-nos com pessoas de quem gostamos, a falar-lhes de raspão, ao dobrar a esquina, e não somos capazes de arranjar tempo para elas, para nós, para estarmos juntos, sempre a deixar para um qualquer dia que, quando e se chega, não é o que sonhámos. (…) Importante é gostarmos das pessoas e das coisas, sermos capazes de partilhar sentimentos e emoções.”
Escrever – “Escrever não é indispensável, faz parte das coisas supérfluas. Ninguém morre se não escrever e todos passam sem ler. Apenas acontece que alguns de nós, com ou sem razão, com mais ou menos jeito, julgam ter coisas para dizer. E escrevem. Por gosto, com paixão, por amor, escrevem.”

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Para a agenda: Franciscanismo e importância religiosa da Arrábida



Vítor Melícias, franciscano e capelão do Convento da Arrábida, falará, em 3 de Julho, sobre o franciscanismo e a sacralidade da Arrábida, em sessão na capela da Santa Casa da Misericórdia de Sesimbra. Às palavras juntar-se-á a música interpretada por Rão Kyao. Uma possibilidade de um encontro com a importância cultural e religiosa da Arrábida, dimensões que tornam a serra ainda mais mística. Para a agenda!

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Para a agenda: António Cagica Rapaz - A reedição dos contos



António Cagica Rapaz (1944-2009) é autor de um interessante conjunto de títulos ligados à identidade sesimbrense. Amanhã, na Biblioteca Municipal de Sesimbra, vai ser apresentada a reedição de Noventa e tal contos, trazidos por João Augusto Aldeia e Pedro Martins. Um bom pretexto para simpática leitura e para um olhar literário sobre Sesimbra. Para a agenda!