Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Loff. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Loff. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 6 de abril de 2016

FONTES NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA: PROBLEMAS METODOLÓGICOS E ABORDAGENS CONCEPTUAIS: ENCONTRO

No próximo dia 8 de Abril de 2016, pelas 9.30h, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa, com uma organização do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e do Instituto de História Contemporânea - FCSH/UNL realiza-se um encontro científico para debater o problema das Fontes na História Contemporânea.

Intervêm ainda um conjunto alargado de historiadores como:
- Júlia Leitão de Barros;
- Ângela Coutinho;
- Luís Trindade;
- Irene Pimentel;
- Tiago Pires Marques;
- Elisa Lopes da Silva;
- Paula Godinho;
- Luísa Tiago de Oliveira;
- Manuel Loff;
- Javier Garcia Fernandés;
- Nestor salvador;
- Tiago Baptista;
- Paulo Cunha;
- Sandra Guerreiro Dias;
- Jacinto Godinho;
- Miguel Cardina;
- Maria Alice Samara;
- Rita Luís;
- Susana Martins;
- Nuno Domingos.

A coordenação do encontro está a cargo de Miguel Cardina e de Maria Alice Samara.

A acompanhar com toda a atenção.

A.A.B.M.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA DITADURA: O CASO PORTUGUÊS (WORKSHOP)

A Faculdade de Letras da Universidade do Porto vai levar a efeito na próxima sexta-feira e sábado, dias 8 e 9 de Fevereiro, um workshop subordinado ao ao tema: História e Memória da Ditadura: o Caso Português.

Este workshop realiza-se no âmbito do Curso de Doutoramento em História da FLUP e integra-se no projecto de investigação intitulado Estado e Memória: políticas públicas da memória da ditadura portuguesa (1974-2009).

A Coordenação Científica do workshop está a cargo do Doutor Manuel Loff e conta com intervenções de Paula Godinho, Isabel Menezes, Luciana Soutelo, Susana Ferreira, Cristina Nogueira e Silvestre Lacerda.

Um interessante workshop organizado pela FLUP sobre um tema sempre importante no domínio da História: a preservação da memória e neste caso da memória ainda recente dos acontecimentos, com muitos protagonistas dos acontecimentos ainda vivos e a publicarem a suas memórias dos acontecimentos, auto-justificando-se, distanciando-se, valorizando-se ou escondendo-se. Um tema muito interessante e, por vezes, envolto em polémica.

Uma louvável iniciativa e que merece a melhor divulgação.

A.A.B.M.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

POLÉMICA HISTORIOGRÁFICA

A propósito da polémica historiográfica que tem marcado este ano e a publicação da História de Portugal, coord. Rui Ramos, Nuno Gonçalo Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa reeditada agora em vários volumes pelo Expresso e que tanta polémica tem provocado, conheceu hoje um novo contributo, agora de Luís Reis Torgal, cujo texto foi também publicado no jornal Publico e que, com a devida vénia retiramos do blogue de Joana Lopes, Entre as Brumas da Memória.

RUI RAMOS E O REABRIR DA POLÉMICA SOBRE A "HISTÓRIA DE DIVULGAÇÃO" DO ESTADO NOVO

"Em Janeiro de 2011 apresentei uma comunicação sobre a historiografia do Estado Novo num colóquio organizado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Entre outras considerações, abordei criticamente os textos de dois historiadores: Rui Ramos e Filipe Ribeiro de Meneses. Assistimos agora a uma polémica entre Manuel Loff e Rui Ramos, nas páginas do PÚBLICO, que se alargou a um artigo, que não tive ocasião de ler, de António Araújo, a uma pequena, violenta e inconveniente nota de Maria Filomena Mónica, e, depois, a vários outros textos de valor e significado diferentes, entre eles um artigo de um dos melhores especialistas do Estado Novo, Fernando Rosas.

Não querendo entrar nas questões mais pessoais que se levantaram, achei que não devia ficar de fora, dado que me refiro constantemente nos meus textos à falta de um debate público sobre a historiografia e sobre outros temas de ciência e de cultura. Limito-me, porém, por agora, a isolar e a adaptar o texto que escrevi então sobre Rui Ramos, que faz parte, portanto, de um artigo mais lato e complexo que continua à espera de ser publicado nas actas do referido colóquio. Como se verá, não é, pois, a primeira vez que a obra de Rui Ramos suscita, saudavelmente, alguma polémica. A reedição da História de Portugal em pequenos volumes pelo Expresso, coordenada por este historiador, veio, afinal, reabrir velhas questões.

