Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Medeiros. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Medeiros. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Resendes Ventura entre os papéis e a leitura



Dê-se a palavra ao autor: “Vivo no meio dos livros. Alto preço / paguei por esta escolha. / Ele há vidas assim. Há tantos modos / de se passar pelos destinos / em que está embarcada a vida humana.”

A citação pertence a Resendes Ventura - assinatura literária de Manuel Pereira de Medeiros (1936-2013), micaelense de Água Retorta e setubalense por adopção, onde foi livreiro e fundador da livraria Culsete (1973) - e consta na sua obra Papel a Mais - Papéis de um Livreiro com Inéditos de Escritores, saída em 2009 (Esfera do Caos Editores), a abrir uma estrofe do poema “Leitura”, quase no final do livro. Somos levados para a relação daquilo que o autor assumiu como tendo sido - um livreiro, um leitor, um autor de “papéis” (que não um escritor, apesar de o ter querido ser). Desta quase trindade surgiram as considerações e poemas que compõem o livro, alinhado em quatro grupos: dois reflectidos e exuberantes ensaios sobre a leitura, aglomerado de poemas em jeito antológico (recorrendo ao seu título de 1993, Mãe d’Alma, e trazendo mais algumas criações), textos de autores amigos oferecidos ao livreiro e colaborações diversas na imprensa.

Os ensaios reflectem o estado da leitura e lançam pistas para o seu futuro. Estava-se em tempos em que se discutia o fomento da prática da leitura (e não estamos ainda?), em que o estudo da leitura dava os primeiros passos como preocupação na prática universitária. As reflexões sobre a leitura (o seu estado e a sua dinamização) surgidas nesta obra associam-se a incursão pela memória, relatando o papel da Culsete nessa promoção e as inumeráveis sessões de animação do livro e da leitura que o livreiro levou por diante, não sem que paire o autobiografismo do trajecto do leitor que se foi formando desde a infância e da experiência de escrita que também foi namorando o livreiro.

A reflexão que fica é contundente e provocatória, não deixando dúvidas quanto às responsabilidades que todos - todos - temos na leitura. Leia-se, no primeiro ensaio, e pense-se: “Como é que um país pode ser culto sem edições disponíveis de obras fundamentais quer da cultura nacional quer da universal? Miséria de editores ou miséria de leitores? Nunca compreendi. Mas a conclusão, sim: miséria de leitura.” E, já agora: “nunca encontrei quem se admirasse de um livreiro ser ignorante como leitor”. No segundo ensaio, uma proposta: a livraria como “oficina de leitura”, não como “mercearia de livros”. Entre a escrita dos dois textos que constituem este grupo medeiam seis anos, notando-se, no segundo, uma maior confiança nos caminhos abertos à prática (porque não ao hábito?) da leitura, texto que é também uma quase despedida de um percurso dedicado ao livro.

As colaborações de Resendes Ventura na imprensa, trazidas para final da obra, caucionam o percurso dinâmico do autor na actividade cultural, particularmente no que ao afecto ao livro respeita. São recortes por onde passam o sentir poético da vida, o contributo dado em Setúbal para a memória de Sebastião da Gama ou de Andersen, o testemunho de leitor de vários tempos. Valorizando todo este desempenho, surgem também os “inéditos de escritores” (15 nomes, no total), que, maioritariamente homenageando o livreiro Medeiros, são também um contributo para o testemunho e para novas pistas de conhecimento.

Quase no final do livro: “É mesmo inevitável a pergunta: quem mais irá ler, para além de alguns amigos de cada autor, muito do que se edita? Uma pessoa interroga-se com razão.” Cabe a cada um de nós responder, mas será triste desconhecer este contributo de Resendes Ventura para a discussão e para a memória local...

* J. R. R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 793, 2022-02-23, pg. 6.


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Culsete: Livraria independente com final anunciado no dia de Bocage



