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sábado, 8 de abril de 2023

LOURENÇO 23 – POR ANTÓNIO VALDEMAR

 O centenário do nascimento de Eduardo Lourenço, cujas comemorações terão início a 23 de maio, vão celebrar em congressos, seminários e em colóquios, a obra e a intervenção cívica de uma das mais notáveis personalidades da cultura portuguesa. A Biblioteca Nacional de Lisboa tem em preparação uma exposição bio-bibliográfica, que pretende ser o mais exaustiva possível.

Os anos 20 do século passado, são uma época de ouro, o tempo em que nasceram, viveram, atuaram e faleceram poetas, escritores, dramaturgos, ensaístas, investigadores científicos e protagonistas políticos que intervieram, decisivamente, nas grandes questões contemporâneas, que se encontram vinculados à projeção da cultura e da sociedade portuguesa à escala nacional e, em algumas circunstâncias a uma dimensão internacional. Eduardo Lourenço é uma dessas grandes personalidades.

Eduardo Lourenço, nasceu a 23 de Maio de 1923, em São Pedro do Rio Seco, o princípio ou o fim da linha ferroviária da Beira Alta, o espaço de chegada ou de partida do comboio que trazia ou levava notícias e pessoas para a Europa.

Fez Eduardo Lourenço, os primeiros estudos secundários no liceu da Guarda, na cidade que é ponto mais alto de Portugal. Ele próprio assim a caracteriza, num texto que passou a ser referência obrigatória: «o nosso mar de terra e de pedra é a meseta contígua, matriz de onde nos separamos, espécie de deserto, de onde durante séculos inquietos (…) esperávamos (…) os nossos próximos castelhanos». Também Eduardo Lourenço a classifica «a mais portuguesa das fronteiras», mas «lugar de um diálogo com aqueles que foram os nossos adversários durante seculos».

As comemorações do centenário de Eduardo Lourenço terão início a 23 de Maio em São Pedro do Rio Seco, em Almeida e na Guarda. Vão prosseguir, com congressos, seminários e em colóquios em Coimbra, em Salamanca, em Bolonha, em Lisboa, em Évora e algumas cidades do Brasil. Além de uma exposição em itinerância nacional e internacional em cátedras e redes de leitorados. A Biblioteca Nacional de Lisboa tem em preparação uma exposição bio-bibliográfica, que pretende ser o mais exaustiva possível.

Numa carta a Jorge de Sena escreveu perentoriamente José Rodrigues Miguéis: «sofro de uma doença ingénita, hereditária, crônica, incurável que se chama Portugal». Há coincidências entre José Rodrigues Migueis e Eduardo Lourenço, mas também há diferenças complementaridades entre estes dois exilados políticos. Lourenço e citamos, por exemplo, duas obras: O Labirinto da Saudade (1978) questionou problemas muito mais complexos e muito mais profundos. Ao deter-se em Portugal Como Destino Seguido de Mitologia da Saudade (1999) sobre o modo como esse destino é miticamente determinado, recorre ao o seu saber (histórico, filosófico, literário), apresenta – nos uma imagem imparcial do ser português, na sua singularidade e universalidade, espelho, onde, observando-se, pode conhecer-se e aceitar-se «tal como foi e é, apenas um povo entre os povos. Que deu a volta ao mundo para tomar a medida da sua maravilhosa imperfeição».

Logo na primeira obra reunida em volume Heterodoxias (1949) Eduardo Lourenço distanciou-se ideologicamente dos seus amigos mais próximos. Sem fazer qualquer concessão política que o manteve sempre vigiado pela polícia política, e também à ortodoxia católica identificada com o regime de Salazar, Eduardo Lourenço rompeu com frontalidade contra a ortodoxia marxista e comunista que dominava entre os intelectuais de esquerda.