A obra, no seu conjunto, mereceu, obviamente, elogios desde a sua apresentação, na Sociedade de Geografia, pelo sociólogo António Barreto, que, sobretudo, louvou o seu sentido narrativo e de fácil compreensão, onde estava ausente um exercício teorizador. No entanto, a parte relativa ao regime Salazar-Caetano, assinada por Rui Ramos, provocou logo alguma discussão, proporcionada pelo trabalho da jornalista São José Almeida, que entrevistou e transcreveu pequenos passos das opiniões emitidas por alguns historiadores do Estado Novo, como António Costa Pinto, Manuel de Lucena, Manuel Loff, Irene Flunser Pimentel, Fernando Rosas, para além de afirmações do próprio Rui Ramos. O artigo teve o sintomático título “A História de Rui Ramos desculpabiliza o Estado Novo” (PÚBLICO, 31 de Maio de 2010).

Não valerá a pena analisar cada opinião, pois não se chegaria a grandes conclusões, dado até, precisamente, o carácter de curtas passagens que foram extraídas pela jornalista às palavras de cada um dos interlocutores. Apenas poderei resumir esse debate (se é que de debate se tratou) com a própria síntese da jornalista do PÚBLICO: “Rui Ramos lamenta que em Portugal a História seja vista ‘a preto e branco, ou esquerda ou direita’. E que se conviva mal com diferentes interpretações do passado. Mas outros historiadores vêem na mais recente História de Portugal, coordenada por este autor, um discurso que desculpabiliza o Estado Novo e diaboliza a I República. Há mesmo quem fale de ‘legitimação’ do discurso de Salazar. E quem acuse esta História de ignorar a violência daqueles anos”.

Não entro nessa discussão para que, de resto, não fui convidado, mas posso sim discutir a metodologia de análise de Rui Ramos.

Acima de tudo, gosto sempre de salientar que só divulga quem sabe, ou seja, quem investigou. Caso contrário, corremos o risco — evidente no Estado Novo, em “obras do regime”, como a História de Portugal de João Ameal, que constituiu um verdadeiro best-seller — de reduzirmos a História a um discurso narrativo de tipo mais ou menos ideológico. Mas, se, por um lado, a divulgação não pode ser um discurso literário, normalmente atraente, também é perigoso que seja uma simples narrativa aparentemente asséptica e com pretensões científicas, que pode ser, por outro lado, uma grande arma da ideologia.

Rui Ramos não é um especialista do Estado Novo e usou exactamente o método tão elogiado por Barreto, ou seja, a narrativa não teorizadora. Mas, a problematização é o que de mais aliciante tem a História e que provoca no leitor medianamente culto (o outro lê sempre qualquer coisa, até as Histórias rocambolescas da História de Portugal, pensando que está a ler um livro de História) o gosto pela reflexão crítica, o que — aí concordarei com Rui Ramos, se entender o conceito como eu — o leva a ler a História não “a preto e branco”, mas com todas as cores, ou, por outras palavras, de forma poliédrica.

Ora, se lermos as páginas sobre o Estado Novo da História de Portugal (eu li-as na edição principal e não nesta edição em volumes), não nos apercebemos que Salazar se formou num denso complexo de realidades e de concepções do Estado. Sobressaíam então, para além das teses e práticas republicanas mais radicais que geravam naturais reacções, posições republicanas conservadoras e nacionalistas, o corporativismo católico, com as suas teses sociológicas e pedagógicas, ideias integralistas que jamais apontavam para a noção de uma “monarquia absoluta” (como diz Ramos e que era, ao invés, uma ideia que os integralistas combatiam), ideologias fascistas que surgiram em Portugal logo no contexto da “marcha sobre Roma” e, mais tardiamente, apaixonadas afirmações nacionais-sindicalistas, que não se afastavam mesmo do nazismo nascente. Seguindo a narrativa de Rui Ramos, tudo surge de forma natural, formando-se um Estado onde a regra era “viver habitualmente” (ideologia captada em Salazar, em 1938, por Henri Massis, mas que já se encontra na entrevista de António Ferro), no sentido de uma “nova democracia”, onde a palavra “totalitarismo” era proibida, onde se verificava uma “ditadura moderada” (mais moderada do que na própria República) com uma repressão dirigida (esquecendo as vicissitudes de toda a oposição, fosse ela qual fosse), onde havia uma “pluralidade cultural” (como se tendências de oposição pudessem ser integradas na concepção do Estado Novo e não fossem contra ele e alvo da sua repressão)… Mais ainda: onde havia uma concepção de “assimilação” em relação aos naturais das colónias (só tardiamente notória), onde se deu uma guerra colonial (que conheci, na Guiné, no final dos anos sessenta) em que os movimentos de independência acabaram por ter pouco significado social e até militar, onde as estatísticas provam o desenvolvimento de Portugal (que pode ser um facto em determinadas áreas e conjunturas)…

