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segunda-feira, 24 de abril de 2017

Duas notas de fim de semana: entre concertos e livros



Primeira: Assisti aos dois concertos promovidos conjuntamente pelo Coro Gospel de Azeitão e pelo Coro do Conservatório Regional de Setúbal. Foi o concerto “Happy Days”, primeiro em Azeitão, no auditório da Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense, em 21 de Abril, e depois em Setúbal, no Forum Luísa Todi, em 22 de Abril.
Uma combinação perfeita, dominada por espirituais negros tradicionais, experiência inicial entre os dois coros, com público entusiasmado e participativo, com coralistas empenhados e um trabalho notado. Valeu bem a pena! E, por isso, o agradecimento a todos os participantes, a todos os “fazedores” deste evento, sobretudo a John Fletcher, professor do CRS e orientador do Coro Gospel, que dinamizou a actividade e lhe emprestou uma marca pessoal.


Segunda: Passou o Dia Mundial do Livro, homenagem ao objecto livro, aos autores e aos leitores. Poderíamos dizer que também somos o que lemos. Tive pena, ao passar pela FNAC, por ver que não houve este ano a edição antológica de contos O Prazer da Leitura. Desde 2008 que a FNAC (em conjunto com a editora Teorema nos três primeiros anos e com a Teodolito nos seguintes) tem vindo a publicar, no Dia Mundial do Livro, esta antologia, um volume por ano, reunindo contos inéditos de autores portugueses contemporâneos, já num total de 50 autores e correspondente número de contos (o volume de 2008 integrou 10 autores e cada um dos seguintes foi alimentado por 5 autores). Não posso esquecer o entusiasmo dos meus alunos mais novos quando lhes leio um conto que surgiu no primeiro volume, “Verba volant, scripta manent”, de João Aguiar, experiência que tenho repetido quando tenho alunos novos, conseguindo sempre o mesmo entusiasmo... Esperava encontrar-me com a edição deste ano, mas... Pena, porque é um interessante projecto e dinamiza a leitura do conto e a diversidade de propostas de leitura!

quinta-feira, 25 de julho de 2013

"Eça agora" - nos 125 anos de "Os Maias"