Será o dia em que se celebra um poeta como Bocage o mais indicado para se saber que uma livraria vai acabar, ainda por cima uma livraria independente? Ou será ironia do destino?
Foi ontem que recebi mensagem da Fátima Medeiros a anunciar o encerramento da livraria Culsete (de Setúbal) para breve, para Outubro, mês outonal já a deixar pressentir a morte de uma actividade cultural considerável.
A história da Culsete confunde-se com a história cultural de Setúbal no período dos últimos 46 anos (quase meio século!), primeiro como Culdex, depois como Culsete, projecto devido ao casal Manuel Medeiros e Fátima Ribeiro de Medeiros, ambos entrelaçados nos livros, vivendo páginas e páginas, potenciando a riqueza cultural da região.
A história da Culsete foi contada por um dos seus criadores, o Manuel Medeiros, numa parte do livro Papel a mais, assinado pelo pseudónimo Resendes Ventura (Lisboa: Esfera do Caos Editores, 2009), uma obra que reúne memórias e depoimentos vários, poemas, pensares e reflexões, bocados de tempo em que a descoberta, a dinamização e o conceito da leitura, o papel do livro e o mundo editorial constituem constantes.
A Culsete vai encerrar. Um destino igual ao de muitas outras lojas, seja pela crise, seja pelas (des)regras de mercado, seja pelo desgaste das pessoas, seja lá por aquilo que for. Olha-se para trás e vê-se um espaço onde se foi muitas vezes feliz - na procura e descoberta de livros, no contacto com pessoas e saberes muitos, nas viagens pelas veredas da cultura, no saborear os momentos em que muitos livros nos encontraram, nas amizades fortalecidas, nos convívios, nas apresentações de livros sempre com espaço intenso de reflexões várias... Olha-se para trás e vê-se que a Culsete ofereceu muito, mesmo muito, às pessoas e que desse muito cada um aproveitou o que pôde.
A mim, fez-me bem visitar a Culsete muitas vezes e fica a mágoa de não terem sido mais essas vezes, a consciência de não ter podido estar em muitas realizações. Mas também ficam as memórias dos prazeres sentidos, das descobertas, das aprendizagens, dos momentos em que lá levei outros, das possibilidades que me foram criadas.
Sei por antecipação que vou ter pena de não poder encontrar a porta aberta da Culsete dentro de pouco tempo... como sabia que este desfecho estava a pairar. Sinto-me grato a esta livraria e às pessoas que a fizeram como sinto que as palavras são escassas para exprimir o que se sente...

O último gesto de afecto com os leitores vai acontecer a partir do dia 23 com a liquidação total do seu fundo livreiro, oportunidade para últimas despedidas... A propósito, recordo uma frase de Gómez de la Serna na sua obra Greguerías: “O livro é o salva-vidas da solidão”. Logo percebemos que a cultura em Setúbal vai ficar mais só. E nós também...

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Memória: Niels Fischer (1936-2015)



Niels Fischer foi-me apresentado há uns anos por Manuel Medeiros, o livreiro que adoptou (ou foi adoptado por) Setúbal. Recordo-me do início da conversa. “Sabe quem é este senhor?” Niels olhava-me entre um ar cândido e curioso. Eu não sabia. “Mas está fartinho de ver uma obra sua…”, incentivava Manuel Medeiros. Continuava a não saber. “O logotipo do Ministério da Saúde, aquele das duas figuras que encimam as receitas médicas, com duas figuras humanas, uma verde, outra vermelha…” Ali estava o criador desse logotipo que todos os portugueses conheciam. Mas a conversa foi mais longe, bem como a apresentação. Dinamarquês, designer, apreciador sem limites de Andersen.
E ali se iniciou uma conversa longa e apreciada, que se repartiu por mais uns tantos encontros, ora na Culsete (a livraria sadina de Manuel e Fátima Medeiros), ora em algumas das exposições que pelo país foram patrocinadas por Fischer a propósito do seu conterrâneo Andersen.
Ouvia-o e sensibilizava-me o facto de um homem correr atrás da imagem de um dos mitos do seu país, ensinando-o e divulgando-o aos quatro ventos por sua conta e risco, editando-o, representando-o, recriando-o, expondo-o. Sempre com os olhos do desvendamento, sempre com a vontade de o revelar. Andersen era um farol, um amigo, e Fischer o seu embaixador. Dele ou sobre ele lançou livros, promoveu exposições, incentivou a produção de documentários, dinamizou espectáculos. Um homem que acreditou na identidade e que fez dela a sua bandeira, comunicando num português com acento nórdico, afável, com vontade de arriscar.
Admirável!
Partiu por estes dias, conforme notícias divulgadas. E largou de Setúbal, que escolhera para viver nestes últimos tempos, terra onde ensaiou experiências sobre Andersen (e onde Andersen, ele mesmo, viveu ao longo de cerca de um mês). Uma exemplar passagem pela vida. Uma convicção espantosa. Uma dedicação àquilo em que acreditava. Uma força na procura de caminhos e de portas que se abrissem, sem aceitar derrotas. Gostei de ter conhecido e de ter convivido com Fischer e estou-lhe grato. Uma boa memória.
[foto: recorte de O Setubalense, de hoje]

quarta-feira, 19 de março de 2014

Para a agenda: Manuel Medeiros - A lembrança feita poema



São vários os amigos, os autores e os poemas que vão lembrar Manuel Medeiros, o livreiro que, com a mulher, Fátima Medeiros, foi a alma da livraria setubalense Culsete. A sessão ocorrerá no Dia Mundial da Poesia, uma data que lhe era querida, não só pelo acto de ler, mas também porque ele foi poeta. Na Culsete, em 21 de Março, pelas 21h30. Para a agenda!


