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segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

REVISTA DE MAÇONARIA, NOVEMBRO DE 2020, N.º1

 


REVISTA DE MAÇONARIA. Ano I, nº 1 (Novembro de 2020); Editor: Manuel Pinto dos Santos; Director: Fernando Marques da Costa; Impressão: Europress – Indústrias Gráficas; Lisboa; 2020, p. 292

Trata-se de uma revista de Maçonaria onde se “acolhem trabalhos que vão da História à contemporaneidade, do ritual ao simbólico, do individual ao coletivo, da espiritualidade ao ceticismo” (in Estatuto Editorial, p. 1). Esta noviciada revista, curiosamente “em papel”, é projecto independente da “tutela das organizações maçónicas” (p.3), estando centrada no “estudo da maçonaria” e outras sociedades fraternais e espirituais, com “rigor e exigência metodológica” e no recurso e interação sustentada em competentes fontes historiográficas. É-nos dito, também, que a revista privilegia essencialmente a “investigação, mais que o proselitismo”, pelo que está “aberta à colaboração de todos”, cedendo a palavra a quem dela quiser fazer uso.

Do Índice: Efemérides | História da Maçonaria em Portugal. Vol. VII (A. H. de Oliveira Marques) | O Grão-mestre e o Grão-mestrado de Luís Gonçalves Rebordão (Fernando Marques da Costa) | Sinédrio e maçonaria no movimento de 1820 (Manuel Pinto dos Santos) | Um Ritual desconhecido do Grande Oriente Lusitano (Talles G. A. de Melo, Joaquim G. dos Santos e Fernando M. da Costa) | Ritual Maçonico regulador do primeiro Grao Simbólico Aprendiz Maçon | O RER. Ensaio sobre a Gnose e o Cristianismo como (um) Caminho (Paulo Mendes Pinto) | Maçonaria e Comunicação Social (Henrique Monteiro) | “Je suis partout” (Paulo Mendes Pinto) | Maçonaria e género: da segregação imposta à diversidade escolhida (Alexandra Mota Torres e Helena Guimarães) | O Estigma social da Maçonaria em Portugal (a propósito de um projeto de lei) (Manuel Pinto dos Santos) | As última negociações entre o Grande Oriente Lusitano e o Grémio Luso-Escocês, 1932 | Recensões Críticas.

Este é um projeto arriscado. Tentar editar uma revista sobre Maçonaria independente da tutela de organizações maçónicas, seja de forma financeira ou outra, e centrada na investigação, mais do que no proselitismo ou na calúnia, não é tarefa fácil, num país pequeno como Portugal.

O estudo da Maçonaria enquanto fenómeno social, nos seus diversos aspetos, é, desde há décadas, internacionalmente, uma tarefa de investigadores académicos, maçons ou não maçons e dela resultam anualmente abundantes artigos científicos, teses de mestrado e de doutoramento. Não é esse o caso em Portugal, onde o tema parece ser pouco apelativo à comunidade científica. Lá fora, as próprias organizações maçónicas possuem lojas ou institutos de investigação que publicam regularmente revistas que qualquer um pode adquirir ou assinar, para além de abundante publicação de estudos em revistas científicas académicas. Também não é esse o caso em Portugal que nunca possuiu, nem possui, uma loja maçónica exclusivamente dedicada à investigação do tema, nos seus múltiplos aspetos e são raros os não maçons que investigam o tema. Não existe, ao contrário da generalidade da Europa, uma única revista de investigação sobre Maçonaria e sociedades fraternais.

Existiu no passado uma Revista da Maçonaria, em duas séries, uma em março de 2004 a dezembro de 2006 e outra de novembro de 2011 a dezembro de 2012 e os seus proprietários e diretores a ela dedicaram o melhor do seu engenho e esforço, sem que, todavia, os seus projetos tenham vingado. Um aviso eloquente sobre as dificuldades que se nos deparam. A pequena diferença de título; Revista de Maçonaria, marca a diferença entre duas iniciativas de origem e propósitos diferentes.

