Mostrar mensagens com a etiqueta leitura. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta leitura. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Resendes Ventura entre os papéis e a leitura



Dê-se a palavra ao autor: “Vivo no meio dos livros. Alto preço / paguei por esta escolha. / Ele há vidas assim. Há tantos modos / de se passar pelos destinos / em que está embarcada a vida humana.”

A citação pertence a Resendes Ventura - assinatura literária de Manuel Pereira de Medeiros (1936-2013), micaelense de Água Retorta e setubalense por adopção, onde foi livreiro e fundador da livraria Culsete (1973) - e consta na sua obra Papel a Mais - Papéis de um Livreiro com Inéditos de Escritores, saída em 2009 (Esfera do Caos Editores), a abrir uma estrofe do poema “Leitura”, quase no final do livro. Somos levados para a relação daquilo que o autor assumiu como tendo sido - um livreiro, um leitor, um autor de “papéis” (que não um escritor, apesar de o ter querido ser). Desta quase trindade surgiram as considerações e poemas que compõem o livro, alinhado em quatro grupos: dois reflectidos e exuberantes ensaios sobre a leitura, aglomerado de poemas em jeito antológico (recorrendo ao seu título de 1993, Mãe d’Alma, e trazendo mais algumas criações), textos de autores amigos oferecidos ao livreiro e colaborações diversas na imprensa.

Os ensaios reflectem o estado da leitura e lançam pistas para o seu futuro. Estava-se em tempos em que se discutia o fomento da prática da leitura (e não estamos ainda?), em que o estudo da leitura dava os primeiros passos como preocupação na prática universitária. As reflexões sobre a leitura (o seu estado e a sua dinamização) surgidas nesta obra associam-se a incursão pela memória, relatando o papel da Culsete nessa promoção e as inumeráveis sessões de animação do livro e da leitura que o livreiro levou por diante, não sem que paire o autobiografismo do trajecto do leitor que se foi formando desde a infância e da experiência de escrita que também foi namorando o livreiro.

A reflexão que fica é contundente e provocatória, não deixando dúvidas quanto às responsabilidades que todos - todos - temos na leitura. Leia-se, no primeiro ensaio, e pense-se: “Como é que um país pode ser culto sem edições disponíveis de obras fundamentais quer da cultura nacional quer da universal? Miséria de editores ou miséria de leitores? Nunca compreendi. Mas a conclusão, sim: miséria de leitura.” E, já agora: “nunca encontrei quem se admirasse de um livreiro ser ignorante como leitor”. No segundo ensaio, uma proposta: a livraria como “oficina de leitura”, não como “mercearia de livros”. Entre a escrita dos dois textos que constituem este grupo medeiam seis anos, notando-se, no segundo, uma maior confiança nos caminhos abertos à prática (porque não ao hábito?) da leitura, texto que é também uma quase despedida de um percurso dedicado ao livro.

As colaborações de Resendes Ventura na imprensa, trazidas para final da obra, caucionam o percurso dinâmico do autor na actividade cultural, particularmente no que ao afecto ao livro respeita. São recortes por onde passam o sentir poético da vida, o contributo dado em Setúbal para a memória de Sebastião da Gama ou de Andersen, o testemunho de leitor de vários tempos. Valorizando todo este desempenho, surgem também os “inéditos de escritores” (15 nomes, no total), que, maioritariamente homenageando o livreiro Medeiros, são também um contributo para o testemunho e para novas pistas de conhecimento.

Quase no final do livro: “É mesmo inevitável a pergunta: quem mais irá ler, para além de alguns amigos de cada autor, muito do que se edita? Uma pessoa interroga-se com razão.” Cabe a cada um de nós responder, mas será triste desconhecer este contributo de Resendes Ventura para a discussão e para a memória local...

* J. R. R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 793, 2022-02-23, pg. 6.


quinta-feira, 1 de abril de 2021

Eugénio Lisboa cativa leitores relutantes


O título envolve um convite, embrulhado em emoção, numa exclamativa. É curto, duas palavras. Mas um subtítulo chama a atenção para o que tão conciso título pretende. Vamos ler! - Um cânone para o leitor relutante é o mais recente livro de Eugénio Lisboa (Guerra & Paz, 2021), leitor contumaz, a falar da felicidade de ler para interlocutores a conquistar.

