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sábado, 26 de dezembro de 2020

CARTAS SOBRE A FRAMAÇONERIA - HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA

 


LIVRO: Cartas sobre a Framaçoneria;
AUTOR: s. n. [Hipólito José da Costa] | Prefácio: Manuel Pinto dos Santos;
[RE]EDIÇÃO: Editorial Moura Pinto, Dezembro 2020, 129 p. [1ª ed. ou 2.ª ed. 1805]

Trata-se de uma nova edição, do raríssimo e valioso opúsculo publicado anonimamente por Hipólito José da Costa Furtado de Mendonça (1774-1823) ou o Irmão Aristides. Nascido (ou registrado) na Colónia do Sacramento (território integrado no domínio da Coroa portuguesa, hoje pertencente ao Uruguai), Hipólito J. da Costa formou-se em Coimbra (1798) em Leis e Filosofia, foi iniciado na maçonaria em Filadélfia (Loja Washington nº 59, em 1799), viveu 18 anos na Inglaterra depois de ter fugido (1805) dos cárceres da Inquisição por ser acusado (1802) de pedreiro-livre, foi diretor do Correio Braziliense e jornalista temido pela regência portuguesa, tendo desempenhado valiosos serviços à maçonaria lusa (entre os quais o pedido de autorização à Grande Loja de Inglaterra da filiação das lojas portuguesas, isto em 1802). Amigo e protegido pelo Duque de Sussex (filho do rei George III), obtém a nacionalidade inglesa (ou obteve-a sem contudo deixar a nacionalidade portuguesa), integra a Loja Antiquity (Londres, 1808), foi 1.º Experto da Grande Loja da Inglaterra, fundou a curiosa e importante Loja Luzitânia (Londres, 1812), integrada por ilustres exilados portugueses em Inglaterra, e deixou inúmeros trabalhos, entre os quais estas Cartas sobre a Framaçoneria, rara peça da bibliografia maçónica portuguesa. Esta bela, interessante e estimada reedição é comemorativa do aniversário de uma Loja maçónica a Oriente de Coimbra, concretizando “um projecto antigo: a reedição de um dos textos primordiais e emblemáticos sobre a Maçonaria, publicados em português” e está ornamentada por um prefácio de muito merecimento e apreço da pena de Manuel Pinto dos Santos, que já em 2014 nos tinha prendado com o curioso opúsculo “Hipólito José da Costa. Uma Vida dedicada à Maçonaria”, Grémio Lusitano, 68 p.   

  As Cartas sobre a Framaçoneria, ou melhor dito à francesa da Franco-maçonaria, é o título – ao que se saiba - da primeira publicação em defesa da maçonaria publicada nos inícios do século XIX, sendo uma das obras mais inovadoras do universo da maçonaria no século XIX, pelo seu aspeto pedagógico e objetividade, pouco apologética da organização, embora aponte a defesa dos respetivos princípios […]

Foram feitas várias edições da obra em língua portuguesa, sendo conhecidas as seguintes:


1. Cartas sobre a Framaçoneria. Segunda edicção feita sobre o original de Amsterdam, e augmentada com duas cartas escriptas em 1778 sobre o mesmo assumpto, Madrid, 1805, 132 páginas.

2. Cartas sobre a Framaçoneria, Segunda edicçaõ feita sobre a original de Amsterdam e augmentada com duas cartas escriptas em 1778 sobre o mesmo assumpto. Londres, Impresso por W. Lewis, Paternoster-Row, 1809, 132 páginas.

3. Cartas sobre a Framaçoneria. Segunda edição, Feita sobre a original de Amsterdam, augmentada com duas cartas escriptas em 1778 sobre o mesmo assumpto, e correcta. Paris: Na Officina de A. Bobée, 1821, 162 páginas.

Esta edição chegou a ter publicidade no Diário do Governo, Suplemento nº 13, de 06.03.1822, onde se referia o preço – 600 réis, informando-se que as Cartas sobre a Fra-maçonaria “provam com evidência que ela em nada é contrária à Religião e aos Governos”.