Todos os ciclos da criação poética, todos os ensaios filosóficos, todas as interpelações cívicas e todos os textos políticos de Antero de Quental (1842-1891) foram objeto de estudo e interpretação de Eduardo Lourenço, ao longo de mais de cinquenta anos. Encontram-se agora reunidos num único volume com o título genérico Antero, Portugal como Tragédia.

Para Eduardo Lourenço, Antero é «a maior referência intelectual portuguesa» e «o primeiro português que teve uma consciência trágica do destino humano».  E justifica que vários ensaístas, para retirar Antero do «lote dos suicidas anónimos», atribuem a procura desesperada da morte a depressões patológicas, a uma peripécia subjetiva ou, ainda, a uma tragédia sentimental, quando se trata do «último ato de uma vida que desejou tocar a face de Deus e não a encontrou». A essência do trágico resultado do «combate a rosto descoberto que destrói uma por uma, com uma espécie de raiva triste, todas as flores da ilusão, todas as esperanças que o nascer do dia oferece à alma humana».

Antero – considera Eduardo Lourençomarcou o início da nossa modernidade, representa «o seu próprio ato fundador». Verificou-se na criação poética – e esta é a primeira leitura literária profunda que se faz a partir das Odes Modernas – não apenas ao nível da ideia, das incursões no universo da filosofia; na poesia social, na «poesia revolucionária do futura», mas ao abrir caminho ao imaginário de Cesário Verde, de Camilo Pessanha e de Fernando Pessoa.

Teve, contudo, maior impacto na afirmação da modernidade o discurso inaugural das Conferências do Casino (1871) Causas da Decadência dos Povos Peninsulares. Introduziu uma revolução cultural que «nem é de natureza literária, nem política, nem mesmo ideológica ou banalmente filosófica, embora se traduza em todos estes planos, mas religiosa». Proposta sem precedentes em Portugal «no círculo da religião, não abstratamente visada, mas concreta, institucional», abrangendo todos os valores intocáveis, desde os da Pátria aos da Justiça, desde os da Ordem aos da Família.

Estabeleceu, pela primeira vez em público, um separar das águas, «um ajuste de contas da nossa cultura com ela mesma»

Os escritos de Eduardo Lourenço sobre Camões, conferem ao autor de Os Lusíadas uma amplitude que ultrapassa todos os outros autores que escreveram em língua portuguesa. Destaca a importância que Camões assumiu como criador da Língua, como expressão de vida e de cultura. Mais do que através de qualquer outro escritor, é através de Camões que Eduardo Lourenço consegue pensar Portugal, essa enigmática personagem coletiva que está sempre no centro dos seus interesses e dos seus sentimentos.

Ao abordar alguns aspetos genéricos de algumas obras representativas de Eduardo Lourenço, quando se aproximam as comemorações do centenário do seu nascimento, julgo revestir-se de oportunidade e interesse transcrever uma passagem da última entrevista que concedeu, em 2017, ao jornal Público: «Portugal não é uma ilha, mas vive como se fosse. Talvez por uma determinação de quase autodefesa. O que me admira mais não é a preocupação constante que temos em saber qual é a figura que fazemos no mundo enquanto portugueses. Todos os países terão à sua maneira essa preocupação. É o excesso dessa paixão. É preciso que não estejamos sempre a viver um Ronaldo colectivo, um «nós somos o melhor do mundo». Reflete, em muitos aspetos, o que predominou no intelectual e, também, no homem de convívio. 

Lourenlo 23 – por António Valdemar [Jornalista e investigador, membro da Classe de Letras da Academia das Ciências], publicado no Jornal Tempo Livre, Março-Abril de 2023 – com sublinhados nossos.

J.M.M.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

IN MEMORIAM EDUARDO LOURENÇO (1923-2020)

Só temos o passado à nossa disposição. É com ele que imaginamos o futuro” [E. L.]