A aventura começa com recuo à infância moçambicana do autor, numa família sem “folga financeira para comprar livros, para além dos escolares”, numa casa cuja arrecadação guardava num baú, “dezenas e dezenas de números de uma revista brasileira, com um título que era um verdadeiro chamariz”. Chamava-se... Vamos ler!, oferecendo “reportagens, verbetes dedicados a grandes escritores do passado e do presente (daquele presente!), contos de autores famosos, novelas policiais excitantes e até peças de teatro”. O trilho da leitura: “à falta de livros, fui-me embrenhando na boa e variada literatura que a revista me oferecia. ‘Vamos ler!’, dizia o título da revista - e foi isso mesmo que me dispus a fazer: ler.”

A persistência e o gosto levaram o jovem para um cruzamento de géneros, tempos, culturas, numa viagem fascinante que o faz afirmar: “As pessoas que nunca adquiriram o gosto de ler não fazem ideia do prazer incomensurável que desperdiçam.” Esta asserção conduz a Virginia Woolf, pelo seu cenário do Dia do Juízo, no momento de recompensar heróis - dirá Deus a Pedro, quando alguém chegar com livros debaixo do braço: “Olha, estes não precisam de recompensa. Não há nada que possamos dar-lhes. Eles já gostam de ler!” Criados os passos, Eugénio Lisboa diz ao que vem: “Era precisamente para este estatuto de ‘pessoas que já gostam de ler’ que eu gostaria de seduzir as pessoas pouco habituadas à leitura. E uma coisa prometo, desde já: não fazer batota.”

Vamos ler! apoia-se em dois vectores: o da sedução e o da sinceridade de leitor experimentado. Se aquele cativa vontades, este aponta caminho não complexo nem difícil. Isto é: neste livro “trata-se de congeminar uma isca astuta e não de exibir uma cultura sofisticada e faraónica.”

O fingimento sentido no mundo literário é repudiado por Eugénio Lisboa, sobretudo pelo snobismo do “fica bem” ou do “dar estatuto”. Daí a palavra “cânone” no título, termo habitualmente guardado para associar a ideologia ao gosto, à norma, prescritivo, mas que Eugénio Lisboa usa em dimensão modesta e próxima, chegando a dizer não ser o “seu”, mas “um” cânone para que não haja leitores relutantes e também para ironizar com os cânones que deixam de fora, por exemplo, uma poeta como Sophia...

As visitas propostas passam por uma lista de 50 obras de 35 autores, todos portugueses (na verdade, são muitos mais e há imensos estrangeiros, pois as incursões sobre os seus gostos literários são outros tantos “iscos”, ainda que fora da lista), ordenada do “mais recente para o mais antigo”, estratégia pedagógica iniciada com Miguel Sousa Tavares até chegar a Camões, também descobrindo em alguns canónicos dos programas escolares as virtudes que ficam normalmente à porta do estudo. Não, não vou dizer quais são os autores - apesar de poder haver alternativas válidas, a proposta de Eugénio Lisboa é coerente, pois assenta no princípio de que “vale a pena ler”, verdade tão universal que até Bill Gates afirmou: “Os meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros”, porque, “sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever, inclusivamente a sua própria história.” E conclui o autor: “E, agora, VAMOS LER!” 

