“Mãe, tens muitos diários cá em casa?”, quis saber
Sara, um dia. Pensando nos seus diários da juventude, a mãe confessou que já os
destruíra, mas a adolescente logo corrigiu a pontaria – “Não é desses que estou
a falar. Quero saber de diários como o de Anne Frank e o outro que andaste a
ler!” E a mãe procedeu a rápido inventário do que podia ser encontrado nas
estantes lá de casa: Miguel Torga, Sebastião da Gama, José Saramago. Mais
tarde, nessa sexta-feira, Sara registaria: “Pelos vistos, a moda dos
diários-livros não é coisa recente. Não sei se foi a Anne Frank que começou,
embora involuntariamente, coitada, porque duvido que isso a preocupasse
enquanto vivia escondida dos nazis. O certo é que, uns anos mais tarde, no meio
de outra guerra, a Anne serviu de inspiração à Zlata Filipovic. Depois
apareceram a Joana (da Lua), a Sofia (& Cª) e uma tal Bridget Jones (…)
Agora há diários para todos os gostos: cruzados, secretos, de bananas, de
totós, de vampiros…” E logo veio a decisão da jovem: “Mesmo assim, resolvi
experimentar a receita para ver se acabo com as crises financeiras cá de casa.
Se os outros escrevem, porque não eu, que até tenho sempre boas notas a
Português?”
Está encontrado o pretexto para este Diário de Sara, a Verde, de Dina Barco
(Ilustr.: Raquel Barco. Setúbal: ed. Autor, 2011), volume de oitenta páginas, corrido no tempo de um
ano escolar, entre o primeiro de Setembro e o 25 de Junho. O género é a forma
de escrita diarística juvenil sobre uma história ficcionada e os modelos são
vários, como referido acima.
De leitura bastante acessível, transmitindo os
sentires de Sara, uma jovem do 6º ano, que vive com a mãe, na cidade do Sado, neste
Diário vai a protagonista partilhando
com o leitor as preocupações da idade – as amizades, os amores, as zangas, a
cumplicidade com a mãe, a escola, o espírito de grupo, a família, as
descobertas, a ausência do pai, a identidade…
Por este caminho passam, sobretudo, as aprendizagens e
os olhares de uma adolescente atenta à vida – sobre a amizade (“Sabe tão bem
fazermos os outros felizes!”), sobre as dificuldades dos outros (ao saber a
história de Fábio, desabafa: “deve ser horrível andar a viver daquela maneira,
empurrado duns sítios para os outros, sem um único adulto em condições que se
preocupe com ele… Como é que eu seria se tivesse uma vida assim?”), sobre os
rapazes (“Parece que nem vives neste mundo. Então não sabes que quando os
rapazes coram é porque estão apaixonados?”, ensinou-lhe a Inês), sobre o apoio
da mãe (“Não ganha muito e portanto também não podemos ter luxos, mas eu não
trocava a minha vida por nada! Damo-nos bem, divertimo-nos juntas, fazemos
programas interessantes… Ela não sabe, mas é a pessoa que eu mais admiro no
mundo.”), sobre os efeitos da paixão (“quando aparecem paixões pelo meio é
normal que as amizades se ressintam um pouco”), sobre o primeiro beijo (“depois
os lábios dele tocaram os meus e senti uma onda de calor que me deixou
literalmente a flutuar”), sobre o sentido das aprendizagens (“já percebi que
dentro e fora da escola a vida é assim mesmo, feita de mudanças que nos estão
sempre a pôr à prova e a fazer aprender mais qualquer coisa”). E passam também
as preocupações sociais (o custo de vida, a solidariedade, a amizade, as
cautelas no uso da net, cuidados ambientais), as imagens sadinas (Arrábida,
Teatro Animação de Setúbal, Coral Luísa Todi, Coral Infantil de Setúbal,
Vitória Futebol Club, Parque Urbano de Albarquel, Museu Oceanográfico, Lapa de
Santa Margarida, José Afonso, Casa da Baía), a pedagogia sobre a saúde
(alimentação).
Quanto ao cognome “a Verde”, Sara adquiriu-o graças a
um projecto que desenvolveu na escola, assumindo uma perspectiva crítica quanto
às práticas pouco amigas do ambiente levadas a cabo no meio escolar. A sua
forma de afirmação, o seu espírito crítico e a sua convicção granjearam-lhe
simpatias e constituíram mesmo um passo determinante para o encontro com o
rapaz de quem gostava, assinalando um momento de tal crescimento que, num
registo de Junho, a levará a escrever: “Faltam só duas semanas para vermos
terminado o ano lectivo mais feliz da minha vida!”
O final do livro é de encontros: apaixonada, Sara
consegue reconhecer que a mãe estava perante o mesmo sentimento. E, perante as
dúvidas de como poderia ser a sua relação com o namorado da mãe e com a filha
dele, a Sara revela-se ainda um outro segredo que lhe traz alegria: o destino
das duas jovens já se tinha cruzado, ainda que nenhuma delas o soubesse.
Diário de
Sara, a Verde é livro de leitura
fácil, que pode suscitar diálogos e momentos de escrita. Não sabe o leitor se
Sara deu cumprimento à última promessa que deixou exarada na derradeira página
do diário – perante o entusiasmo da descoberta final, que Sara conta já tarde,
“cansada e com muito sono”, conclui o texto, dizendo: “Agora vou dormir. Feliz.
O resto fica para depois.” Se o “resto” for a continuação do trajecto de Sara,
pode ser que, um dia, o leitor se cruze com ele… Não se perderia nada, tanto
vale a pena haver retratos de jovens felizes com as suas descobertas!