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segunda-feira, 27 de julho de 2009

Memória: Henry Allingham (1896-2009) e Harry Patch (1898-2009)

Uma semana separou os falecimentos de dois dos mais idosos homens, ambos ingleses e combatentes na Primeira Grande Guerra: Henry Allingham (06.Jun.1896 – 18.Jul.2009) e Harry Patch (17.Jun.1898 – 25.Jul.2009), o primeiro tendo sido mecânico-aviador na Força Aérea da Armada Britânica e o segundo tendo combatido nas trincheiras como soldado na Infantaria Ligeira do Duque de Cornualha. Já em Janeiro falecera Bill Stone (1900-2009), também combatente, que completava o trio inglês dos sobreviventes da guerra de 1914-1918.
Deles fica o terem sido testemunhas participantes num evento histórico marcante do século XX, mas ficam também as palavras. Quando, em 2005, Max Arthur publicou os testemunhos dos combatentes da Primeira Grande Guerra – na obra Last Post, que, em 2008, foi traduzida para português sob o título Palavra de Veterano (Colares: Pedra da Lua) –, não faltaram as memórias destes dois combatentes, de que reproduzo um excerto de cada:
Henry Allingham: “Pensando na primeira guerra, acho que não sabia o que esperar. Pensava que havíamos de ganhar – mas nunca esperei que tivéssemos de voltar a combater daquela maneira nos cem anos seguintes. Nunca esquecerei os meus camaradas, mas uma pessoa não pode deixar-se afundar nas coisas terríveis que aconteceram. Não se poderia continuar a viver, se fosse assim. Porém, em dias como o do Armistício, rezo por eles. No Cenotáfio, em 2004, estava a pensar nos tipos que conheci e foram cremados. Vi-os a serem abatidos – homens que eu conhecia, cujos aviões eu conhecia – a esmagarem-se no chão. Há coisas boas para recordar: a camaradagem e a certeza de se poder confiar no nosso companheiro, mas as outras coisas não. Não tenho pensado muito no que se passou, mas agora as pessoas querem falar comigo acerca da guerra porque sou um dos poucos que restam. Por isso, agora, sou obrigado a pensar mais naquilo. Porém, há coisas em que prefiro não pensar. De facto, muitas vezes me parecem coisas que aconteceram a outras pessoas e não a mim.”
Harry Patch: “Porque é que o governo britânico me chamou e me levou para um campo de batalha para matar um homem que nunca conheci, cuja língua nem sequer falo? Todas aquelas vidas perdidas para uma guerra que se resolveu a uma mesa. Diga-me lá se isto faz algum sentido. Era só uma discussão entre dois governos. (…) Não penso que seja possível explicar o laço forjado entre um soldado e os seus camaradas de armas numa trincheira. Na trincheira, estão todos, independentemente do que a nossa vida civil foi, cobertos dos mesmos piolhos, esfomeados, a dividir desesperadamente as mais pequenas coisas – a onça de tabaco, o biscoito. Apoias-te no teu camarada e ele apoia-se em ti, sem pensares na verdade que o teu inimigo está a passar pelo mesmo. Mas estava. Foi tão mau para eles como para nós.”

Os três veteranos ingleses da Primeira Grande Guerra Henry Allingham, Harry Patch e Bill Stone, nas cerimónias de Novembro de 2008 em Londres, quando passavam os 90 anos sobre o Armistício (revista Hello, 1048, 25.Nov.2008)

sábado, 27 de dezembro de 2008

Ainda sobre os 90 anos do fim da I Grande Guerra

Uma página do Expresso de hoje é dedicada ao fim da Primeira Guerra Mundial, a propósito dos 90 anos que, neste ano, passaram sobre esse acontecimento. O texto é simples, enunciando uma série de coisas sabidas sobre as consequências desse conflito. Associa a infografia e desenhos com alguns dados sobre os truques que o belicismo da época usou – dirigível, tanque, metralhadora, gás ou submarino – e indica alguns “mitos e curiosidades” associados – gripe pneumónica, o transporte de reservas em táxis para a frente do Marne, o ataque alemão ao Funchal, o fogo sobre Paris e os mortos portugueses em África.
No texto, de Rui Cardoso, é dito que a efeméride dos 90 anos sobre o Armistício (passados em Novembro) foi comemorada “em quase toda a Europa, excepção feita a Portugal, também país beligerante”. A verdade é que, nesse conflito, Portugal teve mais de 7 mil mortos, a maior parte dos quais no norte de Moçambique.
Habitualmente, fala-se da presença de Portugal na Primeira Grande Guerra no cenário da Flandres, esquecendo-se o esforço que foi feito nos cenários de África (Moçambique e Angola), questão que já na altura foi contestada, porque os louros da memória (se os havia) iam sempre para os soldados que tinham rumado para a Flandres e quase nunca para os que tinham combatido ou perdido a vida em África.
Mas a memória tem destas coisas. Os 90 anos sobre o Armistício passaram e Portugal quase não se manifestou. Ainda houve, mais ou menos por essa altura de Novembro, uma reportagem na televisão sobre a guerra de trincheiras. Mas, na verdade… nada mais se ouviu dizer. Que contraste com o que se passou noutros países europeus que, como nós, viveram essa guerra, mas, tão diferentemente de nós, continuam a honrar os compromissos da memória! As razões podem ser muitas, históricas mesmo. Mas sobressai uma, que é a de uma má relação com a memória, que em Portugal se vai aboletando…
No último número de Ligne de Front, dedicado à Guerra de 1914-1918, Franck Segrétain escreveu sobre a participação portuguesa, considerando-a um “effort trop lourd pour le Portugal”, assim descrita: “De 1916 à 1918, le Portugal a envoyé en France 3374 officiers et 51709 hommes. Ils ont perdu 74 officiers et 2012 hommes morts, 256 officiers et 4968 hommes blessés et 7740 prisonniers de guerre. Au total, il a mobilisé 108100 hommes et perdu 35623 tués et blessés sur le front Ouest mais aussi sur mer et en Afrique, notamment en Mozambique”.

Veteranos ingleses da Primeira Grande Guerra Henry Allingham, Harry Patch e Bill Stone, nas cerimónias de Novembro de 2008 em Londres (revista Hello, 1048, 25.Nov.2008)