sábado, 14 de dezembro de 2013

"A noite enlouqueceu o silêncio", de Resendes Ventura, na noite de ontem



Éramos cerca de meia centena no salão da Casa da Cultura, em Setúbal, na noite de ontem, para ver o primeiro livro de publicação póstuma de Manuel Medeiros, de concepção gráfica devida a José Teófilo Duarte. Estávamos lá para saborear as palavras de A noite enlouqueceu o silêncio (Setúbal: Muito cá de casa / DDLX, 2013), um grupo de 23 poemas, que Viriato Soromenho-Marques brilhantemente apresentou, num percurso pelo papel da poesia e do pensamento, numa via em que a poesia de Resendes Ventura (pseudónimo de Manuel Medeiros) se revelou na sua totalidade de poeta-filósofo, em economia e precisão de palavras.
Houve ainda os poemas lidos por Eduardo Dias e Graziela Dias e o testemunho da Fátima Medeiros, que seleccionou os poemas. E que boa escolha fez! E como sentimos ainda o dizer do Manuel Medeiros, sibilando por entre os versos, cosendo e descosendo palavras e ideias, num tão seu jeito de pensar e de levar a pensar, de ler o mundo e de escrever a vida. Foi também uma insistência na lembrança, essa “longa estrada”, que nos deixou num poema assim chamado, do tamanho de sete reduzidos versos que nos apontam o caminho da memória e que reproduzo:
Muito longa
longa estrada
muito longa estrada
a longa estrada
em minha frente.
Longa
muito longa!

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Para a agenda: Poemas de Manuel Medeiros



A agenda do "Muito cá de casa" traz-nos, na sexta, as palavras de Manuel Medeiros, o "Livreiro Velho" ou Resendes Ventura. A noite enlouqueceu o silêncio, um conjunto de poemas inéditos, apresentados por Viriato Soromenho-Marques. Na Casa da Cultura, em Setúbal. Para a agenda!

sábado, 30 de novembro de 2013

Dia da Livraria e do Livreiro, hoje



Dia da Livraria e do Livreiro. Hoje. Com visita indispensável a uma livraria e um contacto mais directo, privilegiado e aturado com o livro e com o seu livreiro. E também com quem gosta de livros. Hoje.
E, a propósito: em Setúbal, na Culsete, na tarde de hoje, além de a data ser assinalada, haverá a entrega do diploma LIVREIRO DA ESPERANÇA ESPECIAL CULSETE - 40 ANOS, atribuído aos livreiros Manuel Medeiros e Fátima Medeiros. Fisicamente, estará só a Fátima; o Manuel estará também, sorrindo a partir de algures, invadindo as memórias enquanto conta estórias de livros a partir da eternidade.
Viva o Dia da Livraria e do Livreiro! Muito do que somos é devido a estes interlocutores! 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Manuel Medeiros - a derradeira mensagem do "Livreiro Velho"



A mensagem final de Manuel Medeiros. Um testemunho que comoveu os presentes no Forum Luísa Todi, em Setúbal, na tarde de domingo passado, quando se concluía o espectáculo de homenagem aos 40 anos da livraria Culsete. Na manhã de 4ª feira, Manuel Medeiros partia...
Um texto para guardar. Para ouvir muitas vezes. Para se transcrever. Não só por lembrança e por memória. Pela mensagem. Pela essência. Por obrigação. Porque sim. Grande Manuel Medeiros!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Memória: Manuel Medeiros (1936-2013)



Partiu na manhã de hoje o amigo Manuel Medeiros. Deixou que se concluísse o ciclo de celebrações dos 40 anos da livraria que fundou, a Culsete, para brindar com uma mensagem de simplicidade, de saber e de afecto à leitura e ao trabalho desenvolvido (gravada no hospital) todos quantos acorreram ao Forum Luísa Todi na tarde de domingo.
O Manuel Medeiros partiu e sente-se a saudade das conversas, da disponibilidade, dos pequenos prazeres do jogo das palavras e das ideias, de uma pessoa séria, culta, humana.
Devo-lhe muitos momentos de alegria e de aprendizagem. De descoberta. De partilha. De vida. Dos livreiros que conheci foi talvez o mais completo, aquele que dialogava com os livros, lhes transmitia vida e os chamava para a sua mesa como quem convida um amigo. É forte a emoção, porque olho para muitos títulos que foram apreciados com ele, alguns sugeridos por ele, outros vividos com ele.
Continuaremos amigos. Enquanto pudermos conversar. Enquanto a vida nos possibilitar. Enquanto a memória nos ajudar. Enquanto houver no mundo gratidão e reconhecimento.
A última despedida de Manuel Medeiros será na Igreja de Jesus, em Setúbal, a partir de hoje à tarde, com exéquias marcadas para as 10h00 de amanhã.

