quinta-feira, 5 de agosto de 2010
As reflexões de José Tolentino Mendonça
sexta-feira, 13 de junho de 2008
Irish Coffee, please!
E, aqui, chegamos ao ponto. Os irlandeses disseram “não” ao designado Tratado de Lisboa. Assim se vê a razão pela qual os pressurosos governos não quiseram que os respectivos povos se pronunciassem quanto ao Tratado.
Fica a Europa melhor? Fica a Europa pior? Sopre o vento para o lado que soprar, o certo é que o Tratado teria merecido uma abertura para explicação, clareza e partilha com os povos, ao invés de se transformar numa discussão de políticos apenas, mais parecendo que existe uma Europa para os políticos e outra para os cidadãos!Era escusado ter-se chegado a esta lição, que mais serve aos decisores da via não referendária! Era escusado deitar foguetes antes da festa! Era escusado ter ouvido o nosso Primeiro-Ministro a apostar a sua carreira política neste Tratado, como ainda há dias sugeriu! Era escusado confundir o porreirismo com o direito de os povos dizerem “não”! Era escusado ter sido dada tão grande prova de desconfiança nos eleitores!
quarta-feira, 12 de março de 2008
Reflexão sobre a "rua" - 2
As impressionantes manifestações registadas nas últimas semanas, e continuadas um pouco por toda a parte, assumem a forma e o conteúdo de um severo depoimento contra o Governo. Não se trata de turbulências comunistas, como já o disse José Sócrates e, iradamente, o repetiu Augusto Santos Silva, cujas "verdades" surgem cada vez mais avariadas. A "rua" foi a demonstração categórica do desequilíbrio entre quem pensa em termos estatísticos e quem é vítima desse equívoco. E uma vigorosa afirmação de civismo. Há dias, conversei com Raul Solnado sobre a natureza do Estado e o domínio pelo domínio exercido, repetidamente, pelo Governo, esquecido de que a força da República é a virtude, e a sua fraqueza a soberba. Sobre ser um amigo de há mais de 40 anos, Solnado é homem sábio, de frase pensada e advertida inteligência, com quem apetece discretear. Disse: "Gostaríamos de sentir que este Governo tem vontade de transformar e de modernizar o País. Por outro lado, a sua arrogância e autismo quer arrastá-lo para uma democracia musculada, o que é assustador. Eles distanciaram-se de nós."
A tentação de se construir contra o outro destrói o laço social, fonte e apoio do tecido colectivo, assinalado por Solnado como silogismo. E essas regras perturbadoras têm por objectivo limitar a interferência cívica e proteger o autoritarismo governamental. O facto de este Governo dispor de maioria absoluta não significa que actue em absolutismo. Há, manifestamente, ausência de diálogo e um poderoso dispositivo autoritário que liquidam a coexistência de duas sinalizações fundamentais em democracia: a dos governantes e a dos governados.
Perdeu-se de vista o reconhecimento da igualdade, do direito de protesto e do dever de memória. Este Governo criou uma tensão dramática de tal ordem e um destempero de tal jaez que levaram o primeiro-ministro a afirmar-se indiferente para com a imponente manifestação dos professores, invocando uma "razão" cuja natureza só poderá ser explicada através da nebulosa em que ele parece viver.
A arrogância é uma deformação moral; o preconceito, uma doença de educação; o desdém, uma chaga de quem se presume superior. Sócrates criou uma criatura que escapou ao seu controlo. Não pode mudar: de contrário, deixa de ser quem julga ser. E, sendo-o, na obstinação de quem não tem dúvidas, perde o respeito daqueles para os quais a democracia não existe sem comunicação.
Ao contrário de alguns preopinantes, suponho que, se a ministra da Educação fosse embora, abrir-se-iam as portas ao diálogo. Porque (é inevitável) irão aparecer novas regras de jogo e outras instâncias de organização que terão em conta as específicas oscilações históricas. Nascidas, não o esqueçamos, da "rua".
Reflexão sobre a "rua" - 1
Intitula-se "Pelas ruas da amargura", é assinado por Rui Ramos e vem no Público de hoje.
Quase ninguém resistiu ao apelo da rua - nem o Governo.