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 591, 2021-03-30, p. 10.


quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Setembro, mês de Bocage (28)



Saiu recentemente uma Antologia de Poesia Erótica de Bocage, organizada e prefaciada por Fernando Pinto do Amaral (Lisboa: Dom Quixote, 2017). A propósito dessa novidade literária, o JL - Jornal de Letras, na sua edição de ontem (nº 1226, 2017-09-27, pg. 23), publicou curta entrevista com Pinto do Amaral, cheia de referências à importância do poeta setubalense Bocage. O entrevistado sabe do que fala e vale a pena reter e acreditar numa das suas frases: "Neste momento há uma geração de leitores que tem uma genuína curiosidade em ler os textos bocagianos." Assim seja! É mesmo importante que Bocage seja lido.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Ler Prazer Ler P'ra Ser - Aluna de Palmela ganha primeiro prémio



O primeiro prémio do concurso “Ler Prazer, Ler p’ra Ser”, na modalidade “trabalho individual do 3º Ciclo do Ensino Básico”, inserido na 11ª Semana da Leitura, promovido pelo Plano Nacional de Leitura, foi atribuído a Adriana Martins Ferreira da Costa Rodrigues, aluna do 8º ano na Escola Secundária de Palmela, e será entregue em cerimónia a ter lugar em 14 de junho, no pavilhão da APEL, na Feira do Livro de Lisboa.
O trabalho apresentado pela jovem palmelense, intitulado “O prazer de ler em todos os momentos e em todos os lugares”, consiste numa animação de 14 segundos, ilustrativa da descoberta do prazer de ler, resultante de 84 desenhos originais (seis imagens por segundo de animação), contendo fundo musical inspirado em compositores clássicos como Mozart, Schubert e Brahms.
A candidatura do trabalho da Adriana Rodrigues foi acompanhada pela professora Maria José Ribeiro, que, na Escola, dirige o Centro de Recursos e Biblioteca Escolar. Com este galardão, a biblioteca escolar receberá também livros para renovação do seu acervo documental no valor máximo de 500 euros.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Duas notas de fim de semana: entre concertos e livros



Primeira: Assisti aos dois concertos promovidos conjuntamente pelo Coro Gospel de Azeitão e pelo Coro do Conservatório Regional de Setúbal. Foi o concerto “Happy Days”, primeiro em Azeitão, no auditório da Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense, em 21 de Abril, e depois em Setúbal, no Forum Luísa Todi, em 22 de Abril.
Uma combinação perfeita, dominada por espirituais negros tradicionais, experiência inicial entre os dois coros, com público entusiasmado e participativo, com coralistas empenhados e um trabalho notado. Valeu bem a pena! E, por isso, o agradecimento a todos os participantes, a todos os “fazedores” deste evento, sobretudo a John Fletcher, professor do CRS e orientador do Coro Gospel, que dinamizou a actividade e lhe emprestou uma marca pessoal.


Segunda: Passou o Dia Mundial do Livro, homenagem ao objecto livro, aos autores e aos leitores. Poderíamos dizer que também somos o que lemos. Tive pena, ao passar pela FNAC, por ver que não houve este ano a edição antológica de contos O Prazer da Leitura. Desde 2008 que a FNAC (em conjunto com a editora Teorema nos três primeiros anos e com a Teodolito nos seguintes) tem vindo a publicar, no Dia Mundial do Livro, esta antologia, um volume por ano, reunindo contos inéditos de autores portugueses contemporâneos, já num total de 50 autores e correspondente número de contos (o volume de 2008 integrou 10 autores e cada um dos seguintes foi alimentado por 5 autores). Não posso esquecer o entusiasmo dos meus alunos mais novos quando lhes leio um conto que surgiu no primeiro volume, “Verba volant, scripta manent”, de João Aguiar, experiência que tenho repetido quando tenho alunos novos, conseguindo sempre o mesmo entusiasmo... Esperava encontrar-me com a edição deste ano, mas... Pena, porque é um interessante projecto e dinamiza a leitura do conto e a diversidade de propostas de leitura!

terça-feira, 18 de abril de 2017

Para a agenda - Os 100 Melhores Livros



Escolher "Os 100 Melhores Livros de Todos os Tempos" vale pelo título e pela curiosidade suscitada pelas opções. Poderíamos perguntar quais são os segundos 100 melhores, bem como poderíamos fazer depender a lista das vontades, prazeres e descobertas de cada leitor... Confessemos que, mesmo assim, entre os "100 Melhores" deverá haver alguns títulos de concordância quase universal...
Entre 24 de Abril e 6 de Maio, a Biblioteca Pública Municipal de Setúbal vai "atrever-se" a mostrar "Os 100 Melhores Livros de Todos os Tempos", que é como quem diz: vai desafiar o leitor para essa centena de títulos, que se deixará tentar - tem de ser - pela correspondência entre as leituras que fez e as que lhe são mostradas e poderão servir como motivação para novas leituras... O pretexto, além da dinamização da leitura, será o da celebração do Dia Mundial do Livro.
Quase no final da exposição, em 5 de Maio, está prevista tertúlia a propósito, pelas 18h00.
Para a agenda!