domingo, 20 de outubro de 2013

Nos 40 anos de uma livraria, a Culsete, em Setúbal



Uma livraria pode antecipar uma biblioteca. E, se se gostar de uma e de outra, impossível se torna não parar na Culsete, em Setúbal (na Av. 22 de Dezembro, ali ao pé do jardim do Bonfim), livraria com 40 anos de serviço (tempo assinalado com um programa que hoje se conclui no Forum Luísa Todi, pelas 16h00) e com outro tanto tempo de prestação na área da cultura e da dinamização daquilo que é o acto de ler.
A livraria Culsete foi um dos achados que me cativou em Setúbal. Ali podem ser descobertos os últimos títulos do circuito comercial, mas também – e sobretudo – (d)ali se pode partir à descoberta do tesouro que encerra uma livraria, seja na demanda de edições que já não povoam os dias, seja no cruzamento com as memórias de quem faz a livraria. Tem sido esta conjugação de aspectos que me tem mantido ligado à Culsete, que já conheço há quase três décadas.
Procuro-a por aquela voracidade e contumácia que a leitura me impõe, procuro-a pelo desejo de saber o que vai aparecendo, procuro-a pela vontade de demandar e de descobrir, procuro-a pela vontade de saber, procuro-a pelo prazer dos livros. A tudo isto somem-se os muitos encontros que a livraria vai proporcionando: com autores, com livros, com leitores, com os outros. Lá tenho conhecido pessoas, lá tenho encontrado amigos que já não via há muito, lá tenho descoberto leituras, lá tenho participado em sessões, lá tenho trazido amigos. De lá tenho memórias. Lá já levei alunos, num convite para a descoberta do que é a leitura.
Uma livraria não se faz sem pessoas. E justo será destacar o papel que Manuel Medeiros tem tido como o criador da Culsete. Livreiro assumido, culto, dado, crítico, estudioso, humano. Livreiro a sério, vivendo os livros como se vive a vida.
Quando passam 40 anos sobre a história da Culsete, uma história feita de livros, de autores, de leitores, de editores, de livreiros, é justo assinalar o contributo que a livraria tem tido para a cultura em Setúbal. Porque mais justo é que os tempos não apaguem a Culsete e que Setúbal continue a acarinhar este projecto, uma sorte, visto que as livrarias, as que fazem viver os livros, vão entrando cada vez mais pela via da memória.
Parabéns, Culsete!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Para a agenda - Olhares sobre a Livraria, nos 40 anos da Culsete



Nos 40 anos da livraria setubalense Culsete, a exposição "Olhares sobre a Livraria", com início marcado para 13 de Setembro, pelas 18h30, na Casa da Cultura, em Setúbal.
Com curadoria de José Teófilo Duarte, a exposição dará a ver documentação inédita da Culsete, bem como obras de Paulo Catrica, Nuno David, Gonçalo Duarte, José Teófilo Duarte, Silva Duarte, António Correia, António Galrinho, Cristina Mestre, Carlos Augusto Ribeiro, José Ruy, Pedro Soares, Anita Vilar.

sábado, 10 de agosto de 2013

Memória: Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013))



Confronto-me com a notícia da morte de Urbano Tavares Rodrigues e sinto a tristeza de uma despedida ao mesmo tempo que a felicidade por o ter conhecido. A última vez que falei com ele foi na edição da Feira do Livro de Lisboa deste ano, numa tarde quente de domingo. Relembrou episódios das aulas na Faculdade de Letras, recordou os amigos setubalenses da livraria Culsete Fátima e Manuel Medeiros (para quem enviou um abraço, que transmiti), falou-me do filho mais novo (que por acaso não estava ali naquele momento), contou-me que estava a escrever o seu último romance. Perguntei-lhe se não escreveria memórias. Que não, que em muitas das suas obras havia o cunho da memória e da autobiografia, que não era isso que o interessava mais. Toda a conversa foi de paixão, de gentileza, de suavidade e de sensibilidade, tal como sempre nos habituou. Houve ainda tempo para uma fotografia conjunta que a minha filha disparou. E fiquei com vontade de nos voltarmos a encontrar… onde quer que fosse: na Feira do Livro (onde falámos várias vezes), na Culsete, em Lisboa… ao mesmo tempo que relembrei as aulas de há cerca de três décadas, a apresentação que fiz do seu livro Violeta e a noite em Setúbal, o testemunho que sobre ele dei em 2003, em Setúbal, quando a Culsete quis também assinalar os 50 anos de vida literária de Urbano Tavares Rodrigues.
É por isso tudo que abaixo reproduzo tal testemunho, datado de 25 de Janeiro de há dez anos, que continua a conter o essencial do que o professor Urbano foi para mim, do que o professor Urbano me deu. Para ficar na memória!