Nada é discutido e problematizado e mesmo o conceito de “fascismo de cátedra” utilizado pela interessante caracterização de Unamuno, numa reflexão jornalística do Ahora, dado a conhecer primeiro por João Medina, é transformado na expressão “ditadura catedrática”, e o conceito de “totalitarismo” não é observado sistematicamente, apesar de, na verdade, ter sido utilizado e discutido por homens próximos de Salazar (como Bissaya Barreto ou Águedo de Oliveira, Mário de Figueiredo ou Manuel Rodrigues). E seria bom que Ramos entendesse que a História se compreende numa lógica diacrónica, mas também sincrónica. É certo que aproxima uma vez o corporativismo de Salazar do de Mussolini, mas haveria que estender essa comparação a outras áreas e perceber que, para além de um “fascismo de movimento”, há um “fascismo de regime”, fascismo ao qual o salazarismo não foi imune, a ponto de se poder sempre perguntar, como fizeram alguns historiadores desde Manuel Lucena (a quem se deve a feliz e problematizadora expressão de que o Estado Novo poderia ser considerado “um fascismo sem movimento fascista”), com respostas diferentes, se era ou não possível integrar o salazarismo num “fascismo genérico”.

A História não pode ser apenas interpretada por sintomas e factos escolhidos previamente, mas — quer se queira quer não (eu que fui influenciado pela metodologia dos Annales, antes de ela se expandir em Portugal, mas que repudiei expressivamente os seus exageros e a máxima imperialista da “história nova”) — tem de ser vista também pela análise das estruturas, que nos podem dar a conhecer o que os factos isolados nos escondem. O grande erro de Rui Ramos, numa história de divulgação, é, pois, pensar que esta é uma pura narrativa do que não se conhece bem, mas de que se podem tirar ilações que interessam ao leitor e o podem orientar. E isso ainda é mais discutível se pensarmos, como Ramos, que a divulgação se pode igualmente fazer, mais livre e despreocupadamente, numa linha “jornalística” — com todo o respeito que tenho pelo jornalismo de investigação — e até utilizando a “história do se…” (“Sá Carneiro. E se ele não tivesse morrido?”, Expresso, Revista Única, 27 de Novembro de 2010) ou da “história virtual” (como diz, à maneira anglo-saxónica) ou da metáfora do “nariz de Cleópatra”, discutida pelo meu mestre Sílvio Lima em 1960, demitido por Salazar em 1935, mas, felizmente, reintegrado nos anos quarenta. Como se vê (agora digo- o eu, em “à parte”), simples liberais eram objecto da repressão salazarista…

No suplemento do Actual do Expresso (24 de Julho de 2010), Rui Ramos escreveu, nos quarenta anos da morte de Salazar, um artigo de fundo sobre o ditador, que praticamente começa assim: “O problema está em que, se quisermos ser exactos, teremos de admitir que foi precisamente com Salazar que Portugal começou a ser menos pobre, menos analfabeto e mais europeu". Chavões deste tipo, com afirmações de meias verdades não contextualizadas, tornam a divulgação tendenciosa. O mesmo se dirá da afirmação, pura e simples: "O Estado Social em Portugal foi salazarista antes de ser democrático". Quanto à repressão, apesar de Ramos concordar que Salazar, quando queria, "podia ser implacável", o que fica no leitor é outro chavão: "Quando comparamos a ditadura salazarista com as suas contemporâneas, a quantidade repressiva é modesta". No que se refere ao colonialismo, refere aquilo que se poderia dizer de outra maneira e com outra contextualização explicativa, sem o efeito de frases que constituíam verdadeiros "slogans de propaganda": "O colonialismo não começou com Salazar. Liberais e republicanos tinham viabilizado as colónias, submetendo as populações ao trabalho forçado administrado pelo Estado". E, a terminar o artigo nem redigido – a boa escrita e a boa comunicação oral são dois factores, por paradoxal que pareça, muito perigosos na dita "divulgação da História", – escreve, simplificando e dando um tom de ficção literária à sua escrita: "Numa quinta-feira de céu cinzento, a 25 de Abril de 1974, tudo foi derrubado como um cenário de papelão. Nenhum movimento político reivindicou, desde então, as ideias de Salazar. Em 2007, a sua vitória num concurso televisivo foi mais um sinal de iconoclastia, contra o velho antifascismo oficial, do que saudosismo. Falamos dele, mas é isso: falamos. Valem-lhe os antifascistas para o conservarem ameaçadoramente 'vivo'. Terá ele imaginado este fiasco final? Nos seus últimos anos de vida, entre 1968 e 1970, não lhe disseram que fora substituído no Governo, mas, como notou Adriano Moreira, ele também não perguntou. Nunca quis saber o resto da história.