A passagem dos 125 anos sobre a publicação de Os Maias, de Eça de Queirós (1ª ed., 1888), obra cuja presença no cânone português é indiscutível, constitui o pretexto para as releituras ecianas ou para leituras do país e da nossa contemporaneidade, na peugada de Eça.
Exemplo é o projecto do semanário Expresso, designado “Eça agora”, constituído por sete volumes: três deles reproduzindo a obra que se celebra; outros três apresentando ficções que continuarão Os Maias num percurso temporal até 1973 (em textos devidos a José Luís Peixoto, José Eduardo Agualusa, Mário Zambujal, J. Rentes de Carvalho, Clara Ferreira Alves e Gonçalo M. Tavares); o último divulgando esse estudo indispensável sobre a saga da família Maia, intitulado Introdução à leitura d’Os Maias, devido a Carlos Reis (1ª ed., 1978).
Um outro exemplo do destaque dado ao romance maior de Eça é a edição do Jornal de Letras – JL, de ontem (nº 1117, 24.Julho.2013), que revisita Os Maias, através de Carlos Reis (dando a sua experiência de leitor da obra, num texto de marcas pessoais, que o leva a considerar a sua releitura como “uma aventura sem fim”); de Kyldes Batista Vicente (universitária brasileira que reflecte sobre a recepção da mini-série que a TV Globo produziu a partir de várias obras de Eça); de Maria do Rosário Cunha (investigadora ligada à edição crítica d’Os Maias, que ajuiza sobre esse trabalho); de José-Augusto França (revelando o fascínio pela construção de uma personagem como Maria Eduarda); de Filomena Oliveira (analisando a versão dramatúrgica da obra, de que foi co-autora, com Miguel Real); de Carolina Freitas (no resultado de uma conversa com o realizador João Botelho, que vai rodar nova película sobre esta obra); de um painel constituído por Manuel Jorge Marmelo, Miguel Real, Nuno Camarneiro, Fernando Venâncio, Teolinda Gersão, Mário de Carvalho e Mário Cláudio, que se aventuram no gizar do que seria o plano ou o capítulo inicial da obra Memórias de um átomo, jamais escrita mas sempre prometida por João da Ega; de cinco dos seis continuadores d’Os Maias (não participa Gonçalo M. Tavares) do projecto do Expresso, que respondem a inquérito a propósito do trabalho em que se envolveram – destaco o testemunho de Clara Ferreira Alves, assumida como “queirosiana confessa, inabalável”, que revela a sua surpresa de cada vez que relê Eça e considera as personagens queirosianas como integrando a sua “família espiritual”.
No entanto, o título dado a este projecto, “Eça agora”, existe já desde 2007, ano em que foi publicado o romance Eça agora – Os herdeiros d’Os Maias (Lisboa: Oficina do Livro), obra colectiva devida a sete autores: Alice Vieira, José Jorge Letria, José Fanha, Luísa Beltrão, Mário Zambujal, Rosa de Lobato Faria e João Aguiar.
Obra forte, que conquista o humor eciano e critica fortemente os hábitos sociais do século XXI, nela, “herdeiros” são os autores, que seguem a via queirosiana, seja pelos reflexos evidentes dos incidentes com as personagens, seja pelo papel que essas mesmas personagens vão desempenhar na obra, seja pelo ambiente em que a trama vai acontecendo; “herdeiros” são as personagens, elas mesmas, intensamente marcadas pelos nomes, determinadas por um Afonso e um Carlos da Maia, decalcados do original, figuras que surgem rodeadas por outras que, pelas atitudes e pelas aproximações fonéticas aos nomes queirosianos, nos dão a aguarela em que assenta esta narrativa – João da Régua, Dodô Varinho, Damásio Malcede, Palma Cavalito, Além Mar, Maria Moncorvo, Maria Hermengarda, entre outras – nomes que se cruzam com a Lisboa e o Portugal contemporâneos, matizados nos partidos políticos, no Gambrinus, na Quinta da Marinha, nos concertos, em organizações como a Populus Dei, no periódico 48 horas, nos clubes desportivos, numa capital efervescente de socialite; “herdeiros” ainda pelas intenções, já que é evidente a crítica social e política sobre o momento em que a obra foi produzida, eivada de nomes que fazem lembrar os do “Contra-Informação”, como são exemplos Aristides Platão, “primeiro-ministro”, ou Procónio Guterros, Morcão Lamoso, Sanlopes Tana, Marcos Arquimendes, Luís Filipe Menelau ou o Dr. Saulo Cortas, ou mesmo o Presidente Vassilva Caco…
No final, como “delicada alusão”, Carlos da Maia e João da Régua vão apanhar o metropolitano e, enquanto se lamentam pelo facto de tudo continuar na mesma e verificam que “nada vale a pena”, decidem correr na gare rumo ao comboio que estava para partir. “Corre, que ainda o apanhamos!”, aconselhava João da Régua. E “saltaram degraus a quatro e quatro, entraram de roldão na carruagem de trás. O comboio pôs-se em movimento e desapareceu no túnel.”
Os sete autores, que foram construindo os seus capítulos na sequência do legado pelo autor anterior, em duas voltas (catorze capítulos, sem que nenhum tivesse sido autor de dois capítulos seguidos), juntam-se no fecho do romance (ou da telenovela), o “epílogo”, assumindo o estatuto de personagens que, numa reunião clandestina, têm um encontro com “um rosto humano, um rosto humano que eles conheciam de fotos antigas, de quadros e estátuas, um rosto afilado, com um monóculo entalado num dos olhos trocistas…”, Eça, ele mesmo. Eça, agora. Sinal de que se estava perante uma reunião de “herdeiros” de Eça. E a obra podia terminar.
No 125º aniversário de Os Maias, estas adaptações caucionam a actualidade de Eça de Queirós, indo muito além da citação em diferentes contextos e provando que a única alteração e actualização decorre dos cenários, originários da alteração da paisagem citadina ou social, porque o interior das personagens… ou, como o narrador de Os Maias acentuava no derradeiro capítulo, quando Carlos regressou do seu afastamento de uma década da capital, tudo permanece na mesma. Dê-se-lhe a voz: “Foram descendo o Chiado. Do outro lado, os toldos das lojas estendiam no chão uma sombra forte e dentada. E Carlos reconhecia, encostados às mesmas portas, sujeitos que lá deixara havia dez anos, já assim encostados, já assim melancólicos. Tinham rugas, tinham brancas. Mas lá estacionavam ainda, apagados e murchos, rente das mesmas ombreiras, com colarinhos à moda.” Ainda por lá andam, 125 anos depois…

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Memória: João Aguiar (1943-2010)

O escritor João Aguiar interrompeu um livro que estava em escrita e partiu. Vários dos seus livros me impressionaram, mas deixei-me fascinar por A voz dos deuses – Memórias de um companheiro de armas de Viriato, obra publicada em 1984 (que só nesse ano teve quatro edições e, volvida uma década, teve adaptação a banda desenhada), romance histórico que nos coloca num tempo algo mítico, perante personagens não menos míticas, mas próximas pela sua humanidade.
Dos sublinhados de então, ficou-me, por exemplo, esta frase que Lobessa dizia a Tongio: “É incrível como os homens andam depressa quando pensam em guerra e em saque.” Coisa que já sabemos o quão perniciosa é há tanto tempo, mas que se mantém como prática...
Recentemente, consegui transmitir algum do fascínio da escrita de João Aguiar a alunos meus através desse conto que é “Verba volent, scripta manent”, inserido no primeiro volume de Prazer da Leitura (Lisboa: FNAC / Teroema, 2008). Até hoje, li esse conto a várias turmas e em todas o prazer de ouvir a história do jovem Gonçalo que acaba a encontrar-se na biblioteca do primo Jeremias foi notório. Como o título da narrativa recorre ao latim, há que o explicar, mas, antes disso, tenho pedido aos alunos que, de acordo com o ouvido, atribuam um título ao texto. E recordo a prontidão com que o Pedro, meu aluno em 2008, respondeu: “Castigo encadernado”.
Continuarei a ler João Aguiar nos romances históricos e nas crónicas que deixou e continuarei a passar o exemplo da personagem Gonçalo, que descobriu o fascínio da leitura num mundo onde não havia computadores, telemóveis, televisões, onde estava envolvido pela Natureza e por uma biblioteca de segredos.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Sobre heróis (de ontem e não de hoje...)

