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quarta-feira, 2 de junho de 2021

Sabia que, em Setúbal,...?


 

Quando o interlocutor ouve uma construção frásica do género “sabia que...?”, de imediato fica a saber que está perante um desafio retoricamente construído, cujo principal objectivo não é testar, antes incluir uma resposta na própria formulação, transmitindo-lhe um saber. Trata-se de uma pergunta que não inquieta, que contém em si a chave da solução, alimentando a curiosidade sobre as pequenas coisas, um género de jogo que leva o outro a sentir que descobre o que não sabia.

O título Sabia que...? - Notas históricas e curiosidades sobre o Concelho de Setúbal, editado no final de 2020 pela Câmara Municipal de Setúbal, faz esse convite ao leitor ao longo de uma centena de páginas, percorrendo mais de oito séculos de história local, em parágrafos curtos que são outras tantas continuações para a pergunta se concluir, em textos devidos a Horácio Pena e Vera Mariano e fotografias captadas por Mário Peneque, José Luís Costa e David Pereira.

A mais antiga referência datada é de 1217, tempo de pacificação e instalação da Ordem de Santiago a sul do Tejo que permitiu a fixação de populações, seguindo-se 1235, ano da “primeira referência documental a Setúbal, descrevendo-a como pequena aldeia de pescadores do termo de Palmela, à beira-Sado”. A mais recente é 10 de Outubro de 2020, dia em que “o Convento de Jesus, monumento que acolhe o Museu de Setúbal, reabriu ao público, depois de beneficiar de obras de restauro e renovação”.

Entre estas duas balizas, circulam muitos momentos que foram construindo a identidade setubalense, relacionados com as mais diversas áreas - trabalho, migrações, cultura, política, património, personalidades, religião, lazer, desporto, obras públicas, etc. Além do itinerário histórico através dos grandes e dos pequenos acontecimentos que têm edificado o concelho, pode o leitor satisfazer pequenas curiosidades - as portas quinhentistas na cidade, a origem do hospital João Palmeiro, a simbologia por trás da estátua de Frei Martinho no Convento da Arrábida, o início do equipamento vitoriano com a conjugação verde e branco, a identificação do primeiro setubalense que estudou na Universidade de Coimbra, o rol dos reis que passaram pelo concelho, a partida de Setúbal para a conquista de Alcácer Ceguer e muito mais.

As escolhas são interessantes, embora haja ausências injustificáveis - Sebastião da Gama tem direito à reprodução de um poema na badana da capa, mas não merece uma única referência na cronologia; de Frei Agostinho da Cruz, há três versos sobre o fulgor arrábido, mas o seu nome é também omitido no conjunto de perguntas. Em contrapartida, Luísa Todi tem a mesma história repetida duas vezes, em 1933 e em 1989, a propósito da construção e mudança da glorieta que a homenageia na avenida com o seu nome. Um ou outro critério careceria de ser mais cuidado - por exemplo, menciona-se o nome do escritor Andersen, que, em 1866, esteve em Setúbal e escreveu sobre esta visita, mas não se refere o nome da escocesa que, em 1775, passou em Setúbal e relatou “como ainda se encontrava a povoação vinte anos após o sismo de 1755”, Janet Schaw de sua graça; ou ainda o facto de, no início, ser anunciado um índice geral para o leitor facilmente encontrar “a notícia ou informação que pretender”, sendo que o índice é apenas cronológico, reduzido à indicação do início de cada século.

O livro vale, contudo, pelo que conta ou por tudo quanto nos leva a descobrir, tendo o mérito de apresentar de forma simples e rápida muitas peças do “puzzle” que se constrói com as histórias do local.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 635, 2021-06-02, p. 9.


sexta-feira, 30 de abril de 2021

Diogo Ferreira: histórias de São Sebastião (Setúbal)


A história local é engrandecida pela proximidade, levando a forma muito própria de sentir a identidade. Essa marca tem o livro Breve História da Freguesia de São Sebastião, de Diogo Ferreira, editado pela respectiva Junta de Freguesia, procura do que já foi escrito sobre a freguesia e demanda nos arquivos e levantamento exaustivo do que pode ser marca histórica neste território. A freguesia mostra-se desde quando era arrabalde até à integração na área urbana e desde a origem rural à industrialização, processos lentos de transformação do território.

Causas dessa demora podem ser encontradas nos terrenos da freguesia inicialmente virados para o mundo rural e também na dificuldade de acessos de então. Mas terá havido outras razões importantes, como o pesadelo do terramoto de 1755 em termos de destruição na então paróquia ou os interesses que dominavam a sociedade - no relato de 1758, o pároco de São Sebastião, Manuel Pereira de Carvalho, apresentava a paróquia também dominada pelos fidalgos que ali tinham as suas segundas residências para evitarem grandes gastos na Corte, deles dizendo: “oxalá não houvera nenhum, porque semelhantes fidalgos nas terras fora da Corte se fazem régulos e absolutos intrometendo-se nos governos políticos, militares e, o que é mais, no espiritual, como a experiência assaz o tem demonstrado.” O prior de São Sebastião lá saberia a quem se queria referir, mas elucida quanto às influências e à construção social nesse século XVIII...