4. Cartas sobre a framaçonaria seguida de vários adiantamentos e de uma notícia de algumas violências praticadas conta os Framações. Ed. feita sobre a original de Amsterdam, correcta e seguida de varios aditamentos. Rio de Janeiro; Seignot-Plancher e Ca., 1833; [4], 204 p.

5. Cartas sobre a Maçonaria, in Boletim Oficial do Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa, nº […]

6. Cartas sobre a Framaçonaria, in João Nery Guimarães, Obras Maçônicas de Hipólito José da Costa. Homenagem ao Segundo Centenário de sua iniciação. Publicação do Grande Oriente do Brasil, nº 004, Poder Central. Brasília, D.F., Brasil, 2000. A edição brasileira publica a edição de Madrid, 1805, na antologia das obras de Hipólito. 

Apesar das três primeiras edições aqui mencionadas especificarem que são “segunda edição”, não há qualquer dúvida de que as referências à edição, ao local e ao ano são ficcionadas.

Nunca existiu - ao que se saiba - a primeira edição que deveria ter sido impressa em Amsterdão em 1803 segundo a nota do editor contido na edição de 1805; a segunda edição que vem referida nos títulos das obras “impressas” em Madrid, 1805, e Londres, 1809, são afinal a primeira edição, porque ambas as datas são na realidade de 1809, e o local é exatamente a mesmíssima cidade de Londres, acrescendo a isto que o impressor – W. Lewis - é o mesmo em ambas as ditas edições de 1805 e 1809, as quais apresentam idêntico número de páginas, o mesmo tipo de letra e um alinhamento integralmente igual. Há que acrescentar que só a partir de 1809 é que se começa a ouvir falar destas Cartas.

Deste modo e segundo a perspetiva do trabalho tipográfico e impressão, tudo indica que a primeira edição data de 1809, feita em Londres, na oficina de W. Lewis; a segunda edição viria a lume em 1821 feita em Paris: Na Officina de impressão de A. Bobée, possuindo mais trinta páginas, mas é a reprodução ipsis verbis das edições anteriores, em tipo de letra maior o que justificou o aumento do número de páginas.

A razão deste estranho e confuso procedimento quanto às datas presume-se que seja devido a uma forma de tentar enganar as autoridades censórias existentes em Portugal, uma vez que colocando na primeira página “segunda edição” calculava-se que a primeira já tinha circulado com o consentimento da censura […]

A sequência das cartas em número de vinte obedece a um critério discursivo que está plasmado na sua disposição interna. Contudo, apesar das cartas estarem datadas, um leitor atento observará que a Carta I data de 10 de abril de 1802 e a Carta XX – que o autor considera a de conclusão sobre a matéria - de 30 de abril do mesmo ano, ou seja, a totalidade das cartas teria sido produzida durante um mês, com uma periodicidade de dia e meio aproximadamente. No entanto, três das cartas têm a data de 4, 6, 10 e 28 de maio, precisamente as cartas 13, 14, 16 e 19, o que remete para a sua redação ao longo de dois meses. Para complicar ainda mais esta matéria da cronologia epistolar, em quatro dias -22, 24, 26 e 28 de abril - são escritas duas cartas, respetivamente as 7 e 12, 8 e 17, 9 e 15 e 10 e 19.

Refere-se este aspeto porque ao nível da lógica discursiva da apresentação das cartas existe um fio condutor temático que não é compatível com as datas apresentadas, donde se poder especular se as datas serão apenas uma invenção, e as Cartas não corresponderão afinal um mero estilo ou modelo literário. 

A primeira carta é a apresentação do tema, onde o autor respondendo a uma carta do seu interlocutor se dispõe a esclarecê-lo sobre a “Sociedade dos Franco-Maçons”. Note-se que esta carta tem a particularidade de ser a resposta a uma outra que lhe teria sido enviada em 29 de março de 1802. Esta data é relevante uma vez que Hipólito quando foi a Londres terá embarcado de Lisboa em 15.03.1802 e chegado a 24 desse mês a Falmouth, porto inglês, na costa de Cornwall, distante de Londres a cerca de 380 km, onde chegou finalmente a 27. O trajeto da via marítima estava assegurado pelos paquetes ingleses e navios portugueses numa viagem que demorava entre 9 a 11 dias, conforme as condições climatéricas. Tendo isto em consideração, a carta a que o autor responde teria de ser enviada para destino pré-determinado no dia 20 de março, cinco dias após a partida de Lisboa, hipótese que se apresenta muito pouco verosímil.