Não sei de quando vem o meu contacto com Urbano Tavares Rodrigues, mas sei que vem de muito longe, desde quando ainda nem pensava que viria a licenciar-me em Letras, muito menos imaginando que o iria ter como professor. Também não sei qual foi o primeiro livro que dele li – talvez A Noite Roxa, que me lembro de me ter sido emprestado por um amigo e que, mais tarde, adquiri para nele reler uma interessantíssima narrativa como “Escombros”, quase retrato de uma geração, e para nele fazer uns sublinhados que me tinham impressionado nessa leitura sobre a vida e a arte... Talvez o primeiro livro que li de Urbano não tenha sido este, mas tenha sido uma recolha literária sobre Estremadura, nessa quase indispensável colecção que é a “Antologia da Terra Portuguesa”, testemunho da indispensabilidade que a literatura se torna para dizer a terra, para dizer o homem, antologia, aliás, onde creio que tive um dos primeiros contactos com Sebastião da Gama, que topou e mostrou a alma arrábida em toda a sua maravilha... Ou talvez a minha primeira leitura de Urbano Tavares Rodrigues tenha sido outra. Recordo, no entanto, estas duas como as mais antigas que dele conheço.
Em 1979, entrei para uma licenciatura na Faculdade de Letras, ingresso já tardio porque me era necessário trabalhar, mas atempado porque pôde ser no curso que queria e na Faculdade que me ficava mais à mão, em horário cumprido depois das 17 horas. Lembro-me de várias pessoas que tive como professores e pelas quais senti uma admiração grande desde logo, que, em alguns casos, virou amizade, já em tempos posteriores ao curso (em jeito de aparte ou de excurso, vou apenas referir o António Vilhena, hoje professor em Setúbal [entretanto aposentado], poço de cultura e de disponibilidade, que conheci como professor de Latim na Faculdade e cujas aulas eram autênticos tratados – ainda que sem o peso que os caracteriza – sobre cultura portuguesa, com especial incidência na literatura, e sobre as marcas clássicas que a enformam).
Mas voltemos a Urbano Tavares Rodrigues, que tive como professor de Literatura Francesa. Uma das coisas que me fascinou na minha licenciatura foi o facto de ter conhecido escritores enquanto professores, podendo assim usufruir da sua experiência enquanto artistas e criadores e do seu estatuto enquanto professores, intelectuais e cidadãos intervenientes, que eram vários. O professor Urbano Tavares Rodrigues não fugiu a este quadro. E, se foi apaixonante a forma como nos fez ouvir a solidariedade e o social presentes em Germinal, se foi suave a maneira como nos fez entrar nos domínios do erotismo de La Motocyclette, se foi a tocar o fascínio que nos falou de uma obra como Le Ravissement de Lol V. Stein, certo é que todos estes predicados se construíram como metáforas dele próprio, isto é, a delicadeza do discurso, a singeleza das práticas, a simpatia da disponibilidade, o aprofundar permanente no cruzamento da literatura estudada com as múltiplas e incansáveis referências advindas da sua experiência de escritor, o sorriso disponível numa atitude de quem parecia tudo oferecer fazendo passar o universo literário numa relação constante de tu-cá-tu-lá para um degrau de contínua admiração pela arte... enfim, tudo isto nos foi transmitindo, tudo isto foi partilhando, porque o todo das suas aulas se nos afigurava também como uma partilha de reflexões e de angústias da estética e do sentir.
A permanente abertura do professor Urbano Tavares Rodrigues nunca lhe deixou escorregar um “não”. Recordo que, mesmo perante trabalhos ou observações de qualidade menos desejada, a sua atitude era de tentar dar a volta de forma subtil, não negando a pouca pertinência do resultado (ou, muitas vezes, a sua impertinência) e incluindo no seu comentário as pistas de orientação que o estudante deveria aproveitar ou explorar.
Habituei-me, assim, a olhar o professor Urbano Tavares Rodrigues como uma personagem dedicada, disponível e atenta (mesmo quando parecia que dormitava perante algumas apresentações de trabalhos, fazendo, no final, o seu comentário acertado e límpido), como uma personagem participante (frequentemente trocando opinião connosco sobre posições públicas a propósito de questões culturais e de ensino), como alguém sempre pronto a incentivar os voos de quem quisesse ir mais longe ou de quem precisasse da sua ajuda. Recordo que, no último ano da licenciatura, estudei a autobiografia em José Gomes Ferreira, a propósito do seu livro A Memória das Palavras, para a cadeira de Teoria da Literatura, leccionada por Lucília Gonçalves Pires. Ser-me-ia útil falar com Gomes Ferreira, mas ele estava a passar um mau momento de saúde, pela sua debilidade de 80 anos. Foi, aliás, o professor Urbano que me pôs ao