O leitor passa pelos bairros tradicionais que têm definido a freguesia desde a viragem do século XIX para o século XX, pelo seu património histórico-arquitectónico, cada uma das peças podendo contar uma ou muitas histórias, reais ou lendárias - afinal, é da freguesia de São Sebastião o mais antigo monumento da cidade de Setúbal, o geomonumento da Pedra Furada, com 2 a 4 milhões de anos, desde sempre ligado a histórias populares... Além desse monumento, sem intervenção humana, Diogo Ferreira menciona mais de meia centena de pontos de interesse histórico da freguesia, desde os seus mais antigos limites, num calendário entre o século XIV (portal da gafaria) e a contemporaneidade (Jardim Multissensorial das Energias, de 2018).

Sendo o elemento humano o mais importante na colectividade, também neste livro vivem espaços e tempos sociais como as festas, as feiras e os mercados (uma dezena de referências), as colectividades das mais diversas finalidades (mais de três dezenas e meia) e as pessoas, em curtas biografias de três dezenas de nomes ligados à freguesia, todos com histórias singulares, nas mais diversas áreas (política, comércio, cultura, desporto, trabalho), numa cronologia iniciada com Tomás António dos Santos e Silva (1751) e concluída com Vítor Baptista (1948). A memória passa ainda pelos dois fregueses de São Sebastião caídos na Primeira Grande Guerra e pelos dez que pereceram na Guerra Colonial. A obra conclui com um quadro cronológico da história da freguesia e com a listagem dos presidentes da Junta de Freguesia e respectivos mandatos, rol que fica cerceado em alguns pontos pois não foram encontrados documentos para diversas épocas.

As histórias ligadas à freguesia de São Sebastião têm andado dispersas, devido às diversas áreas que nela se cruzam com a história de Setúbal - as indústrias conserveira e naval, a actividade piscatória e portuária e os bairros têm sido campos de investigação de merecidos bons tratamentos descritivos e historiográficos. Diogo Ferreira reúne muitos outros pontos de que se pode partir para mais aprofundados estudos a propósito desta freguesia, que caminha para os seus 500 anos e é uma das mais antigas de Setúbal. 

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 610, 2021-04-28, p. 5


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Pescadores perseguidos ao largo de Setúbal em 1755


            

O título é extenso e conta o essencial da notícia: Relação do notável caso que aconteceu às lanchas da Vila de Setúbal, com três xavecos de Mouros em o dia doze do mês de Maio, pelas onze horas do dia, segundo a notícia que se houve de um mestre de uma das embarcações. Se o leitor quiser pormenores, terá de ler as sete páginas do relato impresso em Lisboa, provavelmente em 1755. 

Enquanto género, a “relação”, prática desde o século XV, tem carácter noticioso e não periódico, narra um único acontecimento, frequentemente de forma sensacionalista, publicando-se pouco tempo após o evento relatado, recorrendo a testemunhas do ocorrido. O título longo dá respostas a várias perguntas sobre o essencial numa notícia: o que aconteceu, quando e onde ocorreu, quem interveio; falta apenas explicar como sucedeu, desenvolvimento dado no relato.

Neste documento de 1755, que respeita a tipologia do género, ignora-se o nome do autor do escrito, como se desconhece o do mestre que relatou o pesadelo por que passou com a sua companha. A narração do facto que justifica o título acontece apenas no último dos cinco parágrafos do texto; os anteriores fazem considerações sobre a dureza da vida dos pescadores e o “armar o corso” e relatam duas ocorrências de pirataria vividas na zona de Cascais.

Logo no início, destaca-se o risco que os homens do mar sempre correm por vários motivos, incluindo o perigo de serem assaltados e feitos prisioneiros - prática que opunha povos e religiões (católicos, por um lado, e mouros e judeus, por outro): “Entre todas as fadigas que estão propensas à vida humana e entre todos os laboriosos exercícios de que esta se entretém para conservação e aumento, é o maior e mais penoso aquele que se continua sobre as ondas, cuja inconstância, se bem em umas ocasiões contribui com grossos lucros, em outras dá não menores perdas, sendo a de que menos se faz conta a fazenda e a maior a vida, que a cada instante periga, já no sepulcro das ondas, já no penoso tormento do cativeiro dos Bárbaros.”

Deste relato não está ausente o propósito religioso: a notícia “servirá de aviso a todos os que andam neste exercício da pesca para que sejam devotíssimos da Senhora da Conceição, título de minha especial devoção”, diz o autor. Mas a protectora será outra no caso dos sadinos...