Os temas tratados nas restantes dezanove cartas podem ser sucintamente referidos, embora o editor apresente um índice: nas cartas 2 e 3, as origens históricas da maçonaria, onde aborda as quatro teses sobre o seu início, a primeira, no reinado de Charles I de Inglaterra, a segunda, no reinado de Philippe, o Belo, de França e os cavaleiros templários, a terceira na época de Salomão, rei de Israel, e a quarta nos tempos do Egipto faraónico; na carta 4, apresenta noções gerais sobre o sistema da maçonaria; nas cartas 5, 6, 7 e 8 divaga sobre a acusação e perseguição dos maçons, em particular pela Igreja através das bulas papais de Clemente XII (Eminenti Apostolatus Specula de 1738) e Benedito XIV (Provida Romanorum Pontificum de 1751); nas cartas 9 e 10 refere a história da Inquisição e o tribunal do Santo Ofício, sua jurisdição, mencionando-se o caso do Conde de Cagliostro; nas cartas 11, 12, 13 e 14, as relações entre a maçonaria e a sociedade civil e acusações desta contra a primeira, sendo a última sobre a acusação da maçonaria ser antimonárquica; nas cartas 15, 16, 17 e 18 a posição de autores sobre a maçonaria, como Locke, Barão de Bielfeldt, Banier, Barruel e doutor Robertson, elucidando a questão da identidade dos maçons com os jacobinos franceses e os illuminati alemães; na carta 19 o autor explicita a razão das perseguições aos maçons e finalmente na carta 20 expõe o seu pensamento sobre a ilegalidade da perseguição movida pela inquisição contra os maçons por não haver o beneplácito régio das bulas. Segue-se como “aditamento a esta nova edição” a “notícia de algumas violências exercitadas contra os Framaçons”, composto por dois excertos do jornal “Correio do Alto-Rhin”, nº 36 de 05.05.1779 e nº 41, de 21.05.1779.

Nota-se que há primazia de uns temas sobre outros: acusação e perseguição dos maçons, relações entre a maçonaria e a sociedade civil e a posição de autores sobre a maçonaria, o que permite concluir que as Cartas são essencialmente uma defesa da maçonaria perante um ataque injustificado por um libelo acusatório perpetrado por homens da Igreja.


Em boa hora torna-se pública a presente edição no decurso do bicentenário da revolução liberal de 1820, pois os motivos que levaram o editor a publicar inicialmente as Cartas – os preconceitos contra a maçonaria – mantêm-se atuais na sociedade portuguesa, como então. Mostrando-se premente o esclarecimento das pessoas, um imperativo fundamental para a transformação das mentalidades. 

Esta obra é de leitura essencial para todas as pessoas que pretendam ser esclarecidas quanto ao tema da maçonaria, e em particular obrigatória para aqueles que abraçam a via do aperfeiçoamento pessoal através da maçonaria, de forma a compreender algumas das razões históricas porque em Portugal os maçons e a maçonaria continuam a ser vítimas de um anátema social”

[Manuel Pinto dos Santos, in Prefácio, Cartas sobre a Framaçoneria, pp. 7-17 - sublinhados nossos]

J.M.M.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

A MAÇONARIA ENTRE A FORCA E O CACETE, ENTRE O MITO E A REALIDADE (1807-1834)




AUTOR: Fernando Marques da Costa;
EDIÇÃO: Campo da Comunicação, Maio 2018, p. 612


LANÇAMENTO:

DIA: 19 de Junho 2018 (19,00 horas);
LOCAL: Grémio Lusitano (Rua do Grémio Lusitano, 25, Lisboa):
ORADOR: Fernando Lima, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano.

