Em Maio de 1940, apareceu
na Granja do Ulmeiro um indivíduo que se hospedou na Pensão Carioca, mesmo em
frente à estação dos Caminhos de Ferro de Alfarelos.
O procedimento e o viver
deste indivíduo era algo misterioso e começou a intrigar a população local.
Fazia a sua vida na estação, aparecia a todos os comboios, quer fosse de dia,
quer fosse de noite, incluindo os comboios que transportavam o correio, que
passavam de madrugada, só se deitando pelas 4 horas da manhã.
Dizia o próprio ser
elemento da Polícia Internacional (PVDE), já tendo exibido a sua identidade de
polícia, e andava sempre armado com uma pistola.
Nos intervalos da
passagem dos comboios frequentava os vários estabelecimentos comerciais e
tabernas, pagava o seu copo de vinho aos presentes, sempre com “um risinho de
pomba”, fazendo-se grande “companheiro da borga”. Quando, durante estes
convívios, alguém começava a falar do conflito internacional em curso, com
alguns comentários, ele imediatamente aconselhava ao silêncio sobre a matéria e
que se abstivessem de se pronunciar publicamente, devendo fazê-lo apenas
intimamente.
Duas vezes por semana,
aparecia também por ali um outro indivíduo, também polícia, vindo geralmente de
Lisboa, e os dois eram vistos a trocar sinais e a passarem entre si pequenos
papéis. Numa outra ocasião foram encontrados, numa sala de espera da estação, a
conversar em segredo.
As opiniões locais sobre
o assunto dividiam-se: para alguns, o indivíduo que ali vinha fazer os
encontros devia ser um chefe da Polícia Internacional que fazia serviços nos
comboios, enquanto para outros, tratar-se-ia de um polícia de investigação
criminal ao serviço da CP.
Voltemos ao personagem principal. O indivíduo em questão chamava-se Gustavo, teria pouco mais do que 40 anos, de faces vermelhas e bem apresentado. A sua conduta, cheia de mistério, trazia assustada as gentes do local, que começava a esperar que a qualquer momento surgisse “novidade grossa e num mau ambiente”.
Este texto, mais não é do que um resumo de um relatório do informador Inácio, incumbido, por determinação do inspector Sales Velez, duma investigação “muito secreta” e conduzida “com o maior cuidado possível” em Alfarelos e na Granja do Ulmeiro. Este é mais um de tantos mistérios de que não conhecemos o seu final, pois os documentos encontrados não permitem tal. Possivelmente, nunca saberemos quem foi Gustavo, se é que era este o seu nome, nem o que, verdadeiramente, andava a fazer por aquelas bandas. Verificamos, no entanto, que este indivíduo, talvez ao contrário do que seria de esperar, não primou por passar despercebido e que o informador Inácio entrou neste jogo de disfarces, tentando descodificar o enigma. E o que concluiu Inácio após o seu trabalho de pesquisa. Vejamos o final do seu relatório:
“Se
é realmente um polícia da PVDE tem procedido tão desastradamente e com tanta
falta de senso que pasma, pois toda a gente está de sobreaviso e ele nada
consegue.
Se
é outro género de polícia o facto é o mesmo, porque a sua misteriosa maneira de
viver, faz acautelar toda a gente e à sua volta, há por isso, as mais
desastrosas versões.
É possível que se venha a tratar de um qualquer aldrabão com a mania de detectivismo, mas então pergunta-se: quem lhe paga tantas despesas que faz?”
A análise de Inácio parece fazer todo o sentido. Certamente, esta não terá sido a forma mais eficaz de actuar de um agente de uma polícia de informações, com a exibição da pistola e do distintivo pelos cafés do lugar. Evidentemente, hoje, um polícia (secreto) teria uma actuação bem diferente. Até porque, hoje em dia, tudo é diferente: as técnicas, as tácticas e a tecnologia, claro. Existe, no entanto, uma situação (ou preocupação) que permanece inalterável, desde 1947 até aos dias actuais, quer para a Polícia, quer para o cidadão comum: o problema do pagamento das despesas!
Publicado originalmente na edição em papel do Jornal Terras de Sicó
Paulo Marques da Silva