Pelas onze da manhã daquele dia de 1755, catorze barcos de Setúbal andavam na faina, “pescando com bóias e redes no fundo”, sendo “o número das pessoas acima de trezentas e vinte”. O grupo foi surpreendido por “três xavecos de Mouros”, vindos de sueste, adversários que já tinham sido avistados por observadores na Torre do Outão. Ao aperceberem-se da intromissão estranha, os sadinos tentam rapidamente navegar para terra, mas sem esperança, dando-se já “por prisioneiros e cativos”. Na costa, “estava a gente da terra por praias e fortalezas chorando e lastimando-se, pois, a faltarem as lanchas, ficava meio despovoado Setúbal”. O ter surgido no horizonte outro barco, que inicialmente captou as atenções dos invasores, não foi suficiente para a dissuasão e os corsários perseguiram os setubalenses “até quase à barra”. Foi nessa altura que a artilharia “varejou” os inimigos, assim se salvando os pescadores. Estes, “largando bandeira, festejaram o Livramento e, com danças e folias, entraram na vila” e “atribuíram esta felicidade à Senhora da Arrábida, de cuja intercessão se valeram”.

Estava consumado mais um milagre! E a “relação” valorizava, como era seu propósito, a experiência de vida, acentuando a protecção religiosa...

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 566, 2021-02-24, p. 5.


quinta-feira, 29 de outubro de 2020

História(s) do Bairro de Troino

 

Em 10 de Janeiro de 1867, no Distrito de Évora, Eça de Queirós escrevia: “Na história, o povo deve ser tudo; as individualidades, pouco.” E justificava: “O que nós queremos saber é o espírito das gerações. O que a nossa curiosidade pede é ver como o passado compreendeu as coisas vitais da humanidade: a família, o trabalho, a educação, as instituições.” A questão relacionava-se com aquilo que era (é) designado por “história oficial”, versão de que Eça convidava a desconfiar.

Vem esta evocação a propósito do mais recente livro de história local dedicado a Setúbal, O Bairro de Troino - Contributos para a sua História, assinado pelos historiadores Diogo Ferreira e João Pedro Santos e pelo “troineiro” Eduardo Silva, que também patrocinou a edição.

A obra, fortemente ilustrada e sobre um acervo bibliográfico vasto, assenta em dois vectores: o primeiro, de investigação histórica, em cinco capítulos, apresenta a narrativa do bairro desde a origem toponímica, passando pela sua ligação e inserção na urbe, pela estrutura social, por episódios da resistência política do século XX e pelo património construído, e tem a assinatura de Diogo Ferreira e de João Santos; o segundo, de cunho eminentemente memorialístico, assente numa visão emotiva e vivida, traz o testemunho de Eduardo Silva, nascido no bairro no final da década de 1930.

O leitor pode assistir à evolução e papel daquele território na construção da cidade, desde o tempo em que era considerado um espaço mais ou menos marginal, de arrabalde, até ao momento em que se impôs como espaço privilegiado de uma comunidade ligada à pesca, chegando à identidade administrativa de freguesia, desenvolvendo-se industrial e comercialmente. Interessante se torna visualizar o “caleidoscópio social”, abordando as áreas profissionais predominantes e a sua identidade: a indústria do mar (o pescador e a sua comunidade, condições de vida, operariado conserveiro, construção naval - havendo espaço para um dos autores homenagear um seu antepassado que na construção de embarcações se destacou), o pequeno comércio (com destaque para a mercearia “Confiança”, hoje recuperada e funcionando como mostra musealizada, ou para espaços de convívio como os cafés, alcançando particular interesse testemunhal e evocativo o texto sobre os matraquilhos na “Taberna do Luciano”, devido a Paulo Anjos), a religiosidade (presente no historial e registo de vivências da festa de Nossa Senhora da Arrábida). Igualmente importante é o capítulo dedicado àqueles que foram incomodados por defenderem mudanças e ideias, sempre com a perseguição policial no seu encalço: de grevistas ou libertários a revolucionários ou heróis, os seus nomes saltam de uma consciência de classe e de humanidade com a qual nem sempre o poder concordou. Sobre o património arquitectónico, percebe-se que a Anunciada (freguesia a que pertence Troino) é rica de história e detém marcos que configuram a identidade setubalense, haja em vista referências como a igreja da Anunciada, a Fonte Nova, o Convento de Jesus, a Casa dos Pescadores ou o Orfanato Municipal, entre outros, em descrições que englobam a história e as histórias que lhes estão associadas.

Finalmente, a escrita mais memorialística de Eduardo Silva percorre muitos dos aspectos que forjaram a infância e juventude do autor, indiciando forte ligação ao bairro - por ali passa um sentido de pertença muito visível, a informação toponímica, os jogos infantis, alguns naturais do bairro que se têm destacado em diversas áreas, bem como diversas profissões entretanto desaparecidas.