ORGANIZAÇÃO: Instituto de Estudos Maçónicos

Durante o século XIX e parte do XX o essencial da história da Maçonaria portuguesa foi redigida por maçons, assente mais em 'tradições' do que em documentos e apoiada pelo memorialismo e pela historiografia liberal. Ora o século XIX caracteriza-se por uma atenção especial dada à história atribuindo-lhe uma utilidade social, política e ideológica. Essa função social é construída por uma releitura do passado como elemento identitário. A Maçonaria construiu uma memória histórica composta por uma realidade selectiva, que iludia e silenciava outras. Construiu, assim, um arquétipo historiográfico que durante muito tempo dificultou uma leitura mais serena e objectiva do que foi a sua realidade.

Talvez hoje valha a pena preferir a realidade ao mito, por muito que isso custe: os mitos são mais arrebatadores que a realidade” [da contracapa]

[ANOTAÇÃO NOSSA]: Este noviciado e estimulante livro de Fernando Marques da Costa - que decerto dará origem a curiosas e viçosas polémicas na historiografia maçónica - reúne (em sua primeira parte) um interessante e apreciado conjunto de textos e “episódios da história da Maçonaria em Portugal” (entre 1807 e 1834) que são aqui severamente desconstruídos. Tais episódios, que exerceram (e exercem) uma marca pedagógica relevante, quer na celebração e triunfo revolucionário do constitucionalismo liberal quer no ideário e memória do maçonismo (com o qual se confunde), resultam, segundo o próprio, numa desmedida ritualização de mitos evocativos, acentuando posicionamentos irredutíveis e “visões mitificadas” no panteão maçónico, produzindo, a partir dessas “leituras erradas”, vários e românticos “mitos historiográficos” liberais e maçónicos, que a muitos iluminaram e iluminam. 

[anotemos alguns dos episódios referidos: “Inquisição. Um mito a revisitar” e “O surto das Lojas Portuguesas e a preocupação com a faísca da sedição” (a condenação e perseguição à Maçonaria não seria acompanhada, no seu inicio, por um “combate doutrinário” sustentado contra ela, preocupação que só é verificável posteriormente à Revolução Francesa e a implicação daí decorrente no espaço maçónico); “A Grande Reunião de 1801” (análise das fontes historiográfica maçónicas onde se patenteia e descreve o processo de criar uma estrutura organizativa maçónica nacional, a formação do GOL); “Sousa Coutinho Maçon?”; “A estranha prisão de Hipólito José da Costa” e “A missão de Hipólito José da Costa e a criação do Grande Oriente Lusitano”; “Os motins de Campo de Ourique”, “O Conselho Conservador, a Maçonaria e os Modelos Conspirativos” e, ainda, “O Conselho Conservador, uma organização paramaçónica?”; “Gomes Freire de Andrade. O Mártir do Mito” e “Gomes Freire de Andrade e o Neotemplarismo” (reprodução de partes do anterior livro de Marques da Costa, “Gomes Freire de Andrade. O Mártir do Mito, Setembro, 2017); “A Setembrizada. Rutura e Mudança”; ”O Sinédrio e a Maçonaria. Os Labirintos da História” (importante reflexão sobre a relação entre o Sinédrio e a Maçonaria, com curiosas referências ao maçonismo de Manuel Fernandes Tomás)]