corrente do estado de saúde de Gomes Ferreira, mas, logo que soube das suas melhoras temporárias, falou-lhe e pôs-nos em contacto, assim me tendo sido proporcionado um encontro de cerca de três horas com esse “poeta militante”, na sua casa da rua Rio de Janeiro, em que quase me limitei a ouvi-lo e em que grande parte da sua conversa não foi sobre poesia, mas foi poesia. Passadas cerca de duas semanas, o professor Urbano encontrou-me na Faculdade, perguntou-me pelo andamento do trabalho, tendo-lhe eu dito que o mesmo já tinha sido apresentado e avaliado. Quis vê-lo, porque, argumentou, “acho que tenho alguma responsabilidade nesse trabalho”. Dei-lhe uma cópia e, volvidos uns dias, propôs-me que o texto fosse publicado no “Suplemento Cultural” do Diário. Respondi que sim, meio sem jeito. Soube depois que era sua prática corrente incentivar os alunos à publicação de trabalhos e mesmo à edição.
Concluída a licenciatura, abandonei também o trabalho que tinha e passei para o ensino. Em 1985, estando em Beja – onde confesso que aprendi a gostar do Alentejo –, ao rebuscar numas prateleiras já esquecidas e poeirentas de uma livraria da cidade, encontrei um livro sobre Urbano Tavares Rodrigues, intitulado Escritor da Fraternidade, da autoria de Pires Campaniço. Já não contactava o professor havia cerca de dois anos, depois que saíra da Faculdade. Comprei o exemplar por uma bagatela e li as suas 130 páginas – fortemente ideologizadas – nesse mesmo dia, mais no sentido de ter um ponto de contacto com alguém que me impressionara fortemente. O livro lembrou-me o professor, sobretudo, e pareceu-me que o título escolhido, ao eleger a fraternidade para caracterizar o escritor, tinha acertado no ponto. Fraternidade, como quem diz solidariedade, como quem afirma disponibilidade... são lógicas de atributos que resultam bem se aplicados a Urbano Tavares Rodrigues.
Fui, entretanto, descobrindo também a sua faceta de ensaísta na área da literatura e de escritor de viagens, sempre encostando as obras abordadas a referentes culturais importantes ou as viagens a itinerários não menos sentidos (talvez sentimentais), como descobri num relato seu sobre Santiago de Compostela, publicado em 1949, verdadeira peregrinação no espaço e no eu, na busca de outras artes e do conhecimento do mundo.
Encontrámo-nos depois em diversas situações mais ligadas à literatura (por exemplo, na sua defesa da tese de doutoramento sobre Teixeira-Gomes, ou na apresentação de Violeta e a Noite aqui neste mesmo espaço da Culsete), sempre relembrando tempos da minha vida de estudante. Mas quando andei ocupado com um mestrado sobre a revista portuguesa dos anos 50, Távola Redonda, em que Urbano Tavares Rodrigues colaborou com uma tradução a partir do italiano – coisa que não é novidade, depois de se ter visto a tradução por si feita do Decameron, de Bocaccio, que também terá sido um dos meus contactos antigos com ele –, voltei a poder certificar a disponibilidade, a atenção, o saber, o testemunho, a delicadeza... Na noite de um dia 22 de Abril, passantes que eram já as dez da noite, Urbano Tavares Rodrigues recebeu-me em casa, ali na Tomás Ribeiro, para uma conversa sobre a revista, que acabou por ser também sobre a literatura portuguesa dos anos 50, que acabou por ser também sobre a sua obra, que acabou por ser o prolongamento de um fio de disponibilidade sempre demonstrada.
A mais recente vez em que nos encontrámos foi há bem pouco tempo, no mês passado, na apresentação do último livro de poesia de Teresa Rita Lopes. E o que nos uniu? Para lá de tudo, o professor Urbano Tavares Rodrigues falou-me, de imediato, do tempo da Faculdade e da lembrança das suas aulas. Ao fim e ao cabo, um tempo marcante, de aprendizagem e também de conhecimento, lados ambos de uma mesma estrada. Mantenho o gosto por Urbano Tavares Rodrigues enquanto escritor múltiplo e multifacetado, mas quero preservar também esta recordação feliz de um Urbano Tavares Rodrigues professor e mestre, dedicado, sabedor, atento, delicado e prestável, fazendo da literatura uma forma de criação e do ensino uma via de reflexão... ou talvez, e sobretudo, conjugando os dois percursos no rumo da disponibilidade para uma vivência de transformar a arte em cidadania. Não resisto sem ler quatro linhas de um seu escrito de cunho autobiográfico, publicado sob o título de “Apontamentos e Confissões”, no livro de ensaios sobre O Tema da Morte: “Já na minha adolescência desejava ser escritor, embora outras profissões me seduzissem, tais a de médico e a de professor: no fundo, aquelas que me permitissem ancorar e sentir-me útil.” É uma justificação simples, claro. Mas testemunho que, na sua simplicidade, a senti. E vivo bem com essa lembrança e exemplo.