Esta obra consegue aliar o que existe em anteriores investigações a novas histórias e juntar o rigor pretendido na informação histórica e a emoção dos que a escrevem, regendo-se por uma leitura acessível, levando o leitor a estar muito próximo do mundo e da história de que se fala.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 496, 2020-10-29, pg. 10.


sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Manuela Tomé: A história de Setúbal pela sua arquitectura



O título Topologia e Tipologia Arquitectónica - Setúbal - Séculos XIV-XIX - Memória e Futuro da Imagem Urbana, de Manuela Maria Justino Tomé (Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2018), é longo, mas conta tudo o que pode ser encontrado dentro do livro, haja em vista as referências ao objecto de estudo, à localização, à periodização e ao exercício de reflexão crítica.
Ao longo das suas mais de duas centenas de páginas, a obra está organizada em sete capítulos, intitulados de acordo com o seu assunto e com a cronologia (“A Cidade - Enquadramento Local e Histórico”, texto introdutório; “A Urbe - Sécs. XIV-XVI”, com a vila delimitada pela muralha medieval; “A Restauração”, abrangendo as alterações do séc. XVII; “Consolidação do Aglomerado Urbano”, sobre os efeitos dos sismos de 1755 e de 1858; “Núcleos entre Muros”, analisando o crescimento de Setúbal para Tróino, Palhais e Fontainhas; “Tipologia Arquitectónica” e “Memória e Futuro da Imagem Urbana”). Aqui, o leitor passeia pela história de Setúbal sob o ponto de vista da imagem urbana, com abundante recurso à cartografia, exemplarmente reproduzida. Os mapas, as cartas e os desenhos da cidade vão sendo os propulsores de uma história que já vem desde a Idade do Bronze final e que a autora, arquitecta de formação, nos faz acompanhar até ao presente.
A viagem permite a visita ao documento cartográfico mais antigo reproduzido, o portulano do genovês Angelino Dulcert (de 1339), ao mapa de Setúbal constante na “Tabula Hidrographica” (de 1594) e àquela que será a “planta mais antiga de Setúbal” atribuída a Filipe Terzio ou ao Capitão Fratino, apresentada por Alexandre Massay (em 1617), entre umas dezenas de representações do espaço designado por Setúbal que entram pelos séculos XV a XX.
Segue o viajante o texto e as imagens e vai-se tornando claro o que é o crescimento de uma cidade, um quase ser vivo que se vai ajustando às pressões do tempo, aos acontecimentos históricos, às necessidades dos moradores, às modas de cada época, ao desenvolvimento económico e também aos caprichos da Natureza. Os tempos explicam a forma da cidade e ajudam a compreender as estruturas do casario ou o traçado das ruas e vai sendo possível haver sobreposições de cartas para o encontro com o que se mantém e com o que foi sendo alterado, para a vista sobre qual foi o percurso que a cidade teve até ser o que é hoje - a povoação saiu das muralhas mas foi mantendo a forma que lhe fora transmitida, o centro urbano já passou pela Praça da Ribeira e pelo Largo de Santa Maria, a Feira de Santiago já assentou no Terreiro de Jesus, obviamente numa cidade que tinha outras geografias, mas cujo crescimento foi sempre acompanhando a janela de ver o rio e só bem mais tarde a mancha alastrando para o interior, numa evolução frequentemente pontuada pelos estabelecimentos públicos e militares e pelas construções religiosas.
Torna-se esta leitura um percurso para o encontro com o património cultural sadino e com aquilo que o define, num quase jogo com os valores que houve e com aqueles que se mantiveram, num cavaquear entre a memória e a singularidade construtora de uma identidade.
Necessariamente, este livro denota também preocupações pedagógicas e não deixa de lado algumas chamadas de atenção, como esta, quase no final: “A sociedade actual é fundamentalmente determinada pelo factor económico, que influencia todas as áreas da cidade, interferindo com os valores identitários da sua comunidade, aqueles que são pertença comum e que fazem com que esse património seja também nosso. É premente pensar e decidir, no presente, o futuro desse património, direccionado para a sua continuidade cultural e vivencial, e não apenas pelo domínio dos factores economicistas, actualmente, tendencialmente muito ligados à indústria do turismo, e em função das suas exigências, pelo crescimento e desenvolvimento económico que representa.” É que o temor advém da necessidade de sensibilidade para que aspectos fundamentais do que tem sido a cidade não sejam adulterados ou desajustados. E, quase a roçar a actualidade (lembremo-nos de que o livro, sendo de 2018, é o texto de dissertação de doutoramento em Arquitectura, apresentada pela autora na Universidade da Beira Interior em 2015), no que respeita às tipologias e às reconstruções ou adaptações, Manuela Tomé adverte: “Em zonas de grande sensibilidade os revestimentos e os pormenores de construção ou a cor assumem um papel muito importante na imagem urbana e autenticidade na arquitectura. A cor é uma referência cultural.” Valerá a pena o leitor questionar-se sobre a paisagem (re)construída que vai vendo e reflectir sobre a coerência dessa paisagem com a função do objecto e com as memórias da cidade...
Lê-seTopologia e Tipologia Arquitectónica - Setúbal - Séculos XIV-XIX - Memória e Futuro da Imagem Urbana e não se pode ficar indiferente à cidade, à sua forma e àquilo que ela nos diz. Será esta uma obra de consulta obrigatória para o conhecimento de Setúbal, aliando história e descrição, pondo ao nosso alcance um extenso, completo e rico acervo iconográfico no âmbito da cartografia e das tipologias, que muito enriquece a bibliografia da história local e da história da arquitectura.