Palavras e frases, provavelmente bem construídas, mas sem nenhuma reflexão profunda... – é esta a técnica de divulgação de Ramos, parecendo não entender que a História supõe sempre uma análise e uma reflexão problematizadoras. Que fique claro, não é o facto de Rui Ramos se afirmar como "homem de direita" que me leva a estas considerações. Como cidadão pode ser o que quiser e entender, mas como historiador tem de seguir uma linha metodológica científica, mesmo na arte da divulgação. A menos que entenda que a História não é uma Ciência que procura a objectividade, mas uma pura ficção subjectiva que pode ser – utilizando as suas palavras – de "direita" ou de "esquerda".

Mais um contributo, muito importante, sobre a razão de ser desta polémica que envolve os historiadores, sobretudo quando se estudam temas muito próximos em termos temporais e quando as razões, contextos e conceitos de cada um podem influenciar as leituras que se fazem dos acontecimentos.

Uma reflexão serena, de base conceptual e metodológica que nos merece a melhor atenção e, sobretudo, porque incide em problemáticas da investigação histórica, tentando colocar de lado outras questões paralelas, essas sim secundárias e menos importantes para os interessados na temática.

A ler com toda a atenção.

A.A.B.M.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

CARTILHA "NORMALIZADA" DO ESTADO NOVO?


"Não era minha intenção intervir na polémica que neste jornal tem oposto os historiadores Rui Ramos (RR) e Manuel Loff (ML), a propósito dos conteúdos sobre a História do século XX da de que o primeiro é, respectivamente, autor e co-autor. E não o faria, se o inacreditável artigo de Filomena Mónica (FM) publicado nestas colunas (1/8 - jornal Público) a tal me não tivesse obrigado.

Permitam-me que comece por situar a questão, tal como a vejo: é ou não científica e civicamente relevante discutir criticamente os pontos de vista que enformam a versão da História política do século XX subscrita por RR? Eu acho que sim. Porque é um texto bem escrito, porque teve ampla divulgação e, sobretudo, porque é matéria que se prende umbilicalmente com a forma como pretendemos legitimar o presente e fazer o futuro. No meu entender, foi precisamente isso que, à sua maneira e no seu estilo assertivo, mas onde não vislumbro nada de insultuoso ou pessoalmente difamatório para o criticado, julgo que Manuel Loff pretendeu fazer. Na realidade, essa parte da História de Portugal de RR, no seu modo corrente e aparentemente desproblematizador, no seu jeito de discurso do senso comum superficial e para o 'grande público', é um texto empapado de ideologia. Uma ideologia que faz passar a visão da I República como um regime ditatorial, 'revolucionário' e de 'terror', por contraponto a um Estado Novo ordeiro e desdramatizado, quase banalizado na sua natureza política e social, transfigurado em ditadura catedrática, em regime conservador moderado e aceitável, apesar de um ou outro abuso. Essa visão — em vários aspectos semelhante ao próprio discurso propagandístico do Estado Novo sobre a I República e sobre si próprio — carece, a meu ver, de qualquer sustentação histórica. E, talvez por isso mesmo, convém salientá-lo, não é subscrita, ao que me parece, por uma significativa parte de historiadores e investigadores que, com diferentes perspectivas, trabalham sobre este período.

O que julgo intelectualmente inaceitável é que alguns dos candidatos do costume a sacerdotes do 'pensamento único' venham ameaçar com a excomunhão do seu mundo civilizado quem não aceitar o que eles parece quererem transformar numa espécie de cartilha 'normalizadora' do salazarismo e da sua representação histórica. Peço licença para dizer que, como historiador e como cidadão, não me intimidam. E por isso vamos ao que interessa.