sábado, 6 de julho de 2013

Para a agenda - Nos 40 anos de uma livraria, a Culsete, em Setúbal



Em 7 de Julho, domingo, passam 40 anos sobre o nascimento da livraria Culsete, em Setúbal, pretexto para o arranque da celebração do aniversário. A partir daí, até 17 de Julho, a Culsete vai estar na rua a fazer o que sempre soube fazer, o que sempre fez: a pugnar pela leitura, pelos autores, pela cultura. Com o empenho da Fátima e do Manuel Medeiros. O programa destes 11 intensos dias é o que se segue. Com nomes como Arlindo Mota, José Ruy, José-António Chocolate, Helder Moura Pereira, Alice Brito, Fernando Bento Gomes e muitos outros. Com poesia, música, tertúlias. Para a agenda, claro!


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Para a agenda: a poesia de Resendes Ventura



A poesia de Resendes Ventura, pseudónimo de Manuel Medeiros, o livreiro açoriano de Setúbal, que também assinou como Manuel Pereira.
Do seu primeiro livro, Passos de viagem (Ponta Delgada, 1963), o poema "Quando chover":

Quando chover
Apanha na mão as gotas do beiral

E fica-te
Olhando o ruído abstracto
Das gotas pelo chão.

Fica-te apenas
- Não digas nada -
Encostado ao umbral
Da tua porta aberta.

Em iniciativa da UNISETI. Para a agenda.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Urbano Tavares Rodrigues homenageado

No final da tarde de hoje, houve uma homenagem a Urbano Tavares Rodrigues promovida pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Não estive lá, mas, ao saber a notícia, lembrei-me do professor e recordei uma homenagem que, em Setúbal, lhe foi feita na livraria Culsete, em Janeiro de 2003. O Manuel Medeiros fez questão que eu testemunhasse sobre Urbano Tavares Rodrigues, uma vez que tinha sido seu aluno. E fi-lo com muito gosto. É uma versão abreviada do meu testemunho lido nessa altura que aqui apresento. Em jeito de participação na homenagem que em Lisboa hoje lhe foi prestada.