domingo, 29 de abril de 2018

Para a agenda: Obras de Autores do Concelho de Setúbal, na Biblioteca Municipal



“Obras de Autores do Concelho de Setúbal” é o título de exposição que pode ser vista até 4 de Maio na Biblioteca Municipal de Setúbal, na Avenida Luísa Todi.
São cerca de 200 títulos de autores naturais ou residentes em Setúbal, abrangendo a história local, a literatura e o ensaio, podendo o visitante encontrar títulos recentes ou mais antigos, como Representação Pastoril na Festividade do Natal, do padre Caetano de Moura Palha Salgado (Setúbal, 1872), padre palmelense que viveu entre 1818 e 1880 e esteve à frente da paróquia de Nossa Senhora da Anunciada, ou Descripções Enigmáticas ou Divertidas Adivinhações Facilmente Inteligíveis, por F. de S. I. C., precedido de nota bibliográfica sobre o autor devida a Manuel Maria Portela (1831). Pela mostra circulam ainda manuscritos e dactiloscritos de Arronches Junqueiro, setubalense cujo 150º aniversário de nascimento ocorre neste ano.
A abertura da exposição coincidiu com o Dia Mundial do Livro. 4 de Maio é a data de fecho. Uma visita a não perder! Para a agenda!

terça-feira, 3 de abril de 2018

Rui Canas Gaspar conta as histórias da várzea sadi(n)a



“Esta será provavelmente a última oportunidade que teremos para salvar o pouco que ainda resta da várzea de Setúbal, ou seja, dar o devido uso aos terrenos ainda livres de betão. (...) Trata-se de terra agrícola onde, em tempos passados, existiram lindas e produtivas quintas e que presentemente se encontra parcialmente ocupada por edifícios habitacionais, de comércio ou serviços. É aqui que agora se pretende construir o maior parque verde sadino, como se de uma última e necessária fronteira entre o passado e o futuro se tratasse.” Estas são as frases iniciais do mais recente livro de Rui Canas Gaspar, A Última Fronteira - Várzea de Setúbal (Setúbal: ed. Autor, 2018), que, no sábado, vai ter apresentação pública na Biblioteca Municipal de Setúbal.
Pelas suas cerca de duas centenas e meia de páginas passa um texto introdutório assinado por Carlos Frescata, que relembra a sua intervenção em prol do ambiente em Setúbal e o papel que a sua geração teve em torno do movimento “Setúbal Verde”, e passam crónicas repletas de histórias e de memórias da várzea setubalense, que foi povoada por quintas, experiências e vidas agrícolas, um espaço a fazer a ligação entre a Setúbal à beira-rio e próxima do mar e a Palmela mais vocacionada para a agricultura.
Aquilo a que hoje se vai chamando “várzea” é apenas uma parte do que ela na verdade foi. Mas o crescimento da cidade foi implacável com esse território ao longo dos tempos, desde a instalação do liceu e da escola básica de 3º ciclo, dos espaços desportivos, das habitações, dos estabelecimentos comerciais, até às faixas rodoviárias. As quintas que alimentaram e sustiveram a várzea são hoje nomes de referência histórica que preenchem memórias. Neste livro, Canas Gaspar leva-nos a visitar algumas dessas quintas (da Azeda, da Azedinha, da Boa Esperança, da Inveja, da Môca, das Palmeiras, do Paraíso, de Prostes, do Quadrado, da Restaurada, da Saudade, da Varzinha); evoca histórias como as do Palácio dos Aciprestes, da tragédia do dono da Quinta do Paraíso numa escaramuça entre liberais e absolutistas, do corte de passagem junto à azinhaga de São Joaquim levado a efeito por jovens da Quercus; relembra personagens como o chefe escutista Joaquim Farinha (que chegou a encontrar-se com o astronauta Neil Armstrong) ou como Joaquim, “o último pastor da várzea”; chama traços caracterizadores de Setúbal como a produção de laranja e os respectivos licor e doce, como as memórias ligadas à ribeira do Livramento (é, aliás, este curso de água que constitui importante pista para uma visita à várzea e às suas histórias).
No final do livro, Canas Gaspar refere ainda o que é o projecto para o futuro da várzea, um Parque Urbano em que é apontada a área de 400 mil metros quadrados, que, “para além de parque lúdico, deverá ter a importante função de defesa da cidade contra o risco de inundação” e constituirá um espaço recreativo e ambiental de elevada importância. Ainda que este projecto venha pôr fim à várzea enquanto espaço agrícola, Canas Gaspar conclui com optimismo que “a necessária e urgente obra só por si será uma lufada de ar fresco e puro, constituindo certamente a última fronteira entre o tentacular betão que paulatinamente tem vindo a impermeabilizar os solos e o verdejante campo que envolve esta linda cidade localizada estrategicamente entre o verde e o azul, uma terra que cada vez mais pessoas escolhem para viver.”
A Última Fronteira - Várzea de Setúbalé um livro que se lê com agrado, ao ritmo da crónica, apontando como máxima pretensão uma viagem pela identidade através de uma viagem no tempo e também a consciência que todos devemos ter quanto ao papel que a Natureza para si reivindica e que passa pelas condições para que a vida seja mais equilibrada.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Para a agenda: "Noé & Filhos" no Museu do Trabalho, em Setúbal