Os tempos mudaram e há hoje uma facilidade de comunicação de projetos que então não existia. É também diversa a abordagem a que nos propomos. Esta não é uma revista de «banca». Saindo fora desse universo, em que as tiragens (e os custos) são mais elevados, a internet e as redes sociais oferecem atualmente meios de divulgação e de comunicação mais eficazes, porque mais bem direcionados para o público alvo.

Queremos também, estar abertos à comunidade científica internacional em parcerias de publicação de artigos, porque o estudo comparado da Maçonaria (e das sociedades fraternais em geral) enquanto fenómeno social permite-nos sair do quadro paroquial onde a investigação sobre a Maçonaria portuguesa por vezes se deixa aprisionar.

Esta é uma revista «em papel», uma opção conservadora, mas que assenta na ambição – de que serve um projeto sem ambição? – de ser uma revista de «estante». É uma opção um pouco em contracorrente, é verdade. Mas, (por ora) seguimos o exemplo - ou será tradição? – da generalidade das congéneres internacionais. O futuro dirá da virtualidade desta opção.

A esta Revista de Maçonaria estará associada uma página de internet onde se concentrarão conteúdos de apoio à investigação que nela não tem lugar e que servirá como uma plataforma de comunicação entre investigadores e de apoio a novos projetos.

Privilegiamos o conteúdo à forma, a simplicidade ao aparato gráfico, como é timbre da generalidade das revistas internacionais de investigação similares, por todas as razões, mas, também, para que os custos sejam menores e a revista se possa vender ao mais baixo preço possível a todos os interessados.

O nosso propósito não é a divulgação da Maçonaria – tarefa que cumpre às diversas organizações existentes em Portugal, mas o estudo da Maçonaria, feita por quem a ela se dedica, com rigor e exigência metodológica, citando fontes, para que as afirmações possam ser sustentadas e corroboradas. Maçon ou não, isso de nada importa. Esta é uma revista aberta a colaboração de todos, e sobre todas as perspetivas relacionadas com o tema, na sua aceção mais ampla, isto é, não apenas Maçonaria, mas todo o tipo de sociedade fraternais, nos seus diversos aspetos, bem como um leque amplo de formas de espiritualidade a elas associado. Todos os estudos enviados para apreciação e publicação serão analisados pelo seu valor intrínseco e não por qualquer tipo de filiação; consideração que aqui não tem lugar.

Oxalá sejamos capazes de atingir estes objetivos.

[Fernando Marques da Costa (Diretor), in Editorial, Uma Nova Página, pp. 3-4 - sublinhados nossos]

J.M.M.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

A MAÇONARIA ENTRE A FORCA E O CACETE, ENTRE O MITO E A REALIDADE (1807-1834)




AUTOR: Fernando Marques da Costa;
EDIÇÃO: Campo da Comunicação, Maio 2018, p. 612


LANÇAMENTO:

DIA: 19 de Junho 2018 (19,00 horas);
LOCAL: Grémio Lusitano (Rua do Grémio Lusitano, 25, Lisboa):
ORADOR: Fernando Lima, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano.

ORGANIZAÇÃO: Instituto de Estudos Maçónicos

Durante o século XIX e parte do XX o essencial da história da Maçonaria portuguesa foi redigida por maçons, assente mais em 'tradições' do que em documentos e apoiada pelo memorialismo e pela historiografia liberal. Ora o século XIX caracteriza-se por uma atenção especial dada à história atribuindo-lhe uma utilidade social, política e ideológica. Essa função social é construída por uma releitura do passado como elemento identitário. A Maçonaria construiu uma memória histórica composta por uma realidade selectiva, que iludia e silenciava outras. Construiu, assim, um arquétipo historiográfico que durante muito tempo dificultou uma leitura mais serena e objectiva do que foi a sua realidade.

Talvez hoje valha a pena preferir a realidade ao mito, por muito que isso custe: os mitos são mais arrebatadores que a realidade” [da contracapa]

[ANOTAÇÃO NOSSA]: Este noviciado e estimulante livro de Fernando Marques da Costa - que decerto dará origem a curiosas e viçosas polémicas na historiografia maçónica - reúne (em sua primeira parte) um interessante e apreciado conjunto de textos e “episódios da história da Maçonaria em Portugal” (entre 1807 e 1834) que são aqui severamente desconstruídos. Tais episódios, que exerceram (e exercem) uma marca pedagógica relevante, quer na celebração e triunfo revolucionário do constitucionalismo liberal quer no ideário e memória do maçonismo (com o qual se confunde), resultam, segundo o próprio, numa desmedida ritualização de mitos evocativos, acentuando posicionamentos irredutíveis e “visões mitificadas” no panteão maçónico, produzindo, a partir dessas “leituras erradas”, vários e românticos “mitos historiográficos” liberais e maçónicos, que a muitos iluminaram e iluminam. 