Na habitual rubrica “Viagens na história” que assina na revista Tempo Livre, João Aguiar escolheu para título deste mês “Como o tempo passa!” (Tempo Livre. Lisboa: INATEL, nº 195, Julho/Agosto.2008, pg. 54). O texto foi escrito em época das euforias do Euro 2008 e pretende falar de heróis…
Nuno Álvares Pereira (séc. XIV), Luís de Camões (séc. XVI), Luís da Câmara Pestana (1863-1899), Aníbal Augusto Milhais (mais conhecido por “soldado Milhões”, 1895-1970) e Teixeira de Pascoaes (1877-1952) são os cinco heróis portugueses escolhidos por João Aguiar, homens que, “nos seus diversos domínios, conseguiram realizar obras verdadeiramente importantes que marcaram o rumo da nossa História”, cada um deles por uma boa razão – pela genialidade estratégica e pelo misticismo, pela poesia e pelo aventureirismo, pela luta contra a peste bubónica, pela acção na 1ª Grande Guerra e pelo prestígio na cultura, respectivamente.
E que tem isto tudo a ver com o Euro 2008? Eis a conclusão, de necessária leitura para rejeitarmos os excessos que nos foram impingidos, com a ajudinha costumeira da comunicação social, em tempo de simultaneidade de crise e de construção de heróis:

Poderá já vir um pouco fora de tempo, porque a época do Euro 2008 já passou… Mas esta opinião ajuda a perceber a grandeza dos desgostos assim como os excessos a que aderimos!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

"O prazer da leitura", da FNAC, e um conto de João Aguiar

A propósito do Dia Mundial do Livro deste ano (em 23 de Abril), a FNAC (que também celebra uma década) e a Editorial Teorema editaram um livro intitulado O prazer da leitura, constituído por uma dezena de contos de outros tantos autores portugueses (Filipa Melo, Francisco José Viegas, João Aguiar, Lídia Jorge, Luísa Costa Gomes, Manuel Jorge Marmelo, Maria Teresa Horta, Mário Cláudio, Nuno Júdice e Rui Zink, por ordem alfabética).
A primeira narrativa, por ordem de página, é a de João Aguiar, intitulada “Verba volent, scripta manent” (isto é: as palavras voam, a escrita permanece). De tal forma o ritmo da história é interessante que pensei lê-lo aos meus alunos de 8º ano. E, em três turmas, a adesão foi total. Porque se passava com um jovem pouco mais velho do que eles; porque havia um aluno em cada turma com o nome da personagem principal; porque é uma história escrita em jeito de registo no diário, criando uma cumplicidade de segredo, de simpatia e de reserva entre o narrador e o leitor; porque muitos (quase todos) se conseguiram rever naquela personagem, que tinha perante a escola, a leitura e a família uma atitude em muito semelhante à dos jovens ouvintes; porque ficaram maravilhados com algumas descrições (por exemplo, a da biblioteca); porque acreditaram que é possível a transformação das pessoas; porque a salvação chegou através da natureza, da leitura e da música.
Não vou aqui apresentar a história. Apenas direi que a adesão foi tão generosa que alguns manifestaram vontade de adquirir o livro, enquanto outros (muitos!) solicitaram uma cópia daquele conto. E foi bom ouvi-los dizer: “Sinto que estou exactamente como a personagem” ou “é mesmo o retrato do que se passa comigo” ou “foi muito interessante a forma como o jovem descobriu a alternativa da leitura”.
E, já que disto se fala, como o título do conto é em latim, não o li no início, mas pedi-lhes para pensarem num título para aquela história, que depois me iriam dizer; em troca, revelar-lhes-ia depois o título dado por João Aguiar, com explicação adequada. Todos os alunos colaboraram conforme sugerido. E, de acordo com os meus gostos, a melhor proposta veio de um rapaz, que sugeriu o título de “Castigo encadernado”. Agora, some-se esta proposta com o título original e… o que sugiro? Isso mesmo: um pretexto para embarcar n’O prazer da leitura.