O Museu do Trabalho vai mostrar fragmentos da história local na exposição "Noé & Filhos: Fábrica de carnes verdes e produtos porcinos", com inauguração em 3 de Fevereiro. Para a agenda, até 2 de Março!

domingo, 7 de janeiro de 2018

Para a agenda - A História do Mundo é a História Local - 1ª sessão



"A História do Mundo é a História do Local" é o título de uma série de encontros sobre história local a acontecerem no âmbito da programação "Muito Cá de Casa", na Casa da Cultura, em Setúbal. A primeira sessão terá lugar já em 12 de Janeiro, sexta feira, pelas 22h00, e contará com dois nomes que têm dado importante contributo para a história local sadina: Albérico Afonso Costa e Francisco Borba. O encontro será moderado por José Teófilo Duarte.
O título mais recente de Albérico Afonso Costa é Setúbal - Cidade Vermelha (Setúbal: Estuário, 2017), que abrange o período de 1974-1975 na cidade do Sado; a obra mais recente de Francisco Borba é O Balneário (Setúbal: ed. Autor, 2017), que conta a história da fundação do Balneário Dr. Paula Borba.
Uma oportuna série de encontros quando se assinala o Ano Europeu do Património Cultural. Para a agenda!

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Para a agenda: Propriedades de casas nobres da família setubalense Cabedo



A investigadora Maria João Pereira Coutinho traz até Setúbal elementos para o historial da família sadia Cabedo, através da conferência "As propriedades de casas nobres da família Cabedo em Setúbal e Lisboa: Da implantação à evolução morfológica".
A iniciativa é integrada no programa das comemorações do Bicentenário de João Carlos de Almeida Carvalho e vai acontecer amanhã, 15 de Setembro, pelas 21h30, no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal. Para a agenda!

sábado, 9 de dezembro de 2017

Francisco Borba: Contar a história do Balneário Doutor Paula Borba por documentos, imagens e afectos