[anotemos alguns dos episódios referidos: “Inquisição. Um mito a revisitar” e “O surto das Lojas Portuguesas e a preocupação com a faísca da sedição” (a condenação e perseguição à Maçonaria não seria acompanhada, no seu inicio, por um “combate doutrinário” sustentado contra ela, preocupação que só é verificável posteriormente à Revolução Francesa e a implicação daí decorrente no espaço maçónico); “A Grande Reunião de 1801” (análise das fontes historiográfica maçónicas onde se patenteia e descreve o processo de criar uma estrutura organizativa maçónica nacional, a formação do GOL); “Sousa Coutinho Maçon?”; “A estranha prisão de Hipólito José da Costa” e “A missão de Hipólito José da Costa e a criação do Grande Oriente Lusitano”; “Os motins de Campo de Ourique”, “O Conselho Conservador, a Maçonaria e os Modelos Conspirativos” e, ainda, “O Conselho Conservador, uma organização paramaçónica?”; “Gomes Freire de Andrade. O Mártir do Mito” e “Gomes Freire de Andrade e o Neotemplarismo” (reprodução de partes do anterior livro de Marques da Costa, “Gomes Freire de Andrade. O Mártir do Mito, Setembro, 2017); “A Setembrizada. Rutura e Mudança”; ”O Sinédrio e a Maçonaria. Os Labirintos da História” (importante reflexão sobre a relação entre o Sinédrio e a Maçonaria, com curiosas referências ao maçonismo de Manuel Fernandes Tomás)]

Estamos, neste construído operativo, no “grande rio da história” (Fernando Catroga) onde o constitucionalismo português e o maçonismo caminham a par com a “entificação da ideia do progresso”. Não cumpre, aqui, dar sentido a essa “exaltação paradigmática”, por muito esforçada que ela nos pareça. Seja-nos permitido dizer que não nos é relutante admitir que a maçonaria não exerceu uma acção de especial relevo a partir dos “conventículos maçónicos”, antes da constituição (1804) do Grande Oriente Lusitano (GOL), aliás conforme a autorizada reflexão de Marques da Costa. E assumir, que depois da sua constituição e expansão, o dissídio entre as maçonarias foram tão acentuadas (tenha-se em conta a restauração da Carta) que o GOL se torna ela mesma uma força conservadora, bloqueando “os ímpetos revolucionários”. Estávamos ainda longe da unidade maçónica, isto é da formação (1869) do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU), sob o malhete do Conde de Paraty. Saber se esse especial momento permite de imediato dar origem a novas alterações ideológicas que sejam instrumentos de novas realidades militantes (caso de 1820) e se, posteriormente, tenha conduzido a uma sociabilidade política aguerrida no combate político após a vitória (1834) sobre o despotismo miguelista, não é assunto de momento (ver, a esse propósito, além das diferentes análise de Marques da Costa, o importante texto de Fernando Catroga, “A Maçonaria e a Restauração”, Revista de História das Ideias”, vol. 7, 155-181). Apenas cumpre, em clarificação, revisitar as ruturas (sempre) existentes na corrente do liberalismo constitucional português e no campo maçónico, e disso darmos conta e apreço, para se entender o tempo, o espaço e a dimensão da (re)construção do mito e da verdade.

Merece, porém, o excelente e merecedor estudo de Marques da Costa umas breves anotações.