É bem certo que a I República, e já várias vezes o escrevi, não foi, obviamente, uma democracia nem política, nem socialmente, sobretudo no sentido moderno do termo. Com o seu liberalismo oligárquico, com as suas perseguições políticas (sobretudo na sua primeira fase contra as conspirações restauracionistas) e principalmente sociais (contra o movimento operário e sindical), foi um regime de liberdade frequentemente condicionada, à semelhança da maioria dos regimes liberais da Europa do primeiro quartel do século XX. Mas com o ser isso tudo, foi um sistema imensamente mais liberal e aberto do que o Estado Novo da censura prévia, da proibição e perseguição dos partidos, dos sindicatos livres, do direito à greve e da oposição em geral, da omnipresença da polícia política e da violência arbitrária, da opressão quotidiana dos aparelhos de repressão preventiva e de enquadramento totalizante. E tenho para mim que isso não é banalizável ou 'normalizável'. Nem histórica, nem civicamente. É por isso que os valores matriciais da I República puderam ser os da resistência à ditadura salazarista e enformaram, como referência, os constituintes democráticos de 1976.

Infelizmente, RR não compareceu a este debate. Refugiou-se sob o manto de uma pretensa intangibilidade moral, ou seja, de uma vitimização construída a partir, na realidade, da deturpação dramatizante das críticas do seu interlocutor. FM fez bem pior. Sem aparentar perceber nada de nada, veio à liça reclamar contra o facto de ML romper o consenso que ela acha que existia em torno do 'terror republicano', apodá-lo de 'marxista leninista' e de 'historiador medíocre' — quem falou de insultar? — sem discutir um único dos seus pontos de vista e confessando desconhecer e não querer conhecer a obra de ML! E embalou: a 'deturpação de um texto', diz FM, está na natureza dos comunistas e apela sem rebuço à censura do 'seu' jornal contra tal gente. Isto tudo, claro está, porque, como se terá percebido, FM 'gosta de controvérsia'...

Para mim, ao contrário, acho absolutamente necessário que RR e FM continuem a ter pleno direito à palavra. Pelo menos, isso mantém-nos atentos e despertos relativamente aos 'demónios capazes de despertar o pior da cultura portuguesa' (António Barreto dixit)"

FERNANDO ROSAS, in jornal Público, 5 de Setembro 2012, p. 47

[texto via Entre as Brumas da Memória - sublinhados nossos -, com a devida vénia]

J.M.M.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

RUI RAMOS ... OU "UMA HISTÓRIA EM FASCÍCULOS (II)"



[continuação da I parte]

"O Expresso decidiu oferecer gratuitamente aos seus leitores a História de Portugal em 9 fascículos, coordenada por Rui Ramos (RR). Nela, apresenta-se-nos uma ficção sinistra e intelectualmente cínica sobre a ditadura salazarista, procurando aquilo que, até hoje, ninguém na historiografia séria e metodologicamente merecedora do nome tinha tentado: desmontar a natureza ditatorial do Estado Novo. Como comecei a expor aqui há duas semanas atrás, é inaceitável que se pretenda consagrar uma leitura tão manipulada da História.

Para RR, o salazarismo era 'uma espécie de uma monarquia constitucional, em que o lugar do rei era ocupado por um Presidente da República eleito por sufrágio direto e individual' (pp. 632-33), que 'reconhec[ia] uma pluralidade de corpos sociais (...) com esferas de ação próprias e hierarquias e procedimentos específico', mas que só 'não admitiu o pluralismo partidário' (p. 650). Nada se diz sobre o papel das eleições como simulacro de legitimação popular ou a fraude generalizada, realizada mesmo quando nenhuma candidatura alternativa se atrevia perante a do partido único, para inflacionar artificialmente a votação e simular um consenso que não existia.

É inacreditável ver produtos típicos da fascização da sociedade, importados diretamente do fascismo mussoliniano, como foram os sindicatos nacionais, as casas do povo (verdadeiras 'associações de socorro e previdência' que 'desenvolviam atividades desportivas e culturais') e os grémios corporativos, descritos como meras 'associações' de 'representação da população ativa' (p. 644), sem se escrever uma linha sobre a guerra total aberta aos sindicatos livres do período liberal, feita de prisões, deportações e mortes.

Para RR, a repressão, definidora de qualquer ditadura, 'tem de ser colocada no contexto do uso da violência na manutenção da 'ordem pública''. Sem citar documentos, Ramos faz aquilo que ele próprio diz que 'os salazaristas fizeram sempre questão' de fazer: 'Comparar os métodos repressivos [de Salazar] com a ‘ditadura da rua’ do PRP' (p. 652), sustentada sobre o 'trabalho sujo' de 'gangues chefiados por ‘revolucionários profissionais’' (p. 591), empurrando o leitor a achar que a I República fora muito mais violenta que a ditadura. Esta teria sido tão generosa que muitos 'conspiradores e ativistas conservaram as suas posições no Estado em troca de simples abstenção política'; contrariando quase tudo quanto se escreveu na História social e da educação do salazarismo, diz-se que 'não houve saneamentos gerais de funcionários' (p. 653)! Pior terá sido a Revolução de 1974-75, em que '20 mil pessoas [se] viram afastadas dos empregos' e 'pelo menos 1000 presos políticos' terão sido detidos, '7 vezes mais do que no fim do Estado Novo' (p. 732)...