O livro O Balneário - Memória de Setúbal, de Francisco Borba (Setúbal: ed. Autor, 2017), pode (e deve) ser lido tendo em consideração diversos ângulos: o da história local, o do jogo que os documentos fazem com o tempo, o do contributo dos arquivos familiares para a memória colectiva.
Na primeira abordagem, a da história local, não restam dúvidas da intenção do autor, que fez questão de, em subtítulo, deixar registado tratar-se de uma “Memória de Setúbal”. Lermos sobre o Balneário Doutor Paula Borba neste registo de memória exige o contar a história, bem como implica a preservação do espaço edificado. E a história da construção cruza-se com a narrativa da saúde pública em Setúbal: a falta de cuidados de higiene gerava, antes da existência do balneário, uma sarna atenuada, por aqui designada como “pica-pica”, impossível de ser debelada porque faltava o antídoto essencial - o banho.
O pretexto para ajudar à resolução do problema surgiu pelo contexto histórico. Desde 1898 que o Dr. Paula Borba exercia clínica em Setúbal, frequentemente ajudando os mais necessitados, o que lhe valeu o título de “pai dos pobres de Setúbal”, como os autores Rodrigues Marques e Manuel Marques registaram na sua obra Subsídios para a História dos Hospitais de Setúbal (Setúbal: ed. Autores, 1984) e como Rogério Claro referiu na biografia que, dois anos depois, fez sobre este médico, sadino de adopção, mas açoriano por nascimento (Dr. Francisco de Paula Borba - 1º Cidadão Honorário de Setúbal. Setúbal: ed. Autor, 1986).
Em Agosto de 1917, tempo da Grande Guerra, em que Portugal lutava nas frentes africanas de Angola e de Moçambique e na frente europeia, na Flandres, o médico Paula Borba era notificado para ser incorporado no exército português como alferes médico miliciano. A reacção da Santa Casa da Misericórdia, detentora do hospital que então existia, e a atitude dos setubalenses, que consideravam a obra e o papel deste clínico indispensáveis para a cidade, não se fizeram esperar e uma comissão foi criada para ir junto dos ministérios, a Lisboa, pedir a revogação da decisão. Certo foi que, seis dias depois da convocatória, em 29 de Agosto, Setúbal recebia a notícia da desconvocação do seu benfeitor e logo uma manifestação popular tomou a rua para se congratular com a decisão. Tal alegria iria ainda ser selada por uma subscrição pública com o objectivo de ser oferecida ao Dr. Borba uma obra de arte como sinal de agradecimento. Mas o homenageado tomou a dianteira e, ao conhecer o espírito da iniciativa, pediu que o valor da subscrição pública fosse encaminhado para a construção de um balneário nas imediações do Hospital da Misericórdia.
A Comissão informou a população sobre esta intenção e, no início de Fevereiro de 1918, decidiu avançar com a construção do dito balneário, que teve colocação da primeira pedra em 4 de Maio de 1919. Dificuldades financeiras levaram a que a obra fosse entregue à Santa Casa da Misericórdia de Setúbal e a que houvesse interrupção nas obras, antes da chegada do dia 31 de Maio de 1926, data de inauguração do balneário, que previamente fora definido dever receber o nome do médico como patrono, decisão que foi comunicada à Misericórdia como tendo validade perpétua.
Esse final de Maio foi data festiva pela concretização da obra, com direito a publicação de um número único do jornal O Balneário, visando contar a epopeia da construção, fazer a memória descritiva do edifício e da sua importância e enaltecer o seu patrono, a comunidade e os trabalhadores e benfeitores que contribuíram para que o sonho se transformasse em realidade.
Sobre qual foi a importância do balneário para a cidade bem a pode testemunhar a estatística que Francisco Borba apresenta, relativa à frequência entre 1926 e 1952, período em que cumpriu a função a que se destinava - das 6343 utilizações em 1926 até às 10490 em 1952, com os anos de 1946 a 1950 a terem utilizações anuais acima das 12400 (o ano em que a frequência bateu o record foi o de 1948, que atingiu as 13383 utilizações). Em 26 anos de funcionamento, o total de utilizações foi superior às 240 mil (241196, mais precisamente).
A segunda perspectiva de leitura, a do jogo que os documentos fazem com o tempo, é uma das vantagens deste livro. Se, num primeiro momento, Francisco Borba conta partes da história, chamando a atenção para os aspectos mais importantes do investimento, mostrando reproduções de vários documentos (correspondência, contabilidade, auto da colocação da primeira pedra, entre outros), já a segunda parte é constituída pelo conjunto fac-similado de fontes importantes para o conhecimento da história do Balneário, como: o prospecto de apresentação das intenções e da memória descritiva do balneário, editado pela Comissão responsável pela construção em 1918 (assinado por Carlos Manito Torres); o número único do jornal  O Balneário; a reprodução dos oito postais comemorativos da inauguração desta valência; finalmente, o acervo fotográfico de Carlos Manito Torres relativo ao interior do edifício.
O leitor passa por estes documentos e experimenta o contacto com as fontes que contam a narrativa do Balneário, quase como se lhe fosse dado viver o momento, participar na obra colectiva, assistir à construção.