A primeira reside na competente exegese interrogativa acerca da "credibilidade das fontes” e “os modelos interpretativos até hoje utilizados na leitura desses episódios” (p. 355) da mitologia maçónica. Estamos, deste modo, perante a velha querela do problema da conceituação teórica e sua legitimação; estamos, ainda e para o que nos interessa por agora, perante o problema da natureza narrativa da história e do seu ordenamento, onde, nos parece, que a “caça aos factos” (na impossibilidade de aceder a muitas das fontes primárias, porque inexistentes, dada a sua destruição nos ominosos tempos do absolutismo) não poderá por em causa um certo “discurso narrativo” (Ricouer) de acontecimentos (e a sua preservação), muitos deles de natureza memorialística e alguns narrados no espaço periodista, verificando-se o competente exame crítico dessas ocorrências a partir e mediante o entrecruzamento de outras fontes de transmissão documental, para que não se transforme a “memória em mercadoria”.

Isto é, se a narrativa e a tradição maçónica pode (também) ser entendida a partir de uma série de acontecimentos construídos ao mesmo tempo que as suas narrativas – “o acontecimento ocorre no discurso” – nos termos das conjecturas dos seus actores, então na evocação do seu passado não se deve perder o “jogo da descontinuidade” e a sua “dimensão episódica” (tempo real e de acção) a pretexto de uma qualquer aparência de continuidade específica [a tal exaltação paradigmática desse “grande rio da história”], que o torna simbolicamente ininteligível aos seus leitores. Se, de facto, algumas das narrativas pessoais criadas são meras seduções políticas dos seus protagonistas ou dos seus publicistas [exemplo: a formação do GOL, a “Conspiração de 1817”, “O Sinédrio” ou a perseguição da “Inquisição” à “pedreirada”], e que fomentaram ritos de recordação, esse rumor tornado mito, não deixando de ser um curioso labirinto entre a demanda da “realidade” e a edificação de uma putativa “ficção”, então não se pode deixar de analisar a sua natureza, origem, concepção e evolução. Para se entender como o mito tem sido alimentado e florescido em crença até aos nossos dias.  

Uma segunda questão, necessariamente ligada à anterior, trata do problema da historiografia liberal e maçónica oitocentista, sem dúvida assaz complexa, em ligação com as provas preliminares da relação estabelecida entre os maçons, entre estes e as lojas e a rede de sociabilidade daí resultante. As curiosas ramificações clandestinas dessas “histórias variáveis”, a relação entre o “ser” e o “conhecer” dessa rede relacional, ou “afinidades conviviais” (p.361) não pode ser entendida fora dessa res gestae que foi o período do Triénio Liberal [e em Espanha, comparativamente; veja-se, por expl., Irene Castells, La Utopia insurrecional del Liberalismo, Barcelona, 1989] que produziu um vínculo interpessoal e político extraordinário e que foi um acontecimento ou epifania (re)fundadora da matriz identitária das maçonarias ibéricas.

De facto, o período revolucionário nos Estados Peninsulares (1820-1823) viu nascer no tronco comum da maçonaria novas formas de sociabilidade política (carbonarismo, as sociedades patrióticas, os clubes e associações paramaçónicas – ver José Manuel Martins, Os Estados Peninsulares e as Sociedades Patrióticas, Comissão Liberato, 2016), que conservando (algumas) o seu primitivo carácter iniciático rapidamente abandonaram os seus aspectos filantrópicos e confluíram para um ativismo romântico em que jogaram importante papel político contra o absolutismo, sem que a(s) maçonaria(s), elas mesmas, tenham criado essa mesma oposição. Quer isto dizer que as dissidências maçónicas [curiosamente sobre o papel da Maçonaria em Espanha neste período, J. A. Ferrer Benimeli não dá importância ao papel das lojas, não considera as lojas “irregulares” ou “selvagens” como maçonaria, estabelecendo o pressuposto teórico de apenas se considerar a maçonaria como uma sociedade secreta de caraterísticas iniciáticas – vide Castells, 1989] introduziram uma nova leitura e complexidade ideológica, novas formas de luta política, onde a documentação, por motivos de resguardo, não existia.   

