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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

"Chumbar" ou "não chumbar"... eis a questão!

O Jornal de Letras de ontem (nº 1041) integrou o suplemento do “JL – Educação”, dedicado à questão dos “chumbos” ou “não chumbos” nos ensinos básico e secundário, que, no final de Julho, Isabel Alçada, Ministra da Educação, atirou para o centro da discussão, em entrevista ao semanário Expresso. Neste suplemento, pronunciaram-se cinco especialistas, em intervenções de que reproduzo alguns excertos:
1. João Dias da Silva (FNE) – “(…) O que há a fazer não é eliminar a reprovação; o que há a fazer é fomentar uma atitude de esforço dos alunos em relação ao trabalho escolar; o que há a fazer é aumen tar o envolvimento das famílias na sua responsabilidade de cooperar com a escola para uma cultura de exigência para a aquisição de conhecimentos e competências; o que há a fazer é organizar diferentemente a escola, com percursos diversificados e reconhecidos, com a disponibilização de apoios aos alunos logo que sejam detectadas insuficiências ou dificuldades em qualquer momento do seu percurso escolar. Deste modo, o que é necessário é garantir que quando os alunos transitam de ano, no seu percurso escolar, é porque dominam os conhecimentos e competências para o merecerem.”
2. João Mendes Pereira (psicólogo clínico) – “(…) O insucesso escolar é um sintoma com múltiplos significados e causas. Nele podem prevalecer factores individuais, relacionados com dificuldades específicas, cognitivas ou emocionais do aluno, ligadas, na maioria dos casos, a disfunções familiares ou sociais; mas também factores sociais associados à qualidade do investimento pedagógico e afectivo do professor na relação com este, à sua autoridade científica e pedagógica na promoção da eficácia das aprendizagens, ou à sua dignificação profissional e bem-estar na comunidade escolar a que pertence. (…)Suprimir por decreto a retenção sem os mecanismos de apoio que uma tal medida exige – e que estamos muito longe de ter – resultaria numa clivagem entgre alunos com um percurso regular e uma população escolar falsamente habilitada, com oportunidades sociais gravemente comprometidas. Taql como o metal, também o chumbo na escola pode lesar seriamente aqueles que afecta. Mas ocultar o sintoma sem tratar a doença constituiria um trompe-l’oeil perigosamente tóxico para muitos dos nossos alunos e para o nosso futuro colectivo.”
3. João Santos (professor do ensino secundário) – “(…) Cresce a função cedrtificação, em detrimento da função educativa e de transmissão de conhecimentos; aumenta o tempo de permanência na escola sem objecto ou finalidade educativa discernível; acentua-se o alheamento de jovens e famílias face às obrigações da vida em comum, de que a vida escolar tende a apresentar-se como um detalhe secundário e, para mais, oneroso. E tudo isto enquanto se consolida nos espíritos a perspectiva totalizante da ‘escola a tempo inteiro’. (…) É quase certo que os chumbos são tornados dispensáveis, mas não inexistentes, em sistemas educativos que seleccionam precocemente (…), encaminham uma fracção minoritária das crianças para formações de carácter geral no troço final do secundário, promovem formação especializada, diversificada e qualificante, nos patamares correspondentes ao 3º ciclo do ensino básico, ensino secundário e 1º ciclo do superior. (…) O mais obstinadamente igualitário dos sistemas europeus, enxertado numa cultura de complacência universal, é um dos mais ineficientes e também aquele que, precisamente, melhor replica e perpetua as diferenças herdadas, as tais que ninguém merece e que a escola deveria contribuir para neutralizar. É aqui que reside o problema. Que o fim dos ‘chumbos’ não pode resolver.”
4. Maria José Rau (Conselho Nacional de Educação) – “(…) Já não só frequenta a escola quem quer e pode, mas todos são obrigados a frequentá-la, pelo que a escola, os professores e os técnicos de educação têm de se organizar em função desta realidade, encontrando as respostas adequadas, não necessariamente fáceis porque os alunos são diversos, as sociedades multiculturais, o mundo mais competitivo e as certezas menos absolutas. Invocar chavões como o ‘facilitismo’ é absurdo. O que uma organização escolar sem ‘chumbos’ obriga é exactamente ao oposto: grande rigor e exigência, enorme empenho e competência profissional dos gestores das escolas e dos professores e o envolvimento esforçado dos restantes intervenientes no processo educativo. (…)”
5. Rui Canário (Universidade de Lisboa) – “(…) Não estamos condenados a escolher entre um sistema baseado no ‘chumbo’ e na ‘repetência’ ou na progressão por via administrativa de todos os alunos. Há um terceiro caminho: o de uma escola pública onde se garanta a todas as crianças e jovens o direito de aceder a um conjunto de aprendizagens básicas, com metas claramente definidas, através de um percurso escolar em que a detecção de dificuldades seja precoce e os processos de apoio imediatos. Este terceiro caminho define uma linha de horizonte da qual é importante que nos aproximemos. Estamos a aproximar-nos ou a distanciar-nos dessa linha de horizonte? É aqui que reside o essencial do debate a realizar. (…) Esse caminho exige mudanças profundas nos modos de governo e organização das escolas, na natureza e modos de interacção que definem o trabalho de alunos e professores, bem como na cultura escolar partilhada pelos diversos intervenientes. Exige autonomia das escolas e profissionalismo dos professores, exige condições e meios de trabalho equivalentes aos dos países apontados como exemplo (caso da Finlândia). Exige que as políticas educativas não tenham como objectivo principal melhorar as estatísticas. Exige o apelo ao entusiasmo, ao envolvimento e à criatividade dos protagonistas e das organizações escolares. (…) O que é paradoxal é que o anúncio, por parte do Ministério da Educação, do desejo de aproximação dos ‘bons exemplos’, como a Finlândia, seja coincidente com o encerramento cego de escolas e a criação de mega agrupamentos que configuram uma orientação de sentido contrário.”