Eduardo Lourenço, esse eterno “emigrante intelectual”, levou uma vida a apontar a luz desse “amor e morte” com que carregamos a Alma portuguesa. O murmúrio saudoso desse “profetismo” (vindo da casa de Garrett, Alexandre Herculano e Antero de Quental), entre sombra e nevoeiro, tem no entanto a aparência de esperança - mesmo se a nossa putativa “hiperidentidade” ainda nos angustie - pela “liberdade e vontade” de irmos percorrendo o caminho ao encontro com os outros e que mais não é que o “verdadeiro encontro connosco”.

Seguimos, de sol a prumo, o seu olhar pela ideia de Portugal, “essa espécie de milagre” que nos enlouqueceu, ali sitiado entre a velha nostalgia do império e a anomia da nossa crua realidade. Repensar Portugal seria na prática e progressivamente, em Eduardo Lourenço, a imperiosa “descentragem dos portugueses em relação á sua realidade”, a nível político e necessariamente histórico.

Entre a contemplação de um “passado glorioso” e a espera de um “futuro utópico”, Eduardo Lourenço foi propondo, para sair deste nosso “Labirinto” um novo discurso e um novo fio historiográfico. Que assim seja! Que assim aconteça! Vale.

Eduardo Lourenço faleceu hoje, 1 de Dezembro, na brisa deste luminoso dia da Restauração. Curiosa representação premonitória. Fica o verbo e a memória de um pensador, ensaísta, “filósofo da cultura”, poeta e professor, iluminado e único.

Até sempre Professor!

J.M.M.     

sábado, 31 de agosto de 2019

“A ESSÊNCIA DO TRÁGICO” OU “ANTERO, PORTUGAL COMO TRAGÉDIA”


"A essência do trágico” – por António Valdemar, in Caderno E, Expresso

Para Eduardo Lourenço, Antero de Quental, marcou o início da modernidade literária no nosso país

"Todos os ciclos da criação poética, todos os ensaios filosóficos, todas as interpelações cívicas e todos os textos políticos de Antero de Quental (1842-1891) foram objeto de estudo e interpretação de Eduardo Lourenço, ao longo de mais de 50 anos. Encontram-se agora reunidos num único volume com o título genérico Antero, Portugal como Tragédia. Destaca-se, em apêndice, um relatório da PIDE — arquivado na Torre do Tombo — acerca da conferência que Lourenço fez sobre Antero, em 1971, no Teatro Gil Vicente, em Coimbra, mencionando nomes de professores e alunos da Universidade de Coimbra que assistiram.

Para Eduardo Lourenço, Antero é “a maior referência intelectual portuguesa” e “o primeiro português que teve uma consciência trágica do destino humano”. E justifica que vários ensaístas, para retirar Antero do “lote dos suicidas anónimos”, atribuem a procura desesperada da morte a depressões patológicas, a uma peripécia subjetiva ou, ainda, a uma tragédia sentimental, quando se trata do “último ato de uma vida que desejou tocar a face de Deus e não a encontrou”. A essência do trágico resulta do “combate a rosto descoberto que destrói uma por uma, com uma espécie de raiva triste, todas as flores da ilusão, todas as esperanças que o nascer do dia oferece à alma humana”.
Antero — considera Eduardo Lourenço — marcou o início da nossa modernidade, representa “o seu próprio ato fundador”. Verificou-se na criação poética — e esta é a primeira leitura literária profunda que se faz a partir de “Odes Modernas” — não apenas ao nível da ideia, das incursões no universo da filosofia; na poesia social, na “poesia revolucionária do futuro”, mas ao abrir caminho ao imaginário de Cesário Verde, de Camilo Pessanha e de Fernando Pessoa. Teve, contudo, maior impacto na afirmação da modernidade o discurso inaugural das Conferências do Casino (1871): “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”. Introduziu uma revolução cultural que “nem é de natureza literária, nem política, nem mesmo ideológica ou banalmente filosófica, embora se traduza em todos estes planos, mas religiosa”. Proposta sem precedentes em Portugal, “no círculo da religião, não abstratamente visada, mas concreta, institucional”, abrangendo todos os valores intocáveis, desde os da pátria aos da justiça, desde os da ordem aos da família.