O documento de 1918 justifica-se logo no início com a intenção de “esclarecer os interessados acerca dos motivos” que impediam o andamento célere da obra, historiando as tomadas de decisões e justificando a insistência na vertente do auxílio público. Depois de apresentar as contas, surge a “Memória Descritiva e Justificativa” que advoga a simplicidade da construção - “Nenhum género de edifício, mais do que o destinado a um balneário, se presta à exibição de pompas e grandezas arquitectónicas”, diz Manito Torres, justificando com a fama dos balneários da antiguidade clássica. Contudo, a opção seguida foi diferente da que a tradição dessa antiguidade nos fez chegar, como justifica o mesmo autor: “A obra que se projecta terá um cunho de simplicidade e modéstia absolutas”, acrescentando que reduziu “tudo quanto, na estrutura e na aparência do edifício, podia reduzir-se, sem prejuízo das suas funções principais”. Poucas linhas adiante, esclarece que “as dimensões se limitaram ao mínimo, o interior mostra uma modesta singeleza e a fachada foi projectada com a máxima simplicidade”. Todos estes considerandos nos fazem hoje compreender o ar espartano que o exterior do edifício apresenta... Se associarmos a isto a impecável reprodução das fotografias feitas por Manito Torres cerca de oito anos depois, a preto e branco, bem podemos verificar que a intenção do projectista foi levada a bom termo...
O jornal de 1931, reunindo as colaborações de Carlos Manito Torres, de Fernando Garcia (neto de Garcia Peres), de Eloy do Amaral, de Manuel Gamito, de Edmundo Motrena e de Oscar Paxeco, visou enaltecer a conclusão da obra e os seus heróis. Daí que não seja de espantar o tom encomiástico e laudatório, em primeiro lugar para homenagear o Dr. Francisco Paula Borba, mas também para enaltecer todos os obreiros envolvidos, desde os membros da Comissão responsável até aos trabalhadores e respectivas chefias de especialidade. Do Dr. Paula Borba é reproduzido nesse jornal o fac-símile de uma carta, datada desse Maio de 1926, dirigida ao engenheiro Manito Torres, a escusar-se da responsabilidade de escrever sobre o balneário, desculpa que apresenta num tom elevado e digno: “Devia, como pedes, escrever algumas palavras para o número comemorativo O Balneário, mas não tenho o temperamento necessário para enaltecer uma obra que a generosidade de bons amigos apelidou com o meu modesto nome.” E, depois de agradecer a todos os colaboradores, insiste, em tom de sublime modéstia: “Um só defeito lhe encontramos: o apelido que lhe deram, porque, acima de um nome, está a população de uma cidade.”
Num estilo publicista, dado pelo próprio título do seu texto - “Pró-Setúbal” -, Eloy do Amaral enaltece a cidade e apela à participação de todos para que a modernização de Setúbal passe pela preocupação com o turismo, destacando algumas boas realizações já existentes na cidade (casos, na cultura, da revista Cetóbriga e do Clube Setubalense; no desporto, do Vitória Futebol Clube e do Clube Naval; no empreendedorismo, de um hotel) para concluir com o encantamento que sentiu ao visitar as instalações do balneário, “obra admirável” e um “relevantíssimo serviço”.
O mesmo tom publicista usará Oscar Paxeco ao contar a história da assistência e da prática caritativa em Setúbal e realçar que a inauguração do balneário vinha “preencher uma falta que de há muito entre nós se fazia sentir”.
Carlos Manito Torres, como autor do projecto, retoma neste jornal a descrição da obra feita, salientando a qualidade da mesma e acentuando a marca portuguesa: “Resta acrescentar”, diz a finalizar um dos seus textos, “que, à excepção da caldeira, das tinas de ferro e de alguma tubagem, tudo o mais pertence à indústria nacional. Mosaicos, azulejos, louças, tinas de cimento e aparelhagem metálica, tudo isso é português”. O último texto de Manito Torres é uma homenagem aos colaboradores do Balneário, mencionando os mestres, o trabalhador do escritório, os mestres-operários, as empresas colaboradoras e recordando que o mais antigo operário fora o Evaristo, mudo, jovem de 16 anos adoptado pela Misericórdia, assumido como mascote do empreendimento e que teve a honra de ser o seu primeiro utilizador e também o seu primeiro divulgador experimentado - “no dia seguinte”, narra Manito Torres, “solicitou novo duche e, tomado ele, de novo se dedicou, em plena cerca, à propaganda da hidroterapia”.
Com o acesso a estes textos, o leitor percorre os caminhos da investigação, sendo árbitro de um jogo que os documentos fazem com o tempo.
Quanto ao contributo dos arquivos familiares para a memória colectiva, a terceira abordagem que proponho, podemos fixar-nos na curta “Introdução” com que Francisco Borba abre o livro, aí revelando que os documentos que apresenta são oriundos da sua biblioteca e foram compilados por seu avô, Francisco de Paula Borba, e por seu pai, João Botelho Moniz Borba, tendo o primeiro sido o protagonista e criador do Balneário e tendo tido o segundo um papel fulcral na história cultural setubalense.
Se esta indicação é também um gesto de homenagem (e Francisco Borba já teve idêntica atitude quando, em 2010, publicou a obra Museu de Setúbal e o seu Fundador João Botelho Moniz Borba), também o próprio acto de disponibilização dos fundos arquivísticos se pauta por uma atitude de partilha com a comunidade, por uma atitude de cumprimento e de oferta para a memória colectiva. E esta leitura, porque nos ensina, porque nos lembra, não é menos importante do que qualquer outra, sobretudo porque é ela que nos permite todas as outras e é ela que se afirma como um contributo cívico para a identidade, com que nos devemos congratular. Obrigados ficamos ao autor.
Mas esta possibilidade de leitura interpela-nos também para um sentido de responsabilidade que vai além do gesto de partilhar: é que o edifício foi construído para resolver um problema da população, com a ajuda e o empenho dos setubalenses. Passados anos, passadas tantas voltas, seria bom que se pudesse contar com a permanência deste marco de altruísmo, de generosidade e de saúde e que, independentemente de outras finalidades que lhe possam ser cometidas, ali fosse albergado um núcleo museológico sobre a prática da saúde e da assistência em Setúbal, uma hipótese que Francisco Borba aflora quase em sussurro no final do seu escrito. Seria uma boa forma de preservar a história, de mostrar a importância que Setúbal teve neste plano e de cultivar a memória!
(Texto da apresentação do livro, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Setúbal, hoje)