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Sublinhados - José Rodrigues Miguéis, "O Espelho Poliédrico"



O Espelho Poliédrico, de José Rodrigues Miguéis (Lisboa: Estúdios Cor, 1972), é um conjunto de textos em que o cronista se assume como “simples narrador de histórias reais e experiências inventadas” (como refere no intitulado “O galo, o estudante e o professor”), embora algumas vezes povoando esses mesmos textos com uma dose de memorialismo, mesmo que tenha registado algo como: “Não escrevo memórias, talvez nunca as escreva: a não ser transpostas em ficção, ou quando um flash de lembrança, como agora, me ilumina.” (em “O Corcundinha”). No final da obra, lá vem a “nota do autor” a explicar que as crónicas são um conjunto vasto e diversificado de “memórias, comentários e ficções” e a indicar a origem - publicadas no Diário de Lisboa, na sua maioria, entre 1968 e 1971, algumas inéditas e outras surgidas em várias publicações periódicas.

Sublinhados
Automóvel - “O automóvel é também um prolongamento mórbido da personalidade e da sensibilidade: ao mais leve contacto, risco ou amolgadela no verniz da carroçaria ou nos niquelados, pior que insultos ou facadas; se alguém se me atravessa no caminho, me obriga a desacelerar a marcha, me ultrapassa ou me rouba o precioso parking - eu pulo fora do carro, espumante e de punhos em riste, pronto a insultar, a agredir, a matar até, como é frequente, o transgressor dos meus sacratíssimos ‘direitos’. O carro fez dos homens autênticos artrópodes metalomecânicos, lavagantes desmiolados, impessoais, isolados entre si pela carapaça de duas toneladas de aço-lata com motor e quatro rodas, capaz de esmigalhar ossos, carnes e nervos, na qual andam metidos e conduzem (ou são conduzidos) sem verem os seus semelhantes: com a mesma anarquia de sentimentos, a mesma fúria, indiferença ou hostilidade com que andariam entre inimigos ou em terra conquistada.” (“Sua Majestade o Automóvel”)
Eternidade - “A Eternidade não é feita da soma dos dias, dos instantes, mas do aprofundamento de cada instante, de cada átomo, de cada ser, em que a própria matéria se dissolve.” (“Enterro de um Poeta”)
Homem - “É nas mínimas circunstâncias do quotidiano que os homens, por vezes, melhor revelam a sua têmpera.” (“O galo, o estudante e o professor”)
Juventude - “O tempo da mocidade é curto, mas denso de afectos e actividades.”  (“Levanta-te e Caminha”)
Mudança - “As coisas, quando mudam, é: a) para melhor; b) para pior; c) para ficarem na mesma. Esta saída é mais frequente do que se imagina.” (“Aforismos e Venenos de Aparício - III”)
Ódio - “Os ódios e rancores não se calam nem à beira do túmulo.” (“Requiem para Junqueiro”)
Palavra - “Vale mais um pensamento lúcido, embora sem palavras, do que a verborreia a mascarar o vácuo ou pobreza das ideias.” (“Aforismos e Venenos de Aparício - III”)
Política - “O a-politismo é quase sempre uma política de sinal contrário (ou resulta nela).” (“Levanta-te e Caminha”)
Vida - “A vida é feita de tanta coisa! E nem toda a sabedoria se aprende nos livros.” (“A garrafa de conhaque”)

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A leitura e o prazer, por Miguel Esteves Cardoso



No Público de hoje (pg. 45), Miguel Esteves Cardoso escreve sobre a leitura e o prazer de ler. Vale a pena ler - por obrigação e por prazer!