Estabeleceu, pela primeira vez em público, um separar das águas, “um ajuste de contas da nossa cultura com ela mesma”. Atingiu o legado doutrinário imposto pelo Concílio de Trento, que amordaçava a liberdade de consciência e todas as outras liberdades e instaurou o Tribunal da Inquisição, implantando o catolicismo dogmático e intolerante. Antero avançou, entretanto, com a urgência de uma rutura frontal. As Conferências do Casino foram proibidas pelo Governo e encerradas pela polícia.

Decorridos 150 anos, apesar dos Concílios do Vaticano e das encíclicas que surgiram, a polémica não perdeu atualidade. Continua a ser — acentua Lourenço — uma questão “recalcada, diluída, escamoteada, não apenas na ordem das ideias (que é essencial) mas nos efeitos delas, no plano dos sentimentos, dos afetos, dos rituais privados e públicos que os encarnam”.
Posto isto, Eduardo Lourenço observou, em 1991, e volta a repetir hoje: “A cem anos da sua voluntária morte, Antero ainda tem inimigos. E merece tê-los. O horror seria que os não tivesse. (…) A visão unanimista da Geração de 70 que tem nele o seu ícone cultural esconde mal os conflitos, os antagonismos, as rivalidades, surdas ou clamadas, que, com matéria viva, o atravessaram.” Antero deixou uma obra que “é a estrela negra, fascinadora e repulsiva. (...) A configuração trágica da obra e da vida de Antero — a primeira entre nós que assumiu esse perfil — é odiosa a gregos e troianos”.

Nestes ensaios, Eduardo Lourenço apresenta-nos uma visão original e clarificadora da problemática anteriana do “prosador e do poeta de génio” e outro aprofundamento do homem múltiplo e trágico. A exigência da palavra verifica-se nos mais diversos textos. Aliás, Vitorino Nemésio, mal saiu a “Heterodoxia”, livro de estreia de Eduardo Lourenço, em 1949, alertou para “um nervo e uma elegância que farão a inveja de muitos prosadores”. Confirmou-se. Eduardo Lourenço, que integra uma geração de escritores consagrados (Vergílio Ferreira e Carlos de Oliveira são exemplos incontestáveis), é também um dos grandes escritores da língua portuguesa”



Antero, Portugal como tragédia, Eduardo Lourenço, FCG, 2019, 666 pp.
 
A essência do trágico – por António Valdemar [Jornalista e investigador, membro da Classe de Letras da Academia das Ciências], revista E, Expresso, 31 de Agosto de2019, pp. 64 – com sublinhados nossos

 
António Valdemar

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

CONFERÊNCIAS JOAQUIM DE CARVALHO NA FIGUEIRA DA FOZ


CONFERÊNCIA: "A Filosofia da Saudade e a Saudade da Filosofia”;

ORADORES: Eduardo Lourenço | José Carlos Seabra Pereira | João Tiago Pedroso de Lima;
MODERADOR: Paulo Archer de Carvalho;

DIA: 9 de Outubro 2015 (21,00 horas);
LOCAL: Centro de Artes e Espetáculos (Figueira da Foz);


Integrado nas “Conferências Joaquim de Carvalho” (que continuará, em próxima sessão, no dia 23 de Outubro) - sob coordenação científica do professor Paulo Archer de Carvalho e o apoio do Município da Figueira da Foz, o C.A.E., a Biblioteca Pública Municipal Pedro Fernandes Tomás, o Museu Municipal Santos Rocha e o Arquivo Fotográfico Municipal -, realizar-se-á uma conferência, subordinada ao tema, “A Filosofia da Saudade e a Saudade da Filosofia”, no próximo dia 9 de Outubro.

A não perder.

J.M.M.