Estamos, neste construído operativo, no “grande rio da história” (Fernando Catroga) onde o constitucionalismo português e o maçonismo caminham a par com a “entificação da ideia do progresso”. Não cumpre, aqui, dar sentido a essa “exaltação paradigmática”, por muito esforçada que ela nos pareça. Seja-nos permitido dizer que não nos é relutante admitir que a maçonaria não exerceu uma acção de especial relevo a partir dos “conventículos maçónicos”, antes da constituição (1804) do Grande Oriente Lusitano (GOL), aliás conforme a autorizada reflexão de Marques da Costa. E assumir, que depois da sua constituição e expansão, o dissídio entre as maçonarias foram tão acentuadas (tenha-se em conta a restauração da Carta) que o GOL se torna ela mesma uma força conservadora, bloqueando “os ímpetos revolucionários”. Estávamos ainda longe da unidade maçónica, isto é da formação (1869) do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU), sob o malhete do Conde de Paraty. Saber se esse especial momento permite de imediato dar origem a novas alterações ideológicas que sejam instrumentos de novas realidades militantes (caso de 1820) e se, posteriormente, tenha conduzido a uma sociabilidade política aguerrida no combate político após a vitória (1834) sobre o despotismo miguelista, não é assunto de momento (ver, a esse propósito, além das diferentes análise de Marques da Costa, o importante texto de Fernando Catroga, “A Maçonaria e a Restauração”, Revista de História das Ideias”, vol. 7, 155-181). Apenas cumpre, em clarificação, revisitar as ruturas (sempre) existentes na corrente do liberalismo constitucional português e no campo maçónico, e disso darmos conta e apreço, para se entender o tempo, o espaço e a dimensão da (re)construção do mito e da verdade.

Merece, porém, o excelente e merecedor estudo de Marques da Costa umas breves anotações.

A primeira reside na competente exegese interrogativa acerca da "credibilidade das fontes” e “os modelos interpretativos até hoje utilizados na leitura desses episódios” (p. 355) da mitologia maçónica. Estamos, deste modo, perante a velha querela do problema da conceituação teórica e sua legitimação; estamos, ainda e para o que nos interessa por agora, perante o problema da natureza narrativa da história e do seu ordenamento, onde, nos parece, que a “caça aos factos” (na impossibilidade de aceder a muitas das fontes primárias, porque inexistentes, dada a sua destruição nos ominosos tempos do absolutismo) não poderá por em causa um certo “discurso narrativo” (Ricouer) de acontecimentos (e a sua preservação), muitos deles de natureza memorialística e alguns narrados no espaço periodista, verificando-se o competente exame crítico dessas ocorrências a partir e mediante o entrecruzamento de outras fontes de transmissão documental, para que não se transforme a “memória em mercadoria”.

Isto é, se a narrativa e a tradição maçónica pode (também) ser entendida a partir de uma série de acontecimentos construídos ao mesmo tempo que as suas narrativas – “o acontecimento ocorre no discurso” – nos termos das conjecturas dos seus actores, então na evocação do seu passado não se deve perder o “jogo da descontinuidade” e a sua “dimensão episódica” (tempo real e de acção) a pretexto de uma qualquer aparência de continuidade específica [a tal exaltação paradigmática desse “grande rio da história”], que o torna simbolicamente ininteligível aos seus leitores. Se, de facto, algumas das narrativas pessoais criadas são meras seduções políticas dos seus protagonistas ou dos seus publicistas [exemplo: a formação do GOL, a “Conspiração de 1817”, “O Sinédrio” ou a perseguição da “Inquisição” à “pedreirada”], e que fomentaram ritos de recordação, esse rumor tornado mito, não deixando de ser um curioso labirinto entre a demanda da “realidade” e a edificação de uma putativa “ficção”, então não se pode deixar de analisar a sua natureza, origem, concepção e evolução. Para se entender como o mito tem sido alimentado e florescido em crença até aos nossos dias.  

Uma segunda questão, necessariamente ligada à anterior, trata do problema da historiografia liberal e maçónica oitocentista, sem dúvida assaz complexa, em ligação com as provas preliminares da relação estabelecida entre os maçons, entre estes e as lojas e a rede de sociabilidade daí resultante. As curiosas ramificações clandestinas dessas “histórias variáveis”, a relação entre o “ser” e o “conhecer” dessa rede relacional, ou “afinidades conviviais” (p.361) não pode ser entendida fora dessa res gestae que foi o período do Triénio Liberal [e em Espanha, comparativamente; veja-se, por expl., Irene Castells, La Utopia insurrecional del Liberalismo, Barcelona, 1989] que produziu um vínculo interpessoal e político extraordinário e que foi um acontecimento ou epifania (re)fundadora da matriz identitária das maçonarias ibéricas.