Há uns meses, a CGTP fez uma coisa em Lisboa a que, a título póstumo, se chamou "a maior manifestação de todos os tempos". Ninguém reparou. Talvez por isso, toda a gente resolveu reparar na "marcha da indignação" de sábado passado. Como seria de prever, poucos souberam dosear o esforço. Na ânsia de compensar a primeira desatenção, quase todos trataram agora, não de meter o Rossio na rua da Betesga, mas Portugal inteiro numas quantas ruas de Lisboa.
Houve quem, sugestionado pelos números prometidos na véspera, descobrisse na "rua" a verdadeira "realidade" do país. E ainda quem, a partir daí, não hesitasse em dar o passo de uma espécie de revisão constitucional imaginária. Vimos assim a rua promovida a órgão de soberania e quarto poder do Estado. Democracia? Mas quem precisa de democracia com ruas como as nossas, ainda para mais sob este abençoado clima, tão apropriado para a vida ao ar livre? Enfim, quase ninguém resistiu ao apelo da rua. Nem o Governo, que logo fez constar que também ia sair, numa manifestação depois reformada em comício. Que dizer perante isto? O actual Governo conta com uma maioria absoluta no Parlamento, a colaboração do Presidente da República, sondagens de opinião favoráveis e até, segundo gosta de reclamar, toda a razão do mundo. Mas não lhe chega: quer ser avaliado na rua. Eis um dado significativo para o debate nacional em curso sobre a caracterização dos nossos governantes. A questão de saber se Sócrates é como Salazar está longe de resolvida, apesar da intervenção de pensadores tão subtis como Mendes Bota. Em contrapartida, a comparação com Marcello Caetano ficou definitivamente comprometida. Na tarde de 25 de Abril de 1974, Caetano chamou um general para o "poder não cair na rua". É uma cautela que os actuais ministros decidiram dispensar: são eles próprios a quererem pôr o poder na rua.
Não nos devemos surpreender com este desvario geral. Perante o mais prolongado impasse económico desde a década de 1930 e quando a oposição, por intermédio do impagável Luís Filipe Menezes, confirma não ter alternativa, que fazer, senão perder a cabeça? Mas antes de descermos todos à rua, não valeria a pena pensar bem sobre que tipo de vida política é possível assentar na ocupação temporária do espaço entre dois prédios?
A rua não é um sítio para ter razão. Na rua não valem os argumentos, valem os números, vale a presença física. Na rua, o adversário não se ouve, não existe, não conta: é referido apenas para ser assobiado, insultado, queimado em efígie. Na rua, a multidão torna-se uniforme: não se divide, não discute - não é real. A rua das manifestações é um espaço privatizado, ocupado e delimitado pelos "organizadores", onde não se ouvem outras vozes - é a negação do espaço público democrático, que é por definição aberto e plural. Que regime se pode fundar na rua, a não ser o da guerra civil, aberta ou latente? Foi assim em Portugal no ano de 1975, durante o "período revolucionário", quando a rua de um lado se confrontou e mediu com a rua do outro. As democracias podem nascer na rua - mas também lá podem morrer.
Está a "realidade" na rua, como a verdade estava no vinho? Curiosamente, a marcha de sábado foi como a pescada: um dia antes de ser realizada, já era a "maior de sempre", com o número de antemão registado de 70.000 participantes. A ninguém pareceu necessário dar uma chance à realidade para confirmar o recorde. A rua é, como sempre foi, uma questão de "organização" e "relações públicas". Com 600 autocarros preenche-se uma avenida. Mas não basta. É preciso depois discutir os números com a polícia e fazer pressão sobre as televisões e os jornais para darem as "imagens" certas. A rua, hoje, é um espectáculo tão fabricado como qualquer outra cerimónia de Estado. Não é a realidade. A realidade é a vida de um país, que se não cabe numa assembleia, ainda menos cabe numa rua.
Onde irão dar estas ruas? Menezes parece convencido de que o levarão ao governo. Perante a marcha de sábado, roubou uns preciosos minutos à operação de mudança de ramo do PSD (de maior partido da oposição para o que promete ser, segundo um seu antigo secretário-geral, a maior rede de lavandarias do país) para saudar com emoção a "ponte 25 de Abril" de Sócrates. Não lhe ocorreu que nunca poderia governar, se por acaso Sócrates caísse assim. Com esta direcção, o PSD aderiu de vez ao clube do PCP e do BE. Quanto ao Governo, fica esta dúvida: os marchantes de sábado pediram a demissão de um ministro; e o Governo, no seu comício, vai pedir o quê? A demissão do país? Por estas ruas não iremos certamente a lado nenhum.