Portanto, cumpre dizer, se é certo que a escassez de fontes maçónicas nesse período [como foi dito, a documentação ou foi destruída ou nem existia] produz, na época pelos seus protagonistas ou depois pelos publicistas, uma sistemática construção ilusória e mitificadora da realidade inteligível (desse mesmo conhecimento, entenda-se), não menos certo é que uma visão inevitável que daí resulta, ao expor uma suposta esterilidade das práticas maçónicas fora da ritualística, não pode por si só conduzir e gerar sucessivos “mitos historiográficos” (note-se, apenas porque citado, a Conspiração de 1817), em prejuízo de um conhecimento visível pelos sinais que o exprimem (e são alguns, mesmo que fragmentados estejam) e pela luminosidade com que abraçaram a luta pelo constitucionalismo, como mais tarde pelo Livre Pensamento. Na verdade, se as revoluções fazem os seus revolucionários, a maçonaria cria os seus próprios maçons.

J.M.M.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

GOMES FREIRE DE ANDRADE. O MÁRTIR DO MITO



LIVRO: Gomes Freire de Andrade. O Mártir do Mito;
AUTOR: Fernando Marques da Costa;

EDIÇÃO: IPEM [Instituto de Estudos Maçónicos], Outubro 2017, p. 140.

Herói para uns, traidor para outros, as opções interpretativas variam desde 1818. Em torno destas duas «bandeiras» alinham-se os autores que tratam da sua vida e obra. São dois grandes «exércitos», que a bibliografia sobre a conspiração de 1817 e sobre Gomes Freire de Andrade é vasta, ainda que na generalidade pouco isenta.

Será que se justifica tamanha polémica? A sua figura nunca foi consensual, nem em vida, nem na morte. Olhando com serenidade, o seu maior martírio não foi a forca que lhe extinguiu a existência, mas a historiografia, que ao longo de dois séculos continuou a torturar a sua vida, manipulando-a ao serviço de opções ideológicas diversas.

Gomes Freire foi um militar profissional que exerceu a sua profissão ao serviço de diversos países, num dos períodos mais conturbados e fascinantes da história europeia, no trânsito do século XVIII para o XIX, na charneira entre dois mundos. A maior parte da sua vida viveu-a fora de Portugal; mesmo quando por cá esteve, passou uma parte desses anos em campanhas militares. Foi preso várias vezes, passou fome e miséria, conheceu a fama e a glória, foi condecorado por todo o lado, viveu sempre falido, é provável que poucos o tenham amado e muitos o odiaram, parece que fervia em pouca água e que era impulsivo e vaidoso. Nunca casou e a única relação afetiva que se lhe conhece é com uma mulher casada que com ele partilha os sete anos de campanhas napoleónicas, e com quem vive quando regressa. É um personagem singular, complexo, dividido, mas impar em Portugal, naquela época. Dos militares portugueses do seu tempo é ele, sem dúvida, o que tem a carreira e a vida que merece uma biografia séria e que pode ser comparada com a de outros militares dessa Europa destroçada.

Como Maçon tem de singular o facto de ter sido «praticante» durante quase quatro décadas, facto pouco usual à época. Praticou Maçonaria na Áustria, onde foi iniciado, em diversos países europeus, por onde passou: França, Rússia e Prússia, seguramente. Praticou-a em Portugal, quando por cá esteve, criou lojas nos regimentos militares em que serviu, participou na formação do Grande Oriente Lusitano, desempenhando funções na Grande Dieta e foi Grão-Mestre entre 1815 e 1817. A sua persistência denota um gosto próprio e um apego singular à prática da Maçonaria. É inquestionável que Gomes Freire atribui um significado especial à Maçonaria e que esta está presente ao longo de toda a sua vida. A Maçonaria que o atrai não tem a ver com as práticas de matriz inglesa ou francesa, mais comuns em Portugal. O Rito de Zinnendorf, o Rito Escocês Rectificado, o martinismo e o templarismo são as suas escolhas. É o seu percurso maçónico, e os episódios a ele ligados, que este livro procura descrever.” [do Livro - sublinhados nossos]

J.M.M.

domingo, 19 de junho de 2016

AS MULHERES NA MAÇONARIA (PORTUGAL 1864-1950)



LIVRO: As Mulheres na Maçonaria (Portugal 1864-1950);
AUTOR: Fernando Marques da Costa;
EDIÇÃO: Editora Âncora (Campo da Comunicação), 2016, p. 41