Espantados? Para RR, o salazarismo, afinal, 'não destoava num mundo em que a democracia, o Estado de Direito e a rotação regular de partidos no poder estavam longe de ser a norma na vida política'. A democracia não existia nem na 'Europa ocupada [sic] pela União Soviética', nos 'novos Estados da África e da Ásia' ou 'mesmo na Europa democrática', que 'produziu monopólios de um partido (...), sistemas de poder pessoal (...), restrições e perversões' como 'a proibi[ção] de partidos comunistas' ou 'tortura e execuções sumárias' (p. 669). Em 1968, substituído Salazar por Marcelo, 'a democratização não estava na ordem do dia' no mundo. Os 'constrangimentos policiais', justificados 'no resto do Ocidente' pela '‘luta armada’ da extrema-esquerda' (pp. 697-98) que se inicia no final dos anos 60, eram semelhantes aos do Estado Novo. Eis aquilo que me parece puro cinismo: a democracia, afinal, não existia em lugar nenhum, o que esbate qualquer diferença entre ditaduras e sistemas liberal-democráticos, onde a violência do Estado e de classe coexiste com um mínimo de liberdade de ação para partidos e movimentos que contestem o Estado e os ricos.

Da violência colonial, dos massacres perpetrados contra africanos, nem uma palavra! E a guerra? 'A opção [de recusa de sair das colónias] não pareceu inicialmente excêntrica na Europa' porque 'a retirada europeia de África só começou em 1960', omitindo que ela começara dez anos antes. Se a guerra colonial (nunca assim designada, claro) 'foi o maior esforço militar de um país ocidental desde 1945' (p. 680), as 'guerrilhas' tiveram 'reduzido impacto', a guerra 'não foi demasiado cara' e era 'pouco mortífera', e, 'talvez por isso, o recrutamento nunca foi um problema' (pp. 684-85), o que é talvez o erro factual mais despudorado de todos quantos RR comete! Em resumo, 'a guerra foi aceite' (p. 685) pelos portugueses.

Dedução lógica: o que nos habituámos a chamar uma ditadura não era mais do que um regime semelhante aos que por lá fora havia, melhor até, no campo da repressão, do que muitos, a começar pela I República e o 25 de Abril! Em tempos de transição do Estado Social para o Estado Penal, como designa o sociólogo Loïc Wacquant à criminalização dos dominados que se opera nos nossos dias, o salazarismo voltaria a ser um regime para o nosso tempo!"

MANUEL LOFF, in "Uma História em fascículos ... (II)", jornal "PÚBLICO", 16 Agosto 2012 [via Entre as Brumas da Memória - sublinhados nossos]

J.M.M.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

RUI RAMOS ... OU "UMA HISTÓRIA EM FASCÍCULOS (I)"


"O Expresso está a oferecer gratuitamente aos seus leitores uma História de Portugal dividida em nove fascículos, apresentando-a como 'um dos livros mais vendidos de sempre' entre os que se dedicaram à nossa história. O Expresso acha (eu não) que este é 'hoje reconhecido como um dos melhores livros sobre a História de Portugal', e terá querido disponibilizá-lo a dezenas de milhares de leitores para quem é apetecível uma síntese em 900 páginas da 'história de um grande país'.

O livro é coordenado por Rui Ramos (RR), um historiador especializado na Monarquia Constitucional e na I República portuguesas mas que se encarregou nesta obra de cobrir também o período entre 1926 e a atualidade. As épocas medieval e moderna estiveram a cargo de dois historiadores (Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Monteiro) cujo trabalho não comentarei. Dedicarei esta e a próxima crónicas especificamente ao trabalho de RR, que concebeu e coordenou a obra e disse há dois anos que ela pretendia ser meramente 'uma porta de entrada na História', e 'aguçar o apetite do leitor', descrito como 'exigente' (Prólogo, p. II), e 'fazer com que as pessoas queiram ir ler mais' (PÚBLICO, 31.5.2010). Esperemos que sim.