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A propósito dos "chumbos" na escola...

A entrevista da Ministra da Educação ao semanário Expresso (edição de 31 de Julho) ficou marcada pela questão dos “chumbos” e da vontade que Isabel Alçada mostrou de acabar com eles. Relativamente a este assunto, que o jornal puxou para título na primeira página, a entrevista é um tanto inócua, pois limita-se a dizer que poderá haver outras alternativas ao “chumbo”, que a questão vai ser apresentada aos parceiros, que “os chumbos quase nunca são benéficos”.
Começando pelo último ponto… é verdade. Todos sabemos do curto bem que pode advir de uma reprovação. Aliás, já em pequenos éramos brindados com máximas dos pais, dizendo que “chumbar” era um atraso na vida, quer pelo tempo, quer pelo dinheiro gastos; o remédio era… trabalhar, que o mesmo era dizer: estudar. Assim se valorizava o trabalho na escola e a escola ela mesma, assim se valorizava o percurso do estudante e o trabalho docente. Será que os argumentos devem ser diferentes?
Sobre a questão da audição dos parceiros… e porque não ter começado por aí? Valeria a pena, de resto, os parceiros estudarem e perceberem qual é o retrato do aluno que “chumba” em Portugal. A partir daí, talvez pudessem ser criadas as tais “alternativas”…
E, por falar em alternativas, aquelas de que Isabel Alçada fala são: “outras formas de apoio, que devem ser potenciadas para ajudar os que têm um ritmo diferenciado”, fazendo notar que em Portugal já existem muitas dessas medidas, tais como “aulas de apoio ao aluno, estudo acompanhado, projectos especiais com mais professores e técnicos”. Essas medidas já existem, de facto, mas o problema subsiste; donde, não sei se constituirão uma forte “alternativa”…
Percebe-se o apetitoso que este assunto dos “chumbos” é para os políticos – seja para os quererem eliminar, seja para os acentuarem, seja para esgrimirem pontos de vista ideológicos que se afastam, muitas vezes, da causa que é a educação. Percebe-se o apetitoso que este mesmo assunto é para os pais e para os alunos, seja por revelar preocupação de afirmação, seja por interferir com níveis de exigência, seja por poder passar pela alteração das regras de avaliação, seja por criar uma noção de facilitismo. O que não se percebe é sobre quem se está a pôr a pressão: sobre os estudantes, sobre as famílias, sobre a sociedade, sobre o sistema educativo, sobre as escolas, sobre os professores?
A política pode ditar muitas medidas. Até pode transformar em falso o que ontem era absolutamente verdadeiro. Sempre em nome da evolução (que nem sempre sabemos muito bem o que é!). Até pode acabar com as famigeradas “negativas” e o aluno transitar ou ser aprovado para o nível seguinte desde que tenha notas em todas as disciplinas, independentemente do quanto tem. As questões de fundo, no entanto, subsistirão: como deve o trabalho ser valorizado a partir da escola, como deve haver co-responsabilização nos apoios, deve haver diferenciação entre os alunos quanto aos diferentes estádios em que se encontrem num mesmo nível de ensino, o que valem as notas? Em conclusão: que sistema queremos?