Não sei de quando vem o meu contacto com Urbano Tavares Rodrigues, mas sei que vem de muito longe, desde quando ainda nem pensava que viria a licenciar-me em Letras, muito menos imaginando que o iria ter como professor. Também não sei qual foi o primeiro livro que dele li – talvez A Noite Roxa, que me lembro de me ter sido emprestado por um amigo e que, mais tarde, adquiri para nele reler uma interessantíssima narrativa como “Escombros”, quase retrato de uma geração, e para nele fazer uns sublinhados que me tinham impressionado nessa leitura sobre a vida e a arte... Talvez o primeiro livro que li de Urbano não tenha sido este, mas tenha sido uma recolha literária sobre Estremadura, nessa quase indispensável colecção que é a “Antologia da Terra Portuguesa”, testemunho da indispensabilidade que a literatura se torna para dizer a terra, para dizer o homem, antologia, aliás, onde creio que tive um dos primeiros contactos com Sebastião da Gama, que topou e mostrou a alma arrábida em toda a sua maravilha... Ou talvez a minha primeira leitura de Urbano Tavares Rodrigues tenha sido outra. Recordo, no entanto, estas duas como as mais antigas que dele conheço.
Em 1979, entrei para uma licenciatura na Faculdade de Letras, ingresso já tardio porque me era necessário trabalhar, mas atempado porque pôde ser no curso que queria e na Faculdade que me ficava mais à mão, em horário cumprido depois das 17 horas. Lembro-me de várias pessoas que tive como professores e pelas quais senti uma admiração grande desde logo.
Uma das coisas que me fascinou na minha licenciatura foi o facto de ter conhecido escritores enquanto professores, podendo assim usufruir da sua experiência enquanto artistas e criadores e do seu estatuto enquanto professores, intelectuais e cidadãos intervenientes, que eram vários. O professor Urbano Tavares Rodrigues não fugiu a este quadro. E, se foi apaixonante a forma como nos fez ouvir a solidariedade e o social presentes em Germinal, se foi suave a maneira como nos fez entrar nos domínios do erotismo de La Motocyclette, se foi a tocar o fascínio que nos falou de uma obra como Le Ravissement de Lol V. Stein, certo é que todos estes predicados se construíram como metáforas dele próprio, isto é, a delicadeza do discurso, a singeleza das práticas, a simpatia da disponibilidade, o aprofundar permanente no cruzamento da literatura estudada com as múltiplas e incansáveis referências advindas da sua experiência de escritor, o sorriso disponível numa atitude de quem parecia tudo oferecer fazendo passar o universo literário numa relação constante de tu-cá-tu-lá para um degrau de contínua admiração pela arte... enfim, tudo isto nos foi transmitindo, tudo isto foi partilhando, porque o todo das suas aulas se nos afigurava também como uma partilha de reflexões e de angústias da estética e do sentir.
A permanente abertura do professor Urbano Tavares Rodrigues nunca lhe deixou escorregar um “não”. Recordo que, mesmo perante trabalhos ou observações de qualidade menos desejada, a sua atitude era de tentar dar a volta de forma subtil, não negando a pouca pertinência do resultado (ou, muitas vezes, a sua impertinência) e incluindo no seu comentário as pistas de orientação que o estudante deveria aproveitar ou explorar.
Habituei-me, assim, a olhar o professor Urbano Tavares Rodrigues como uma personagem dedicada, disponível e atenta, como uma personagem participante (frequentemente trocando opinião connosco sobre posições públicas a propósito de questões culturais e de ensino), como alguém sempre pronto a incentivar os voos de quem quisesse ir mais longe ou de quem precisasse da sua ajuda. Recordo que, no último ano da licenciatura, estudei a autobiografia em José Gomes Ferreira, a propósito do seu livro A Memória das Palavras, para a cadeira de Teoria da Literatura, leccionada por Lucília Gonçalves Pires. Ser-me-ia útil falar com Gomes Ferreira, mas ele estava a passar um mau momento de saúde, pela sua debilidade de 80 anos. Foi, aliás, o professor Urbano que me pôs ao corrente do estado de saúde de Gomes Ferreira, mas, logo que soube das suas melhoras temporárias, falou-lhe e pôs-nos em contacto, assim me tendo sido proporcionado um encontro de cerca de três horas com esse “poeta militante”, na sua casa da rua Rio de Janeiro, em que quase me limitei a ouvi-lo e em que grande parte da sua conversa não foi sobre poesia, mas foi poesia. Passadas cerca de duas semanas, o professor Urbano encontrou-me na Faculdade, perguntou-me pelo andamento do trabalho, tendo-lhe eu dito que o mesmo já tinha sido apresentado e avaliado. Quis vê-lo, porque, argumentou, “acho que tenho alguma responsabilidade nesse trabalho”. Dei-lhe uma cópia e, volvidos uns dias, propôs-me que o texto fosse publicado no “Suplemento Cultural” do Diário. Respondi que sim, meio sem jeito. Soube depois que era sua prática corrente incentivar os alunos à publicação de trabalhos e mesmo à edição.
Concluída a licenciatura, abandonei também o trabalho que tinha e passei para o ensino. Em 1985, estando em Beja – onde confesso que aprendi a gostar do Alentejo –, ao rebuscar numas prateleiras já esquecidas e poeirentas de uma livraria da cidade, encontrei um livro sobre Urbano Tavares Rodrigues, intitulado Escritor da Fraternidade, da autoria de Pires Campaniço. Já não contactava o professor havia cerca de dois anos, depois que saíra da Faculdade. Comprei o exemplar por uma bagatela e li as suas 130 páginas – fortemente ideologizadas – nesse mesmo dia, mais no sentido de ter um ponto de contacto com alguém que me impressionara fortemente. O livro lembrou-me o professor, sobretudo, e pareceu-me que o título escolhido, ao eleger a fraternidade para caracterizar o escritor, tinha acertado no ponto. Fraternidade, como quem diz solidariedade, como quem afirma disponibilidade... são lógicas de atributos que resultam bem se aplicados a Urbano Tavares Rodrigues.
Fui, entretanto, descobrindo também a sua faceta de ensaísta na área da literatura e de escritor de viagens, sempre encostando as obras abordadas a referentes culturais importantes ou as viagens a itinerários não menos sentidos (talvez sentimentais), como descobri num relato seu sobre Santiago de Compostela, publicado em 1949, verdadeira peregrinação no espaço e no eu, na busca de outras artes e do conhecimento do mundo.
Encontrámo-nos depois em diversas situações mais ligadas à literatura (por exemplo, na sua defesa da tese de doutoramento sobre Teixeira-Gomes, ou na apresentação de Violeta e a Noite aqui neste mesmo espaço da Culsete), sempre relembrando tempos da vida de estudante.
E o que nos tem unido? Para lá de tudo, o professor Urbano Tavares Rodrigues sempre me falou, de imediato, do tempo da Faculdade e da lembrança das suas aulas. Ao fim e ao cabo, um tempo marcante, de aprendizagem e também de conhecimento, lados ambos de uma mesma estrada. Mantenho o gosto por Urbano Tavares Rodrigues enquanto escritor múltiplo e multifacetado, mas quero preservar também esta recordação feliz de um Urbano Tavares Rodrigues professor e mestre, dedicado, sabedor, atento, delicado e prestável, fazendo da literatura uma forma de criação e do ensino uma via de reflexão... ou talvez, e sobretudo, conjugando os dois percursos no rumo da disponibilidade para uma vivência de transformar a arte em cidadania. Não resisto sem ler quatro linhas de um seu escrito de cunho autobiográfico, publicado sob o título de “Apontamentos e Confissões”, no livro de ensaios sobre O Tema da Morte: “Já na minha adolescência desejava ser escritor, embora outras profissões me seduzissem, tais a de médico e a de professor: no fundo, aquelas que me permitissem ancorar e sentir-me útil.” É uma justificação simples, claro. Mas testemunho que, na sua simplicidade, a senti. E vivo bem com essa lembrança e exemplo.