RR não é um historiador qualquer; a sua visibilidade pública é ajudada, como em pouquíssimos casos, pelo seu acesso às tertúlias televisivas e à imprensa, onde se tem destacado como uma das penas mais sólidas da direita intelectual portuguesa, que reivindica 'o prazer da provocação intelectual e reconhece um aguçado espírito de contradição, sobretudo quando o alvo é a esquerda' (Ler, janeiro 2010). Para percebermos o que RR entende por 'provocação', e em resposta a quem acha — como eu — que o seu trabalho é puro revisionismo historiográfico política e ideologicamente motivado, ele entende que 'toda a História é revisionista' e nela 'é necessário afirmar originalidade' (PÚBLICO, 31.5.2010).

Centremo-nos hoje na narrativa que RR faz do papel de Salazar na história. Para ele, o Estado Novo era 'um regime assente (…) no monopólio da atividade legal por uma organização cívica de apoio ao Governo', e esta é a forma como ele classificará sempre o partido único da ditadura, com 'a chefia pessoal do Estado' entregue a 'um professor catedrático introvertido', um homem 'de outra espécie', com 'nada de uma personagem ditatorial' como a dos líderes da Europa fascista do tempo (pp. 627 e 638-39). Neste campo, a primeira das suas preocupações é a mais comum entre os historiadores da área de RR: desenhar um Salazar sensato e algo neurasténico, que não gostaria de uniformes (apesar da origem militar do regime e do seu caráter inevitavelmente policial e repressivo) e que nada teria a ver com Hitler, Mussolini ou Franco. O 'pobre homem de Santa Comba', como o ditador se definiu a si próprio, teria 'para Portugal objetivos simples' pois propunha-se 'fazer viver Portugal habitualmente' e 'queria instituir uma 'ditadura da inteligência' para 'fazer baixar a febre política' no país e 'reencontrar o equilíbrio' (p. 639).

A segunda originalidade de RR decorre daqui e descola totalmente da realidade: oferecer-nos um Salazar liberal, por oposição aos republicanos de 1910 (um dos ódios de estimação de RR), que, praticamente totalitários, teriam estado empenhados em fazerem da sua 'revolução' uma 'transformação cultural violenta' feita por um 'Estado sectário' (pp. 585-86)! Salazar, pelo contrário, queria 'assentar o Estado, não na 'abstração' de indivíduos desligados da sociedade e arrastados por ideias de transformação radical, mas no que chamou o 'sentimento profundo da realidade objetiva da nação portuguesa'. Para RR, a 'missão do líder' era a de 'reconciliar os portugueses com essa realidade', e ao mesmo tempo ajudá-los a adotar modos de vida sustentáveis'. Em resumo, 'o seu modelo implícito era o que no século XIX se atribuíra aos 'ingleses', prático, 'pouco sentimental': 'Eu faço uma política e uma administração bastante à inglesa' (pp. 639-40) — isto é, um Salazar primeiro-ministro da rainha Vitória... Se acompanharmos as suas crónicas no Expresso, a lição da História para a análise da crise atual parece evidente. Hoje, 'a austeridade é, no fundo, a vida depois de desfeitas as últimas ilusões do passado' – exatamente como Salazar, que 'tinha ambições, mas não ilusões' (RR, in Sábado, 14.1.2010), se havia empenhado em 'reconciliar os portugueses com a realidade' e em 'ajudá-los a adotar modos de vida sustentáveis'! E o que é que, na opinião, de RR foi insustentável no nosso passado recente? 'Uma classe média de funcionários (…), uma economia de trabalhadores e empresários protegidos, e a estatização de grande parte dos serviços (educação, saúde) e da segurança social' (Expresso, 28.7.2012).

RR leva à prática o que ele próprio estabeleceu como o fim 'desta História de Portugal [o de] despertar a atenção para a importância da História como meio de dar profundidade à reflexão e ao debate público sobre o país'. Para ele, 'a História (…) é uma maneira de pensar' (Prólogo, p. IV). Tem toda a razão. E a sua está bem à vista"

MANUEL LOFF, in "Uma História em fascículos ... (I)", jornal "PÚBLICO", 2 Agosto 2012 [via Entre as Brumas da Memória - sublinhados nossos]

J.M.M.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

REPUBLICA(S) E NEOREPUBLICANISMO(S)