Este trabalho de investigação tem como objectivo a história das diversas lojas maçónicas que, entre 1864 e 1950, contaram com a presença de mulheres, identificando o seu percurso, objectivos e membros que as compunham. Procura-se, também, identificar o modo como os diferentes intervenientes interpretaram a questão da igualdade de género dentro da maçonaria, seja do ponto de vista dos direitos de admissão, seja na autonomia administrativa e de igualdade ritual. São analisados, ainda, os momentos de conflito que puseram em causa essa igualdade e que terminaram sempre com o afastamento das mulheres da maçonaria, bem como aqueles em que se ensaiaram experiências inovadoras. O estudo está complementado com um conjunto de anexos onde se publicam alguns documentos inéditos existentes, quer em arquivos privados, quer em bibliotecas estrangeiras”  [AQUI]
 
“ … Confesso que não tinha intenção de refazer o livro [NOTA: Fernando Marques da Costa publicou a obra pioneira “A Maçonaria Feminina”, Editorial Veja, Colecção Janus, 1978, p.181, com base em documentação inédita e da “luta constantes pela igualdade de direitos face ao homem dentro e fora da Maçonaria” – obra completamente esgotada. É desse livro que se refere o autor]. Mas, a aquisição recente de vários espólios, onde se incluíam, designadamente, documentos sobre a presença de mulheres na maçonaria, estimulou a vontade de o fazer. Os novos documentos puseram-me em contacto com um processo respeitante a uma disputa no seio da Loja Afonso Costa, de Lisboa, em 1950, onde, com surpresa descobri referências à existência de uma loja feminina denominada 'Alvorada'. Noutro conjunto documental, encontrei dados desconhecidos sobre a Loja Direito e Razão, da Confederação Maçónica Portuguesa, de 1864. Por último, a doação à Biblioteca Municipal da Figueira da Foz do espólio da Loja Fernandes Tomás, da qual dependia a loja de adopção 8 de Dezembro, completou a lista de incentivos de que, aparentemente necessitava para escrever.
 
 
À data, pouca coisa existia escrita sobre a história da maçonaria em Portugal e ainda menos sobre a sua componente feminina. Hoje, sobre a primeira, existem diversos trabalhos de qualidade, por isso se eliminaram os capítulos iniciais do livro, que faziam um enquadramento histórico, inútil e ultrapassado pelas obras de vários historiadores.
 
(…) A história da maçonaria é um território de equívocos. Equívocos que incorrem os maçons, os antimaçons, os historiadores militantes ou mesmo os mais frios profissionais. Para a que a culpa não morra solteira é bom referir que tanto equívoco foi criado pela maçonaria.
 
(…) a maçonaria teve sucessivamente de fazer e refazer, quer a sua história, quer a dos graus que compunham os seus diversos ritos  e, tal  como as Corporações de Pedreiros, de que se reclama herdeira (…) de igual modo se perdeu no acto de se recrear e mitificar a sua história. A ‘ideia’ essencial que dá corpo às Constituições de 1717 dilui-se no meio de uma exuberante bibliografia pró e antimaçónica. Essa exuberância é, ela própria, sinal de uma prolixidade de sentidos e propósitos em que a maçonaria se desdobrou ao longo dos séculos XVIII e XIX … “ [pp. 14-17 - sublinhados nossos]
 
J.M.M.

sábado, 3 de outubro de 2015

RELAÇÕES ENTRE SUPREMOS CONSELHOS DO RITO ESCOCÊS E OBEDIÊNCIAS MAÇÓNICAS EM PORTUGAL (1840-1993)



LIVRO: Relações entre Supremos Conselhos do Rito Escocês e Obediências Maçónicas em Portugal (1840-1993);

AUTOR: Fernando Marques da Costa;
EDIÇÃO: Supremo Conselho do R.E.A.A. para Portugal e sua Jurisdição, 2015, 269 pp [trata-se da obra nº1 da série, agora iniciada, “Cadernos do Supremo Conselho”]

“ […] Há urna ideia difundida na historiografia portuguesa sobre o tema da maçonaria, seja a feita por curiosos, seja a feita por académicos, de remeter as dissensões nas organizações para questões pessoais ou políticas. É impossível negar o mérito dessa interpretação, sublinhada, aparentemente, pelo profundo envolvimento político que esta teve durante algumas décadas da sua história, designadamente no período da implantação do liberalismo até à sua consolidação na década de 50 do século XIX, ou no da República, grosso modo entre 1900 e o início da ditadura militar de 1926. Porém, essa interpretação, ao valorizar o carácter de intervenção política que a maçonaria teve nesses períodos, ignora ou, pelo menos, subvaloriza a sua componente institucional enquanto organização dotada de características próprias de funcionamento e dogmática constitutiva, remetendo usualmente estas para a categoria de pretextos invocados para disfarçar a outra interpretação.

