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quarta-feira, 2 de junho de 2021

Sabia que, em Setúbal,...?


 

Quando o interlocutor ouve uma construção frásica do género “sabia que...?”, de imediato fica a saber que está perante um desafio retoricamente construído, cujo principal objectivo não é testar, antes incluir uma resposta na própria formulação, transmitindo-lhe um saber. Trata-se de uma pergunta que não inquieta, que contém em si a chave da solução, alimentando a curiosidade sobre as pequenas coisas, um género de jogo que leva o outro a sentir que descobre o que não sabia.

O título Sabia que...? - Notas históricas e curiosidades sobre o Concelho de Setúbal, editado no final de 2020 pela Câmara Municipal de Setúbal, faz esse convite ao leitor ao longo de uma centena de páginas, percorrendo mais de oito séculos de história local, em parágrafos curtos que são outras tantas continuações para a pergunta se concluir, em textos devidos a Horácio Pena e Vera Mariano e fotografias captadas por Mário Peneque, José Luís Costa e David Pereira.

A mais antiga referência datada é de 1217, tempo de pacificação e instalação da Ordem de Santiago a sul do Tejo que permitiu a fixação de populações, seguindo-se 1235, ano da “primeira referência documental a Setúbal, descrevendo-a como pequena aldeia de pescadores do termo de Palmela, à beira-Sado”. A mais recente é 10 de Outubro de 2020, dia em que “o Convento de Jesus, monumento que acolhe o Museu de Setúbal, reabriu ao público, depois de beneficiar de obras de restauro e renovação”.

Entre estas duas balizas, circulam muitos momentos que foram construindo a identidade setubalense, relacionados com as mais diversas áreas - trabalho, migrações, cultura, política, património, personalidades, religião, lazer, desporto, obras públicas, etc. Além do itinerário histórico através dos grandes e dos pequenos acontecimentos que têm edificado o concelho, pode o leitor satisfazer pequenas curiosidades - as portas quinhentistas na cidade, a origem do hospital João Palmeiro, a simbologia por trás da estátua de Frei Martinho no Convento da Arrábida, o início do equipamento vitoriano com a conjugação verde e branco, a identificação do primeiro setubalense que estudou na Universidade de Coimbra, o rol dos reis que passaram pelo concelho, a partida de Setúbal para a conquista de Alcácer Ceguer e muito mais.

As escolhas são interessantes, embora haja ausências injustificáveis - Sebastião da Gama tem direito à reprodução de um poema na badana da capa, mas não merece uma única referência na cronologia; de Frei Agostinho da Cruz, há três versos sobre o fulgor arrábido, mas o seu nome é também omitido no conjunto de perguntas. Em contrapartida, Luísa Todi tem a mesma história repetida duas vezes, em 1933 e em 1989, a propósito da construção e mudança da glorieta que a homenageia na avenida com o seu nome. Um ou outro critério careceria de ser mais cuidado - por exemplo, menciona-se o nome do escritor Andersen, que, em 1866, esteve em Setúbal e escreveu sobre esta visita, mas não se refere o nome da escocesa que, em 1775, passou em Setúbal e relatou “como ainda se encontrava a povoação vinte anos após o sismo de 1755”, Janet Schaw de sua graça; ou ainda o facto de, no início, ser anunciado um índice geral para o leitor facilmente encontrar “a notícia ou informação que pretender”, sendo que o índice é apenas cronológico, reduzido à indicação do início de cada século.

O livro vale, contudo, pelo que conta ou por tudo quanto nos leva a descobrir, tendo o mérito de apresentar de forma simples e rápida muitas peças do “puzzle” que se constrói com as histórias do local.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 635, 2021-06-02, p. 9.


quarta-feira, 26 de maio de 2021

Um livro que convida para Setúbal



É com um cunho pessoal que a apresentação da obra Setúbal - Uma visão contemporânea se inicia, assinada por Maria das Dores Meira: “Todas as manhãs, quando começo mais um dia de trabalho, invade-me uma alegria incontida por ver como esta cidade, este concelho, mudou.” E, a finalizar essa nota: “Quando, todas as noites, saio do meu gabinete para voltar a casa, vou cansada mas com um sentimento de dever cumprido. Amanhã estarei de volta para mais uma jornada por Setúbal.” Assim, o livro, editado pela Câmara Municipal de Setúbal (2021), tem a marca do sentir da pessoa que tem presidido à autarquia sadina desde Julho de 2006, num registo que traz a partilha do sentimento entre o começo e o fim de um dia de trabalho, sugerindo que o prazer advindo deste olhar sobre a cidade e o concelho passa também pelo compromisso.

As dez partes em que a obra se organiza - Modernidade, Inovação, Tradição, Harmonia, Natural, Lazer, Sabores, Património, Cidadania e Pessoas - evidenciam um misto de características autóctones da região e uma apreciação do trabalho desenvolvido, tudo se conjugando num despertar para o bem-estar e o equilíbrio num “sítio onde é bom viver, onde vale a pena marcar presença”, ainda nas palavras de Dores Meira, sensação apoiada pela intensa presença da fotografia, que regista mais de quatrocentos instantes do concelho, a partir de ângulos conhecidos ou  captando novos olhares sobre objectos e paisagens que nos são próximos e comuns (devidas à lente de David Pereira, José Luís Costa e Mário Peneque).

A ligação das imagens a cada capítulo é cimentada por um texto que funciona como roteiro interpretativo, por lá passando os bairros, o urbano, o rio, a história, o trabalho, a empresa, o turismo, a pesca, o património, os sabores, a cultura, a Natureza, as ideias, a gente. Subscritos por Hugo Martins, Marco Silva e Susana Manteigas, numa abordagem muito acessível, os textos preocupam-se com a vastidão das ofertas e das coisas a ver e a sentir no território de Setúbal, por vezes com um apontamento que sugere fruições conjugadas com gostos pessoais - “há quem descubra no rio a tranquilidade para ler um livro e quem encontre a paciência para tentar a sorte com a cana de pesca” - ou o prazer das pequenas curiosidades a descobrir - da Gráfica de Santa Maria conta-se que “uma Heidelberg original continua a ter destaque na empresa, que, apesar de fiel à tradição, soube acompanhar a evolução dos tempos”, assim como, a propósito de livrarias, se fala da Culsete, mostrando-se o seu rosto actual e lembrando-se Manuel Medeiros na criação e promoção deste espaço, ou se passa pelo alfarrabismo da UniVerso, “caos harmonioso” de livros.

Os dois capítulos finais incentivam à prática da cidadania (um “olhar de dentro para fora”) e à chamada de atenção para personalidades que, pelos mais diversos motivos, são referências para Setúbal - se um passa por valores como a protecção do ambiente, a plena integração, a solidariedade, a defesa da valorização pessoal ou o incentivo para a igualdade  de género, o outro refere nomes que “ampliam o território”, num percurso que reúne mais de três dezenas de personalidades naturais de Setúbal ou ligadas à região.

Setúbal - Uma visão contemporânea é um interessante livro-documentário, capaz de apresentar o que somos a quem nos desconhece e de nos levar a descobrir formas plurais que fazem a nossa identidade.

* J. R. R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 630, 2021-05-26, p 7.