A Faculdade de Direito da Universidade do Porto vai realizar amanhã, 6 de Outubro, o VII Colóquio Internacional do Instituto Jurídico Interdisciplinar, subordinado ao tema: Republica(s) e Neorepublicanismo(s). O programa é o seguinte: 9h00 | ReAbertura Magnífico Reitor da UP, Director da FDUP, Director do IJI 9h15 | Conferências: Outros Perfis da I República… Moderador: José Maria Azevedo dos Santos (Conselho Executivo da FDUP) Norberto Cunha (Prof. Jubilado, Univ. do Minho) - Brito Camacho 9h45 | Conferências: Outros Perfis da I República…Moderador: Mário Monte (EDUM) Cândido da Agra (Director da FDUP) – Miguel Bombarda 10h30 | Pausa 11h00 | Mesa redonda: República, Estado e Religião Moderador: João Relvão Caetano (Pro-Reitor Univ. Ab.) António Reis (UNL), João Sérgio Lauand (EDT, São Paulo),Luís Salgado Matos (ICS, Lisboa), Dom Manuel Clemente (Porto) 13h00 | Almoço 14h15 | Mesa redonda: Raízes do Constitucionalismo Republicano Moderador: Miguel Pestana de Vasconcelos (Subdirector da FDUP) Maria Protopapas-Marneli (Academia de Atenas), Fernando Menezes (USP, São Paulo), Luis Guilherme A. Conci (PUC-São Paulo), Robson Garcez (Univ. Mackenzie, São Paulo),José Adelino Maltez (ISCP) 15h45 | Mesa redonda: Realidade Constitucional na I República Portuguesa: Movimentos e Ideias Moderador: Luísa Neto (FDUP e IJI) Manuel Loff (FLUP), Fernando Pereira Marques (Univ. Lusófona de Lisboa), António Pedro Mesquita (FLUL), Luis Bigotte Chorão (Inst. H.ª, UC, BP, Lisboa), Manuel Filipe Canaveira (FSCH-UNL) 18h00 | Pausa 18h30 | Mesa Redonda: Desafios à República Moderador: Clara Calheiros (EDUM e IJI) Ana Flavia Messa (Mckenzie), José Preto (Jurista, Lisboa), António Francisco de Sousa (FDUP),Paulo de Tarso Domingues (FDUP e IJI), João Pacheco do Amorim (FDUP e IJI), Josefina Castro (FDUP) e Carla Cardoso (FDUP) O cartaz do evento pode ser consultado AQUI. Um colóquio a acompanhar com toda a atenção, com mais informação disponível AQUI. A.A.B.M.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

RESISTÊNCIA - CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO


A INCM publicou o catálogo da Exposição RESISTÊNCIA. Da alternativa Republicana à luta contra a Ditadura (1891-1974) que está patente ao público na Cadeia da Relação no Porto.

Pode lêr-se no texto de apresentação:

A República que se instaurou há cem anos atrás está na origem da democracia em que vivemos. A construção da democracia teve um contributo essencial das lutas dos republicanos contra a Monarquia e, depois de 1910, em defesa da República.

Em 1926, ela caiu às mãos dos militares autoritários. Implantou-se em Portugal uma longa ditadura de 48 anos. Durante esse quase meio século, houve sempre quem resistisse: quem lutasse contra a opressão, e quem tivesse enfrentado corajosamente a repressão dos direitos e a negação das liberdades: republicanos, anarquistas, comunistas, socialistas, católicos progressistas, democratas de todas as cores, incluindo alguns monárquicos. Uns organizaram revoltas armadas, outros foram resistindo no dia a dia.

Nesta exposição, procuramos retratar rostos, gestos, momentos da vida desses portugueses cuja resistência e luta é, de forma decisiva, responsável pela nossa liberdade. Os ideais em nome dos quais estes homens e estas mulheres lutaram foram muito diversos e, muitas vezes, contraditórios. Mas é importante fazer perdurar a memória de quem lutou pela instauração de uma República emancipadora, de quem lutou pela sua preservação contra as ameaças de regresso ao passado, de quem resistiu contra a imposição da longa ditadura salazarista que se lhe seguiu, e de quem, por último, conseguiu reunir em 25 de Abril de 1974 as condições para a derrubar de uma forma tão irresistivelmente não violenta.

Núcleos
I Sant’Ana - A Caminho da República 1891-1910
II Pátio - O 5 de Outubro
III Senhor de Matosinhos - Implantar e defender a I República 1910-18
IV Santo António - Restauração e Fim da I República 1918-26
V Santa Teresa - A Ditadura e o Reviralho 1927-31
VI Átrio das Colunas - Uma Ditadura para durar 1932-34
VII Sala das Colunas - Resistir 1934-58
VIII Átrio do Tribunal - O Furacão Delgado 1958-62
IX Sala do Tribunal - Da Guerra Colonial ao 25 de Abril de 1974


O presente catálogo foi organizado por Manuel Loff e Teresa Siza.

Uma obra que recomendamos a todos os nossos ledores.

A.A.B.M.