De facto, o período revolucionário nos Estados Peninsulares (1820-1823) viu nascer no tronco comum da maçonaria novas formas de sociabilidade política (carbonarismo, as sociedades patrióticas, os clubes e associações paramaçónicas – ver José Manuel Martins, Os Estados Peninsulares e as Sociedades Patrióticas, Comissão Liberato, 2016), que conservando (algumas) o seu primitivo carácter iniciático rapidamente abandonaram os seus aspectos filantrópicos e confluíram para um ativismo romântico em que jogaram importante papel político contra o absolutismo, sem que a(s) maçonaria(s), elas mesmas, tenham criado essa mesma oposição. Quer isto dizer que as dissidências maçónicas [curiosamente sobre o papel da Maçonaria em Espanha neste período, J. A. Ferrer Benimeli não dá importância ao papel das lojas, não considera as lojas “irregulares” ou “selvagens” como maçonaria, estabelecendo o pressuposto teórico de apenas se considerar a maçonaria como uma sociedade secreta de caraterísticas iniciáticas – vide Castells, 1989] introduziram uma nova leitura e complexidade ideológica, novas formas de luta política, onde a documentação, por motivos de resguardo, não existia.   

Portanto, cumpre dizer, se é certo que a escassez de fontes maçónicas nesse período [como foi dito, a documentação ou foi destruída ou nem existia] produz, na época pelos seus protagonistas ou depois pelos publicistas, uma sistemática construção ilusória e mitificadora da realidade inteligível (desse mesmo conhecimento, entenda-se), não menos certo é que uma visão inevitável que daí resulta, ao expor uma suposta esterilidade das práticas maçónicas fora da ritualística, não pode por si só conduzir e gerar sucessivos “mitos historiográficos” (note-se, apenas porque citado, a Conspiração de 1817), em prejuízo de um conhecimento visível pelos sinais que o exprimem (e são alguns, mesmo que fragmentados estejam) e pela luminosidade com que abraçaram a luta pelo constitucionalismo, como mais tarde pelo Livre Pensamento. Na verdade, se as revoluções fazem os seus revolucionários, a maçonaria cria os seus próprios maçons.

J.M.M.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

CONFERÊNCIA – “1728-1802 O DEALBAR DA MAÇONARIA EM PORTUGAL”

 


ORADOR: Manuel Pinto dos Santos;
DIA: 20 de Fevereiro (21,00 horas);
LOCAL: Rua do Patrocínio, nº19 B, Campo de Ourique [
Lisboa];
ORGANIZAÇÃO: Amigo da História

“O início da Maçonaria em Portugal no século XVIII nada teve em comum com o sistema de implantação maçónica em Inglaterra ou em França. Em Portugal estiveram ausentes do processo os alquimistas e os homens da ciência hermética; por outro lado, a Nobreza nunca esteve interessada em participar na Maçonaria, mesmo que se entenda esta como uma forma de mera sociabilidade típica da época. Coube aos literatos, principalmente ao médio e baixo clero, militares, académicos e uma emergente pequena burguesia a tarefa de implantar a Maçonaria em Portugal.

A coroa nem sempre perseguiu os maçons, pois precisava deles. Daí nunca ter dado o beneplácito régio à bula papal In Eminenti de 1738, nem à carta apostólica In Providas Romanorum de 1751.

O discurso de que a Maçonaria era jacobina por natureza, utilizado até à exaustão pelo intendente Pina Manique e pelo abade José Agostinho e Macedo, não teve tradução real até 1802, data em que Hipólito José da Costa Pereira foi enviado como mandatário de quatro lojas de Lisboa à Grand Lodge of England (Modernos) fazer o tratado, a partir do qual se constituiria a Grande Loja de Portugal em 1802” [AQUI]
 
FOTO: Avental do Grau 18 do Rito Escocês Antigo e Aceito, bordado a fio de ouro e linha sobre seda com aplicações de tecido, metal e lantejoulas. Séc XIX. – Museu Maçónico, aliás via Casa Comum.
 
J.M.M.