Será isso inteiramente verdade? Não creio. Muita historiografia aponta para uma aproximação - não arrisco similitude - entre determinado posicionamento social e político e determinado entendimento da maçonaria como organização, quer do ponto de vista do seu funcionamento institucional, ritual e simbólico, quer do ponto de vista da sua inserção na sociedade. Tendeu-se a arrumar as dissensões entre «conservadores» e «progressistas», sobretudo entre a segunda metade do século XIX e o primeiro quartel do século XX. Sem querer debater o valor intrínseco desses qualificativos quando aplicados à esfera política, julgo essencial reflectir sobre a sua operacionalidade enquanto critérios de análise das perspectivas do que era e do que se achava que devia ser a maçonaria nessas décadas […]

A visão hegemónica da história da maçonaria em Portugal constrói o seu modelo interpretativo à luz do período republicano e da forma como este olhou para o seu passado. As longas décadas de ditadura transformaram esse período em paradigma e bitola aferidora do que deve ser a maçonaria. Não há nisso nada de extraordinário. Porventura não se apelidou, durante tanto tempo, a l." República de «democrática», quando ela praticou o sistema eleitoral mais restritivo de que há memória no constitucionalismo português? É tempo de poder olhar para o passado e dizer, com igual rigor e idêntica isenção, sem complexos, sem querer qualificar uns de «progressistas» e outros de «conservadores»: que feito notável! Ou, que erro grosseiro! De ambos foi feita a história da maçonaria.

São os historiadores que «definem» o que foi o passado. Por isso, não há apenas «um passado», mas vários, tantos quantos a diversidade interpretativa dos historiadores que, de forma sequencial, vão fazendo novas «sínteses», forma académica e polida de dizer que enterram as interpretações anteriores e legitimam a sua, baseando-a na descoberta de documentação inédita ou de novos modelos teóricos interpretativos. Nada de mal nisso tudo. O intróito só serve para lembrar que a história da maçonaria não deve fugir a essa regra. Frequentemente, porém, recorre-se apenas à abundante literatura maçónica do século XIX e início do XX, que, de forma mais ou menos mitificada, justapôs aos factos que narrava as opções entre as querelas pessoais ou dogmáticas que assolaram a maçonaria durante esse período e em que o narrador estava envolvido. Historiografia feita com metodologia e ferramentas de interpretação académicas multidisciplinares é uma coisa recente, que se afirmou lá fora com consistência e resultados credíveis a partir da década de 80, com honrosas excepções anteriores, naturalmente […]

Assim, este texto, sendo apenas uma nota sobre uma complexa relação entre duas organizações maçónicas, sofre da treva de investigação que ainda domina o contexto mais vasto do conhecimento da história da maçonaria da segunda metade do século XIX em diante, em que se insere.

O seu objecto é o estudo das relações entre os Supremos Conselhos do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito (doravante Supremo Conselho), como câmaras superiores de administração desse Rito, e as diversas organizações com quem se relacionaram desde 1840, designadamente o Grande Oriente Lusitano, a Confederação Maçónica, o Grande Oriente de Portugal, o Grande Oriente Português e o Grande Oriente Lusitano Unido (doravante Grande Oriente)." Embora mandasse o rigor conceptual que aos últimos se aplicasse a designação de «Obediências Maçónicas» e àqueles o de «Potências Maçónicas» - isto é, organizações que só recrutam para os Altos Graus entre membros de uma Obediência - a verdade é que no passado os dois conceitos foram aplicados com alguma liberalidade, confundindo o seu significado, ou ignorando-o mesmo […]”

inIntrodução”, pp 11-15 [sublinhados nossos]

J.M.M.